Um condutor deve saber que a cassação da carta de condução origina que:

"A cassação da carta implica a sua caducidade e o titular só poderá obter nova carta após aprovação em novo exame de condução, que só poderá ser efectuado decorridos dois anos sobre a data da cassação", disse uma fonte do gabinete do ministro da Administração Interna.

O ministro Rui Pereira já tinha dito hoje que a cassação da carta de condução que pretende colocar em vigor não significa que os condutores alvos da penalização fiquem impedidos de conduzir para sempre. "A cassação não é eterna", disse Rui Pereira aos jornalistas, no final da cerimónia de despedida de um grupo de 28 elementos da GNR que partem terça-feira para a Bósnia integrados na Força Eurogendfor, que inclui forças militarizadas como a Guarda provenientes de mais quatro países.

O Governo tem uma proposta de alteração ao Código da Estrada onde se prevê que um condutor que cometa três contra-ordenações muito graves ou cinco entre muito-graves e graves, num prazo de cinco anos, poderá ver a carta apreendida.

Condutores podem recorrer para os tribunais

O ministro disse que terá que haver um "processo de reabilitação" antes dos automobilistas punidos poderem voltar a conduzir, embora na altura não tivesse esclarecido em que circunstâncias o poderão fazer. Posteriormente, uma fonte do seu gabinete disse que os condutores sujeitos à cassação da carta, da qual podem recorrer para os tribunais, depois de verem confirmada a penalização ficarão dois anos impedidos de circular ao volante, tendo que voltar a tirar o título de condução como se o fizessem pela primeira vez.

Como infracções muito graves, o Código da Estrada considera parar ou estacionar nas faixas de rodagem fora das localidades, incluindo nas auto-estradas, e em zonas de pouca visibilidade, estacionar na estrada de noite, encandear outros automobilistas, circular nas bermas das auto-estradas, desrespeitar sinais de paragem obrigatória, conduzir sob efeito de drogas, álcool e medicamentos estimulantes ou tranquilizantes e abandonar o veículo em caso de acidente, entre outras.

Já as infracções graves incluem circular em contramão, conduzir com taxa de alcoolemia entre 0,5 (máximo permitido) e 0,8 gramas por litro de sangue, estacionar em cima das passadeiras e ultrapassar em 30 quilómetros/hora o limite de velocidade fora das localidades.

Decis�o Texto Integral:

Acordam, em confer�ncia, na 2.� Subsec��o Criminal do Tribunal da Rela��o do �vora

I. RELAT�RIO

(…)] impugnou judicialmente a decis�o proferida pela Autoridade Nacional de Seguran�a Rodovi�ria de cassa��o do t�tulo de condu��o n.� (…) de que � titular.Enviados os autos aos servi�os do Minist�rio P�blico de Tomar e remetidos a Ju�zo [Ju�zo Local Criminal de Tomar da Comarca de Santar�m], foi-lhes atribu�do o n.� 1377/20.7T8TMR.Considerada desnecess�ria a audi�ncia de julgamento, sem que tenha havido oposi��o, em 28 de dezembro de 2020 foi decidido:
(…) o Tribunal decide julgar totalmente improcedente o presente recurso de contraordena��o e, em consequ�ncia, manter a decis�o administrativa nos seus exatos termos.� Inconformado com tal decis�o, o Arguido dela interp�s recurso, extraindo da respetiva motiva��o as seguintes conclus�es [transcri��o]:
1. O processo enferma da falta de elementos necess�rios, tais como factos que respeitam � verifica��o dos pressupostos da puni��o e � sua intensidade, e ainda a qualquer circunst�ncia relevante para a determina��o da san��o aplic�vel.
2. O que constitui uma viola��o do C�digo Penal aplic�vel ex vi do D.L. 433/82.
3. A escolha da medida da pena, ou at� o direito lato sensu, n�o deve ser pura matem�tica…;
4. O Tribunal Constitucional aplicando a Lei Fundamental, s� pode concluir pela inconstitucionalidade material da lei, uma vez que o artigo 30.�, n.� 4 da CRP pro�be a perca de direitos, seja qual for a sua natureza, como efeito necess�rios de uma pena;
5. Verifica-se, que, para a vida profissional do ora recorrente, � imprescind�vel que tenha permanentemente a possibilidade de conduzir.
6. A presente infra��o resultou apenas de neglig�ncia, n�o existindo em momento algum dolo ou culpa por parte do recorrente.
7. A simples possibilidade de aplica��o da presente san��o acess�ria, � j� para o recorrente, uma medida pedag�gica, capaz de satisfazer
8. Todas as necessidades de preven��o e reprova��o que lhe est�o inerentes;
9. Nunca poder� o arguido/recorrente ser condenado duplamente pelo cometimento do mesmo crime;
10. A douta senten�a de que ora se recorre, dever�, no m�nimo, ter efeito suspensivo, sujeita a regime probat�rio;
11. Destarte a dita senten�a, pelas raz�es supra invocadas dever� ser revogada e substitu�da por outra que d� sem efeito a medida de cassa��o da carta de condu��o.

V.Exas., contudo, far�o JUSTI�A!

O recurso foi admitido.Respondeu o Minist�rio P�blico, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclus�es [transcri��o]:
1. O regime da carta “por pontos”, com possibilidade de cassa��o da mesma em caso de subtra��o de pontos – por efeito de condena��es, concretas e sucessivas, em processos pr�prios, por crimes rodovi�rios – n�o � mais do que uma condi��o imposta pelo legislador para a atribui��o/manuten��o do t�tulo de condu��o, que � razo�vel e visa a prote��o de um bem jur�dico digno de tutela penal e constitucional: “Seguran�a Rodovi�ria”.
2. No sistema da carta “por pontos” nunca a licen�a de condu��o pode considerar-se definitivamente adquirida, pois ela est� continuamente sujeita a uma condi��o negativa relativamente ao “bom comportamento rodovi�rio”,
3. O dito sistema, constituindo embora uma rea��o autom�tica – ocorre como efeito da(s) infra��o(�es) cometidas, sem que, por si mesmo, assuma natureza sancionat�ria –, n�o isenta a administra��o de verificar se o titular do t�tulo de condu��o re�ne ou n�o as condi��es legais para poder continuar a beneficiar do mesmo.
4. Neste sentido, o regime de cassa��o do t�tulo de condu��o decorrente do art.� 148.� do C�digo da Estrada n�o decorre qualquer automaticidade contr�ria aos princ�pios da adequa��o e proporcionalidade resultantes do art.� 30.�, n.� 4, da Constitui��o.
5. A cassa��o do t�tulo de condu��o prevista no artigo 148.�, n.�s 4, al. c), 10, 11 e 12, do C�digo da Estrada aplicada ao arguido consubstancia, em rela��o � aplica��o das injun��es e condena��es sofridas nos processos criminais referidos nos factos 1 e 8 dos factos provados, um novo sancionamento, axiologicamente motivado pela inidoneidade entretanto revelada pelo condutor e, em �ltima ratio, por imperativos de seguran�a rodovi�ria.
6. Deste modo, n�o violou o princ�pio constitucional ne bis in idem a cassa��o do t�tulo de condu��o do recorrente (tudo o que acima referimos � entendimento un�nime na jurisprud�ncia recentemente publicada – Ac. TRP de 09 de maio de 2018, recurso 644/16.9PTPRT-A.P1, in www.dgsi.pt; no Ac�rd�o do TRP de 30-04-2019, no �mbito de recurso n.� 316/18.0T8CPV.P1, acess�vel em www.dgsi.pt; pelo Ac�rd�o TRC de 08.05.2019, processo 797/18.1T8VIS.C1, dispon�vel em www.gdsi.pt e AC. do TRC de 23-10-2019, processo 83/19.0T8OHP.C1; Ac. do TRE de 3-12-2019, processo 1525/19T9STB.E1).

