sexta-feira, 23 de mar�o de 2012
Direito de Fam�lia e Direito das Sucess�es
Neste nosso quarto encontro vamos ver o problema do Direito de Fam�lia e do Direito das Sucess�es quando est�o envolvidos elementos de conex�o estrangeira. S�o as regras da Lei de Introdu��o �s Normas do Direito Brasileiro que cuidam do Direito Internacional Privado relacionado � fam�lia e �s sucess�es.
Nada mais � do que a continua��o das regras que vimos na aula passada. Vimos as regras da capacidade, da personalidade, e das obriga��es. Veremos as principais regras da Lei de Introdu��o.
Na pr�xima aula teremos mat�ria nova e exerc�cios tamb�m.
O que estamos falando em Direito de Fam�lia e Direito das Sucess�es? Casamento envolvendo estrangeiros, div�rcio envolvendo brasileiro com estrangeiro, ou dois brasileiros no exterior, e fen�menos sucess�rios com bens situados em diferentes pa�ses, de propriedade de indiv�duos de m�ltiplas nacionalidades e domic�lios. Essas s�o basicamente as situa��es f�ticas com que vamos lidar aqui.
Quando falamos em Direito de Fam�lia, a primeira regra que aparece � a do pr�prio art. 7�, caput.
Art. 7� A lei do pa�s em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o come�o e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de fam�lia.
Mas temos regras mais espec�ficas que se aplicam tamb�m. � 1�:
� 1� Realizando-se o casamento no Brasil, ser� aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e �s formalidades da celebra��o.
Impedimentos dirimentes e formalidades do casamento. Os impedimentos s�o quest�o de subst�ncia, de fundo, enquanto as formalidades referem-se �... forma! Tal como um contrato tem as quest�es relativas � forma e � subst�ncia.
Se o casamento � realizado aqui no Brasil, aplica-se a lei brasileira quanto �s formalidades e aos impedimentos dirimentes. S�o os da lei brasileira os utilizados. Formalidade, por exemplo, � a obrigatoriedade de se realizar a portas abertas. Tamb�m tem o n�mero necess�rio de testemunhas, a f�rmula vinculat�ria (a frase “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados.”, desde de que civil o casamento). A formalidade tem que ser brasileira.
E o impedimentos dirimentes? S�o, por exemplo, os relacionados � pessoa j� casada. Al�m de estar-se incorrendo em um impedimento dirimente no campo c�vel, tamb�m incorre-se num crime chamado bigamia, que est� tipificado no art. 235 do C�digo Penal.
Esses s�o os impedimentos dirimentes. Pai com filha, adotante com adotado, afins em linha reta, irm�o e colaterais at� terceiro grau, etc. Est�o dispostas no art. 1521 do C�digo Civil brasileiro. Por isso que esta mat�ria pressup�e um conhecimento de Direito de Fam�lia e Direito das Sucess�es.
Isso nada mais � que remeter a quest�o de forma � regra lex loci celebrationis. Para a forma e os impedimentos, vale a regra do local da celebra��o do casamento, ou seja, se resolverem casar-se no Brasil, dois estrangeiros ou quaisquer pessoas ter�o que seguir a formalidade brasileira e as regras sobre impedimentos previstas no C�digo Civil brasileiro.
A interpreta��o reversa tamb�m � verdadeira: casamento realizado no exterior segue a forma e os impedimentos do local em que for celebrado. Parece �bvio? Sim. Mas tem implica��o direta. N�o � porque o casamento foi realizado no exterior que voc� n�o � casado. Lei de Introdu��o, art. 17: atos praticados l� fora produzem efeitos para dentro de nosso territ�rio. Essa � a interpreta��o reversa. Outra coisa a se observar � que, no meio da discuss�o toda, existem pondera��es que precisam ser feitas:
Art. 17. As leis, atos e senten�as de outro pa�s, bem como quaisquer declara��es de vontade, n�o ter�o efic�cia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem p�blica e os bons costumes.
Temos disposi��o � que interpretada de forma reversa de que o que � feito l� fora vale no Brasil. Mas temos uma atenua��o. Vale, desde que n�o fira a ordem p�blica, os bons costumes e a soberania nacional. E o que � ordem p�blica? Normas abertas! Isso varia no tempo; � fun��o do tempo. O que era bom costume h� 50 anos talvez j� n�o seja considerado hoje, e o que era tido como mau costume antes pode ser considerado bom hoje. Isso porque temos uma norma que manda que observemos o que colide com esses conceitos fluidos.
