Qual é a relação entre a mutação de um gene e a perda da atividade enzimática?

REVISÃO / REVIEW

Aspectos moleculares do Sistema Sangüíneo ABO

Molecular aspects of ABO Blood Group System.

Ana Carla BatissocoI; Marcia Cristina Zago NovarettiII

IResponsável pelo Depto. de Controle de Qualidade em Imuno-hematologia da Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo

IIProfessora Colaboradora da Disciplina de Hematologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Chefe da Divisão de Imuno-hematologia e das Agências Transfusionais da Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo

Endereço para correspondência

RESUMO

O sistema ABO é o mais importante grupo sangüíneo na medicina transfusional. O gene ABO codifica as glicosiltransferases responsáveis pela transferência dos resíduos específicos de açúcar, GalNaca1-3 e Gala 1-3, ao substrato H e os convertem ao antígeno A ou B respectivamente. A estrutura do DNA dos três principais alelos do sistema ABO, A1, B e O foi primeiramente descrita em 1990. Os avanços da genética molecular permitiram o entendimento da base molecular dos genes ABO e o conhecimento do polimorfismo dos alelos comuns a esse locus. Essa revisão tem como objetivo o estudo dos alelos variantes desse sistema, assim como a compreensão das mutações, deleções ou rearranjo de genes responsáveis pela ocorrência de alguns dos subgrupos do sistema ABO. As técnicas mais comumente utilizadas para a genotipagem ABO também são avaliadas, bem como suas vantagens e limitações.

Palavras-chave: Grupos sangüíneos; sistema ABO; genotipagem ABO; PCR; alelos ABO; subgrupos ABO.

ABSTRACT

The ABO blood group is the most important blood group system in transfusion medicine. Antigens of the ABO system consist of A or B carbohydrate structure carried on the substrate H antigen The ABO gene is responsible for encoding for glycosyltransferases A or B that defines which specific carbohydrate is added to the end of H substance oligosaccharide chains, GalNaca1-3 and Gala1-3, respectively. The DNA structure of the three major alleles of the human blood group ABO system, A1 and B, was first described in 1990. Advances of molecular genetics have allowed understanding of the molecular basis of the ABO blood group system and the knowledge of the common alleles polymorphisms of this locus. This review article has the purpose of describing the variants of these alleles and the underlying mutations, deletions or rearrangement of the genes responsible for the occurrence of ABO subgroups and O transferases inactivation. Finally, various methods available for ABO genotyping are also evaluated, as well as its advantages and limitations.

Keywords: blood group; ABO system; ABO genotyping; PCR; ABO alleles; ABO subgroups.

Introdução

O sistema de grupo sangüíneo ABO, descoberto por Karl Landsteiner no começo do século XX é, até hoje, considerado o mais importante sistema de grupos sangüíneos na medicina clínica transfusional.

Os epítopos do sistema ABO são resíduos terminais encontrados nos hidratos de carbono presentes na superfície das células e nas secreções que são biossintetizadas por glicosiltransferases específicas codificadas no locus ABO. O locus ABO esta localizado no braço longo do cromossomo 9.1,2,3,4

A heterogeneidade fenotípica do sistema sangüíneo ABO é devido à diferença estrutural do gene das glicosiltransferases, que são responsáveis pela transferência dos resíduos específicos de açúcar, a1®3-N-acetil-galactosamina transferase ou a 1® 3-N-galactosil transferase ao substrato H, e os convertem ao antígeno A ou B respectivamente.5,6,7,8,9

As transferases A e B tem estruturas similares entre si, sendo que a sua especificidade será determinada pelos aminoácidos localizados próximos ao sítio de ligação da enzima com seu respectivo açúcar.10

O antígeno H é um carbohidrato produzido pela ação da enzima a-2-L-fucosiltransferase codificada no locus FUT1 do cromossomo 19, na posição q13.3, sendo portanto, geneticamente independente do locus ABO.11,12

As glicosiltransferases são enzimas que catalisam as reações de transglicolização entre o substrato aceptor e o açúcar receptor. A ação das transferases nessas reações dependerá de sua estrutura conformacional que permitirá ou não sua ligação ao substrato. A atividade das glicosiltransferases dos antígenos A e B varia nos diversos subgrupos do sistema ABO. A sua heterogeneidade tem sido confirmada constantemente e suas diferenças podem ser refletidas na composição bioquímica dos antígenos produzidos.13 O grupo sangüíneo AB apresenta a atividade das duas transferases (A e B), enquanto que o grupo O não possui as transferases A e B, mas apresenta o antígeno H em grande quantidade na superfície das hemácias.