Nestes termos, e pelos fundamentos supra referidos, n�o dever� ser alterada a decis�o recorrida, devendo ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pelo arguido.
Assim se fazendo a costumada
JUSTI�A

Enviados os autos a este Tribunal da Rela��o, o SenhorProcurador Geral Adjunto emitiu o parecer que se transcreve:
(…)
3. Como se v� dos autos, foi instaurado processo para verifica��o dos pressupostos da cassa��o da carta de condu��o ao recorrente, em virtude de duas condena��es judiciais pela pr�tica de crimes de condu��o de ve�culo em estado de embriaguez que implicaram a perda total de pontos, nos termos do art. 148�, n.� 4, al. c), do C�digo da Estrada (CE).
O recorrente exerceu o direito de defesa, invocando entre o mais a inconstitucionalidade daquela norma, quando aplicada no sentido de ser fundamento bastante da cassa��o do t�tulo de condu��o a ocorr�ncia da perda total de pontos.
Ultimada a instru��o, foi proferida decis�o que, depois de apreciar a defesa apresentada, determinou a cassa��o da carta de condu��o do recorrente e a impossibilidade de concess�o de novo t�tulo no prazo de dois anos.
Irresignado, o ora recorrente impugnou judicialmente a decis�o da ANSR, impugna��o que foi julgada improcedente, tendo sido mantida a decis�o da autoridade administrativa.

4. N�o se desconhece a jurisprud�ncia citada na decis�o recorrida e na resposta que na 1� inst�ncia o Minist�rio P�blico ofereceu � motiva��o do recurso.
Por�m, porque o unanimismo n�o pode significar impedimento de pensar (ainda que, eventualmente, laborando em erro, t�o leg�timo quanto o n�o erro) e, tamb�m, o modo de fundamentadamente o expressar, a cassa��o da carta de condu��o �, no entendimento do signat�rio, uma medida de seguran�a de natureza administrativa cuja aplica��o tamb�m tem como pressupostos gerais a pr�via comiss�o de um delito e a perigosidade.
Logo, como ensina FIGUEIREDO DIAS, convoca tamb�m o princ�pio da legalidade a desempenhar uma fun��o garant�stica fundamentalmente id�ntica � que desempenha relativamente �s penas.
Por isso, a cassa��o da licen�a de condu��o, enquanto medida de seguran�a, traduzir-se-�, num primeiro momento, na aprecia��o da personalidade do arguido, que se dever� concluir ser atreita � pr�tica de factos dessa natureza, concluindo-se pela sua perigosidade, e, num segundo momento, atrav�s da an�lise do caso concreto, dever� concluir-se que ele foi consequ�ncia daquela propens�o criminosa sendo, nessa medida, um �ndice dessa personalidade de perigosidade, vista a natureza do facto sua gravidade ou reitera��o.
Tornando a FIGUEIREDO DIAS, “Do que se trata, no direito das medidas de seguran�a, sob a ep�grafe de perigosidade, � da comprova��o, num momento dado, de uma probabilidade de repeti��o pelo agente, no futuro, de crimes de certa esp�cie. (…) n�o basta nunca a mera possibilidade de repeti��o pois que esta, em rigor, existe sempre; necess�ria � sempre uma possibilidade qualificada. (…) O perigo h�-de pois ser um tal (…) que convalide a aplica��o da medida de seguran�a em nome de um interesse p�blico preponderante.
(…)
Numa palavra: perigosidade criminal capaz de justificar, face a exig�ncias de estadualidade de direito, a aplica��o de medidas de seguran�a s� existe quando se verifique o fundado receio de que o agente possa vir a praticar factos da mesma esp�cie da do il�cito-t�pico que � pressuposto daquela aplica��o. Exig�ncia que deve valer em termos fundamentalmente id�nticos para a aplica��o de medidas de seguran�a de qualquer tipo (…). A qualifica��o, por esta via, da perigosidade relevante acaba, de resto, por revelar-se mais importante do que o mero requisito da gravidade, uma vez que a este j� plenamente se ocorre, em rigor, atrav�s dos princ�pios da necessidade e da proporcionalidade.”
Como pondera o ac�rd�o do Tribunal da Rela��o de Lisboa de 23.12.2016 4 , “sendo uma medida de seguran�a, a cassa��o s� pode ser aplicada se for proporcionada � gravidade do facto e � perigosidade do agente e nunca como uma mera consequ�ncia do cometimento de um determinado crime, sendo exig�vel a verifica��o em concreto de um de dois requisitos: ou de um particular receio de repeti��o de factos da mesma natureza ou que o agente deva ser considerado inapto para a condu��o de ve�culo com motor.
(…) a aplica��o da medida de seguran�a de cassa��o da licen�a de condu��o de ve�culo com motor � sempre consequ�ncia de um comprovado estado de perigosidade do agente para a condu��o no futuro, n�o constituindo nunca consequ�ncia autom�tica da pr�tica de crime rodovi�rio, por mais grave e censur�vel que ele seja.”
E, no ac�rd�o do Tribunal da Rela��o de Coimbra de 29.4.2015 5 , “� pressuposto de aplica��o de toda e qualquer medida de seguran�a a perigosidade criminal do agente cuja aplica��o est�, em todo o caso, sujeita ao princ�pio da proporcionalidade, pelo que s� pode ser aplicada quando se revelar adequada, necess�ria e proporcionada.
A medida de seguran�a de cassa��o da licen�a de condu��o de ve�culo com motor (…) consiste, basicamente, na invalida��o, por cancelamento, da licen�a de condu��o de ve�culos motorizados de que o agente � titular e na proibi��o de obten��o de nova licen�a de qualquer categoria durante o per�odo fixado (…).
A aplica��o desta medida de seguran�a n�o � nunca consequ�ncia direta da pr�tica, pelo agente, de um determinado crime, antes exige a verifica��o em concreto de um estado de perigosidade do agente, revelado pela sua personalidade, com refer�ncia aos concretos factos praticados, originando o fundado receio de repeti��o de factos da mesma natureza ou de ser inapto para a condu��o de ve�culo com motor.
(…) a aplica��o da medida de seguran�a de cassa��o da licen�a de condu��o de ve�culo com motor � sempre consequ�ncia de um comprovado estado de perigosidade do agente para a condu��o (…).”
Ora, atentando quer na senten�a objeto do recurso quer na decis�o da autoridade administrativa que determinou a cassa��o da carta de condu��o do recorrente e que aquela confirmou, constata-se que ambas as decis�es entenderam que a mera subtra��o/perda total de pontos, por via da condena��o pela pr�tica de crime de condu��o de ve�culo em estado de embriaguez, implica, automaticamente, a cassa��o da carta de condu��o.
A verdade � que do elenco dos factos julgados provados n�o consta nenhum facto que, analisado isoladamente ou na conjuga��o com outros tamb�m julgados provados, demonstre a exist�ncia de um estado de perigosidade ou inaptid�o do recorrente para a pr�tica da condu��o de ve�culos com motor; analisadas uma e outra decis�es fica por saber se a cassa��o se ficou a dever ao eventual estado de perigosidade ou � hipot�tica inaptid�o, j� que s� um destes pressupostos (ou ambos, cumulativamente) a tal pode fundamentadamente conduzir.
E tamb�m desse elenco n�o consta qualquer facto que sustente a indispens�vel conex�o entre as condena��es pela pr�tica do crime de condu��o de ve�culo em estado de embriaguez e correlativa subtra��o/perda de pontos e a fundada previs�o de repeti��o do facto enquanto possibilidade qualificada (perigosidade).
Ou seja, n�o vem provada qualquer factualidade que sustente ou o ju�zo de perigosidade ou de inaptid�o conducentes � decis�o de cassa��o, enquanto medida de seguran�a cuja aplica��o serve, num ju�zo de adequa��o e proporcionalidade, �s finalidades que lhe est�o subjacentes.
Como se pode ler no ac�rd�o do Tribunal da Rela��o de Guimar�es de 16.5.2006 6 , “A pr�tica de (…) contra-ordena��es, sejam elas graves ou muito graves, � um facto meramente indiciador da idoneidade para a condu��o por parte de quem as praticou e o tribunal deve aferir da dita idoneidade atendendo igualmente � gravidade das infra��es e � personalidade do arguido, nunca a pr�tica dessas contraordena��es podendo funcionar automaticamente em desfavor do arguido.”

