Quais requisitos para interpretação mais benigna da lei tributária?

O princípio da irretroatividade tributária é de grande importância para o direito tributário brasileiro, e está previsto tanto na Constituição Federal quanto no Código Tributário Nacional. 

A maioria das regras possui exceções, e não é diferente com o princípio da irretroatividade tributária. Por isso, preparamos esse artigo para que você saiba de cor o que é este conceito e quais as suas exceções.

Nesse artigo, você verá:

  1. O que é o princípio da irretroatividade da lei?
  2. O que se entende por irretroatividade?
  3. Qual a base do princípio da irretroatividade tributária?
  4. Quais são as exceções ao princípio da irretroatividade tributária?
  5. Qual a diferença entre o princípio da anterioridade e o da irretroatividade?
  6. O princípio da irretroatividade tributária em concursos públicos.

Vem com a gente para saber tudo sobre o tema!

O que é o princípio da irretroatividade da lei?

O princípio da irretroatividade da lei é um dos mais importantes do nosso ordenamento jurídico. Ele é necessário para a garantia da segurança jurídica e é um desdobramento do princípio da não surpresa. 

No direito tributário, o princípio da irretroatividade tributária garante que o contribuinte consiga prever com antecedência os impostos que deverá pagar e limita o poder de tributar do Estado. Assim, novas leis tributárias não podem alcançar fatos anteriores à data de sua vigência.

Em complemento ao princípio da irretroatividade tributária, temos também os princípios da:

  • Anterioridade anual, que estabelece que apenas é possível a cobrança de tributo se a lei que o instituiu ou o majorou for publicada no exercício financeiro anterior ao da sua cobrança;
  • Anterioridade nonagesimal, que estabelece um prazo de 90 dias entre a publicação da lei que institui ou majora um tributo e a sua cobrança (além de respeitada a anterioridade anual).

O que se entende por irretroatividade?

Em seu Dicionário Jurídico Universitário, a renomada professora Maria Helena Diniz define a irretroatividade da lei da seguinte maneira:

“IRRETROATIVIDADE DA LEI. Teoria geral do direito e direito constitucional. Princípio constitucional pelo qual a nova norma em vigor tem efeito imediato e geral, respeitando sempre o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. É um princípio de utilidade social; daí não ser absoluto, por sofrer exceções, pois uma lei nova pode atingir, em certos casos, situações passadas ou efeitos de determinados atos. Esse princípio veda a aplicação da lei nova a fatos ocorridos na vigência da lei anterior, ante a intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada consagrada constitucionalmente”.

Dessa maneira, dizer que uma lei vai retroagir significa que aquela lei vai ser aplicada a fatos anteriores à sua entrada em vigor. A regra no direito brasileiro é que a lei não retroage. Ou seja, uma lei nova não atinge fatos anteriores a ela.

Qual a base do princípio da irretroatividade tributária?

O princípio da irretroatividade tributária tem base normativa tanto na Constituição Federal quanto no Código Tributário Nacional.

O princípio da irretroatividade tributária está previsto no artigo 150, III, a, da Constituição Federal de 1988, que dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado

Assim, a lei tributária não se aplica a fatos geradores anteriores à data de sua publicação, ou seja, a lei atinge somente fatos presentes e futuros.

O Código Tributário Nacional (CTN) consagra o princípio da irretroatividade em seu artigo 105, ao dispor que:

Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.

Os princípios da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal estão previstos nas alíneas b e c do artigo 150, III, da Constituição Federal, respectivamente:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

III – cobrar tributos:

(…)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Quais são as exceções ao princípio da irretroatividade tributária?

O princípio da irretroatividade tributária possui duas exceções previstas no artigo 106 do Código Tributário Nacional:

  1. A lei tributária retroagirá quando for interpretativa. Lei tributária interpretativa é aquela promulgada para explicar uma lei anterior. A lei deve ser materialmente interpretativa.
  2. A lei tributária retroagirá quando for mais benéfica para o contribuinte em matéria de infração, desde que o ato não tenha sido definitivamente julgado. Neste caso, existem duas condições: lei mais benéfica e matéria de infração, e um pressuposto: ato não definitivamente julgado. Lei tributária mais benéfica em relação a pagamento de tributos não retroage.