Os antígenos ABO não estão restritos apenas à membrana dos eritrócitos, podendo ser encontrados também em uma grande variedade de células como linfócitos, plaquetas, endotélio capilar venular e arterial, células sinusoidais do baço, medula óssea, mucosa gástrica, além de secreções e outros fluídos como saliva, urina e leite.12

A determinação do fenótipo ABO pode ser feita pela detecção sorológica com o uso de reagentes imuno-hematológicos, que irão identificar os açúcares específicos dos glóbulos vermelhos, pela presença ou ausência das substâncias -A, -B e -H no soro e/ou na saliva e pelas técnicas de adsorção e eluição.11,14,15 Diferentes níveis de expressão de antígenos A ou B nos eritrócitos podem ser encontrados, sendo chamados de subgrupos de A ou B, conforme a intensidade de aglutinação dos eritrócitos com os reagentes anti-A, anti-B, anti-AB, anti-A1 e anti-H.

A reatividade do reagente anti-H com as hemácias dos diferentes grupos sangüíneos ABO tende a ser: O>A2>B>A2B>A1>A1B. Os dois principais subgrupos de A, A1 e A2, são diferenciados sorologicamente com o uso do reagente lectina anti-A1.15

Dependendo da tipagem sangüínea de um indivíduo, a IgM anti-A e/ou o anti-B presentes no soro podem constituir uma barreira para as transfusões de sangue e para o transplante de órgãos ABO incompatíveis.1

A freqüência dos antígenos ABO varia em diferentes populações. Na tabela 1 podemos observar essa variação em relação ao fenótipo dos doadores de sangue da Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo.16

Apesar de os anticorpos monoclonais anti-A e/ou anti-B reconhecerem e aglutinarem a maioria dos subgrupos ABO, a determinação daqueles que apresentam baixíssima expressão de antígenos é laboratorialmente trabalhosa.1,17 Além de ser uma ferramenta independente no laboratório clínico, a genotipagem ABO pode ser usada para confirmar a presença de um antígeno de fraca expressão, como os dos subgrupos A e/ou B e também para excluir marcadores do alelo de fenótipo B como o antígeno B adquirido, por exemplo.1,18,19 Assim, podemos afirmar que a genotipagem ABO é um complemento valioso à determinação correta do grupo sangüíneo do doador e do receptor.1,5,13,17,19-25

Genética ABO

Os genes são codificados por meio de seqüências específicas presentes no DNA, localizadas em pontos estratégicos ao longo do cromossomo. Já os alelos são formas alternativas de genes, que ocupam um único locus em cromossomos homólogos. Os principais alelos do gene ABO são A1, B e O, que darão origem aos quatro grupos sangüíneos: A, B, AB e O.15

Noventa anos após a descoberta do grupo sangüíneo ABO, a base genética molecular do sistema foi definida e os polimorfismos dos alelos comuns a esse locus estabelecidos.9,26 A clonagem do cDNA da transferase A, realizada por Yamamoto et al. em 1990, foi baseada na seqüência parcial do gene dessa enzima, na sua forma solúvel, a partir do tecido do pulmão humano,11,26,27 e a construção da biblioteca de cDNA do gene ABO foi feita por meio do poli-A do RNA de células humanas cancerígenas do estômago, as quais expressaram altos níveis de antígeno A.11,14

O locus ABO estende-se por uma região de 18-20 kilobases (kb), na posição 9q34.1-9q34.2, consistindo de 7 exons (cujo tamanho varia entre 26-688 pares de base, sendo que grande parte da seqüência codificadora se encontra nos exons 6 e 7) e 6 introns.10,28 Desse modo, o gene ABO tem no total 19514 pares de bases (pb), contando desde o codon de iniciação até o terminal (o número exato de nucleotídeos pode variar entre os diferentes alelos).10