5. Em raz�o do que se deixa exposto, e por fundamento n�o coincidente com o que enforma a respetiva motiva��o, creio dever o recurso ser julgado procedente

.�Observado o disposto no n.� 2 do artigo 417.� do C�digo de Processo Penal, nada mais se acrescentou.Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em confer�ncia.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido � confer�ncia, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTA��O

O regime dos recursos de decis�es proferidas em 1.� Inst�ncia, em processo de contraordena��o, est� definido nos artigos 73.� a 75.� do Decreto-Lei n.� 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordena��es [doravante designado RGCO][[2]].
Nos processos de contraordena��o, o Tribunal da Rela��o apenas conhece da mat�ria de direito, podendo alterar a decis�o do Tribunal recorrido sem qualquer vincula��o aos termos e ao sentido em que foi proferida, ou anul�-la e devolver o processo ao mesmo Tribunal.De acordo com o disposto no artigo 412.� do C�digo de Processo Penal e com a jurisprud�ncia fixada pelo Ac�rd�o do Plen�rio da Sec��o Criminal do Supremo Tribunal de Justi�a n.� 7/95, de 19 de outubro de 1995[[3]], o objeto do recurso define-se pelas conclus�es que o recorrente extraiu da respetiva motiva��o, sem preju�zo das quest�es de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Rela��o, decorrem da necessidade de indaga��o da verifica��o de algum dos v�cios da decis�o recorrida, previstos no n.� 2 do artigo 410.� do C�digo de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decis�o, consagradas no n.� 1 do artigo 379.� do mesmo diploma legal.[[4]]Posto isto, e vistas as conclus�es do recurso, a esta Inst�ncia � chamada a decidir
- da insufici�ncia da mat�ria de facto para a decis�o;
- da viola��o do disposto no n.� 4 do artigo 30.� da Constitui��o da Rep�blica Portuguesa;
- da viola��o do princ�pio ne bis in idem;
- da adequa��o da cassa��o da carta de condu��o, atenta atividade profissional desenvolvida pelo Arguido.

Na senten�a recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcri��o]:
1. No �mbito do processo n.� 136/16.6GAFZZ, do Tribunal Judicial da Comarca de Santar�m – Ju�zo Local Criminal de Tomar – Juiz 1, o arguido foi condenado pela pr�tica de um crime de condu��o de ve�culo em estado de embriaguez, previsto e pun�vel pelos artigos 292.�, n.� 1 e 69.�, al. a) do C�digo Penal, praticado em 19/09/2016.
2. A respetiva senten�a foi proferida e notificada ao arguido em 04/10/2016, tendo o tr�nsito em julgado ocorrido em 07/11/2016.
3. No �mbito de tal processo foi aplicada a pena acess�ria de proibi��o de conduzir por 8 (oito) meses.
4. Em consequ�ncia, ocorreu a perda de seis pontos, nos termos do artigo 148.�, n.� 2, do C�digo da estrada.
5. No �mbito do processo n.� 181/18.7GAFZZ, do tribunal Judicial da Comarca de santar�m – Ju�zo Criminal de Tomar – Juiz 1, o arguido foi condenado pela pr�tica de um crime de condu��o de ve�culo em estado de embriaguez, previsto e pun�vel pelos artigos 292.�, n.� 1 e 69.�, al. a) do C�digo Penal, praticado em 11/12/2018
6. A senten�a foi proferida e notificada ao arguido em 14/05/2019 e transitou em julgado em 19/06/2019.
7. No �mbito de tal processo, foi o arguido condenado, para al�m do mais, na pena acess�ria de proibi��o de conduzir por 9 (nove) meses.
8. Em consequ�ncia, ocorreu a perda de seis pontos, nos termos do artigo 148.�, n.� 2, do C�digo da Estrada.�Relativamente a factos n�o provados, consta da senten�a que [transcri��o]:
Nada mais se provou, com interesse para a decis�o da causa.�A convic��o do Tribunal recorrido, quanto � mat�ria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcri��o]:
O Tribunal fundou a sua convic��o a partir da an�lise cr�tica dos elementos constantes dos autos, designadamente o certificado do registo criminal e o registo individual de condutor.�

Conhecendo.
(i)Da insufici�ncia da mat�ria de facto para a decis�o
Invoca o Recorrente que o processo enferma da falta de elementos necess�rios � decis�o nele proferida.Disp�e o artigo 410.� do C�digo de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:
�1 – Sempre que a lei n�o restringir a cogni��o do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer quest�es de que pudesse conhecer a decis�o recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cogni��o do tribunal de recurso a mat�ria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o v�cio resulte do texto da decis�o recorrida, por si s� ou conjugada com as regras da experi�ncia comum:
a) A insufici�ncia para a decis�o da mat�ria de facto provada;
b) A contradi��o insan�vel entre a fundamenta��o ou entre a fundamenta��o e a decis�o;
c) Erro not�rio na aprecia��o da prova.
3 – O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cogni��o do tribunal de recurso � mat�ria de direito, a inobserv�ncia de requisito cominado sob pena de nulidade que n�o deva considerar-se sanada.�Tais v�cios, de enumera��o taxativa, ter�o de ser evidentes e pass�veis de dete��o atrav�s do mero exame do texto da decis�o recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si s� ou conjugada com as regras da experi�ncia comum.A insufici�ncia para a decis�o da mat�ria de facto provada constitui �lacuna no apuramento da mat�ria de facto indispens�vel para a decis�o de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados n�o era poss�vel atingir-se a decis�o de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que � preciso preencher.
Porventura melhor dizendo, s� se poder� falar em tal v�cio quando a mat�ria de facto provada � insuficiente para fundamentar a solu��o de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a mat�ria de facto com interesse para a decis�o final.
Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justi�a, s� existe tal insufici�ncia quando se faz a “formula��o incorreta de um ju�zo” em que “a conclus�o extravasa as premissas” ou quando h� “omiss�o de pron�ncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discuss�o da causa que sejam relevantes para a decis�o, ou seja, a que decorre da circunst�ncia de o tribunal n�o ter dado como provados ou como n�o provados todos os factos que, sendo relevantes para a decis�o, tenham sido alegados pela acusa��o e pela defesa ou resultado da discuss�o”.[[5]]