Veja o que diz o artigo 106 do CTN:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

Retroatividade de lei tributária interpretativa

Sobre a retroatividade de lei tributária interpretativa, assim ensina o professor Alexandre Mazza em seu Manual de Direito Tributário:

“Existem ao menos três requisitos fundamentais que precisam ser rigorosamente observados para que a lei tributária interpretativa retroaja:

1) existência de fundada dúvida interpretativa sobre o conteúdo da lei tributária anterior;

2) a lei nova deve ser expressamente declarada pelo legislador como interpretativa;

3) o conteúdo da lei nova deve ser de fato voltado a solucionar a dúvida interpretativa da lei anterior.”

Retroatividade da lei mais benéfica em matéria de infração

No caso da retroatividade da lei mais benéfica em matéria de infração, o professor Alexandre Mazza, em seu Manual de Direito Tributário, explica que:

“Exige-se o preenchimento dos seguintes requisitos:

1) a lei deve tratar de infração tributária, multa, penalidade ou temas afins, excluída a retroatividade se a lei versar sobre pagamento do tributo. Assim, lei que reduz ou extingue tributo NÃO retroage, na medida em que trata do tributo em si, e não de multas, penalidades ou infrações;

2) a lei tem que ser favorável ao contribuinte, ou seja, reduzir a penalidade, eliminar uma infração, dilatar o prazo para pagamento da pena;

3) a lei nova mais benéfica somente retroage para favorecer casos que ainda não tenham sido definitivamente julgados, quer na esfera judicial, quer no âmbito administrativo. Isso porque o caso definitivamente julgado na esfera judicial é imutável por força da coisa julgada, sendo inatingível pela lei nova. Já o caso definitivamente julgado na esfera administrativa, esgotado por força da preclusão, é imodificável por força do ato jurídico perfeito e também não pode ser alcançado pela nova lei. (…)

São exemplos de leis tributárias mais benéficas em matéria de infração, dotadas de força retroativa:

a) lei que deixa de definir certa conduta como infracional (abolição de infração);

b) lei que reduz multa tributária;

c) lei que comina penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática.” (Destaques nossos).

Retroatividade da lei que institui novos critérios de apuração ou amplia poderes do Fisco

Além das hipóteses previstas no artigo 106 do CTN, existe um terceiro caso de retroatividade da lei tributária previsto no art. 144, § 1º, do CTN. Esse artigo diz o seguinte:

Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

 § 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. (Destaques nossos).

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido.

Ou seja, tem efeitos retroativos também a lei tributária que estabelece melhorias no procedimento de fiscalização. Seja ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgando ao crédito maiores garantias ou privilégios.

Qual a diferença entre o princípio da anterioridade e o da irretroatividade?

O princípio da anterioridade tributária é um aprimoramento do princípio da não surpresa, e está previsto no artigo 150 da Constituição, assim como o princípio da irretroatividade tributária.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

O princípio da anterioridade pode ser dividido entre a:

  • Anterioridade anual (art. 150, III, b, CF), que prevê que apenas é possível a cobrança de tributo se a lei que o instituiu ou o majorou for publicada no exercício financeiro anterior ao da sua cobrança;
  • Anterioridade nonagesimal (art. 150, III, c, CF), que prevê que deve ser obedecido um prazo de 90 dias entre a publicação da lei que institui ou majora um tributo e a sua cobrança (além de respeitada a anterioridade anual).

O princípio da anterioridade nonagesimal não estava previsto na redação original da Constituição. Ele foi incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, para garantir mais segurança jurídica ao contribuinte. Este terá ao menos um prazo de 90 dias para se planejar para o pagamento de um novo imposto.

