São conhecidos os números da distribuição da água no mundo. Apenas 3% de todos os recursos hídricos existentes no planeta são de água doce própria para consumo. Para dificultar ainda mais a situação, desse total de água doce existente, a maior parte encontra-se nas geleiras e no lençol freático. Por sorte, o Brasil possui a maior reserva mundial de água potável, com cerca de 12% do montante total, o que não necessariamente livra o país de sofrer com a falta desse importante recurso natural.
Uma das grandes questões referentes à problemática da água no Brasil está na localização geográfica da disponibilidade desse elemento. A distribuição da água no Brasil é naturalmente desigual, de modo que justamente as áreas menos povoadas do país é que concentram a maior parte dos recursos hídricos. Confira, na tabela a seguir, a relação entre densidade demográfica e a disponibilidade de água entre as diversas regiões do país.
Distribuição dos recursos hídricos e densidade demográfica do Brasil
Como podemos notar, a região Norte, que possui uma densidade de apenas 4,12 habitantes para cada quilômetro quadrado, concentra quase 70% de todos os recursos hídricos disponíveis no Brasil. A maior parte desses recursos encontra-se nos rios da Bacia do Amazonas e, principalmente, no Aquífero Alter do Chão, exclusivo dessa região e com um volume de água superior ao Aquífero Guarani, que se distribui entre as demais áreas (exceto o Nordeste).
A região nordestina, por outro lado, conta com uma densidade de 34,15 pessoas para cada quilômetro quadrado, ao passo em que detém apenas 3,3% de todos os recursos hídricos do país, o que seria mais do que suficiente se houvesse políticas públicas de combate à seca nessa área. Vale lembrar que apenas uma parte do Nordeste – a região do Polígono das Secas – é que eventualmente sofre com a falta d'água, e não a região nordestina como um todo.
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A região Centro-Oeste apresenta um melhor equilíbrio. Sua densidade demográfica apresenta uma média de 8,75 habitantes para cada quilômetro quadrado, e sua população total representa pouco mais que 6% do total da população brasileira. A região possui cerca de 15,7% dos recursos hídricos do país, relativamente bem distribuídos em seu interior, embora o Pantanal mato-grossense detenha a maior parte.
Já o Sudeste conta com apenas 6% dos recursos hídricos do país e uma densidade demográfica superior aos 86 habitantes para cada quilômetro quadrado, média que se acentua muito nas áreas das grandes cidades, principalmente Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. A capital paulista é a que mais vem sofrendo com a seca que se iniciou no ano de 2014, embora as raízes do problema de baixa nos reservatórios sejam anteriores. Há, inclusive, uma disputa política muito forte entre Rio e São Paulo envolvendo a transposição do Rio Paraíba do Sul.
A região Sul do Brasil, por sua vez, apresenta um desequilíbrio menor, porém não menos preocupante. Com uma densidade demográfica de 48,58 habitantes por quilômetro quadrado e cerca de 15% da população brasileira, os sulistas detêm cerca de 6,5% da água potável do país.
Em geral, o que podemos observar é que, apesar da má distribuição da água no território brasileiro, mesmo as áreas com menor disponibilidade de água podem ser corretamente abastecidas se existirem planejamentos e ações públicas de interesse social. Além disso, a conservação de rios, mananciais e também das reservas florestais é de fundamental importância para a preservação desse estratégico e vital recurso natural.
Os conflitos pela água vêm se ampliando em todo o mundo, havendo, em muitas regiões, tensões e articulações geopolíticas em torno do domínio estratégico do recurso.
Ao lado do petróleo, a água potável é o mais estratégico dos recursos. Mas, ao contrário do primeiro, ela não possui formas alternativas, sendo fundamental para o funcionamento das sociedades. Em muitos países, a água é realmente vista como um tesouro em razão de sua baixa disponibilidade em níveis locais e até regionais. Por isso, muitas disputas envolvem a sua posse e controle, e muitas outras estão por vir, haja vista que o século XXI promete ser o século dos conflitos internacionais pela água.
Desde tempos antigos, já existem registros de conflitos pela água envolvendo nações e civilizações. No entanto, até hoje, as disputas quase sempre envolveram a posse de territórios estratégicos que abrigam nascentes e leitos de rios. O grande temor é que, em um futuro próximo, a disputa pela água insira-se em um bojo imperialista e esse recurso seja utilizado tanto para abastecimento quanto para comercialização internacional.
O primeiro conflito envolvendo o uso da água que se tem notícia ocorreu há cerca de 4.500 anos e envolveu duas cidades-estados da Mesopotâmia: Umma e Lagash, que disputavam áreas que abrangiam os rios Tigre e Eufrates para irrigação.
Esses mesmos rios protagonizam, nos últimos tempos, uma tensão que também pode transformar-se em um conflito entre Turquia, Iraque e Síria, uma vez que as nascentes desses rios encontram-se no território turco e o abastecimento é realizado para os três países. Em 1998, a construção de uma barragem por parte da Turquia gerou certa tensão, pois a diminuição da vazão para a jusante fez com que Iraque e Síria elevassem o tom em reprovação. Uma forte seca, no final da década passada, também contribuiu para que os iraquianos e os sírios passassem a questionar mais veementemente os turcos, que responderam negando as acusações de que estariam diminuindo a vazão dos rios para os demais países. Embora acordos tenham sido feitos, a situação é considerada delicada.
Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, o Estado de Israel, então recém-criado, expandiu suas fronteiras e ocupou várias áreas de países adjacentes no Oriente Médio. Uma delas, as Colinas de Golã – então pertencentes à Síria –, além de apresentarem uma posição geográfica estratégica, abrangiam as nascentes do Rio Jordão, muito utilizado para a irrigação no local. Israel, inclusive, controla os recursos hídricos subterrâneos em suas áreas e na Cisjordânia, sendo frenquentemente acusado de impedir que os palestinos utilizem-nos, em uma articulação notadamente estratégica. Vale lembrar que Israel, Jordânia e Palestina (os três países locais) reúnem 5% da população mundial e apenas 1% das reservas hídricas.
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Recentemente, a disputa pela água vem encontrando atuações até de grupos terroristas. No Iraque e na Síria, o Estado Islâmico vem atuando no sentido de tentar controlar algumas fontes de água, pois sabe que isso lhe dará uma maior vantagem em termos geopolíticos e bélicos. Com o controle da água – principalmente no caso do Iraque –, torna-se completamente possível impor várias sanções e estabelecer um amplo controle da área.
Na África, tensões e até conflitos também acontecem em torno da posse e controle de recursos hídricos. Na bacia do Rio Nilo, há uma disputa por sua maior utilização por parte de Egito, Etiópia, Uganda e Sudão, o que pode transformar-se em um conflito generalizado de graves impactos caso acordos não sejam realizados. O mesmo caso acontece com a bacia do rio Okavango, que abrange áreas territoriais de Angola, Botswana e Namíbia.
Portanto, é preciso uma ação conjunta internacional para evitar a escassez de água em várias partes do mundo, além da implementação de medidas para garantir sua melhor distribuição. No futuro, como já dissemos, conflitos generalizados e graves podem instalar-se, isso sem falar nos conflitos locais e regionais que podem envolver a população e, até mesmo, o contrabando de água feito por desvios ilegais.
Por: Rodolfo F. Alves Pena