A contradi��o insan�vel da fundamenta��o ou entre os fundamentos e a decis�o ocorre quando se deteta �incompatibilidade, n�o ultrapass�vel atrav�s da pr�pria decis�o recorrida, entre os factos provados, entre estes e os n�o provados ou entre a fundamenta��o probat�ria e a decis�o.
Ou seja: h� contradi��o insan�vel da fundamenta��o quando, fazendo um racioc�nio l�gico, for de concluir que a fundamenta��o leva precisamente a uma decis�o contr�ria �quela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo racioc�nio, se concluir que a decis�o n�o � esclarecedora, face � colis�o entre os fundamentos invocados; h� contradi��o entre os fundamentos e a decis�o quando haja oposi��o entre o que ficou provado e o que � referido como fundamento da decis�o tomada; e h� contradi��o entre os factos quando os provados e os n�o provados se contradigam entre si ou por forma a exclu�rem-se mutuamente.�[[6]]O erro not�rio na aprecia��o da prova constitui �falha grosseira e ostensiva na an�lise da prova, percet�vel pelo cidad�o comum, denunciadora de que se deram provados factos inconcili�veis entre si, isto �, que o que se teve como provado ou n�o provado est� em desconformidade com o que realmente se provou ou n�o provou, ou seja, que foram provados factos incompat�veis entre si ou as conclus�es s�o il�gicas ou inaceit�veis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclus�o logicamente inaceit�vel.
Ou, dito de outro modo, h� um tal erro quando um homem m�dio, perante o que consta do texto da decis�o recorrida, por si s� ou conjugada com o senso comum, facilmente se d� conta de que o Tribunal violou as regras da experi�ncia ou se baseou em ju�zos il�gicos, arbitr�rios ou mesmo contradit�rios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.�[[7]]Interessa-nos a insufici�ncia para a decis�o da mat�ria de facto provada.
Est� em causa a cassa��o de t�tulo de condu��o.Disp�e-se no artigo 148� do C�digo da Estrada, a prop�sito do “Sistema de pontos e cassa��o do t�tulo de condu��o”:
1 - A pr�tica de contraordena��o grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do C�digo da Estrada e legisla��o complementar, determina a subtra��o de pontos ao condutor na data do car�ter definitivo da decis�o condenat�ria ou do tr�nsito em julgado da senten�a, nos seguintes termos:
a) A pr�tica de contraordena��o grave implica a subtra��o de tr�s pontos, se esta se referir a condu��o sob influ�ncia do �lcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexist�ncia ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de pe�es ou veloc�pedes, e de dois pontos nas demais contraordena��es graves;
b) A pr�tica de contraordena��o muito grave implica a subtra��o de cinco pontos, se esta se referir a condu��o sob influ�ncia do �lcool, condu��o sob influ�ncia de subst�ncias psicotr�picas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexist�ncia, e de quatro pontos nas demais contraordena��es muito graves.
2 - A condena��o em pena acess�ria de proibi��o de conduzir e o arquivamento do inqu�rito, nos termos do n.� 3 do artigo 282.� do C�digo de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injun��o a que alude o n.� 3 do artigo 281.� do C�digo de Processo Penal, determinam a subtra��o de seis pontos ao condutor.
3 - Quando tiver lugar a condena��o a que se refere o n.� 1, em c�mulo, por contraordena��es graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtra��o a efetuar n�o pode ultrapassar os seis pontos, exceto quando esteja em causa condena��o por contraordena��es relativas a condu��o sob influ�ncia do �lcool ou sob influ�ncia de subst�ncias psicotr�picas, cuja subtra��o de pontos se verifica em qualquer circunst�ncia.
4 - A subtra��o de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:
a) Obriga��o de o infrator frequentar uma a��o de forma��o de seguran�a rodovi�ria, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem preju�zo do disposto nas al�neas seguintes;
b) Obriga��o de o infrator realizar a prova te�rica do exame de condu��o, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha tr�s ou menos pontos;
c) A cassa��o do t�tulo de condu��o do infrator, sempre que se encontrem subtra�dos todos os pontos ao condutor.
5 - No final de cada per�odo de tr�s anos, sem que exista registo de contraordena��es graves ou muito graves ou crimes de natureza rodovi�ria no registo de infra��es, s�o atribu�dos tr�s pontos ao condutor, n�o podendo ser ultrapassado o limite m�ximo de quinze pontos, nos termos do n.� 2 do artigo 121.�-A.
6 - Para efeitos do n�mero anterior, o per�odo temporal de refer�ncia sem registo de contraordena��es graves ou muito graves no registo de infra��es � de dois anos para as contraordena��es cometidas por condutores de ve�culos de socorro ou de servi�o urgente, de transportes coletivo de crian�as e jovens at� aos 16 anos, de t�xis, de autom�veis pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, no exerc�cio das suas fun��es profissionais.
7 - A cada per�odo correspondente � revalida��o da carta de condu��o, sem que exista registo de crimes de natureza rodovi�ria, � atribu�do um ponto ao condutor, n�o podendo ser ultrapassado o limite m�ximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma volunt�ria proceda � frequ�ncia de a��o de forma��o, de acordo com as regras fixadas em regulamento.
8 - A falta n�o justificada � a��o de forma��o de seguran�a rodovi�ria ou � prova te�rica do exame de condu��o, bem como a sua reprova��o, de acordo com as regras fixadas em regulamento, tem como efeito necess�rio a cassa��o do t�tulo de condu��o do condutor.
9 - Os encargos decorrentes da frequ�ncia de a��es de forma��o e da submiss�o �s provas te�ricas do exame de condu��o s�o suportados pelo infrator.
10 - A cassa��o do t�tulo de condu��o a que se refere a al�nea c) do n.� 4 � ordenada em processo aut�nomo, iniciado ap�s a ocorr�ncia da perda total de pontos atribu�dos ao t�tulo de condu��o.
11 - A quem tenha sido cassado o t�tulo de condu��o n�o � concedido novo t�tulo de condu��o de ve�culos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetiva��o da cassa��o.
12 - A efetiva��o da cassa��o do t�tulo de condu��o ocorre com a notifica��o da cassa��o.13 - A decis�o de cassa��o do t�tulo de condu��o � impugn�vel para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contraordena��es.Ao sistema da “carta por pontos” importa ainda o disposto no artigo 121.�-A do C�digo da Estrada.
1 - A cada condutor s�o atribu�dos doze pontos.
2 - Aos pontos atribu�dos nos termos do n�mero anterior podem ser acrescidos tr�s pontos, at� ao limite m�ximo de quinze pontos, nas situa��es previstas no n.� 5 do artigo 148.�
3 - Aos pontos atribu�dos nos termos dos n�meros anteriores pode ser acrescido um ponto, at� ao limite m�ximo de dezasseis pontos, nas situa��es previstas no n.� 7 do artigo 148.�Das disposi��es legais acabadas de transcrever resulta uma clara op��o legislativa – verificada que esteja a subtra��o da totalidade dos pontos atribu�dos a um condutor tem lugar a cassa��o do seu t�tulo de condu��o.
Ou seja, a cassa��o do t�tulo de condu��o pela subtra��o de todos os pontos atribu�dos ao respetivo condutor n�o depende de qualquer ju�zo sobre a perigosidade deste, alicer�ado em factos pelo mesmo praticados e na sua personalidade.[[8]]A cassa��o do t�tulo de condu��o pela subtra��o da totalidade dos pontos atribu�dos a condutor habilitado com t�tulo de condu��o (…) n�o � uma medida de seguran�a penal, cuja aplica��o dependa da verifica��o, em concreto, de um estado de perigosidade do agente, revelado pela sua personalidade, para a condu��o, conforme previsto no artigo 101.� do C�digo Penal, mas uma medida administrativa que se “prefigura como uma medida de avalia��o negativa da conduta estradal dos condutores, conforme a gravidade da infra��o cometida” e que tem na sua base a finalidade visada pelo legislador de sinalizar em termos de perigosidade determinadas condutas contraordenacionais ou criminais, rodovi�rias, que p�em em causa bens jur�dicos fundamentais, constitucionalmente protegidos, como a seguran�a, a integridade f�sica e a vida das pessoas, sobretudo em face da dimens�o do risco que para esses valores uma tal tipo de condutas comportam, pondo em causa a Seguran�a Rodovi�ria e a vida de todos os que circulam nas estradas.�[[9]]Acresce o risco de esvaziar de conte�do a regra da al�nea c) do n.� 4 do artigo 148.� do C�digo da Estrada, por ser configur�vel – de acordo com a tese do Recorrente e do Minist�rio P�blico nesta Inst�ncia – que condutor sem pontos continuasse a dispor de t�tulo v�lido de condu��o.Isto posto e sem necessidade de mais explica��es, entendemos que a factualidade considerada como assente na decis�o recorrida � bastante para sustentar a decis�o de direito proferida.
N�o se verifica o v�cio da insufici�ncia para a decis�o da mat�ria de facto provada.
Nem qualquer dos outros v�cios consagrados no n.� 2 do artigo 410.� do C�digo de Processo Penal.
E o recurso, neste segmento, n�o procede.

(ii)

