Relacione a crítica presente na charge com o chamado pacote de abril (1977).

1. Havia um golpe da esquerda em gestação? A deposição de Jango foi um contragolpe?
Francisco Dornelles, filiado ao PTB, primo em segundo grau de Getúlio Vargas e sobrinho de Tancredo Neves, assistiu pela televisão, na França, ao comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. “A TV francesa dava grande destaque ao presidente João Goulart”, diz Dornelles, hoje senador (PP-RJ). Jango decretou a nacionalização de refinarias de petróleo, o congelamento dos preços dos aluguéis e a desapropriação de terras às margens de rodovias federais para a reforma agrária. “A revolução comunista no Brasil começou hoje”, disse um colega de Dornelles, membro do Partido Comunista na Bulgária. “Ele anunciou coisas que, na Bulgária, levamos anos para conseguir. Os adversários acabarão com ele.”

Após o comício, Jango pediu ao Congresso poderes especiais para aprovar as reformas de base, um conjunto de medidas de cunho popular, como a reforma agrária. Dezoito dias depois, Jango foi derrubado. Militares brasileiros tiveram a mesma interpretação do jovem búlgaro – e fizeram o que ele disse que fariam. Jango flertava com o populismo e dava sinais à esquerda. O mundo vivia a Guerra Fria, com países divididos entre os blocos capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e socialista, ligado à União Soviética. Em 1959, Cuba tornou-se comunista. O medo de uma revolução comunista no Brasil unia políticos de direita e militares e os Estados Unidos.

>> 1964: O ano que não terminou

O pedido ao Congresso alarmou a oposição por dizer que “são elegíveis os alistáveis”. O mandato de Jango terminaria em 1965, mas a oposição entendeu que um golpe se ensaiava. Jango se apoiaria nos sindicatos e nos partidos de esquerda para mudar a Constituição e se candidatar à reeleição. Os sinais pareciam claros. “Se não dermos o golpe, eles o darão contra nós”, dizia Leonel Brizola, cunhado de Jango e governador do Rio Grande do Sul. O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, afirmava o mesmo. “Volto certo de que um golpe virá. De lá ou de cá, ainda não sei.”

Os aliados de Jango confiavam em que tinham a seu lado uma fatia das Forças Armadas – o “dispositivo militar” janguista. Quando os militares, de forma desorganizada, botaram os tanques na rua para destituir Jango, o “dispositivo” janguista não apareceu e não houve resistência ao golpe.   “Não há evidência empírica de que Jango planejasse um golpe”, afirma o historiador Carlos Fico. “Mas suas declarações e o pedido de poderes especiais ao Congresso dão força à ideia de que pretendia dar um golpe.” Ainda hoje, militares da reserva dizem que a destituição de Jango foi um contragolpe preventivo. De certo, nem direita nem esquerda estavam interessadas na manutenção da ordem constitucional vigente em 1964.
 

MEDO
Trabalhadores no comício da Central do Brasil, que deu força à ideia de que Jango ensaiava um golpe
(Foto: Domicio Pinheiro/Estadão Conteúdo/AE)

2. Os golpistas chegaram com um plano para instalar uma ditadura?
Não. O golpe foi desfechado improvisadamente. O dia 31 de março de 1964 começou com o general Olímpio Mourão Filho, que não estava entre os conspiradores de maior patente, vestido com um robe de seda vermelho, fazendo anotações em seu diário. Depois, pegou o telefone e anunciou que partiria de Juiz de Fora, em Minas Gerais, rumo ao Rio de Janeiro. Até o meio do dia, continuava parado. Tirou uma soneca após o almoço e só então pôs seus homens na rua. Tropas pretensamente leais ao presidente Jango deixaram o Rio, para brecar as de Mourão. No dia seguinte, o Exército se uniu contra Jango. Acuado, ele deixou o governo,  mais facilmente do que esperavam os golpistas. Uma vez no poder, os militares não tinham um plano de governo. Na posse como presidente, em 15 de abril, Castelo Branco prometeu devolver a Presidência a um sucessor eleito. “Ninguém adivinhou o que viria depois”, diz Jorge Ferreira, autor de 1964.
 