Alguns estudos realizados demonstraram que a proteína transferase apresenta três domínios: um N-terminal, transmembrana hidrofóbica e um C-terminal. A forma solúvel e purificada da enzima é ativa cataliticamente. A ausência dos domínios N-terminal e da transmembrana hidrofóbica, demonstraram que provavelmente a porção C-terminal da enzima, é a responsável pela sua atividade catalítica, sendo os exons 6 e 7, que respondem por aproximadamente 90% da seqüência codificadora do gene ABO, responsáveis pela tradução do domínio C-terminal da enzima glicosiltransferase.11

A análise da seqüência de nucleotídeos do cDNA da transferase A1 revelou uma região de código de 1062 pb, produzindo um polipeptídeo de 354 aminoácidos (aa), cuja massa molecular é de 41KDa.10,12,26,29

Pesquisas realizadas com o gene ABO humano e seus homólogos, entre as diferentes espécies de mamíferos, demonstraram grau elevado de conservação durante a sua evolução. O gene ABO apresenta também uma elevada homologia entre os não-primatas para a a1,3-galactosiltransferase e para os pseudogenes humanos, que estão localizados no mesmo locus.30,31

As substituições de nucleotídeos que ocorrem em um dos sete exons do gene ABO e que conduzem a mudança do aminoácido na proteína, podem alterar a atividade catalítica dos antígenos resultantes da enzima. As mutações encontradas nos vários subgrupos dos alelos A ou B tem sido revistas recentemente.1,10,14 Teoricamente, a menor reatividade encontrada nos subgrupos do sistema sangüíneo ABO é causada pelas mutações na região de código do gene, ou pela influência inibitória de outros loci no gene ABO.10 Poucos alelos (A1, A2, B, B(A), O2), até hoje, tiveram suas transferases expressas em sistemas sintéticos para estudo da causa e efeito entre as mutações e os fenótipos associados.10,32

O conhecimento da estrutura tridimensional da proteína junto com as propriedades cinéticas das enzimas quanto à especificidade entre o açúcar aceptor e o substrato, podem revelar como a substituição do nucleotídeo e/ou aminoácido afeta a atividade das glicosiltransferases dos subgrupos do sistema sangüíneo ABO.10

Base estrutural do alelo A

A clonagem e o sequenciamento do cDNA da célula humana de adenocarcinoma de cólon dos fenótipos A, B e O, demonstraram que os dois principais alelos do gene ABO, A1 e B, diferem entre si em sete mutações: A297G, C526G, C657T, G703A, C796A, G803C e G930A, das quais apenas quatro (526, 703, 796 e 803) são responsáveis pelas substituições dos aminoácidos; Arg176Gly, Gly235Ser, Leu266Met e Gly26Ala.1,9,11,13,14,20 As duas últimas substituições são consideradas críticas na determinação da especificidade das glicosiltransferases.5,11

É importante lembrar que a seqüência do alelo A1 (A101) é tomada como base de comparação em relação a todos os outros alelos do gene ABO.10 A seqüência desse alelo pode ser visualizada na tabela 2.

- subgrupos A1 e A2:

A mudança estrutural no alelo A1 que dará origem ao A1variante ou A1v (A102), é decorrente da mutação no nucleotídeo (nt) 467, que resulta na substituição do aminoácido Pro156Leu. Os dois alelos são comuns, porém com freqüências extremamente diferentes, nas poucas populações estudadas.10,21,33,34,35

Outros dois alelos A1 mutantes foram descritos, sendo que o primeiro apresenta as substituições C467T (Pro156Leu) e C564T, e o segundo a mutação silenciosa A297G. As alterações nesses dois alelos não afetam a atividade das transferases, mas a mutação A297G, presente também no alelo B, pode conduzir à predição errônea do genótipo se essa posição for utilizada como um dos marcadores para pesquisa em genotipagem desse alelo.10

O fenótipo A2, comum em caucasianos, é detectado, sorologicamente, por meio da capacidade desses eritrócitos aglutinarem com o soro anti-A e de não aglutinarem com o soro lectina anti-A1, ao contrário do fenótipo A1 cujas hemácias são aglutinadas na presença desse reagente.10,15,36 O alelo A2 (A201) é caracterizado pela substituição de uma única base no nt 467 e uma deleção no nt1060.11,14,21,37 Essa deleção ocorre em um dos três resíduos consecutivos de citosina (C), próximo à carboxila terminal. Em conseqüência disso são adicionados à transferase A 21 aminoácidos, o que diminui a sua atividade e leva a um espectro limitado de substrato aceptor.8,11,14 A mutação no nt 467, C®T, leva a troca do aminoácido prolina pela leucina, não apresentando nenhuma relação quanto à atividade da transferase.8,11,12,14