Da viola��o do disposto no n.� 4 do artigo 30.� da Constitui��o da Rep�blica Portuguesa
Diz o Recorrente que a norma �nsita na al�nea c) do n.� 4 do artigo 148.� do C�digo da Estrada enferma de inconstitucionalidade na interpreta��o de que a cassa��o do t�tulo de condu��o a� prevista opera de forma autom�tica, por viola��o do disposto no n.� 4 do artigo 30.� da Constitui��o da Rep�blica Portuguesa, nos termos do qual �nenhuma pena envolve como efeito necess�rio a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e pol�ticos�.Esta quest�o foi recentemente tratada nesta Rela��o, no ac�rd�o proferido em 20 de outubro de 2020, no processo n.� 218/20.T8TMR.E1, em termos que sufragamos sem qualquer reserva e que, por isso mesmo, passamos a transcrever.
Acerca do sentido e alcance da norma �nsita no n.� 4 do artigo 30.� da Constitui��o da Rep�blica Portuguesa, o Tribunal Constitucional, no Ac�rd�o n.� 461/2000 [[10]], chamado a pronunciar-se sobre a conformidade � referida norma da Constitui��o do artigo 130.�, n.� 1, al. a), do C�digo da Estrada, na reda��o do D.L. n.� 2/08, de 3 de janeiro – que previa a caducidade da carta ou licen�a de condu��o provis�ria, quando fosse aplicada ao seu titular pena de proibi��o de conduzir ou san��o de inibi��o de conduzir efetiva –, exarou o seguinte:
“A proibi��o de penas autom�ticas pretende impedir que haja um efeito autom�tico da condena��o penal nos direitos civis do arguido. A sua justifica��o � simultaneamente a de obviar a um efeito estigmatizante das san��es penais e a de impedir a viola��o dos princ�pios da culpa e da proporcionalidade das penas, que imp�em uma pondera��o, em concreto, da adequa��o da gravidade do il�cito � da culpa, afastando-se a possibilidade de penas fixas ou ex lege. Todavia, a proibi��o de penas autom�ticas n�o pode abranger os casos em que a um certo tipo de crime corresponda uma san��o do tipo proibi��o ou inibi��o de conduzir, principal ou acessoriamente, desde que n�o tenha car�cter perp�tuo e possa ser fundamentada em termos de ilicitude e de culpa pela media��o do juiz (cf., entre outros, Ac�rd�os do Tribunal Constitucional, n.�s 362/92, Di�rio da Rep�blica, 2.� s�rie, de 8 de Abril de 1993, 183/94, in�dito, 264/99, Di�rio da Rep�blica, 2.� s�rie, de 13 de Julho de 1999, e 327/99, Di�rio da Rep�blica, 2.� s�rie, de 19 de Julho de 1999).”
Acolhendo o entendimento do Tribunal Constitucional no referenciado Ac�rd�o e que foi reiteradamente afirmado noutros Ac�rd�os [[11]], considera-se que a atribui��o de t�tulo – licen�a ou carta – de condu��o e o inerente direito de conduzir do respetivo titular, n�o � um direito absoluto, definitivo e incondicional, sendo, por isso, legitimo que o legislador estabele�a requisitos positivos e negativos para a atribui��o do t�tulo da condu��o e uma vez atribu�do, para a sua manuten��o, conforme infra se explanar�.
Este entendimento foi uma vez mais afirmado pelo Tribunal Constitucional, no recente Ac�rd�o n.� 260/2020[[12]], que decidiu n�o julgar inconstitucional a norma que imp�e um per�odo de dois anos sobre a efetiva��o da cassa��o da carta durante o qual n�o pode ser obtido novo t�tulo de condu��o, resultante do n.� 11 do artigo 148.� do C�digo da Estrada.
O regime da “carta por pontos” foi introduzido pela Lei n.� 116/2015, de 28 de agosto, que alterou os artigos 121.� e 148.� do C�digo da Estada e o objetivo prosseguido pelo legislador com a implementa��o desse regime decorre da Exposi��o de Motivos que acompanhou a proposta de Lei n.� 336/XII [[13]], onde se consigna o seguinte:
“A presente proposta de lei destina-se a alterar o C�digo da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.� 114/94, de 3 de maio, implementando o regime da carta por pontos.
O atual regime contempla j� um sistema aproximado da carta por pontos, embora bastante mitigado. Trata-se, assim, de promover uma atualiza��o do regime vigente, acompanhando a maioria dos pa�ses europeus, onde o regime da carta por pontos se encontra plenamente consagrado e estabilizado.
A carta por pontos constitui uma das a��es chave da Estrat�gia Nacional de Seguran�a Rodovi�ria, aprovada pela Resolu��o do Conselho de Ministros n.� 54/2009, de 14 de maio. Pretende-se, com a sua implementa��o, aumentar o grau de perce��o e de responsabiliza��o dos condutores, face aos seus comportamentos, adotando-se um sistema sancionat�rio mais transparente e de f�cil compreens�o.
A an�lise comparada com outros pa�ses europeus demonstra que � expet�vel que a introdu��o do regime da carta por pontos venha a ter um impacto positivo significativo no comportamento dos condutores, contribuindo, assim, para a redu��o da sinistralidade rodovi�ria e melhoria da sa�de p�blica.”
De acordo com o enunciado regime da carta por pontos e nos termos do disposto nos artigos 121�- A e 148� do C�digo da Estrada:
- � atribu�do a cada a cada condutor, 12 pontos (n.� 1 do artigo 121�-A), podendo estes ser acrescidos de: a) 3 pontos at� ao limite m�ximo de 15 (se, em cada per�odo tr�s anos, inexistir no registo de contraordena��es graves ou muito graves ou crimes de natureza rodovi�ria no registo de infra��es – cf. artigos 121� A, n� 2 e 148�, n� 5); 1 ponto at� ao limite de 16 (se, em cada per�odo de revalida��o da carta de condu��o, n�o constarem registo de crimes de natureza rodovi�ria e o condutor, voluntariamente, frequentar a��es de forma��o – cf. artigos 121�, n� 3 e 148�, n� 7);
- A subtra��o de pontos ao condutor ocorre, em consequ�ncia da condena��o, transitada em julgado, pela pr�tica de contraordena��es graves ou muito graves referenciadas nas al�neas a) e b) do n.� 1 do artigo 148� do CE ou de crimes enunciados no n.� 2 do mesmo artigo, em pena acess�ria de proibi��o de conduzir ou em caso de suspens�o provis�ria do processo em que seja cumprida injun��o de proibi��o de conduzir, nos termos previstos no n.� 3 do artigo 281� do CPP.
- Se na decorr�ncia da subtra��o de pontos, o condutor tiver cinco ou menos pontos, fica sujeito � obriga��o de frequentar uma a��o de forma��o de seguran�a rodovi�ria (cf. al. a) do n.� 4 do artigo 148�) e se tiver tr�s ou menos pontos fica sujeito � obriga��o de realizar a prova te�rica do exame de condu��o (cf. al. a) do n.� 4 do artigo 148�) e se forem subtra�dos todos os pontos ao condutor, a subtra��o tem como efeito a cassa��o do t�tulo de condu��o (cf. al. c) do n.� 4 do artigo 148�).
Ao instituir o regime da “carta por pontos”, prevendo a cassa��o do t�tulo de condu��o em caso de subtra��o da totalidade dos pontos (al. c) do n.� 4 do artigo 148� do CE), o legislador estabeleceu mais um requisito ou condi��o negativa para a manuten��o do t�tulo de condu��o atribu�do, qual seja, a de o condutor n�o praticar infra��es rodovi�rias por que venha a ser condenado (e especificamente as contraordena��es graves ou muito graves, referenciadas nas al�neas a) e b) do n.� 1 e no n.� 2 do artigo 148� do CE ou os crimes enunciados no n.� 2 do mesmo artigo, em pena acess�ria de proibi��o de conduzir ou em caso de suspens�o provis�ria do processo em que seja aplicada e cumprida a injun��o de proibi��o de conduzir), e que determinem a perda da totalidade dos pontos atribu�dos.

