A Constituição Federal, em seu art. 5º, LXIII, dispõe que “O preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Trata-se decorrência do princípio latino nemotenetur se detegere apontando para a ideia de que ninguém é obrigado a se descobrir. Show Já na legislação infraconstitucional, com especial ênfase ao preceituado no art. 186 e seguintes do Código de Processo Penal, com as modificações conferidas pela Lei 10.792/2003 a matéria recebeu atenção já no 186 do CPP que assegura que “Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.” A matéria guarda evidente relação com o instituto da confissão, de modo que também se faz necessário analisar os dispositivos do CPP atinentes a confissão. O artigo 197 do CPP diz que o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância. Por outro lado, no artigo 198 tem-se um dos dispositivos mais importantes, assegurando que “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. ” Ademais, dispõe o artigo 199 que a confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art. 195. Por fim, prevê, o artigo 200 que a confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto. Pois bem. Há que se pontuar, antes de abarcar o tema apresentado, que a análise realizada no presente estudo está situada no contexto da busca pela efetivação de um sistema processual penal acusatório, no qual a gestão da prova é atribuída às partes, regendo-se pelo princípio dispositivo. Também dentro do conceito de sistema acusatório, tem-se como características a oralidade, a publicidade e o contraditório;a livre valoração da prova, a concretização da coisa julgada pela sentença e ainda a liberdade do acusado durante o curso do processo.[1] Pois bem. A questão posta é: na medida em que o réu possui o direito constitucional de permanecer em silêncio e de não produzir prova contra si mesmo, em exercendo o seu direito de permanecer em silêncio, deve o magistrado fazer consignar as perguntas não respondidas pelo acusado? Ou até mesmo enumerar e realizar todas as perguntas pretendidas diante do réu? À luz do conceito de processo penal acusatório, a prática consistente em fazer todas as perguntas desejadas mesmo quando o réu, de antemão, informa que não deseja responder a nenhuma pergunta fere o princípio acusatório e trata-se de método inquisitorial. Isso por que acaba permitindo, ainda que de forma sutil, que o magistrado detenha substancial possibilidade de gerir a prova a ser produzida, característica fundamental do sistema inquisitório. Nas palavras de JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO (Observações sobre os sistemas processuais penais, página 42) referindo-se ao controle direto do processo penal pelos clérigos no período da inquisição afirma que “A vantagem (aparente) de uma tal estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos factos – de todos os factos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na ‘acusação’- dado o seu domínio único e omnipotente do processo em qualquer das suas fases.” A possibilidade do magistrado enumerar as questões perante o réu que manifesta claramente o seu desejo de não responder a nenhuma pergunta, permite um resíduo de atuação e gestão da prova por parte do juiz e pode ser utilizado com o sentido de demonstrar ao réu o raciocínio que será traçado por ele (juiz) quando da prolação da sentença. Ou seja, na medida em que restam realizadas oralmente e consignadas as perguntas não respondidas, há risco de, em última análise, permitir ao julgador expor e fazer consignar perante o réu uma linha de raciocínio pré-determinada pelo julgador. E a exposição desta linha de raciocínio pode influenciar na decisão do réu de permanecer em silêncio. Com isso, evidencia-se uma apresentação de um desenho lógico e um roteiro de perguntas que, antecipando o próprio convencimento do juízo, acabaria por influenciar a decisão do réu em seguir com seu direito de permanecer em silêncio. É como se o juízo (com a dedução realizada com suas perguntas) dissesse ao réu “veja, é este o meu entendimento, evidenciado pelas minhas perguntas,”. A sequência lógica das perguntas pode permitir que o juiz antecipe ao réu o seu convencimento. Exemplo disso podem ser perguntas como: você tem