MEIA-VOLTA
Tanque militar no Rio. Protegeu o governo e, horas depois, mudou de lado (Foto: Agência O Globo)

3. Foi uma ditadura militar ou uma ditadura militar e civil?
O presidente Jango foi deposto por um levante militar, em 1964, e eram egressos da caserna os presidentes seguintes, até 1985. O Brasil esteve, portanto, sob um regime militar. Mas um regime com permanente apoio civil. “Imputar às Forças Armadas a responsabilidade pelo regime é um exagero”, diz Marco Antonio Villa, autor do livro Ditadura à brasileira. “Nunca tivemos um regime militar puro.” A deposição de Jango teve apoio de parte da população, em protestos como a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, da elite empresarial e da imprensa. Defensor da posse de Jango, em 1961, o jornal Correio da Manhã pediu sua saída – voluntária – nos editoriais “Basta!” e “Fora!”. O golpe, que transcorreu sem troca de tiros, tinha em sua linha de frente os governadores da Guanabara,  Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, potenciais candidatos a presidente em 1965.

Durante a ditadura, o Congresso sofreu intervenções, mas permaneceu aberto a maior parte do tempo. “Argentina e Chile fecharam seus parlamentos”, diz Rodrigo Patto Sá Motta, autor do livro As universidades e o regime militar. Cabia ao Parlamento eleger os presidentes. Castelo Branco, o primeiro deles, teve os votos de Ulysses Guimarães e Juscelino Kubitschek. Uma vez eleito, o militar despia-se da farda. 

Ao mesmo tempo, o milagre econômico garantia apoio do povo. Eleitos pelo voto popular, os políticos podiam se filiar a dois partidos: a Arena, ligada aos militares, e o MDB, de oposição. Até 1978, a Arena ocupou a maioria das cadeiras no Congresso e ganhou todas as eleições para governador, com exceção do Estado da Guanabara em 1971. Só com as crises econômicas, como a provocada pela explosão dos preços do petróleo a partir de 1973, o apoio popular e das lideranças civis à ditadura se esvaneceu.
 

MILITAR E CIVIL
O general Olímpio Mourão Filho e o governador Magalhães Pinto festejam o sucesso do golpe
(Foto: Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press)

APOIO
O coronel Vernon Walters, adido do Exército na embaixada dos EUA, e seu amigo Castelo Branco, líder do golpe
(Foto: Gonzales/CPDOC JB/Folhapress )

4. Qual foi o envolvimento dos americanos com o golpe, a ditadura e a repressão?
Em 1963, o embaixador dos Estados Unidos no Rio, Lincoln Gordon, apresentou à Casa Branca o “Plano de Contingência 2-61”, com quatro possíveis desfechos para a turbulência política no Brasil. O mais provável era o golpe militar. O plano redundou na Operação Brother Sam, que enviou uma frota naval liderada pelo porta-aviões Forrestal, para o caso de os militares precisarem de armas e petróleo. O marechal Castelo Branco sabia da operação, que, afinal, mostrou-se desnecessária. O golpe se concretizou antes de o apoio chegar.  Os Estados Unidos deram apoio político total aos golpistas. Mas o golpe foi obra de brasileiros, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa palestra na semana passada.

As primeiras medidas repressivas do governo militar, como o AI-1, desagradaram aos americanos. O embaixador Lincoln Gordon disse ao ministro Costa e Silva que o combate aos subversivos não poderia comprometer “a aparência jurídica” do regime. O governo americano, num primeiro momento, também ficou incomodado com a escalada de ferocidade do embate entre militares e guerrilheiros.

A atitude mudou depois do assassinato a tiros, em São Paulo, no dia 12 de outubro de 1968, do capitão americano Charles Chandler, por integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária. Três meses depois, desembarcou em São Paulo Peter Ellena, subchefe da Agência de Desenvolvimento Internacional para o Brasil, para acompanhar as investigações sobre o caso. Ellena já estivera por aqui ensinando técnicas de combate à subversão. A colaboração estreitou-se em 1969, quando a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e a Dissidência sequestraram o embaixador americano Charles Elbrick. Documentos descobertos pela Comissão da Verdade de São Paulo, no ano passado, mostram que um funcionário do consulado americano em São Paulo, Claris Halliwell, frequentava o prédio do Departamento de Ordem Política e Social, o Dops, para onde eram levados presos políticos. No calabouço do Dops, as torturas eram comuns. Pelos registros, Halliwell esteve lá mais de 40 vezes, entre abril de 1971 e novembro de 1973.