Exemplo para o racioc�nio: casamento polig�mico na �frica do Sul. L�, o casamento polig�mico � admitido em algumas tribos. O Presidente Sul-africano atual, Jacob Zuma, � da tribo Zulu, e tem seis mulheres. Quem � a primeira dama? Deve ser um permanente aborrecimento entre elas. Ent�o digamos que estamos falando de um cidad�o comum sul-africano, levemente abastado, que j� tem tamb�m, por acaso, seis mulheres. A �frica do Sul � um dos mais desenvolvidos pa�ses da �frica. O sul-africano veio ao Brasil e se apaixonou por uma brasileira, e quer se casar com ela. J� tem suas seis. Pergunta: ele pode ou n�o se casar no Brasil? Qual ser� a forma? A brasileira. Os impedimentos dirimentes brasileiros n�o permitem a poligamia. Art. 1521 do C�digo Civil, inciso VI.
O que o art. 17 diz para n�s? Que n�o t�m efic�cia no Brasil atos contr�rios ao que consideramos como bons costumes. Essa � uma no��o flex�vel, mas podemos considerar a poligamia como um ato contr�rio aos bons costumes. A pergunta, ent�o, �: o fato de ser casado l� na �frica do sul produz efeitos no Brasil? N�o. Isso leva a que, segundo o art. 17, ele poderia sim se casar de novo, desta vez no Brasil, j� que seu casamento l� n�o teria produzido efeitos aqui. Mas � uma interpreta��o n�o aceita. Vamos ver outras.
Segunda interpreta��o: o cidad�o sul-africano � casado pelo menos uma vez, e, sendo casado, ele n�o pode se casar aqui no Brasil. Temos sempre que tomar cuidado com o art. 17 da Lei de Introdu��o. Obviamente, uma pessoa casada n�o pode se casar aqui no Brasil, e isso � o que � mais aceito aqui na doutrina. A quest�o da efic�cia jur�dica � no sentido de o fato jur�dico casamento realizado no exterior n�o produzir efeitos aqui.
Casamento no Brasil tem impedimento conforme a lei brasileira, forma brasileira, o sujeito � casado, ent�o n�o pode se casar aqui. A interpreta��o anterior era de que, por esse casamento n�o produzir efeitos jur�dicos em territ�rio brasileiro, segundo o art. 17 o sul-africano n�o � casado. Poderia se casar no Brasil.
Terceira interpreta��o: no limite, ele � casado pelo menos uma vez. H� pelo menos uma produ��o m�nima de efeitos jur�dicos, que � o primeiro casamento, o que faz com que ele seja considerado casado, o que implica em que ele n�o pode se casar no Brasil depois de j� casado pelo menos uma vez na �frica do Sul. O que vale � a primeira. O resultado da diferen�a entre a primeira e a terceira interpreta��o � nenhum; s� muda a forma de olhar o problema.
Casamento consular e casamento diplom�tico
Vamos raciocinar em cima da regra.
A segunda regra � o casamento consular ou diplom�tico. Isso n�o significa que � um casamento entre c�nsules ou entre diplomatas. � simplesmente no sentido de que o casamento � realizado dentro do estabelecimento consular ou da embaixada de um Estado. Por que isso � poss�vel? Porque o c�nsul pode casar algu�m? Em 1963, v�rios pa�ses, inclusive o brasileiro, assinaram a Conven��o de Viena sobre Direito Consular. Nela h� um artigo que trata das compet�ncias do c�nsul. Entre eles, a realiza��o de alguns atos notarais, definidos por cada pa�s. Praticamente todos os pa�ses do mundo ratificaram essa conven��o. Ent�o permite-se o casamento celebrado por c�nsules.
O que � o casamento consular? Aqui no Brasil tem consulado dos Estados Unidos, da Fran�a, da Alemanha, da �frica do Sul. Nada mais � que um casamento realizado em cada um desses consulados dentro do territ�rio brasileiro. A pergunta �: no consulado da Alemanha pode haver um casamento entre um brasileiro e uma alem�? Para saber isso, temos que ler o � 2� do art. 7� da Lei de Introdu��o:
� 2� O casamento de estrangeiros poder� celebrar-se perante autoridades diplom�ticas ou consulares do pa�s de ambos os nubentes.