conhecimento de que foi reconhecido pela vítima? Você tem conhecimento de que o reconhecimento da vítima foi preciso, sem qualquer dúvida? Você tem conhecimento de que os policiais que fizeram a sua detenção foram uníssonos em seus depoimentos? o que o senhor tem a dizer a respeito do fato de ter sido encontrado com os objetos da vítima horas após a subtração? Nestas circunstâncias, o juiz poderia extrapolar a sua posição de julgador, agindo como se acusador fosse de modo que[2]“afastado do contraditório e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente pela visão que tem (ou faz) do fato.” Além disso, nestas circunstâncias, a conduta do juiz acaba por evidenciar a não aceitação da opção do réu em permanecer em silêncio. Novamente, em referência a atuação do inquisidor quando da constituição dos tribunais da inquisição, JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO ensina que: “Como crime e pecado passam a ser sinônimos, o processo é imaginado e posto em prática como um mecanismo terapêutico capaz de, pela punição, absolver. Tudo continuava a ser, não obstante, uma fórmula de descoberta da verdade e ninguém melhor do que o acusado para dela dar conta.” A lógica inquisitorial, assim, é a de que o juiz deve chegar a verdade pelos caminhos que escolher. [3]“O crime (pecado) é dado histórico e à realidade apresenta-se multifário, razão pela qual, para reconstitui-lo – se não de forma absoluta (porque impossível), mas ao menos aceitável – seria conveniente e lógico verificar cada um dos aspectos, pelo menos os principais. A lógica deformada do sistema, porém, não o permite, porque privilegia o mecanismo “natural” do pensamento da civilização ocidental (e aí o seu grande valor estratégico e, talvez, o motivo da sua manutenção até hoje), ou seja, a lógica dedutiva, que deixa ao inquisidor a escolha da premissa maior, razão pela qual pode decidir antes e, depois, buscar, quiçá obsessivamente, a prova necessária para justificar a decisão. Estamos diante daquilo que Cordero, com genialidade, chamou de “primatodell´ipotesi sui fatti”: o ponto central do sistema e sem o qual não é possível compreende-lo na essência. Por isto que, partindo da premissa falsa, não poucas vezes assentada em um lugar comum (do gato preto induz-se a bruxaria: do funcionário da empresa o autor do sequestro: do mordomo o homicida, e assim por diante), chega-se a uma conclusão também falsa, transmudada em verdade constituída”. Ocorre que [4]“não basta, todavia, ter a possibilidade de escolher o “Caminho da verdade”, mesmo que seja através de meros indícios e presunções. É preciso o instrumental adequado. A verdade, enfim, possibilita a rendição dos pecados e a absolvição, ainda que, paradoxalmente fosse necessário condenar e, no limite, queimar na fogueira. Sendo o pecado (crime), porém, obra do pecador, a grande ponte à sua descoberta é a confissão, esse milagroso engenho predisposto a aportar a verdade, nem que fosse induzida, presente sempre a hipótese da falta de espontaneidade. Nesse patamar, os fatos podem estar relegados completamente a um segundo plano e se entende como a confissão torna-se a “regignaprobationum”. Portanto, a enumeração das perguntas ao interrogado, mesmo quando este quer calar, intenta primeiramente, fazer com que o réu fale, para que, em segundo plano, confesse, reforçando a velha ideia daconfissão como a rainha das provas. Neste prisma, embora o art. 186 do Código de Processo Penal disponha que “o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas” dando a entender com a utilização do termo “que lhe forem formuladas” que o juiz pode perguntar e o réu pode não responder, entende-se que o termo é inadequado sob a perspectiva do sistema acusatório. Isso por que, ao passo que o réu afirma não desejar responder a nenhuma pergunta, que utilidade há em realizar as perguntas? Por certo nenhuma utilidade existe. Se não mais é necessário fazer consignar as perguntas não respondidas, tão pouco necessita o réu justificar as razões para não responde-las, a realização das perguntas de forma oral pelo juízo não serve a nenhum propósito constitucional e legal. A conduta do magistrado em tais circunstâncias, além de ferir o princípio da