A Losan (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional n.11.326/2006), estabelece a alimentação como um direito humano fundamental, inerente à dignidade da pessoa humana, o que representa uma enorme necessidade de combater a fome, a desnutrição e
outras tantas mazelas relacionadas com as questões alimentares. Além disso, o conceito de segurança alimentar e nutricional no artigo terceiro da Losan, acrescenta que é dever do Estado garantir o acesso de todos os cidadãos a uma “alimentação adequada, acesso regular e permanente aos alimentos de qualidade, em quantidade suficiente sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que
sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”. Portanto, o combate aos problemas que assolam a segurança alimentar e nutricional requer o equilíbrio de um conjunto de políticas e investimentos para alcançar uma transformação estrutural inclusiva, além de promover a redução da pobreza e da desigualdade social. Abaixo, a partir de um compilado de estudos, destacam-se algumas das principais contribuições na literatura brasileira sobre a temática de políticas públicas de
segurança alimentar e nutricional. Renato Sérgio Maluf, Francisco Menezes e Flávio Valente (Revista Cadernos de Debate, 1996) No Brasil, Josué de Castro foi pioneiro sobre o fenômeno da fome, ainda na década de 1930. Contudo, somente a partir de 1986, o objetivo
da segurança alimentar apareceu como um elemento importante para a construção de uma política de abastecimento. Nesse período, a noção de segurança alimentar era restrita à avaliação do controle do estado nutricional dos indivíduos. Com isso, era atribuído um papel central na autossuficiência produtiva nacional. A Política Nacional de Segurança Alimentar foi proposta em 1991, pelo Governo Paralelo (iniciativa do Partido dos Trabalhadores, em 1990), visando gerar propostas
alternativas de governo. Em 1993, Itamar Franco aceitou a proposta que se tornou base para a construção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar). Neste período, a origem da fome passou a ser vista como uma consequência do desemprego e da pobreza. A segurança alimentar passou a ser tomada como um objetivo estratégico de governo e transformada em políticas públicas. Além disso, seu conceito foi ampliado a outras dimensões, incorporando tanto a garantia de acesso a alimentos seguros (no
que toca o controle de qualidade), quanto às condições adequadas para seu aproveitamento. Além disso, o setor empresarial também incorporou a noção de segurança alimentar ao agrobusiness. Este estudo conclui que a segurança alimentar será alcançada a partir do desenvolvimento econômico, mas orientado por objetivos sociais, amparados por princípios de
equidade e sustentabilidade. Vale dizer, que as políticas públicas devem alcançar as milhões de pessoas até agora excluídas e, além disso, ampliar a participação da sociedade civil na própria criação e execução da política. Contribuição ao tema da segurança alimentar no Brasil
A contribuição deste trabalho está em, de forma indireta, relacionar-se com o referencial de justiça, capaz de intervir contra as desigualdades sociais, em busca de justiça social, igualdade de direitos, proteção ambiental, ou seja, ampliando o debate de que é preciso voltar-se para as estruturas que são as raízes dos estorvos alimentares.
Direito humano à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar e nutricional
Valéria Burity, Thaís Franceschini, Flávio Valente, Elisabetta Recine, Marília Leão e Maria de Fátima Carvalho (Abrandh, 2010)
Esta publicação é fruto da experiência acumulada pela Abrandh (Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos). O conteúdo do trabalho faz parte de um curso sobre segurança alimentar pautado sob uma gama de conhecimento a respeito do DHAA (Direito Humano à Alimentação Adequada) – direito vital para existência humana.
A primeira proposição colocada implica pensar sobre os direitos humanos e suas violações ainda no século 21. Significa refletir como a dignidade humana pode ser afetada a partir de várias dimensões: éticas, socioeconômicas, culturais e relações de poder. Em um país como o Brasil, marcado historicamente por profundas desigualdades sociais, de gênero e étnico-raciais, é necessário se apoiar nos direitos humanos para avançar rumo a uma melhor condição digna de vida.
Além disso, tratando especificamente das questões alimentares, vários tratados e documentos internacionais e nacionais vêm sendo construídos. Na experiência brasileira, a constituição de 1988 já registrava a alimentação como um direito humano. Além disso, em 2003 foi recriado o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e, em 2006, foi aprovada a Lei Orgânica de SAN (Segurança Alimentar e Nutricional) que instituiu o Sisan (Sistema Nacional de SAN) . Dessa forma, os marcos legais são importantes porque direcionam as responsabilidades para as entidades responsáveis –no caso do Brasil, cabe ao Estado garantir a realização do DHAA.