Com as denúncias sobre as torturas, o governo americano começou a sofrer pressões para se distanciar da ditadura. “Uma coisa é o Departamento de Estado apoiar a ditadura e a tortura no Brasil”, diz o historiador Carlos Fico. “Outra coisa é a opinião pública e do Congresso americanos.” A divisão começou a aparecer em situações práticas. Em 1970, um funcionário da embaixada americana em Brasília informou a Washington que a tortura vinha sendo substituída por interrogatórios menos agressivos. Citou o caso de duas presas. Era mentira: ambas haviam sido torturadas. No mesmo ano, o consulado em São Paulo escondeu de Washington a informação de que o militante Eduardo Leite, o Bacuri, da ALN, fora torturado e assassinado. Informou à base a farsa montada pela ditadura: ele morrera numa tentativa de fuga. O cônsul-geral no Rio, Clarence Boonstra, no entanto, denunciou a farsa. Essas reações ambíguas perduraram até 1977, quando, com a eleição do presidente Jimmy Carter, os EUA passaram a condenar a ditadura.

5. Jango era um incompetente ou um incompreendido?
"Se minha presença no governo for à custa de derramamento de sangue, prefiro me retirar." Assim João Goulart rejeitou o plano de contragolpe militar do general Ladário Neves, comandante do III Exército. Jango teve a nobreza de evitar uma guerra civil em 1964. Para muitos, porém, suas posições dúbias ajudaram a semear o golpe. Para o cunhado e eventual rival Leonel Brizola, Jango “foi a testemunha passiva de uma luta em seu íntimo entre duas personalidades inconciliáveis, o herdeiro político de Getúlio Vargas e o maior proprietário rural do Brasil”.

Com a renúncia de Jânio Quadros em 1961, sete meses após a posse, a Presidência caiu no colo de Jango, vice e adversário de Jânio. Os militares foram contra. Jango aceitou assumir com poderes limitados, num regime parlamentarista. “Em seguida, sabotou o parlamentarismo”, diz o historiador Marco Antonio Villa. Um plebiscito popular restabeleceu o presidencialismo. Com pleno poder, mas sem maioria no Congresso, Jango apresentou o Plano Trienal, com cortes de gastos. As centrais sindicais e líderes de esquerda foram contra. Jango implantou o plano apoiado por empresários. Meses depois, o empresariado retirou o apoio, e Jango desistiu. “Ele abriu mão de seu plano de governo”, diz o historiador Jorge Ferreira. “Restava aprovar a reforma agrária, mas ele também não conseguiu. Ficou à deriva.” O país fechou 1963 com inflação de 78%, crescimento de 1% e racionamento de açúcar e feijão.

Jango tinha duas ofertas de coalizão: uma frente moderada, com o PSD, ou uma frente com os partidos de esquerda, liderados por Brizola. Optou pela esquerda. Em 30 de março, discursou no Automóvel Clube de São Paulo: “O egoísmo de muitos ricos, sua cegueira, é um problema muito mais grave que o próprio comunismo”. Já estava aceso o estopim do golpe.
 

DÚBIO
João Goulart, o presidente deposto. Com afagos à esquerda e à direita, desagradou a ambos os lados
(Foto: Jose Medeiros/O Cruzeiro/EM/D.A)

6. Os empresários apoiaram a repressão?
Sim. A maior parte do empresariado simpatizava com o regime militar por vê-lo como uma reação necessária ao comunismo e ao fortalecimento dos sindicatos. Após 1968, no período de maior crescimento econômico, o apoio se consolidou, e um grupo de empresas ajudou a ditadura a reprimir os opositores. Um caso extremo foi o executivo dinamarquês Henning Boilesen. Ele financiou a montagem do sistema de repressão paulista e assistia a sessões de tortura. Foi assassinado em 1971, por militantes de esquerda. O apoio dos empresários arrefeceu nos anos 1970. “As incertezas com a inflação e o câmbio geraram insatisfação entre os empresários e desmoralizaram a pretensa racionalidade dos governos militares e seus tecnocratas”, diz o economista Plinio de Arruda Sampaio Júnior, da Unicamp.
 

