O professor Roger Leeds ministrou uma aula a respeito da importância do setor financeiro para o desenvolvimento econômico de um país. “Para quem trabalha no setor público, é fundamental ter uma compreensão básica sobre mercados e instituições financeiras, pois o maior usuário de instituições financeiras é o governo”, disse o especialista.
O setor financeiro possui características peculiares e tem especial poder de impactar a economia de forma abrangente. Se uma pequena indústria privada falir, os funcionários e as partes interessadas sofrerão as consequências, mas o alcance tende a ser controlado. Quando uma instituição financeira segue o mesmo caminho, porém, ela pode atingir a economia inteira de um país e provocar danos sociais com grande amplitude.
Leeds destacou que nenhuma atividade do setor privado tem consequências tão abrangentes para o bem-estar público como o desempenho do mercado financeiro. Ele também deu enfoque a dados que sugerem a redução da desigualdade em países com mercados financeiros mais desenvolvidos e acessíveis.
“Por isso, muitos defendem que o governo controle o tamanho de grandes empresas financeiras, justamente para que elas não cheguem ao ponto de serem too big to fail (muito grandes para quebrar). Mas essa não é a realidade da maioria dos países”, explicou Leeds.
Desafio regulatório
As características do setor financeiro o tornam um nicho extremamente difícil de ser regulado.
“Existe um fato central que explica o pesadelo de tentar regular o mercado financeiro: o custo. O gasto seria extremamente alto”, conta Leeds. “Isso também explica o motivo de muita gente não gostar de regulações”, completa.
As divergências entre os interesses dos stakeholders principais, que são as empresas privadas e os reguladores e formadores de políticas públicas, também complica o processo. Enquanto os primeiros focam na maximização de lucros e valores para acionistas, o segundo grupo se preocupa com a consequência que as atividades financeiras geram ao bem-estar público.
Ciclo Financeiro Virtuoso
Atualmente, 40% da população mundial (cerca de 2.5 bilhões de pessoas) não usa o setor financeiro formal. Além de provocar uma grande desigualdade, a falta de acesso ao sistema leva a um baixo nível de poupança interna disponível para o investimento produtivo. O grande desafio é fazer com que as pessoas mudem de ideia e criem confiança no setor de finanças formal.
Para isso existe a teoria do Ciclo Financeiro Virtuoso. Nela, o crescimento econômico ajuda a aumentar a capacidade do setor financeiro. Isso desencadeia em uma maior participação do setor privado e, consequentemente, crescimento econômico. Alguns dos motivos que impedem o sucesso do Ciclo Financeiro Virtuoso na prática são: regulação das taxas de juros, controles de câmbio e capital, empréstimos diretos do governo para setores preferenciais e empresas, governança fraca, repressão financeira e sistemas financeiros dominados por bancos.
Políticas Públicas em questão
A aula ministrada pelo professor Roger Leeds integrou o curso “O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento do País”. Realizado em parceria pelo Insper com a Leadership Academy for Development (LAD), o programa ocorreu na semana de 27 de junho a 1º de julho de 2016. Em sete anos desde que foi criado, o curso já passou por Ásia, África, América do Norte, América Latina e chega agora ao Brasil.
Saiba mais sobre o curso neste especial: Políticas Públicas em questão.
Acesse também outros textos pelos links:
- Menos corrupção, mais eficiência
- Reformas de Estado
- Roger Leeds discute Parcerias Público-Privadas
- Setor público deve se espelhar no privado
- Princípios da boa liderança
Acesse o especial em PDF aqui.
Conheça o Centro de Políticas Públicas do Insper.
Toda a gente sabe que o bom funcionamento do sistema financeiro (sejam instituições como bancos ou fundos de investimento, sejam os enquadramentos legais que criam e regulam o acesso aos mercados de capitais) é essencial nas economias modernas para criar as condições para o crescimento económico.
Mas, sendo necessário, está longe de ser suficiente, contrariamente ao que muitas vezes parece ser veiculado na mediatização das questões financeiras.
O crescimento económico decorre do investimento produtivo. E sublinho aqui o produtivo. Tem-se crescentemente generalizado o mau hábito de se falar de "investidores" como necessários ao desenvolvimento do país sem se especificar o tipo de investidores de que efetivamente necessitamos. Os investidores meramente financeiros são evidentemente necessários para, por exemplo, podermos financiar a nossa dívida pública. Mas esses investidores financeiros não realizam investimento produtivo e nem sempre contribuem para facilitar esse investimento. Ao tratar-se em muitos casos de investimentos especulativos, não só não auxiliam o crescimento económico como até o prejudicam, desviando para fins especulativos iniciativas que noutro contexto poderiam dar origem a investimento produtivo.
Mas mesmo os investimentos não estritamente financeiros podem não ter efeito no crescimento da economia se, por exemplo, se limitarem à compra de empresas já existentes. Poderão eventualmente ter um efeito positivo se assegurarem a sustentabilidade dessas empresas para onde se dirigem, mas também não é esse tipo de investimento que acelera o crescimento.
Por isso, quando ouvirmos ou lermos que os investidores isto ou os investidores aquilo a primeira coisa que convém é destrinçar de que tipo de investidores se trata. Se é uma notícia supostamente negativa sobre a confiança de investidores especulativos ou cujo investimento não tem efeitos sobre o crescimento económico, então a notícia não tem grande importância.
Um outro aspeto que deve ficar claro é que, sendo o sistema financeiro muito importante e em muitos casos propiciador de capital alheio para as empresas, a verdade é que o maior problema da generalidade das empresas portuguesas é a insuficiência de capitais próprios e portanto da sua autonomia financeira. Esta é uma situação que põe em causa o crescimento económico porque torna as empresas muito vulneráveis às dificuldades de crédito que recorrentemente ocorrem na economia e por essa via aumenta o risco da decisão de investimento de criação de nova capacidade produtiva.
A insuficiência de capitais próprios não é de agora. Desde há muitos anos que este desequilíbrio afeta o nosso tecido empresarial. Para além de poder existir uma atitude idiossincrática persistente de aversão ao risco, houve certamente um desincentivo fiscal que tornava melhor para o empresário, desse ponto de vista fiscal, pedir dinheiro à banca do que investir na própria empresa. Felizmente, alterações recentes na legislação fiscal permitirão reduzir essa distorção.
São muitas e multifacetadas as relações positivas e negativas entre o funcionamento do sistema financeiro e o crescimento económico. Uma coisa é certa: um sistema financeiro eficiente e estável para nada serve se não houver empresários que decidam investir em projetos produtivos e não em especulação financeira. Mas também é verdade que, por melhor que sejam as intenções de investimento produtivo, se o sistema financeiro for instável e pouco credível também não se sairá da estagnação económica. Daí que a estabilização do nosso sistema financeiro, por custosa que seja - e tem sido para os contribuintes -, é algo de essencial para podermos realizar todo o nosso potencial de crescimento económico. O que não é admissível é que por falhas internas ou por interferências comunitárias - e estas têm sido especialmente desastrosas - a estabilização financeira esteja a custar mais do que o estritamente necessário.
* Economista
Crescimento económico e sistema financeiro