Recentemente, alguns estudos demonstraram a presença de outros três variantes em indivíduos detectados sorologicamente como A2, A106, A107 e R101. Os alelos A106 e A107 são caracterizados pela alteração do nt 1054, (C®T e C®G, respectivamente), resultando na permuta do aminoácido 352 (Arg®Trp e Arg®Gly). Essa substituição Arg352Trp é encontrada também no alelo B3.12,38 O terceiro alelo R101, o mais raro dos três, tem 6 mutações quando comparado ao alelo A1, sendo 3 silenciosas, A297G, C657T e C771T, e 3 missenses, C526G, G703A e G829A, que resultam nas seguintes substituições de aminoácidos; Arg176Gly, Gly235Ser e Val277Met. Acredita-se que esse alelo (R101) tenha sua origem devido a uma recombinação gênica entre os alelos B (B101) e O1v (O102) na região dos nt703-771.12,38

Um outro exemplo do alelo A2 onde não se detecta a mutação C467T foi descrito recentemente.21

- subgrupo A3

Os diversos estudos realizados sobre o alelo A3 (A301) têm demonstrado que esse subgrupo possui um alto grau de heterogeneidade, uma vez que diversas mutações já foram associadas a ele.

Yamamoto et al., em suas investigações no cDNA de indivíduos A3, encontrou em dois exemplos de amostras A3B a mutação G871A, nas quais há substituição do aminoácido 291 (Acido Aspártico®Asparagina), nas outras amostras pesquisadas, as seqüências dos exons 6 e 7 mostraram-se idênticas à da transferase A1.13,18,22,37

Barjas e Castro em um estudo com três famílias brasileiras sobre a heterogeneidade molecular do alelo A3, não encontrou a mutação 871, mas durante a análise da seqüência dos nucleotideos dessas amostras identificou outras substituições.

Em duas amostras da mesma família (A3B e A3O1) foi encontrada a substituição C467T associada à del 1060C, essa última responsável pela redução da atividade da transferase, sendo característica do alelo A2. Na segunda família, em outras duas amostras (A3O1 e A3O1) analisadas, somente a del1060C estava presente, enquanto que nos dois membros da terceira família (A3O1V e A3O1) foram encontradas a del1060C e a mutação do nucleotideo G829A associadas.13,22

- outros subgrupos de A

Comparando com o consenso A1, o alelo Ax (A108) possui uma única mutação T646A, resultando na substituição do aminoácido 216, onde a fenilalanina é substituída pela isoleucina.39

Nas pesquisas realizadas, por Olsson et al., para identificação do alelo Ael (A109), em 20 indivíduos pertencentes a 14 famílias suecas, foi encontrada em todas as amostras analisadas, a inserção de uma base G (guanina) no nucleotídeo 798-804 do gene da transferase A, produzindo uma fita de oito G e não sete, tendo como conseqüência a alteração do "frame" de leitura a partir do codon 268, estendendo a proteína traduzida em 37 aminoácidos.40,41

Vários estudos sobre outros subgrupos do alelo A, como por exemplo Aen, Afinn, Am, Abantu, etc., têm sido realizados, porém devido às diferenças na morfologia desses variantes, a base genética dos mesmos permanece desconhecida.12

Base estrutural do alelo B

O tamanho do DNA traduzido nas transferases A e B (B101) é idêntico, diferindo apenas em sete substituições de nucleotídeos (A297G, C526G, C657T, G703A, C79A, G803C e G930A). Essas mutações resultam em apenas quatro mudanças de aminoácidos que serão expressas nas proteínas traduzidas (nt 526, 703, 796 e 803).5,11

Yamamoto, em 2001, em um estudo detalhado sobre as diferenças moleculares e seus significados, adicionou a essas sete mutações, que diferenciam os alelos A1 e B, uma oitava substituição G109A, localizada além do codon terminal, que é útil para a triagem do genótipo ABO.41