MECENAS DA TORTURA Henning Boilesen, industrial, morto por rebeldes. Ele bancou a repressão (Foto: Claudine Petroli/Estadão Conteúdo/AE)

7. A tortura era obra de grupos radicais ou uma política de Estado?
Desde a ditadura, as versões dos militares sobre os casos de torturas em quartéis de oponentes do regime variaram. Ainda hoje, muitos oficiais da reserva alegam desconhecer que elas tenham ocorrido. Mais recentemente, alguns militares passaram a admitir que, sim, elas ocorreram, mas numa situação de guerra contra o “terrorismo”. Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, na semana passada, o coronel reformado do Exército Paulo Malhães, de 76 anos, admitiu ter torturado, matado e ocultado cadáveres de presos políticos durante a ditadura. Quando perguntado pelo ex-ministro José Carlos Dias sobre quantas pessoas matara, Malhães respondeu: “Tantas quantas foram necessárias”.

No depoimento, Malhães contou também como mutilava cadáveres para dificultar que eles fossem identificados e como recebeu do Centro de Informações do Exército (CIE) uma ordem para ocultar a ossada do ex-deputado Rubens Paiva, que não participava da luta armada e foi torturado e morto após ser preso em sua casa no Rio de Janeiro, em 1971.
Não há dúvida, hoje, que o uso da tortura como recurso para combater a “subversão”, em nome da “segurança nacional”, foi uma política de Estado, aprovada nos mais altos gabinetes de Brasília. Em 1971, o torturador de Paiva, Antônio Hughes, recebeu a Medalha do Pacificador por “serviços prestados no combate à subversão”. A Escola Superior de Guerra ministrou cursos sobre a doutrina francesa da “Guerra Revolucionária”, que empregou amplamente a tortura para combater rebeldes da Frente Nacional de Libertação, na Argélia, nos anos 1960. O livro Brasil: nunca mais lista 1.843 pessoas que denunciaram ter sofrido ao menos um dos 6.016 tipos de tortura usados pelos órgãos de repressão. O livro conclui que “no Brasil, de 1964 a 1979, a tortura foi regra, e não exceção”.
 

ALGOZ
Paulo Malhães, coronel reformado do Exército. Ele diz que ocultou o corpo de Rubens Paiva
(Foto: Daniel Marenco/Folhapress)

8. A ditadura brasileira torturou e matou menos que outras?
A ditadura brasileira não foi branda, mas matou e torturou menos que as de países vizinhos. Nas estimativas mais pessimistas, incluindo denúncias por investigar, chega-se a 500 mortos e 20 mil torturados. O Chile torturou cerca de 40 mil. Na Argentina, os militares admitiram o assassinato de 7 mil pessoas e há cálculos de até 30 mil mortos. Ter matado e torturado menos não torna a ditadura brasileira menos cruel. “Tortura é um crise de lesa-humanidade. Uma única pessoa torturada é uma ofensa a todas as outras”, diz Rose Nogueira, presidente do grupo Tortura Nunca Mais/SP. O alcance menor da tortura, com menos famílias atingidas, permitiu que ela fosse esquecida por mais gente, mais rápido. Não é à toa que o Brasil demorou mais que a Argentina a criar uma Comissão da Verdade e que, aqui, os responsáveis pela tortura não foram punidos.

9. Onde foram parar os corpos dos guerrilheiros do Araguaia?
Em outubro de 1974, na cidade de Xambioá, um helicóptero desembarcou na base do Exército uma moça magra e manca, com a pele marcada por picadas. A estudante Walkíria Afonso Costa era a última militante da Guerrilha do Araguaia capturada. Levava um revólver velho, um pouco de sal e cera. Dias depois, soldados cavaram um buraco. À noite, um sargento pôs Walkíria perto da cova e disparou três tiros.

