Corte de 92 na ciência

O Congresso Nacional aprovou nesta quinta (7) projeto que retira R$ 600 milhões de recursos previstos para o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) e destina o montante para uso em outras áreas.

O projeto atendeu a um pedido da equipe econômica do governo Bolsonaro.

Em agosto, o Ministério da Economia encaminhou ao Congresso o PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) que abriu crédito suplementar de R$ 690 milhões integralmente para o MCTI.

Nesta quinta, no entanto, o ministro Paulo Guedes enviou ofício à Comissão Mista de Orçamento do Congresso dizendo que o governo decidiu dividir os recursos com outros ministérios.

Assim, foi aprovado que o MCTI receberá apenas R$ 89,8 milhões. Os recursos específicos para projetos de ciência e tecnologia, que seriam R$ 655,4 milhões, tiveram redução de quase 99% e caíram para R$ 7,2 milhões.

A produção de radiofármacos, que também fica sob a guarda do MCTI, receberia um reforço de R$ 34,5 milhões. Esse valor mais que dobrou e chegou a R$ 82,5 milhões.

Com a autorização do Congresso, parte do recurso também será redistribuída a outras cinco pastas.

O Ministério do Desenvolvimento Regional receberá R$ 150 milhões para ações de proteção em áreas de risco. Outros R$ 100 milhões serão para integralizar cotas de moradia do Fundo de Arrendamento Residencial e R$ 2,2 milhões vão para obras de infraestrutura hídrica.

O Ministério da Educação vai receber R$ 107 milhões, para a concessão de bolsas de estudo no ensino superior e R$ 5 milhões para o desenvolvimento da educação básica

O Ministério da Saúde vai ficar com R$ 50 milhões para saneamento básico. O Ministério das Comunicações receberá R$ 100 milhões para apoio a projetos de inclusão digital.

Outros R$ 58 milhões serão para o Ministério da Agricultura, e R$ 28 milhões para o Ministério da Cidadania.

No caso dos 82,5 milhões destinados à Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), 63 milhões são exclusivos para a produção de radiofármacos. Outros R$ 19 milhões vão para o funcionamento das instalações laboratoriais que dão suporte operacional às atividades de produção, prestação de serviços, desenvolvimento e pesquisa.

A fabricação desses insumos foi interrompida no dia 20 de setembro por falta de recursos no Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares). O órgão enviou ofícios informando a interrupção no dia 14. O valor liberado pelo Congresso ainda é menor do que o necessário, já que a pasta solicitou R$ 89,7 milhões para manter a produção até dezembro.

“Dá-se com uma mão, para retirar com a outra. Nesse processo, agoniza a ciência nacional”, diz nota encaminhada ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), por oito entidades científicas.

Eles pedem que o corte seja revisto, já que, na sua visão, inviabiliza a ciência no país. Sem o dinheiro, poderá haver a perda de bolsas e a suspensão do Edital Universal do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), um dos mais importantes do Brasil.

O orçamento do CNPq vem caindo nos últimos anos. Ele passou de R$ 3,14 bilhões, em 2013, para 1,21 bilhão neste ano - o menor valor dos últimos 21 anos.

“Diziam que só nos tinham sobrado migalhas. Agora, decidiram levar embora até as migalhas. O pouco que tinha foi levado para outros ministérios”, diz Helena Nader, vice-presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências).

O Edital Universal do CNPq é considerado um dos principais instrumentos de fomento à ciência brasileira, já que apoia pesquisas de todas as áreas e de todos os graus de complexidade, da iniciação científica ao pós-doutorado. Sem nenhuma nova edição desde 2018, ele foi lançado neste ano com a previsão de receber recursos que viriam da suplementação.

Seu custo é estimado em R$ 250 milhões, sendo que R$ 200 milhões viriam da PLN. Sem eles, o CNPq teme não poder dar continuidade ao edital, que já conclui a fase de inscrições e na etapa de julgamento.

O glaciologista é um dos responsáveis pelas expedições de pesquisadores à Antártica. Segundo o cientista, o corte deve afetar de 200 a 250 pesquisadores já a partir de 2022. Para a manutenção do trabalho do grupo, seriam necessários de R$ 6 milhões a R$ 7 milhões anuais, estima Simões. A verba, nos últimos anos, ficou entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões.

Não previsão de quanto será destinado aos projetos na Antártica. Sem os recursos necessários, a próxima missão no Polo Sul deverá contar com um efetivo reduzido de estudiosos, já a partir de março.

“Se não houver recursos novos para os projetos antárticos, nós estimamos que a próxima operação – se Deus quiser, sem a pandemia – prevista para o verão de 2022/2023, terá uma participação de 10% a 20% dos projetos científicos. Todos os outros terão de ficar em casa por falta de recursos mínimos”, projeta.

(…)

“A Antártica nos serve de aviso adiantado do que pode ocorrer no mundo de mudanças ambientais globais. Isso é na questão de derretimento de gelo, que contribui para o aumento do nível do mar; na imigração para o sul de uma série de espécies de animais que estão tentando se readaptar ao aquecimento regional; a questão importantíssima do aumento da acidez do Oceano Austral”, explica Simões.

Dos R$ 635 milhões previstos para a ciência, o governo federal garantiu apenas R$ 55 milhões, que serão geridos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Originalmente, esses recursos seriam destinados a bolsas de apoio à pesquisa e a projetos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“Nós estamos com grande perda de cérebros para o exterior e isso já afeta programas tradicionais e estratégicos. Como vai afetar a partir de março o programa Antártico brasileiro”, conta.

Prejuízos generalizados

Além dos impactos na pesquisa antártica, Jefferson Simões lamenta os resultados da política do governo federal na ciência como um todo no país. Ele sinaliza que os editais do CNPq devem perder recursos.

“É uma afronta e um ataque à toda comunidade científica brasileira. Nós estamos, ao longo dos últimos dois anos, sofrendo cortes substanciais em tudo que é tipo de incentivo à científica, em projetos, em número de bolsas, em número de bolsistas. Nós estamos tendo uma perda de cérebros nunca vista antes neste país”, observa o pesquisador.