Outros três variantes do alelo B têm sido pesquisados na população japonesa, sendo caracterizados pela perda de um dos pontos das mutações que os diferenciam da transferase A. Essa mutação resulta na alteração do aminoácido que será expresso na proteína em um desses variantes, na qual a primeira das quatro substituições de aminoácidos (nt 526) esta ausente, não alterando a expressão da atividade da transferase B. Esses 3 alelos raros, previsivelmente, devem ser formas intermediárias entre os alelos A e B, tendo sua origem provável nos eventos de conversão gênica.7,10,42,43

- subgrupos de B

Os subgrupos de B, são mais raros do que os de A. Eles são caracterizados pela fraca aglutinação dos eritrócitos com o soro anti-B e/ou anti-AB, bem como pela baixa absorção dessas células na presença de anti-B. A saliva dos indivíduos desses secretores exibem altas concentrações do antígeno H.12,15 Em geral e, ao contrário dos subgrupos de A, a classificação dos subgrupos de B é bastante controversa.

Os fenótipos B, que possuem a atividade da transferase mais fraca que o normal, designados como B3, Bx e Bel, são de grande importância uma vez que permitem a caracterização das suas glicosiltransferases, pelo estudo das mutações presentes nesses alelos.37

Yamamoto et al., em um estudo realizado com uma amostra A1B3, sobre o subgrupo B3 (B301), atribuiu à ele uma única mutação na posição do nucleotídeo 1054(C®T), resultando na troca do aminoácido 352(arginina ® triptofano).37

Recentemente foram analisadas as seqüências dos sete exons e dos sítios adicionais de "splice" do gene ABO de 14 amostras de indivíduos com o fenótipo B3. Em uma das amostras foi encontrada a mutação missense G247T, localizada no exon 6 e responsável pela substituição Asp83Tyr, enquanto que as outras 13 amostras apresentaram a mutação G®A no nucleotídeo +5 do intron 3 (IVS3 + 5G®A), que irá destruir a seqüência da região de splice levando a perda do exon 3 durante o processo do RNA mensageiro, com conseqüente diminuição de 19 aminoácidos no segmento N-terminal na proteína expressa, a transferase B.44

Investigações realizadas com o subgrupo Bx revelaram a mutação no nucleotídeo G871A, causando a substituição do aminoácido 291 (Ácido Aspártico®Asparagina), que por sua vez é encontrada nas amostras de indivíduos A3.12,37

Quanto ao subgrupo Bel, foram atribuídos a ele as mutações; T641G, que dará origem a substituição da metionina pela arginina na posição 214 (B105), e G669T, que irá alterar o ácido glutamico pelo ácido aspártico na posição 223 (B106), encontradas isoladamente nas duas amostras analisadas.12,38

- Subgrupos B(A) e cis-AB

Em relação ao alelo B, o alelo B(A) possui duas mutações, T657C e A703G, resultando na alteração do aminoácido, Ser235Gli.

A primeira substituição, T657C, torna o alelo idêntico ao alelo A, enquanto que a segunda, A703G, comum ao alelo B, está localizada no segundo dos quatro sítios que discriminam as transferases humanas A e B, possuindo um influência significativa no reconhecimento e/ou ligação entre o substrato H e seus respectivos resíduos de açúcares.11,12,45

Para o fenótipo raro, cis-AB, dois mecanismos genéticos são propostos para explicá-lo. O primeiro é baseado em um crossing-over desigual resultando em um gene que irá apresentar partes tanto do alelo A quanto do B, enquanto que o segundo tem como base uma mutação estrutural do gene da glicosiltransferase A ou B, tendo como consequência a atividade bifuncional da mesma. A análise molecular mostrou que o alelo cis-AB é idêntico ao A1 à exceção de duas substituições de nucleotídeos; C467T (Pro156Leu) e G803C (Gli268Ala). Acredita-se que essas mutações na transferase A do alelo cis-AB, fizeram parte da evolução do gene ABO, ocorrendo antes da combinação entre os alelos A e B.11,45 Embora o fenótipo B(A) seja herdado em uma posição cis, ele é classificado separadamente do cis-AB devido às diferenças sorológicas entre esses dois alelos.39

Com a substituição da glicina pela alanina (aa 268) no alelo cis-AB da transferase A, podemos dizer que ele tem a transferase B, porém com a estrutura principal da transferase A. Similarmente, a substituição da serina pela glicina na posição 235 no alelo B(A) da transferase B, faz com que o mesmo tenha a transferase A, mas com a estrutura principal da transferase B. Esses resultados implicam que ambos os alelos cis-AB e B(A) codificam proteínas que possuem em sua estrutura quimeras das transferases A e B.14