Entre 1972 e 1974, 3.200 militares brasileiros – a maior mobilização do Exército desde a Segunda Guerra Mundial – se envolveram no combate aos 69 integrantes da Guerrilha do Araguaia. Desde 1966, militantes do Partido Comunista do Brasil tentavam implantar um foco guerrilheiro numa área inóspita de 6.500 quilômetros quadrados ao norte de Goiás (hoje Tocantins) e Pará. Entre abril de 1972 e o começo de 1973, oito guerrilheiros fugiram, se entregaram ou foram capturados pelo Exército (entre eles, José Genoino, ex-presidente do PT condenado à prisão no escândalo do mensalão). Foram os únicos sobreviventes. No fim de 1973, a tropa matou todos os que restavam na região. No começo de 1974, já escolhido próximo presidente da República, o general Ernesto Geisel perguntou ao tenente-coronel Germando Arnoldi Pedrozo sobre a situação no Araguaia. “Se prosseguir como tem sido executada, em mais uns dois ou três meses liquida-se aquilo lá”, disse Pedrozo.

Nos últimos anos, com a ajuda de ex-presos políticos, o Ministério Público Federal busca localizar os corpos das vítimas e processar os militares envolvidos na repressão. Em 2010, o Brasil foi condenado na corte de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) por ainda não ter punido responsáveis pelas atrocidades no Araguaia. Em 2003, a juíza federal Solange Salgado determinou que o Estado brasileiro busque e entregue às famílias os corpos. Alguns poucos foram recuperados no cemitério de Xambioá e em localidades próximas. A maioria continua perdida.
 

SOBREVIVENTE
José Genoino, um dos que escaparam com vida da guerrilha, ao ser preso pelo Exército, em 1972
(Foto: reprodução)

10. A luta armada começou com o AI-5?
Não. Esse foi um dos mitos criados por uma certa história oficial, ao afirmar que as esquerdas revolucionárias tomaram parte da “resistência democrática” à ditadura. Grupos de esquerda defendiam a luta armada antes mesmo do golpe de 1964. Em 1962, o Movimento Revolucionário Tiradentes montou campos de treinamento de guerrilha em Goiás. A primeira grande ação foi o atentado à bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, Pernambuco, em julho de 1966, de responsabilidade da Ação Popular, mais de dois anos antes do AI-5. Segundo a historiadora Denise Rollemberg, os grupos guerrilheiros não buscavam restaurar a democracia. “Os grupos revolucionários não tinham a intenção de resgatar a ordem institucional derrubada pelo golpe, mas de fazer a revolução”, afirma. Reprimidas pelo governo militar e sem apoio da sociedade, as organizações armadas brasileiras foram dissolvidas na primeira metade da década de 1970.
 

MILITAR E VÍTIMA
Almirante Gomes Fernandes, morto no atentado ao aeroporto do Recife (Foto: arquivo/DP/D.A Press )

11. A economia do Brasil avançou com a ditadura?
A economia avançou em alguns aspectos e criou problemas em outros – mas o saldo é negativo. As medidas adotadas pelo regime militar poderiam ter ocorrido sob governos democráticos. Isso foi reconhecido em março pelo principal artífice da política econômica no período de maior crescimento – o “Milagre Econômico” –, de 1967 a 1974, o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, em entrevista ao jornal O Globo. Do lado dos avanços, pode-se argumentar que houve incentivo à formação de mais engenheiros e economistas e maior investimento em ciência e tecnologia, incluindo a criação do Programa Nacional do Álcool e do programa nuclear. Foram instituídos o Banco Central e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Roberto Campos, ministro do Planejamento de 1964 a 1967, promoveu avanços no sistema tributário, na liberdade de capitais e no controle do gasto público (todos posteriormente perdidos, infelizmente). O investimento em construção, máquinas e equipamentos industriais atingiu um pico. Entre 1968 e 1979, o governo investiu, em média, o equivalente a 8,3% do PIB, e o setor privado 14,7%, segundo a economista Cristina de Borja Reis. Esses níveis são desejáveis até hoje, mas não se repetiram após o fim da ditadura. Boa parte da infraestrutura existente hoje – a Ponte Rio-Niterói, a usina hidrelétrica de Itaipu e o aeroporto internacional de Guarulhos – foi construída sob os militares.