Casamento de estrangeiroS. Consulado n�o celebra casamento de nacional com nacional daquele pa�s em cujo consulado est�.
O consulado alem�o aqui pode celebrar casamento entre dois alem�es? Pode. E entre um alem�o e uma francesa? Olhe parte final do � 2� do art. 7� transcrito acima: “do pa�s de ambos os nubentes”. Do pa�s de ambos, e n�o dos pa�ses de ambos! O consulado s� pode celebrar casamento entre conacionais.
Pode haver ambiguidade na leitura desse dispositivo. Conseguir�amos fazer uma interpreta��o bem literal e achar que pode-se permitir o casamento de um alem�o com uma francesa, mas n�o temos muita coisa escrita sobre isso. Uma das raz�es para n�o se fazer isso � evitar fraudes. Dificilmente o consulado consegue fazer a verifica��o de informa��es de um estrangeiro.
E a pergunta �: dois brasileiros podem se casar no consulado brasileiro nos Estados Unidos? Claro. Brasileiros fora do Brasil podem se casar nos respectivos consulados brasileiros no exterior. A interpreta��o reversa tamb�m � poss�vel: um alem�o e uma alem� podem se casar num cart�rio comum aqui no Brasil. Pergunta: por que se casariam no consulado de seu respectivo pa�s ou num cart�rio comum brasileiro? Se o casal est� pretendendo voltar para seu pa�s, a transcri��o ser� muito mais simples e eles n�o precisar�o gastar dinheiro com uma s�rie de burocracias, inclusive tradu��o, se resolverem fazer em seu pr�prio consulado.
Observa��o: alem�o e francesa s� podem se casar aqui no Brasil no cart�rio brasileiro comum, e n�o no consulado de qualquer um deles.
Regime de bens do casamento
Outra disposi��o, que tamb�m � bastante interessante, � com rela��o ao regime de bens no casamento. A coisa mais comum � ter a aplica��o dessa primeira parte da norma do � 4� do art. 7� da Lei de Introdu��o:
� 4� O regime de bens, legal ou convencional, obedece � lei do pa�s em que tiverem os nubentes domic�lio, e, se este for diverso, a do primeiro domic�lio conjugal.
Peguemos duas pessoas domiciliadas no Brasil. N�o estamos falando na nacionalidade deles. Se t�m domic�lio aqui no Brasil, ent�o o regime de bens segue a lei brasileira.
Essa � a hip�tese mais comum. Pode ser um franc�s com uma brasileira, dois brasileiros, um franc�s com uma alem�, desde que tenham domic�lio no Brasil e o casamento tenha sido celebrado aqui no pa�s.
A quest�o se complica quando o domic�lio dos nubentes for diverso. Uma pessoa domiciliada no Brasil e outra na Argentina. Os domic�lios dos nubentes s�o distintos. Se conheceram no Facebook, bateram um papinho, gostaram do teor dos caracteres um do outro e decidiram: “vamos nos casar.” Vieram para o Brasil. Celebraram o casamento aqui. Casaram aqui e estabeleceram o primeiro domic�lio conjugal tamb�m aqui no Brasil. Os domic�lios antes do casamento eram diversos; casaram no Brasil e estabeleceram o primeiro domic�lio conjugal no Brasil. Segue, portanto, a lei brasileira.
Problemas? Sim. Imaginemos esse mesm�ssimo caso, com a diferen�a de que, agora, eles resolveram estabelecer o primeiro domic�lio conjugal na Argentina. Os nubentes n�o convencionaram um regime de bens, ent�o aplicar-se-ia, se o Brasil fosse eleito, o regime legal, que � a comunh�o parcial. Segundo a lei brasileira, eles estariam sob comunh�o parcial de bens. Mas eles estabeleceram o primeiro domic�lio conjugal na Argentina. Digamos que l�, quando n�o se convenciona, por hip�tese, o regime � o da separa��o total. Hip�tese, hein! O regime de bens desse casamento � separa��o total ou comunh�o parcial? Separa��o total.
Isso n�o acontecia muito em 1942, mas hoje a mobilidade das pessoas � muito maior. H� pessoas que se conhecem enquanto navegando em redes sociais pelo Iphone durante a viagem de trem, v�em a foto em baixa resolu��o um do outro, apaixonam-se e depois se encontram. Alguns at� se casam.