Como se faz notar no Ac. da RC de 15/01/2020 [[14]], “A licen�a de condu��o n�o assume cariz definitivo e imut�vel, situado no �mbito dos direitos absolutos. O seu car�cter transit�rio revela-se, n�o s� na periodicidade da respetiva validade e na sujei��o a diversas restri��es, renova��es e atualiza��es tendentes a verificar se as condi��es f�sicas e ps�quicas do agente se mostram adequadas ao exerc�cio da condu��o de ve�culos (cf. artigos 121�, 122� a 130�, do C�digo da Estrada), mas tamb�m, no sistema de aquisi��o e perda de pontos, acima referenciado (artigo 121� A e 148�, do C�digo da Estrada).
A vig�ncia do t�tulo que habilita conduzir ve�culos autom�veis depende, assim, do comportamento estradal do condutor, conforme este observe ou viole as regras estradais. No primeiro caso s�o atribu�dos pontos � sua carta de condu��o, no segundo s�o-lhe retirados pontos, de acordo com a gravidade da infra��o cometida.”
Nesta perspetiva e como se refere no Ac�rd�o da RG de 27/01/2020 [[15]], com o sistema de “pontos” o t�tulo de condu��o nunca se pode considerar definitivamente adquirido, pois est� permanentemente sujeito a uma condi��o negativa atinente ao bom comportamento rodovi�rio do condutor.
O regime da carta por pontos, como escreve no citado Ac�rd�o do TC n.� 260/2020, “tem, assim, um sentido essencialmente pedag�gico e de preven��o, visando sinalizar, de uma forma facilmente percet�vel pelo p�blico em geral e atrav�s de um registo centralizado, as infra��es cometidas pelos condutores bem como os respetivos efeitos penais ou contraordenacionais. Deste modo, permite-se tamb�m � administra��o verificar se o titular da licen�a ou carta de condu��o re�ne as condi��es legais para continuar a beneficiar da mesma. Com efeito, a atribui��o de t�tulo de condu��o pela Rep�blica Portuguesa n�o tem um car�ter absoluto e temporalmente indeterminado. Existe, assim, como que uma avalia��o permanente, atrav�s da adi��o ou subtra��o de pontos, da aptid�o do condutor para conduzir ve�culos a motor na via p�blica. Ou seja, em rigor, num tal sistema, o t�tulo de condu��o nunca � definitivamente adquirido, antes est� permanentemente sujeito a uma condi��o negativa referente ao comportamento rodovi�rio do seu titular. O direito de conduzir um ve�culo automobilizado n�o � incondicionado.”
E perfilhamos do entendimento de que a enunciada condi��o negativa imposta pelo legislador, para a manuten��o do t�tulo de condu��o pelo condutor a quem foi atribu�do, � plenamente justificada pelos potenciais riscos da atividade da condu��o para bens jur�dicos fundamentais, tais como a integridade f�sica e a vida dos utentes das estradas e a seguran�a e rodovi�ria, que constitui uma prioridade da pol�tica criminal [[16]], perante os n�meros da sinistralidade rodovi�ria no nosso pa�s e as tr�gicas consequ�ncias que lhe est�o associadas.
Assim, ao determinar a cassa��o do t�tulo de condu��o, decorrente da perda da totalidade dos pontos atribu�dos, no caso de condena��o, por decis�o definitiva ou senten�a transitada em julgado, pela pr�tica das contraordena��es graves e/ou muito graves previstas nas al�neas a) e b) do n.� 1 do artigo 148� do C�digo da Estrada ou dos crimes referenciados no n.� 2 do mesmo artigo, em proibi��o de conduzir, o que se verifica � a valora��o de san��es e/ou de penas em que o condutor foi condenado pelo cometimento de infra��es rodovi�rias e que acarretaram a perda de pontos, nas condi��es de manuten��o do t�tulo de condu��o atribu�do [[17]].
A pr�tica de uma �nica infra��o rodovi�ria n�o determina automaticamente a cassa��o do t�tulo de condu��o, pela perda dos pontos atribu�dos ao condutor. O que determina aquela cassa��o s�o sucessivas condena��es do condutor, pela pr�tica de infra��es, que, no seu conjunto, implicaram a perda da totalidade dos pontos atribu�dos e n�o tendo o condutor, nem pelo decurso do tempo nem pela sua conduta posterior conseguido adquirir outros pontos.
Por outro lado, como refere Dami�o Cunha [[18]] “n�o � pelo facto de o legislador associar a um crime (ou a uma pena) de alguma gravidade um “efeito” que atinja estes direitos [os direitos civis, profissionais ou pol�ticos], que fica violado um qualquer princ�pio constitucional, desde que seja sempre respeitado o princ�pio da proporcionalidade, tanto em abstrato, como em concreto”.
Assim e sufragando-se o entendimento defendido no referenciado Ac�rd�o da RG de 27/01/2020, “a restri��o de direitos decorrente da cassa��o do t�tulo de condu��o na sequ�ncia da perda da totalidade dos pontos atribu�dos ao condutor, apresenta-se como necess�ria e proporcional � salvaguarda de outros direitos constitucionalmente garantidos, nomeadamente o direito � vida e/ou � integridade f�sica dos demais condutores e utentes da estada (cf. arts. 24�, n.� 1, e 25�, n.� 1, da Constitui��o). Noutro prisma, encontra justifica��o no comportamento do condutor, revelador de uma perigosidade acrescida no exerc�cio da condu��o.”�Pelo que o recurso, neste segmento, tamb�m n�o procede.

(iii)