O custo, porém, foi altíssimo, porque os governos militares não conseguiram elevar a poupança interna para alimentar os investimentos, problema que persiste. A dívida externa foi multiplicada por 30. Isso tornou o país especialmente vulnerável às duas crises do petróleo, em 1973 e 1979, e ao aumento de juros nos Estados Unidos. Essa fragilidade contribuiu para prender o país na armadilha da hiperinflação, com o crescimento errático dos anos seguintes. Sem rede de proteção social, sem planejamento para as áreas mais pobres nem liberdade para os sindicatos, elevaram-se as desigualdades entre as regiões e de renda (ainda hoje, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo). Embora muito se fale do “Milagre Econômico”, ele durou apenas seis ou sete anos, num período de 21. O historiador Marcos Napolitano, autor de 1964 – História do regime militar brasileiro, identifica três períodos econômicos na ditadura: o desapontamento inicial da classe média, logo após o golpe; o excesso de estatismo, após o “Milagre Econômico”; e o descontrole dos anos 1980. O saldo é conhecido de todos – a década perdida.
 

12. Jango, JK e Lacerda foram assassinados pela ditadura?
No ano passado, um avião da Força Aérea Brasileira transportou de São Borja, no Rio Grande do Sul, a Brasília o esquife com os despojos mortais do ex-presidente João Goulart. A pedido da Comissão da Verdade, a Polícia Federal conduz exames para verificar se Jango morreu envenenado por agentes da ditadura, em dezembro de 1976. Um inquérito parecido apura se o acidente de carro que matou Juscelino Kubitschek, em agosto do mesmo ano, na Via Dutra, foi provocado. Em maio de 1977, Carlos Lacerda, político que se tornara oponente da ditadura, morreu após um ataque cardíaco. Foi assassinado? A suspeita foi estimulada  porque a morte dos três,  num intervalo relativamente breve, coincidiu com execuções de adversários de outras ditaduras do Cone Sul.

A investigação sobre Jango começou porque o uruguaio Mario Neira, preso por contrabando, disse que Jango fora envenenado por agentes secretos a serviço da Operação Condor, um consórcio entre as ditaduras de Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Na versão dele, os agentes trocaram remédios que Jango tomava para o coração. Nem a viúva, Maria Tereza, a princípio, acreditou na versão. Jango era um cardiopata grave, que fumava demais e tinha péssimos hábitos alimentares. Sofrera um ataque cardíaco em 1962. No caso de JK, o depoimento do motorista de ônibus envolvido na colisão não sustenta a tese de um acidente planejado. Até hoje, não surgiu nenhuma prova de que a ditadura tenha se preocupado em eliminar adversários já batidos. Só teorias da conspiração.
 

TEORIA DA CONSPIRAÇÃO
O carro onde estava Juscelino Kubitschek, quando bateu num ônibus. Foi mesmo um acidente
(Foto: Estadão Conteúdo/AE)

13. Quando a ditadura acabou?
Alguns historiadores localizam o fim da ditadura em 1985, quando o presidente João Figueiredo, o último dos militares a ocupar a Presidência da República, deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, sem passar a faixa presidencial a José Sarney. Outros estudiosos dizem que ela só foi superada com a promulgação da Constituição democrática de 1988. O historiador Daniel Aarão Reis sustenta que o fim da ditadura ocorreu em 1979, com a revogação do Ato Institucional número 5, o mais arbitrário dos instrumentos de exceção de que ela dispunha para governar o país.

A revogação do AI-5 foi resultado do processo conhecido como “distensão lenta, segura e gradual”, iniciado pelo general Ernesto Geisel, presidente entre 1974 e 1979. Um impulso importante para a abertura política do regime foi a derrota inesperada da Arena, o partido do governo, nas eleições parlamentares de 1974. O oposicionista MDB ficou com 16 das 22 cadeiras disponíveis no Senado e fez 161 deputados federais.

O estímulo decisivo para Geisel iniciar a abertura política, porém, não  foram os primeiros sinais de descontentamento popular com a ditadura, mas a anarquia instalada nos quartéis. Como resultado da repressão aos oponentes do regime, oficiais do Exército tinham angariado o direito de prender, torturar e matar quem quisessem, usando até mesmo cárceres clandestinos, sem preocupação com vestígios de legalidade ou a preservação da hierarquia militar. Para acabar com a bagunça e restaurar a autoridade da Presidência, Geisel achava necessário promover o desmonte dos órgãos de repressão. Essa interpretação fica clara na leitura na versão eletrônica do livro A ditadura encurralada” (editora Intrínseca), do jornalista Elio Gaspari. Ela traz uma entrevista com áudio em que Geisel diz que “não foi por espírito democrático” que iniciou a distensão.