Sobre o tema da anterioridade tributária, é importante conhecer o teor da Súmula Vinculante 50, que sempre é assunto de concursos públicos:

SÚMULA VINCULANTE 50 – Norma legal que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade.

Isso ocorre porque o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a norma que altera o prazo para pagamento de tributo, mesmo antecipando-o, não agrava a situação do contribuinte. Por isso, não se sujeita ao princípio da anterioridade.

Confira jurisprudência a respeito do princípio da irretroatividade da lei tributária

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – ICMS – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO VISUAL –FATO GERADOR OCORRIDO NA VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 56/1987 – INCIDÊNCIA DO ICMS – EDIÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 106/2003 – IRRETROATIVIDADE. 1- Na prestação de serviços de propaganda e publicidade, consistentes na elaboração de placas de painéis, na vigência da Lei Complementar nº 56/1987, incidia o ICMS e não o ISS; 2- A lei tributária não pode retroagir para fins de cobrança de tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”, nos termos do art. 150, III, alínea ‘a’, da CR/88, razão pela qual as alterações promovidas pela LC nº 106/2003 e Instrução Normativa SUTRI nº001/2005 não alcançam os fatos geradores anteriores à sua vigência.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0702.09.561170-4/001, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/08/2017, publicação da súmula em 29/08/2017). (Destaques nossos).

Veja como o princípio da irretroatividade tributária já foi cobrado em concursos públicos!

Questão 1 – Banca CEBRASPE – 2014 – Câmara dos Deputados – Analista Legislativo

Julgue o próximo item, referente a exigibilidade do crédito tributário, isenção, lançamento e princípios tributários.

As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. Nesse sentido, o sistema jurídico-tributário assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade.

(C) Certo

(E) Errado

Questão 2 – Banca CEBRASPE – 2015 – AGU – Advogado da união

Acerca dos princípios constitucionais tributários, julgue o item subsequente.

Conforme o princípio da irretroatividade da lei tributária, não se admite a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos em período anterior à vigência da lei que os instituiu ou aumentou. 

Entretanto, o Código Tributário Nacional admite a aplicação retroativa de lei que estabeleça penalidade menos severa que a prevista na norma vigente ao tempo da prática do ato a que se refere, desde que não tenha havido julgamento definitivo.

(C) Certo

(E) Errado

Questão 3 – Banca VUNESP –2020 – FITO – Analista de Gestão –Economista

É manifestação do princípio da irretroatividade tributária a vedação a:

A) Cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

B) Estabelecimento de limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais.

C) Cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

D) Cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.

E) Utilização de tributo com efeito de confisco.

Gabarito:

Questão 1 – E

Questão 2 – C

Questão 3 – D

Esperamos que tenha gostado deste artigo sobre a irretroatividade tributária! Confira também outros artigos do nosso blog. Aproveite para ler nosso conteúdo sobre teorias da posse!

Equipe LFG

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Quais as situações em que se permite a interpretação benigna da legislação tributária?

Outra disposição é a de que a lei tributária deverá ser interpretada literalmente em três situações: na suspensão ou exclusão do crédito tributário, na outorga de isenção, ou na dispensa do cumprimento de obrigações acessórias.

O que é aplicação benigna da lei tributária?

A retroatividade benigna da lei tributária e o ato não definitivamente julgado. A regra geral, é que a lei tributária deve reger o futuro, sem se estender a fatos ou circunstâncias ocorridas anteriormente ao início de sua entrada em vigor.

Como deve ser interpretada a legislação tributária?

Como Interpretar Apesar de algumas especificidades, o direito tributário deve ser interpretado como qualquer outro ramo do direito, isto é, deve-se aplicar subsidiariamente as normas do direito civil, os princípios gerais do direito e princípios gerais próprios do direito tributário.

Em que casos a lei tributária pode retroagir?

A lei tributária retroagirá quando for mais benéfica para o contribuinte em matéria de infração, desde que o ato não tenha sido definitivamente julgado. Neste caso, existem duas condições: lei mais benéfica e matéria de infração, e um pressuposto: ato não definitivamente julgado.