A Lei nº 6.938, de 31/8/1981 [1], que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, além de instituir o Sistema Nacional do Meio Ambiente, está completando nesta terça-feira (31/8) 40 anos de vigência. Trata-se da mais relevante norma ambiental depois da Constituição Federal de 1988, pela qual foi recepcionada, visto que traçou toda a sistemática das políticas públicas brasileiras para o meio ambiente.
São inúmeras as razões pelas quais essa lei é importante, sendo até difícil fazer tal apontamento, haja vista o grande número de aspectos que poderiam ser destacados. Essa lei é o marco de afirmação do Direito Ambiental no plano nacional, porque pela primeira vez a questão ambiental passou a ser tratada de forma holística e a defesa do meio ambiente virou uma finalidade em si mesma. Os conceitos básicos da área, como os de degradação, poluição, poluidor e meio ambiente, consistindo este na delimitação do objeto do próprio Direito Ambiental. A própria formatação da norma influenciou a redação de praticamente todas as normas ambientais relevantes, a exemplo da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/97), da Lei da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/99), da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº 9.982/00), da Lei da Política Nacional de Biossegurança (Lei nº 11.105/05), da Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei nº 11.284/06), da Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/06), da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/09) e Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), entre inúmeras outras. O objetivo geral de preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental propícia à vida foi estabelecido aí, bem como os objetivos específicos, os princípios e as diretrizes, e a relação entre meio ambiente e desenvolvimento socioeconômico, segurança nacional e dignidade da vida humana.
A ideia de tríplice responsabilização ambiental, que depois foi abarcada pela Lei Fundamental, surgiu dessa lei, que em sua redação original tratava da responsabilidade administrativa, civil e criminal. A adoção da responsabilidade civil objetiva, inclusive com a possibilidade de responsabilização do poluidor indireto e de instituição responsável pelo financiamento. Foi essa lei que incumbiu o Ministério Público da proteção do meio ambiente nas esferas cível e criminal, bem antes da Lei de Ação Civil Pública e da Lei de Crimes Ambientais, sendo ela um marco também no âmbito do processo coletivo. A instituição dos instrumentos de política ambiental, como avaliações de impacto, licenciamento, padrões de qualidade e zoneamento, que inclusive possuem caráter transversal (aplicáveis a uma ampla gama de setores e atividades), também demonstram a preocupação com a efetividade desse direito, algo tão presente na Lei Fundamental. A criação de um sistema nacional administrativo de meio ambiente capaz de articular a atuação de todos os níveis federativos — o que antecipou a ideia de federalismo ecológico, tema muito discutido pela doutrina especializada —, inclusive com um conselho público de direito com caráter deliberativo e ampla participação social, o que era algo absolutamente incomum à época, ainda um regime ditatorial militar. O papel relevante dos municípios, que não somente integravam o Sisnama como podiam fiscalizar, impor sanções administrativas e instituir espaços protegidos, caminhava no sentido da descentralização, demonstrando sintonia com a ideia de "pensar globalmente e agir localmente", um dos lemas do movimento ambientalista.
Com efeito, mais do que recepcionada, é possível afirmar que a Lei nº 6.938/1981 foi a grande fonte de inspiração do texto constitucional em vigor, que em grande parte apenas constitucionalizou aquilo que já estava na Política Nacional do Meio Ambiente e em uma ou outra norma ambiental esparsa. A relação entre meio ambiente e direito à vida, bem como a antecipação das bases da conceituação do desenvolvimento sustentável, é também uma demonstração disso. Também é possível vislumbrar nela a presença dos princípios do Direito Ambiental, especialmente nos seus instrumentos e mecanismos de responsabilização, cabendo destacar a informação, o limite, a participação, a prevenção, o poluidor-pagador e a responsabilidade, cabendo lembrar que na época tais princípios mal eram discutidos pela doutrina. Ao longo da vigência da norma, verificou-se o crescimento e o amadurecimento da política ambiental, com robusta expansão de leis e demais espécies normativas, bem como a consolidação da matéria no plano jurisprudencial, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Importante salientar que em 1981 não era comum uma política pública ser regulamentada por meio de uma lei, o que indica que a ideia dos seus idealizadores, e aqui se destaca a participação dos professores Paulo Nogueira Neto e Paulo Affonso Leme Machado, era criar um marco legal duradouro para o Estado brasileiro, e não para um governo ou um governante específico, objetivo esse que parece ter sido atingido.
Em razão disso tudo, é preciso comemorar a existência da Política Nacional do Meio Ambiente, que contribuiu e continua contribuindo decisivamente para a proteção do meio ambiente. Cuida-se de uma norma tão avançada que dificilmente seria aprovada nos dias de hoje, quando a busca pelo retrocesso ambiental parece ser a tônica. Impende recordar a lição de que o Direito é que deve pautar a política e não o contrário, uma vez que as nossas políticas públicas ainda não parecem estar completamente à altura da Lei nº 6.938/1981. Nesse cenário, faz-se necessário buscar a consolidação do Sistema Nacional do Meio Ambiente, a efetividade e a interação entre todos os seus mecanismos, a garantia de recursos no orçamento e autonomia necessária para as ações de planejamento, licenciamento e fiscalização, a consolidação do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente e um envolvimento maior dos municípios. A despeito disso, é claro que essa norma pode e deve ser aperfeiçoada, sendo os instrumentos econômicos de política ambiental, o planejamento macroambiental e o uso de dados geoambientais caminhos essenciais a serem trilhados.
[1] A respeito do aniversário da Lei nº 6.938/1981, sugere-se as seguintes obras: "40 anos da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente: antecedentes históricos, realidade e perspectivas" (Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2021), coordenada pelo professor Édis Milaré, e "Política Nacional do Meio Ambiente" (Instituto Memória: Curitiba, 2021), coordenada pelos professores Sidney Guerra, Talden Farias e Pedro Avzaradel. Mais informações nos sites das editoras: //www.editoradplacido.com.br/40-anos-da-lei-da-politica-nacional-do-meio-ambiente e //www.institutomemoria.com.br/detalhes.asp?id=634.
Talden Farias é advogado, doutor em Direito da Cidade pela UERJ e em Recursos Naturais pela UFCG, professor da UFPB e da UFPE, mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB e autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Urbanístico.
Sidney Guerra é advogado, professor da Unigranrio e da UFRJ, pós-doutor em Direito pela Universidade de Coimbra e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade Gama Filho, autor e organizador de várias obras nas áreas de Direito Ambiental e Internacional.
Pedro Avzaradel é professor da UFF, pós-doutor em Direito pela Universidade de Paris 1 (Pantheón-Sorbonne), doutor em Direito pela UERJ, mestre em Sociologia e Direito pela UFF e autor e organizador de várias obras na área de Direito Ambiental.