legalidade, já que como visto, fora revogado o antigo artigo 191 do CPP, também acaba por evidenciar uma conduta que, muitas vezes visa cansar e/ou intimidar o réu. Renato Brasileiro de Lima[5], ao comentar o art. 305, parágrafo único do Código de Processo Penal Militar -que prevê a consignação das perguntas não respondidas pelo réu bem como as razões invocadas para não responde-las- leciona que “Os dispositivos do estatuto processual penal militar são claramente incompatíveis com o princípio do nemotenetur se detegere. Se o acusado é titular do direito ao silêncio, do exercício desse direito não se pode extrair qualquer consequência que lhe seja desfavorável. Caso o acusado invoque seu direito de ficar em silêncio, não pode o magistrado ficar fazendo perguntas, uma após a outra, consignando as perguntas que o acusado deixar de responder como se o acusado estivesse cometendo uma irregularidade ao negar as respostas. Isso poderia servir como forma de pressionar o acusado. “Além disso, como os registros das perguntas não respondidas e das razões arguidas pelo acusado não podem ser objeto de valoração pelo magistrado, deve ser suprimida dos autos qualquer menção a tais elementos, a fim de se evitar influência indevida sobre o convencimento do órgão julgador” Ora, era esse o papel da tortura psicológica. Cansado e amedrontado, haverá um momento em que o réu falará, e o pior, poderá até confessar aquilo que não fez. Portanto, a conduta do juiz antecipa carga valorativa probatória (ao permitir ao juiz expor ao réu seu percurso racional) e isto pode estar orientado para atingir um fim único, qual seja, obter a confissão do réu, ou, ao menos, permitir que inicie a falar e assim se possa colher algo de sua fala. Trata-se de prática que causa ao réu um evidente tormento psicológico, porquanto manifestou, inicialmente o seu desejo de não responder não só às perguntas que forem realizadas, se não a toda e qualquer pergunta a ser realizada. Nesse diapasão, cumpre citar os ensinamentos do professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho que, ao mencionar Pietro Verri, dizendo a respeito da tortura como forma de obtenção da confissão: “Ademais, a razão corresponde rigorosamente ao fato. Qual é o sentimento que nasce no homem, ao sofrer uma dor? este sofrimento é o desejo de que a dor pare. Quanto mais violento for o suplício, tanto mais violento será o desejo e a impaciência de que chegue ao fim. Qual é o meio com que um homem torturado pode acelerar o término da dor? declarar-se culpado do crime pelo qual é investigado. Mas é verdade que o torturado cometeu o crime? se a verdade é sábia, é inútil tortura-lo: se a verdade é duvidosa, talvez o torturado seja inocente, e igualmente levado a se acusar do crime. Portanto, os tormentos não constituem um meio de descobrir a verdade, e sim, um meio que leva o homem a se acusar de um crime, tenha-o ou não cometido. No fundo, o que poderia ser a vitória do torturador é, em verdade, a sua derrota, tal qual, mutantis mutandis sucede com o estuprador: na impossibilidade de obter o que pretende pela sedução da palavra, escancara sua incapacidade e mediocridade arrancando do torturado uma “verdade” que não é dele, mas sua. Assim, é infeliz aquele que tem de lançar mão de atos tão abjetos para obter uma resposta que, de tal forma, a sociedade não pediu, ou melhor, no nosso caso, tentando crescer no grau de civilização, expressamente proibiu: CF, art. 5º, XLIII.” JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, observações sobre os sistemas processuais penais, página 46. Veja-se a doutrina de Ada Pellegrini Grinover: “Do direito ao silêncio, consagrado em nível constitucional, decorre logicamente a concepção do interrogatório como meio de defesa. Se o acusado pode calar-se, não mais é possível forçá-lo a falar, nem mesmo por intermédio de pressões indiretas, é evidente que o interrogatório não pode mais ser considerado ‘meio de prova’, não é mais pré-ordenado à colheita de prova, não visa ad veritatemquaerendam. Serve, sim, como meio de autodefesa.