Da viola��o do princ�pio ne bis in idem
Diz o Recorrente que nunca poder� �ser condenado duplamente pelo cometimento do mesmo crime.Tamb�m aqui n�o lhe assiste raz�o.
O princ�pio ne bis in idem encontra consagra��o no artigo 29.�, n.� 5 da Constitui��o da Rep�blica Portuguesa, onde se disp�e que �Ningu�m pode ser julgado mais do que uma vez pela pr�tica do mesmo crime.�
� pac�fico, na doutrina e na jurisprud�ncia, o entendimento de que do princ�pio em quest�o decorre quer a proibi��o de duplo julgamento quer a proibi��o de dupla puni��o pelo mesmo crime.
Como ensina Eduardo Correia, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concess�o pr�tica �s necessidades de garantir a certeza e, a seguran�a do direito. Ainda mesmo com poss�vel sacrif�cio da justi�a material, quer-se assegurar atrav�s dele ao cidad�o a sua paz jur�dica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decis�es contradit�rias.” [[19]]O que seja o mesmo crime imp�e se defina o objeto do processo.
E seguindo o entendimento maioritariamente defendido na jurisprud�ncia, �ser�, quer a valora��o social, quer a imagem social do acontecimento ou comportamento trazido a ju�zo e consequentemente, a forma como o peda�o de vida � representado ou valorado do ponto de vista do homem m�dio – da experi�ncia social se se preferir -, quer a salvaguarda da posi��o da defesa do arguido. Sempre que ao peda�o individualizado de vida, trazido pela acusa��o, se juntem novos factos e dessa altera��o resulte uma imagem ou uma valora��o n�o id�nticas �quela criada pelo acontecimento descrito na acusa��o, ou que ponha em causa a defesa, estaremos perante uma altera��o substancial dos factos …[[20]]Com o sistema da “carta por ponto” pretendeu o legislador vincar as consequ�ncias da inobserv�ncia das regras de condu��o de ve�culos pelas vias p�blicas, incluindo para efeitos de cassa��o do t�tulo de condu��o n�o s� os il�citos contraordenacionais graves e muito graves como ainda os crimes rodovi�rios. E entre estes �ltimos a condu��o de ve�culo em estado de embriaguez, cuja pr�tica tem como consequ�ncia o desconto de metade dos pontos inicialmente atribu�dos a cada condutor, o que ocorre independentemente da san��o acess�ria imposta pelo seu cometimento.
A medida de cassa��o da carta de condu��o imposta ao ora Recorrente pela Autoridade Nacional de Seguran�a Rodovi�ria n�o constitui puni��o pelos factos que foram objeto dos processos n.� 136/16.6GAFZZ, do Tribunal Judicial da Comarca de Santar�m – Ju�zo Local Criminal de Tomar – Juiz 1, e n.� 181/18.7GAFZZ, do tribunal Judicial da Comarca de santar�m – Ju�zo Criminal de Tomar – Juiz 1.
Efetivamente, os factos em quest�o nestes processos s�o constitutivos de crimes de condu��o de ve�culo em estado de embriaguez e levaram � condena��o do Recorrente tamb�m em penas acess�rias de proibi��o de conduzir ve�culos com motor.
Por seu turno, o processo administrativo com vista � cassa��o da carta de condu��o visa apreciar o registo de infra��es do condutor, com o prop�sito de contabilizar a perda de pontos decorrente da pr�tica de contraordena��es e/ou de crimes rodovi�rios, com vista a determinar a perda da totalidade desses pontos, caso em que ocorre a cassa��o do t�tulo de condu��o.
O objeto destes processos n�o coincide.
Pelo que n�o se mostra violado o caso julgado nem o princ�pio ne bis in idem.
E o recurso, neste segmento, improcede.

(iv)

Da (des)adequa��o da cassa��o da carta de condu��o � atividade profissional desenvolvida pelo Arguido
A necessidade que o Recorrente tem do seu t�tulo de condu��o para executar a atividade profissional a que se dedica, de que n�o duvidamos, � irrelevante.
Porque n�o existe suporte legal que permita configurar alternativa � cassa��o do t�tulo de condu��o na sequ�ncia da perda total de pontos do seu titular.E o recurso, neste segmento, tamb�m n�o procede.

III. DECIS�O

Em face do exposto e concluindo, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequ�ncia, manter, na �ntegra, a decis�o recorrida.Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justi�a em 4 UC’s.

�vora, 2021 abril 23
(certificando-se que o ac�rd�o foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signat�rios)______________________________________________
(Ana Lu�sa Teixeira Neves Bacelar Cruz)______________________________________________
(Renato Amorim Damas Barroso)__________________________________________________
[1] ] Identificado nos autos como divorciado, mec�nico reformado, nascido a (…), em (…), filho de (…)
[2] ] Aprovado pelo Decreto-Lei n.� 433/82, de 27 de outubro, e alterado pelos Decretos-Lei n.� 356/89, de 17 de outubro, n.� 244/95, de 14 de setembro, n.� 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei n.� 109/2001, de 24 de dezembro.
[3] ] Publicado no Di�rio da Rep�blica de 28 de dezembro de 1995, na 1� S�rie A.
[4] ] Neste sentido, que constitui jurisprud�ncia dominante, podem consultar-se, entre outros, o Ac�rd�o do Supremo Tribunal de Justi�a, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.� 07P2583, acess�vel em www.dgsi.pt [que se indica pela exposi��o da evolu��o legislativa, doutrin�ria e jurisprudencial nesta mat�ria].
[5] ] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7� Edi��o – 2008, Editora Reis dos Livros, p�gina 72 e seguintes.
[6] ] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, p�gina 75.
[7] ] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, p�gina 77.
[8] ] neste sentido, os ac�rd�os do Tribunal da Rela��o de �vora de 3 de dezembro de 2019, proferido no processo n.� 1525/19.0T9STB.E1, e de 20 de outubro de 2020, proferido no processo n.� 218/20.T8TMR.E1, do Tribunal da Rela��o de Coimbra de 8 de maio de 2019, proferido no processo n.� 797/18.1T8VIS.C1, de 23 de outubro de 2019, proferido no processo n.� 83/19.0T8OHP.C1 e de 15 de janeiro de 2020, proferido no processo n.� 576/19.9T9GRD.C11, do Tribunal da Rela��o do Porto de 9 de maio de 2018, proferido no processo n.� 644/16.9PTPRT-A.P1 e de 30 de abril de 2019, proferido no processo n.� 316/18.0T8CPV.P1 e do Tribunal da Rela��o de Guimar�es de 27 de janeiro de 2020, proferido no processo n.� 2302/19.3T8VCT.G1, todos acess�veis em www.dgsi.pt.
[9] ] Ac�rd�o do Tribunal da Rela��o de �vora 20 de outubro de 2020, proferido no processo n.� 218/20.T8TMR.E1 e acess�vel em www.dgsi.pt.
[10] ] Publicado no Di�rio da Rep�blica n.� 276/2000, S�rie II, de 2000/11/29.
[11] ] Cf., entre outros, Ac�rd�os n.�s 574/2000 e 45/2001, que versaram sobre a mesma quest�o, reportada � mesma reda��o da norma em causa e o Ac. 472/2007, de 2 de novembro, reportado � reda��o dada pelo Decreto-Lei 44/2005.
[12]] De 13/05/2020 ,proc n.�31%/2019, acess�vel em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200260.html
[13] ] Consult�vel no site Assembleia da Rep�blica.
[14] ] Proferido no processo n.� 576/19.9T9GRD e acess�vel em www.dgsi.pt
[15] ] Proferido no processo n.� 2302/19.3T8VCT.G1, acess�vel em www.dgsi.pt
[16] ] Cf. al. a) do artigo 3.�, al�neas r) e s) do artigo 4.� e al. q) do artigo 5.� e anexo ao artigo 20.�, todos da Lei n.� 55/2020, de 27 de agosto.
[17] ] Seguindo-se de perto a linha de entendimento acolhida no citado Ac. do TC n.� 461/2000.
[18] ] In Constitui��o da Rep�blica Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.� edi��o, 2010, Coimbra Editora, p�ginas 686-687.
[19] ]”A Teoria do concurso em direito criminal, II CASO JULGADO e PODERES DO JUIZ”, Coimbra, 1983, p�g. 302.
[20] ] “Altera��o dos Factos e sua Relev�ncia no Processo Penal Portugu�s”, Almedina, p�gs. 143-145.