A abertura se deu em meio a uma luta interna na caserna e enfrentou a resistência da linha dura. Uma das reações da máquina da repressão foi recrudescer perseguições a quem tinha ligação com o Partido Comunista Brasileiro. Em 24 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi espontaneamente ao DOI-Codi na Rua Tutoia, em São Paulo, prestar esclarecimentos. Ficou preso e saiu de lá morto.  No ano seguinte, o operário Manuel Fiel Filho foi morto em semelhantes circunstâncias. Geisel encarou a reincidência como uma afronta pessoal. Três dias depois da morte de Fiel Filho, ele afastou o general Ednardo D’Ávila Mello do comando do II Exército, a que o DOI paulista era subordinado.

Em 1977, depois de uma derrota do governo na reforma do Judiciário, Geisel fechou o Congresso e editou o Pacote de Abril. O pacote de leis transformou em indireta a eleição para governadores estaduais, criou a figura dos senadores biônicos, também eleitos indiretamente, e alterou os pesos dos colégios eleitorais estaduais na composição da Câmara. Tudo foi feito com a intenção de evitar um novo revés da Arena nas eleições gerais de 1978 e de manter o controle da abertura, enquanto a mobilização social contra a ditadura, pela anistia dos presos políticos e pela volta da democracia aumentava.

Um confronto decisivo entre Geisel e a linha dura das Forças Armadas se deu em outubro de 1977. O ministro do Exército, Sylvio Frota, se movimentava para suceder a Geisel, com o apoio dos órgãos de repressão.  No feriado de 12 de outubro, Geisel convocou Frota para uma conversa em seu gabinete.  Demitido em menos de cinco minutos, Frota tentou mobilizar aliados para protagonizar um golpe dentro da ditadura. Não encontrou ninguém em Brasília – todos estavam fora da capital, por uma série de manobras de Geisel. Frota perdeu e foi para casa.

Apoiado por Golbery do Couto e Silva, seu ministro-chefe da Casa Civil, Geisel ficou com o caminho aberto para impor o general João Figueiredo como seu sucessor e dar a ditadura por encerrada. Antes de passar a Presidência a Figueiredo, Geisel promulgou o fim do AI-5, aprovado por um Congresso em que as mudanças constitucionais, desde o Pacote de Abril, só precisavam do apoio da maioria absoluta (50% mais um), em vez de dois terços dos parlamentares. Ainda haveria uma longa transição até a vigência de um estado democrático de direito. Mas a ditadura, como tal, acabou ali.
 

O INÍCIO DO FIM
General Golbery do Couto e Silva, ao lado de Ernesto Geisel, em 1975. “Não foi por espírito democrático”, disse Geisel, sobre a abertura política (Foto: Folhapress)

.

O que foi o Pacote de Abril de 1977?

O Pacote de Abril foi um conjunto de leis outorgado em 13 de abril de 1977 pelo Presidente da República do Brasil, Ernesto Geisel, que dentre outras medidas fechou temporariamente o Congresso Nacional. A imprensa chamou este conjunto de leis de Pacote de Abril.

Quem foi o presidente do Brasil em 1977?

Ernesto Beckmann Geisel GColSE • GColIH (Bento Gonçalves, 3 de agosto de 1907 – Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1996) foi um político e militar brasileiro, que entre 1974 e 1979 foi o 29º Presidente do Brasil, sendo o quarto na ditadura militar brasileira.

Quais foram as principais medidas tomadas pelos militares para conduzir o processo de abertura política no Brasil?

A abertura política foi o processo de liberalização da ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Esse processo teve início em 1974, durante os governos Geisel (1974-1979) e Figueiredo (1979-1985), terminando em 1988 com a promulgação da nova Constituição.

Qual das alternativas abaixo aponta uma importante decisão que abriu caminho para a redemocratização do país no fim da ditadura militar?

5. Qual das alternativas abaixo aponta uma importante decisão que abriu caminho para a redemocratização no país e fim da ditadura militar? A - Em 1984, a Campanha das Diretas Já conquistou seu objetivo e as eleições diretas para presidente voltou ao país em 1985.

Toplist

Última postagem

Tag