[6]” Ainda de acordo com a citada autora: […] a correta conceituação do interrogatório – em face da doutrina, primeiro; em face da Constituição, depois, e, mais tarde, pela incorporação do Pacto de São José da Costa Rica ao ordenamento brasileiro – é a de que constitui meio de defesa, que – se e conforme o acusado falar – pode eventualmente servir como fonte de prova.[7] Sendo assim, é vedado, à luz dos preceitos constitucionais e legais, ao julgador interferir na decisão do réu, quando este diz que não deseja responder a todas as perguntas que serão realizadas, não sendo o réu obrigado a saber exatamente quais as perguntas que serão realizadas pelo julgador. Isso por que as próprias perguntas podem servir como estímulo para que o réu fale, violando o direito constitucional ao silêncio, na medida em que “Se é verdade que o silêncio não pode ser considerado, posto que dele nada se pode extrair – por determinação constitucional, inclusive – a eloquência e a loquacidade, sobretudo quando mal utilizada, podem”.[8] Além disso, malgrado a lei a Lei nº 10.792/03 não ter revogado o texto do art. 198 do Código de Processo Penal que diz que: “O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz” a autorização legal concedida ao magistrado para utilizar o silencio para a formação do seu convencimento acaba também por violar a sistemática do processo penal acusatório. Desta feita, conclui-se que, quando manifestado o desejo do interrogado o desejo de exercer seu direito constitucional de permanecer em silêncio, tal direito deve ser respeitado em sua integralidade, não sendo crível submeter o réu a oitiva de todas as perguntas realizadas pelo réu. Enfatiza-se, novamente que a tarefa de buscar a prova não cabe ao julgador, sendo tarefa da acusação. Quando o réu manifesta seu desejo de não responder não só às perguntas que forem realizadas, se não a toda e qualquer pergunta a ser realizada, deve-se encerrar o ato, não havendo que se falar em permissão a perguntas pelo ministério público. Mostra-se ainda, enraizada na mentalidade do julgador, a ideia da necessidade da confissão como forma de chancelar os elementos probatórios amealhados pela acusação, afastando-se da ideia de que cabe à acusação o ônus da prova, não sendo o juiz o seu gestor. [1] SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Introdução ao direito processual penal. Florianópolis. Empório do Direito. 2ª Edição. 2015. P. 38. [2] JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO (Observações sobre os sistemas processuais penais, página 42) [3] JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO (Observações sobre os sistemas processuais penais, página 43). [4] JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO (Observações sobre os sistemas processuais penais, página 43). [5] DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal, Volume I. Niterói: Impetus, 2012, p. 946. [6] GRINOVER, Ada Pellegrini. O interrogatório como meio de defesa (lei 10.792/2003). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 53, mar-abr. 2005, p. 185-200. [7] Ibid., p. 187. [8] Eugênio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer. Comentários ao código de processo penal e sua jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 364. Como deve ser interpretado o silêncio daquele que está sendo interrogado?186 do Código de Ritos dispõe que "antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa", permitindo o art.
Pode a parte ficar em silêncio em seu depoimento?O direito de ficar calado está previsto no inciso LXIII do artigo 5o da Constituição Federal de 1988. Esse inciso define que, quando um indivíduo é preso, ele deve ser informado dos seus direitos, incluindo o Direito ao Silêncio.
Como se chama o direito de permanecer calado?Dentre essas garantias, está a de permanecer calado, prevista no artigo 5º, inciso 63, da Constituição Federal. O direito ao silêncio para não produzir provas contra si também consta no artigo 186 do CPP (Código de Processo Penal).
Quais são os 5 direitos protegidos pelo princípio da vedação a autoincriminação?No Brasil, de forma sistematizada, pode-se estruturar o princípio da vedação à autoincriminação em três direitos principais: o direito de não conformar-se com a acusação; o direito de não depor contra si; e o direito de não contribuir para a produção de outras provas (DEL PONTE, 2011).
|