Ao longo dos anos, o próprio conceito de SAN foi reformulado, adotando novas perspectivas. Mas, essa mudança não ocorreu de forma espontânea, uma vez que diferentes interesses continuam em constante conflito. De forma geral, este é um estudo de extrema importância pois introduz o tema da alimentação como um direito vital, a partir de uma evolução histórica do conceito e como a política de segurança alimentar e nutricional foi criada e desenvolvida no Brasil.
A construção social de um sistema público de segurança alimentar e nutricional: a experiência brasileira
Marília Mendonça Leão e Renato Sérgio Maluf (Abrandh, 2012)
Este documento retrata a construção de um sistema público destinado ao direito humano à alimentação, em especial, na busca da eliminação da fome e da pobreza no Brasil. As experiências desenvolvidas obtiveram resultados importantes no combate a esses problemas a partir da conjunção entre os interesses do governo e da sociedade civil.
Um importante marco dessas experiências é o Programa Fome Zero, concebido no ano de 2001 por uma organização sem fins lucrativos da sociedade civil , já em 2003, a fome e a pobreza foram colocadas como prioridades na agenda pública no governo Lula.
Com isso, o estudo relata que a organização da sociedade, a partir do inconformismo com a insegurança social no país, resultou em organização política e social, fato este que contribuiu para a construção de um campo de debate e de políticas públicas voltadas para a segurança alimentar e nutricional.
Em um momento de forte desmonte de políticas públicas no país e com a retomada do Brasil no mapa da fome, este estudo é importante porque demonstra a luta pela segurança alimentar e nutricional a partir da construção de espaços de diálogo e de políticas que somam forças em prol de superar os desafios relacionados à alimentação que assolam a realidade brasileira por anos.
A construção da política de segurança alimentar e nutricional no Brasil: estratégias e desafios para a promoção da intersetorialidade no âmbito federal de governo
Luciene Burlandy (Ciência e Saúde Coletiva, 2009)
No Brasil, até a década de 1990, as políticas de proteção social eram fragmentadas institucionalmente e setorialmente. Contudo, essa estrutura mostrou-se pouco eficiente, principalmente para o enfrentamento a problemas complexos como a saúde e a SAN (Segurança Alimentar e Nutricional).
Neste sentido, a Lei Orgânica de SAN, foi construída por atores governamentais e da sociedade civil. Essa estrutura intersetorial permite que estruturas decisórias estejam mais descentralizadas e flexíveis. Dessa forma, as políticas de segurança alimentar e nutricional adotaram a intersetorialidade como uma estratégia de ação e operacionalização, integrando diferentes setores e diferentes políticas públicas.
Este estudo, assim como outros da autora, é importante para compreender o processo histórico de construção de políticas de SAN, em especial, a promoção da intersetorialidade no âmbito de mecanismos e instrumentos institucionais e a formação de grupos gestores. Há de se destacar também o desafio em alinhar os interesses, valores e ideias dos diferentes setores que compõem uma política pública.
O papel do Consea na construção da política e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Renato Cavalheira do Nascimento (Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2012)
Esta pesquisa retrata os dez anos de existência do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) de 1993 a 1994 e entre 2003 e 2011, enfatizando o seu papel na construção de uma política pública voltada especificamente para segurança alimentar e nutricional. As questões norteadoras desta tese, são: “Como compreender a construção do complexo campo da SAN no Brasil? Como entender o papel do Consea?” A estratégia adotada para responder a tais questionamentos foi voltar-se para um aspecto desse campo de investigação: as políticas públicas. O Consea tem um papel importante para compreender a política de SAN no Brasil, afinal, o conselho representa um espaço que comporta diferentes agentes, com variados interesses. Além disso, o próprio Consea é um ator que funciona como tal perante instâncias governamentais e da sociedade.
O estudo revelou que a construção do campo da política de SAN tem como marco histórico a conquista da alimentação como direito, expresso na Constituição Federal. Por sua vez, a campanha da “Alimentação: Direito de Todos” foi um fator decisivo para a aprovação da proposta de emenda constitucional sobre o direito à alimentação, demonstrando a capacidade de mobilização e interlocução do Consea, consagrando-o como agente estratégico na construção da Política e do Sistema Nacional de SAN.
Apesar da importância incontestável do Conselho, sua trajetória não se deu sem obstáculos, fato este que até recentemente foi alvo de desmonte a partir de sua extinção com a Medida Provisória 879/19. Portanto, pesquisas como esta, são memórias vivas de experiências que são símbolos de luta no contexto alimentar.
Considero esta pesquisa fundamental e necessária para pensarmos que, apesar da alimentação ser um direito humano assegurado, a conformação política do país, a partir do seu jogo de forças de poder, é quem irá direcionar os caminhos das políticas alimentares, escolhendo avançar ou retroceder.