- Base estrutural do alelo O

Estudos realizados por Yamamoto et al. demonstraram que as seqüências dos alelos do gene ABO possuem diferenças mínimas entre si, desse modo a inabilidade do gene O em codificar as transferases A ou B é devido a uma diferença estrutural em relação aos nucleotídeos e não devido à falha da expressão das transferases A ou B.9

Nos testes sorológicos de rotina o grupo sangüíneo O é caracterizado por não apresentar os antígenos A e B na membrana das hemácias, assim os seus eritrócitos não aglutinam na presença do soros anti-A, anti-B e anti-AB.15

- Subgrupos de O

O primeiro alelo O descrito, nomeado originalmente como O1 (O01), possui uma estrutura idêntica ao gene A1, com exceção de uma única deleção (G) no nt261 do exon 6, próximo à região N-terminal da proteína. Essa deleção irá causar uma alteração na leitura da proteína e com isso provocar um stop codon nos nucleotídeos 352-354 e conduzindo à tradução de uma proteína de 117 aminoácidos enzimaticamente inativa.9,11,12,13, 17,21,23,24,46

Estudos posteriores revelaram um segundo alelo O denominado de O1 variante ou O1V (O02), que além de apresentar a deleção de uma única base no nt261 tem também outras 9 substituições de nucleotídeos (G106T, G188A, C189T, C220T, A297G, T646A, G681A, C771T e G829A) que o diferem da seqüência do consenso A1.5,9,11,14,23,24,46

Em 1994, Grunnet et al., identificou e seqüenciou um alelo O mutante, denominado posteriormente de O2 (O03), no qual a deleção na posição 261 estava ausente, mas diferindo do gene A1 em quatro substituições de nucleotídeos: 297 526, 802, e 1096, das quais apenas duas resultam em alterações de aminoácidos (C526G: Arg176Gly e G802A: Gly268Arg).5,9,11,13,23,24,25,46,47 Dessas quatro mutações, duas, nt297 e 526, são específicas do alelo B, enquanto que a terceira , G802A, é utilizada para explicar a perda da atividade da transferase A e B, uma vez que a alteração do aminoácido glicina pela arginina, na posição 268, está localizada na região da glicosiltransferase envolvida com a atividade enzimática.5,9,11,13, 23,24,25,46,47

Um alelo O inicialmente denominado de O3, encontrado em uma família sueca, mostrou as mutações C467T e del1060C, sendo que ambas são características do alelo A2. A esse variante foi adicionado também uma outra substituição passível de ser encontrada, que seria a inserção do nucleotídeo G (guanina) na posição 798-804, semelhante ao que ocorre no alelo Ael.12,48

Como outros exemplos de variantes do grupo sangüíneo O, podemos citar o alelo O4 que é caracterizado por uma inserção G no nt87-88, tendo por resultado a alteração na leitura da proteína e conseqüente stop codon no aa 56, e o alelo O5 com a mutação C322T que irá criar um stop codon direto.10

Recentemente uma série de outros alelos O tem sido pesquisados e acredita-se que eles são formados provavelmente devido a um crossing-over ou uma conversão gênica, eventos esses que ocorrem entre os alelos conhecidos do sistema ABO, como por exemplo: O1v-B, B- O1v, O1-A2, O1- O1v e O1v-O1..12

Sistema H

O sistema H tem dois genes, H e h e um antígeno ou substrato H, sobre a qual ocorre a ação das glicosiltransferases para a formação dos antígenos A e B, podendo ser expresso tanto no estado homozigoto (H/H) como no heterozigoto (H/h). O alelo h é considerado amorfo e nenhum produto antigênico é associado a ele, enquanto que o gene hh é extremamente raro, e nessa situação nenhuma substância H é produzida.12,15

O seqüenciamento do gene humano H que codifica a enzima a1,2-L fucosiltransferase, identificou uma proteína de 365 aminoácidos com uma massa molecular de 41,249Da, que é codificada no locus FUT1 no braço longo do cromossomo 19. Esse gene é formado por quatro exons, sendo que a região de código da proteína está localizada no exon 4.12,49