E se depois esse casal se mudou para a Fran�a, depois para a Alemanha, depois para a Mal�sia, depois para o Brasil, e se divorciaram? O que vale � o primeiro domic�lio conjugal, no caso, a Argentina. � uma norma um tanto anacr�nica. O legislador de 1942 imaginou que o primeiro domic�lio conjugal seria onde se estabeleceriam rela��es do casal com a comunidade.
O problema � quando um regime n�o existe em outro pa�s. Da� o casal teria que procurar a legisla��o an�loga � LINDB daquele pa�s.
E quando os nubentes querem mudar o domic�lio conjugal? Precisariam divorciar-se para se mudar, separados, para outro pa�s, e ent�o casarem-se novamente, para ent�o ter a chance de estabelecer um novo primeiro domic�lio conjugal? N�o, n�o � t�o trabalhoso assim. Eles podem fazer um acordo em que estabelece-se que o primeiro domic�lio conjugal � tal. Orientem seus amigos que estiverem se casando com estrangeiras! A regra � do domic�lio, e n�o da nacionalidade.
Div�rcio
Outro ponto � com rela��o ao div�rcio. Est� no � 6� do art. 7�.
� 6� O div�rcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os c�njuges forem brasileiros, s� ser� reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da senten�a, salvo se houver sido antecedida de separa��o judicial por igual prazo, caso em que a homologa��o produzir� efeito imediato, obedecidas as condi��es estabelecidas para a efic�cia das senten�as estrangeiras no pa�s. O Superior Tribunal de Justi�a, na forma de seu regimento interno, poder� reexaminar, a requerimento do interessado, decis�es j� proferidas em pedidos de homologa��o de senten�as estrangeiras de div�rcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. (Reda��o dada pela Lei n� 12.036, de 2009).
Entre 1942 e 1977 n�o existia div�rcio no Brasil. Em 1960, s� havia separados, mas n�o divorciados. De 1977 a 2010, com algumas mudan�as, o div�rcio dependia de dois prazos: um ano da separa��o judicial ou dois anos da separa��o de fato. Em 2010, veio a Emenda Constitucional n� 66, instituindo o div�rcio direto. N�o se precisa mais esperar nada. Pode-se peticionar diretamente pelo div�rcio.
Essa regra reflete o que existia antes de 2010. Ela pretendia projetar para fora a necessidade de alguns prazos serem cumpridos. A primeira frase desse par�grafo, desde a Emenda 66, n�o faz mais sentido. O que continua valendo � a necessidade de homologa��o da senten�a estrangeira pelo STJ. Ou seja, o div�rcio realizado no exterior precisa ser homologado. Por que n�o precisa homologar casamento mas sim o div�rcio? Porque temos consequ�ncias patrimoniais, consequ�ncias relativas � guarda dos bens, ent�o o processo � mais r�gido. Essa homologa��o � feita onde? No STJ. Passa por um rito que vamos ver em aula futura sobre homologa��o de senten�a estrangeira.
Quando virmos essa disposi��o, tomem cuidado. N�o existem mais prazos, mas ainda � necess�ria a homologa��o da senten�a estrangeira pelo STJ.
Podemos pensar em coisas interessantes: entre 1942 e 1977, n�o existia div�rcio no Brasil. Como se divorciava? Ou se Deus quisesse acabar com aquele casamento, mediante a morte, ou atrav�s de outra forma que as pessoas encontraram, que era viajar. Mas isso levava ao problema do reconhecimento da senten�a estrangeira. No processo de homologa��o, em que a pondera��o do art. 17 tamb�m � feita, para todos os efeitos no Brasil os divorciantes continuavam casados. Um div�rcio realizado no estrangeiro em 1950 poderia bater no muro do art. 17 da LINDB quando da tentativa de homologa��o da senten�a, pois o Judici�rio Brasileiro poderia entender que o div�rcio � ato que contrariaria os bons costumes. Talvez no exterior eles pudessem se casar de novo.
Pequena regra sobre bens, antes de passar para as sucess�es: LINDB, art. 8�:
Art. 8� Para qualificar os bens e regular as rela��es a eles concernentes, aplicar-se-� a lei do pa�s em que estiverem situados.
[...]
Um bem em determinado pa�s se rege pelas leis onde estiver situados. Im�veis, por exemplo, t�m rela��o visceral com o Estado em que se situam. Direitos Reais. A rela��o territ�rio-bem � intr�nseca; eles andam de m�os dadas. A regra diz que, quando o bem � considerado em sua singularidade, aplica-se a lei do local. Lex loci rei sitae.