O primeiro variante deficiente do gene H foi detectado em 1952 chamado de fenótipo Bombay ou Oh. Esse fenótipo é caracterizado sorologicamente pela perda total da atividade das transferases ABH nos eritrócitos e nas secreções corpóreas e pelas grandes quantidades de anti-H que fazem com que os eritrócitos Oh sejam incompatíveis com aqueles do tipo O, uma vez que esses últimos apresentam antígeno H na superfície dos seus eritrócitos.12,15

Outro variante deficiente do gene H, é caracterizado como para-Bombay (Ah, Bh, e ABh). Portadores desse fenótipo são identificados por apresentarem quantidades mínimas dos antígenos A e B nos eritrócitos e pouco ou nenhum antígeno H. Nesse fenótipo, ao contrário do Bombay, a transferase H esta presente com atividade muito fraca, sendo que as poucas quantidades de substância H produzidas são convertidas aos antígenos A e B pelas suas respectivas transferases.12,15

Investigações moleculares em amostras Bombay e para-Bombay identificaram um número grande de mutações, sendo que a maioria dessas produzem alelos silenciosos que, quando transcritos codificam uma fucosiltransferase inativa. Alguns alelos, entretanto, codificam a fucosiltransferase porém com baixa atividade, as quais são responsáveis pela expressão fraca do gene H. Algumas das mutações do gene H podem ser observadas na tabela 3.11,12

Técnicas para Genotipagem ABO

Os avanços na biologia molecular na última década têm providenciado aos bancos de sangue o conhecimento de diferentes alelos ABO, assim como diversas técnicas para sua detecção. Ao longo de todo esse tempo, mais de 30 diferentes métodos para a genotipagem do gene ABO têm sido descritos em diversas publicações científicas.10

Entre os mais freqüentes métodos descritos para a genotipagem do locus ABO, destacam-se a reação de polimerase em cadeia (PCR) juntamente com o estudo do polimorfismo de comprimento de fragmentos de DNA (RFLP- Restriction Fragment Length Polymorphism), a amplificação do DNA por meio dos primers alelos específicos (ASP), a detecção de alterações de conformação das cadeias simples do DNA (SSCP-Single Strand Conformation Polymorphism) e outras diversas técnicas como o seqüenciamento automático.3

O polimorfismo de comprimento de fragmentos de DNA (RFLP), obtido pelo tratamento do DNA com enzima de restrição, consiste na digestão do produto amplificado com uma ou mais endonucleases, seguido de eletroforese para separação dos fragmentos de acordo com o seu comprimento. O número de fragmentos obtidos corresponde ao número de sítios de restrição reconhecidos pela(s) enzima(s). Por exemplo, a deleção G261- encontrada no alelo O1 pode ser convenientemente detectada pelo uso de duas endonucleases, a KpnI que é apta para clivar o alelo O1, mas não o é para o consenso A1 no nt261, e a enzima BstEII que tem ação inversa.1,5,9,11,23,24,25

Olsson e Chester, em 1995, pesquisaram um método de triagem para genotipagem do gene ABO, por meio de uma reação "multiplex" de amplificação utilizando vários primers simultaneamente; mo46, mo57, mo71 e mo101 e as enzimas de restrição KpnI e HpaII para identificação dos alelos A1, A2, B, O1 e O2. Esse método utiliza a observação prévia da existência de um sítio de clivagem para a enzima HpaII na região 3' UTR (untraslated region) dos alelos A1 e O1, sendo que os alelos B e O2 não possuem esse sítio. Assim, a mutação G1096A presente nesses dois últimos alelos (B e O2) é utilizada como um marcador genético, uma vez que ela irá abolir o sítio de clivagem com a enzima HpaII. A presença das mutações associadas aos alelos A2 (C467T), B (G703A e G1096A) e O2 (G1096A) também removem os sítios da HpaII presentes na seqüência do consenso do gene ABO.10,24

Na tabela 4 é apresentada uma relação de enzimas de restrição comumentemente usadas para identificação dos alelos do gene ABO, bem como seus respectivos sítios de restrição.50 Essa técnica, PCR-RFLP, tem como vantagem o fato de ser de execução fácil e rápida, mas oferece muitos dados para serem analisados em um único fragmento amplificado.10