Usucapi�o de um bem im�vel, de propriedade de um cidad�o norte-americano, localizado no Brasil se dar� segundo a lei norte-americana ou lei brasileira? Lei brasileira, claro. O crit�rio � o da localiza��o dos bens. Isso quando o bem � tomado em sua dimens�o estrita, em sua singularidade.
Outra coisa � o bem que faz parte de um patrim�nio, de algo mais amplo, de uma universalidade, de um todo unit�rio. Existem regras espec�ficas que se aplicam, ent�o: bem que faz parte de uma massa falida, de uma partilha, de um esp�lio. N�o conseguimos destacar o bem de uma rela��o singular, porque ele faz parte de algo maior. Assim como o bem de fam�lia.
Sucess�es
No Direito Sucess�rio, existem duas teorias com rela��o � divis�o dos bens. Teoria unitarista – uti universitas – e teoria pluralista. A segunda trata de fragmenta��o: aplica��o do Direito de diferentes pa�ses dependendo da localiza��o dos bens.
Do ponto de vista do conflito de leis no espa�o, quando se fala em Direito unit�rio ou plural, fala-se do Direito Material aplicado. � simplesmente dizer que se aplica s� um Direito, ou v�rios Direitos. Exemplo: a sucess�o de um brasileiro com bens na Argentina e outros no pr�prio Brasil. Essa � a hip�tese para n�s. Segundo a teoria unitarista, aplicar-se-ia somente um Direito nesse fen�meno sucess�rio inteiro, que pode ser o Direito da Argentina ou o do Brasil. Qual � a regra? Aplicamos a regra do domic�lio.
Segunda hip�tese � a teoria plural. Para esse bem situado na Argentina, o processo seguiria a sucess�o da lei argentina, e para o bem sito em territ�rio brasileiro, o processo seguiria a lei brasileira. Aplicar�amos a lei do pa�s correspondente para as quest�es elementares da sucess�o. Ordem de voca��o heredit�ria, por exemplo: se, hipoteticamente, a lei argentina dispusesse que o c�njuge ocupa a segunda classe sucess�ria e n�o a terceira, como no Brasil (art. 1829 do C�digo Civil de 2002), ent�o aplicar�amos a ordem de voca��o heredit�ria segundo a lei brasileira para o bem situado no Brasil e a ordem de voca��o heredit�ria segundo a lei argentina para o bem situado na argentina. Se Adelino � brasileiro, n�o tem descendentes, mas tem ascendentes vivos e � casado, e sofre um acidente e morre, a sucess�o dele ser� feita, primeiramente, chamando-se seus descendentes, mas n�o existem descendentes; chamamos, ent�o, a segunda classe sucess�ria, que �, no Brasil, a dos ascendentes, que herdar� o bem situado no Brasil. Ao mesmo tempo, chamamos o herdeiro ocupante da segunda classe sucess�ria segundo a lei argentina, que, em nossa hip�tese, � o c�njuge, e n�o os ascendentes. O bem sito na Argentina ser� herdado pelo c�njuge, que ocupa a segunda posi��o na ordem de voca��o heredit�ria.
Em suma: teoria unit�ria, um s� direito. Teoria plural, mais de um.
Adota-se a teoria unit�ria do Brasil. Existe um consenso com rela��o � regra aplicada nas quest�es sucess�rias? O texto cai em prova! N�o existe nenhum consenso. A cr�tica do final do artigo � exatamente isso: cr�tica � teoria unit�ria.
Que pa�s adota a teoria unit�ria e que pa�s adota a teoria da fragmenta��o? Temos a teoria unitarista com base no domic�lio no Brasil, outros pa�ses adotam a teoria unitarista com base na nacionalidade. E h� pa�ses que adotam a fragmenta��o. Dentro da Europa h� pa�ses onde prevalece a teoria unitarista e outros onde vale a da fragmenta��o. Imagine sucess�o sobre im�veis localizados em v�rios pa�ses!
Art. 10 da LINDB:
Art. 10. A sucess�o por morte ou por aus�ncia obedece � lei do pa�s em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situa��o dos bens.
[...]
Qualquer que seja a situa��o dos bens! O Brasil usa a regra do �ltimo domic�lio do de cujus. � a teoria unitarista.
Problema: uma brasileira � casada com um �rabe, mas ele resolve voltar para a Ar�bia Saudita. Tem seu domic�lio l�, ela tem filhos com ele aqui no Brasil, e h� bens aqui no Brasil tamb�m. Imaginem tamb�m que, novamente por hip�tese, a mulher, segundo a lei saudita, n�o herda bens im�veis, ou as filhas herdam apenas 2% do patrim�nio do de cujus. O �rabe morreu, e o �ltimo domic�lio dele era a Ar�bia. Aplicar-se-ia o Direito �rabe. Mas h� por�ns:
� 1� A sucess�o de bens de estrangeiros, situados no Pa�s, ser� regulada pela lei brasileira em benef�cio do c�njuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que n�o lhes seja mais favor�vel a lei pessoal do de cujus.
Quando existem bens no Brasil, c�njuge ou herdeiros brasileiros, aplica-se a lei brasileira sempre que n�o lhe seja mais favor�vel a lei pessoal do de cujus. A lei mais favor�vel aqui � a lei brasileira, claro. Foi uma forma que o legislador brasileiro encontrou de proteger os eventuais herdeiros brasileiros caso a legisla��o estrangeira seja muito desfavor�vel. Isso se houver bens no Brasil.
Temos essa prote��o desde a Constitui��o do Imp�rio.
Quest�es finais sobre esta mat�ria: outro tipo de problema dentro da quest�o sucess�ria � aquele que se refere � capacidade do herdeiro. A capacidade tamb�m tem uma regra espec�fica: relaciona-se com o domic�lio do herdeiro. Ent�o vamos imaginar o caso de Suzane von Richthofen, com modifica��es ilustrativas. O domic�lio dela, digamos, era no exterior. Veio para o Brasil somente com o plano macabro de eliminar seus pais. Segundo essa norma, a capacidade sucess�ria de Suzane se d� de acordo com a lei brasileira ou com a lei do pa�s no qual ela tem domic�lio? Deste �ltimo. Pode ser que a lei do pa�s em que ela tem domic�lio preveja que, no caso da indignidade, a capacidade de herdar � regida pelo domic�lio do herdeiro. � 2� do art. 10 da LINDB:
� 2� A lei do domic�lio do herdeiro ou legat�rio regula a capacidade para suceder.
Outra forma de pensar � que a quest�o da indignidade n�o � a afetada pela regra de capacidade sucess�ria do candidato a sucessor, mas sim pela norma que rege a dignidade do pr�prio de cujus, e, o fazendo, isso � uma quest�o que tem que ser resolvida dentro da regra geral de seu �ltimo domic�lio. Paramos de olhar para o sucessor e sua capacidade (que � determinada pelo seu domic�lio) e passamos a olhar para o autor da sucess�o e seu �ltimo domic�lio.
Para finalizar: temos sempre que localizar o problema. � um bem? Est� dentro de uma quest�o sucess�ria? � relativo � capacidade do herdeiro? � outra quest�o? Temos que ver as regras relativas a esta quest�o. Pensem, agora, em um testamento. A pessoa fez um testamento fora do Brasil. A capacidade de testar � regida segundo qual Direito? Sa� do Brasil e fiz um testamento na Argentina. A minha capacidade para testar se d� de acordo com a lei brasileira ou a argentina? Capacidade se liga a qu�? Domic�lio, e n�o nacionalidade. Ent�o a resposta para isso est� no art. 7�, caput. Para que o ato seja v�lido, deve-se notar a capacidade segundo o domic�lio.
Art. 7� A lei do pa�s em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o come�o e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de fam�lia.
[...]
Outra pergunta: a validade extr�nseca do testamento, ou seja, a forma que o testamento deva ter se rege segundo a lei brasileira ou a argentina? A do local de celebra��o do ato. Lex loci celebrationis. Ca�mos numa pergunta de forma. Viu como tivemos que localizar o problema? � quase que um exerc�cio matem�tico de qualificar o problema. Uma vez qualificado determinamos a regra aplicada, e ent�o resolvemos. Ainda que o professor n�o concorde com a l�gica disto: o regime de bens ser regido pelo primeiro domic�lio conjugal. Por outro lado h� regras que o professor considera boas: domic�lio como regente da capacidade e da personalidade. Parece regra muito melhor do que da nacionalidade.