Outra técnica amplamente empregada é o PCR alelo específico, onde cada amostra de DNA é submetida a duas amplificações com o intuito de que o polimorfismo do gene ABO seja detectado por meio de primers específicos para a seqüência pesquisada, sendo considerada "positiva" a reação que apresentar o alelo pesquisado e "negativa" a reação que não apresentar o alelo em questão. Esses primers são formulados de maneira que permitam a amplificação de uma região pré-determinada do gene onde se encontra a mutação do nucleotídeo que se deseja detectar, devendo ter entre 19 e 21 pb, e permitir uma hibridização diferencial baseada em uma única mudança de base, fornecendo uma especificidade elevada com o locus a ser estudado. Os fragmentos obtidos após amplificação, deverão ser separados e identificados por meio de eletroforese.50 Esse tipo técnica pode ser utilizada em conjunto com o RFLP, uma vez que é possível criar sítios de clivagem para determinadas enzimas, com uso de primers durante as reações de amplificação.20,50 Na tabela 5 podemos verificar alguns primers utilizados para identificação dos alelos A2, B, O1 e O2.50,51

Para análise do polimorfismo do gene podemos citar a técnica de SSCP (Single Strand Conformation Polymorphism) que permite identificar variações de seqüência (mutações ou polimorfismos) através da detecção de alterações da conformação de cadeias simples de DNA. A técnica de SSCP é considerada uma das melhores para detecção das mutações inesperadas no gene, pois é capaz de identificar substituições, deleções e/ou inserções de nucleotideos baseado na diferença de mobilidade eletroforetica dos fragmentos de DNA com seqüências diferentes. O fator limitante dessa técnica é a dificuldade operacional na prática clínica.10,21,52

Outras técnicas, como PCR-SSP (seqüência de primers específicos) ou PCR seguido por denaturação em gel gradiente para eletroforese também podem ser empregadas, porém devido ao elevado polimorfismo do gene ABO, principalmente na detecção de seus subgrupos, o sequenciamento direto das bases dos alelos tem sido uma das técnicas mais amplamente utilizadas para confirmação dessas mutações.

Assim concluindo, essa revisão possibilita ao leitor um maior entendimento das bases moleculares do sistema sangüíneo ABO, dos seus subgrupos e das principais técnicas atualmente empregadas, assim como suas aplicações e limitações.

  • Endereço para correspondência

    Dra. Marcia Cristina Zago Novaretti

    Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo - Divisão de Imuno-hematologia

    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155 - 1º andar/ sala 114 - Cerqueira César

    CEP: 05403-000 - São Paulo-SP

    Fax: (11) 3061-5544 ramal 253

    E-mail:

  • Recebido: 20/08/2

    Aceito: 18/12/02

    Endereço para correspondência Dra. Marcia Cristina Zago Novaretti Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo - Divisão de Imuno-hematologia Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155 - 1º andar/ sala 114 - Cerqueira César CEP: 05403-000 - São Paulo-SP Fax: (11) 3061-5544 ramal 253 E-mail:

    Qual a consequência da mutação para a enzima?

    A mutação e suas consequências Se a alteração na sequência de aminoácidos na proteína não afetar o funcionamento da molécula e não prejudicar o organismo, de modo geral ela passa despercebida, é indiferente. Outras vezes, a alteração leva a um favorecimento.

    Qual a relação entre mutação e expressão gênica?

    As mutações envolvem a adição, eliminação ou substituição de um ou poucos nucleotídeos da fita de DNA. A mutação proporciona o aparecimento de novas formas de um gene e, consequentemente, é responsável pela variabilidade gênica.

    Qual a relação entre as mutações no DNA e as proteínas?

    As mutações alteram a estrutura do DNA, composto por nucleotídeos. Essa mudança pode resultar na síntese de uma proteína com função alterada. O DNA é constituído por íntrons - como regiões não codificantes - e éxons - regiões ditas “codificantes”-. Ou seja: trechos que contêm informação para a síntese de proteínas.

    Como uma mutação no gene pode mudar a função de uma proteína?

    Essas mutações geralmente modificam o quadro de leitura do mRNA do gene, resultando na tradução de uma proteína truncada. As mutações também podem ocorrer nos sítios de emenda do mRNA, causando alterações no mecanismo de splicing do gene envolvido, adicionando ou removendo segmentos do mRNA e da proteína.