Como se explica apenas o nascimento de plantas que produziam sementes amarelas?

Edit: coloquei um glossário no final do post para ajudar com alguma palavra que não estejam familiarizad@s. Quando estudamos genética mendeliana, as vezes nos parece difícil entender como Mendel chegou as suas famosas proporções e como, mesmo que elas não se repitam exatamente, em quase nenhum caso real, as pessoas continuam utilizando-as. Vamos supor: as chances de nascer um albino na prole de um casal heterozigoto é de 1/4, mas as chances dessa proporção não se mostrar num universo de 4 indivíduos é maior do que a dela acontecer. Alguém mais precipitado pegaria os estudos de Mendel, mastigaria e jogaria no lixo. Nesta postagem vou explicar por que essa pessoa estaria errada à luz da probabilidade, então separa uma caneta e um lápis, 10 milhões de neurônios e vem comigo. Mendel foi um monge austríaco que, apesar das dificuldades da família, conseguiu estudar matemática e ciências na Universidade de Viena na metade do século XIX. Era curioso sobre como que as características eram transmitidas entre gerações. Ele escolhe, então, realizar experimentos com uma leguminosa que cultivava: a ervilha (Pisum sativum). Essa escolha não se deu por acaso, mas principalmente pois a planta: (i) é fácil de cultivar e possui muitas sementes; (ii) possuía várias características duais (não-gradativas) e bem contrastantes (amarela ou verde, lisa ou rugosa, flor púrpura ou branca, etc); (iii) as partes masculinas e femininas ficam bem próximas numa mesma flor, favorecendo a autofecundação e a manipulação do Mendel para cruzar algumas plantas; e (iv) as gerações são curtas e o cultivo é rápido [imagina Mendel tivesse escolhido, sei lá, elefantes?].

O primeiro passo foi obter "linhagens puras", mas, como ele fez isso? Basicamente separou plantas que exibiam as características que pretendia estudar e fez sucessivas autopolinizações. Dessa forma, é possível "purificar", isto é, obter plantas homozigotas para essa característica. Mendel estudou sete características nas plantas de ervilhas: cor da flor, posição da flor no caule, cor da semente, aspecto externo da semente (liso ou rugosa), forma da vagem, cor da vagem e altura da planta. Pois bem, depois de obter as linhagens puras, Mendel efetuou um cruzamento diferente: cortou os estames de uma flor proveniente de semente verde e depois depositou, nos estigmas dessa flor, pólen de uma planta proveniente de semente amarela. Efetuou, então, artificialmente, uma polinização cruzada: pólen de uma planta que produzia apenas semente amarela foi depositado no estigma de outra planta que só produzia semente verde, ou seja, cruzou duas plantas puras entre si. Essas duas plantas foram consideradas como a geração parental (P), isto é, a dos genitores. Mendel verificou que todas as sementes originadas desses cruzamentos eram amarelas – a cor verde havia aparentemente “desaparecido” nos descendentes híbridos (resultantes do cruzamento das plantas), que Mendel chamou de F1 (primeira geração "filial", obs: Filius significa "filho" em latim). Concluiu, então, que a cor amarela “dominava” a cor verde. Foi a primeira vez que apareceu na literatura a denominação "dominante" (se referindo ao caráter cor amarela da semente) e "recessivo" (para o verde). Estas denominações substituíam os termos "preponderante" e "latente", utilizadas pelos hibridizadores da época. A seguir, Mendel fez germinar as sementes obtidas em F1 até surgirem as plantas e as flores. Deixou que se autofertilizassem e aí percebe que a cor verde das sementes reaparece na F2 (segunda geração filial). "Até este ponto, pode-se observar que a investigação de Mendel não representa grande novidade para a época. [...] ele adotou o mesmo procedimento experimental dos hibridizadores. Além disso, obteve resultados semelhantes, observando a manifestação da característica dominante na primeira geração híbrida (F1) e o reaparecimento da característica recessiva na segunda geração (F2). Mas aqui reside uma das particularidades da sua pesquisa. Mendel concentrou-se na análise de uma única característica por vez, o que possibilitou mostrar que os híbridos da primeira geração não eram intermediários entre os pais, mas possuíam o estado de uma característica herdado de um dos membros da geração parental. O segundo aspecto que permitiu a Mendel avançar em relação a seus contemporâneos é o de ele ter prestado atenção às proporções encontradas". Surgiram exatamente 8.023 sementes (6.022 amarelas e 2.001 verdes), o que o conduziu a uma proporção de aproximadamente 3:1 que, no século XX, deu origem ao que conhecemos como “1ª Lei de Mendel”.

OBS: A proporção deve ser entendida da seguinte forma: a cada uma semente verde, temos três sementes amarelas

Bom, aqui chegamos à questão principal. Por que em praticamente todos os casos, quando aplicamos proporções mendelianas, elas não são exatamente o esperado?

Bom, antes preciso explicar uma coisa. Quando estamos falando de /A/, /a/, estamos falando de alelos, genes e características dos indivíduos. Vamos supor que estejamos falando de uma característica como RH, que refere-se à presença ou ausência do antígeno D no sangue. Podemos chamar esse gene de Gene D, que codifica uma proteína que constitui as hemácias, células vermelhas do sangue. Esse gene está localizado no Cromossomo 1, nos humanos. Se você reparar bem, ali ao lado temos uma foto do cariótipo humano, e podemos ver que existe, na verdade, um par de cromossomos "1", um par "2", par "3", até o par 23. Então temos 46 cromossomos organizados em 23 pares. Para cada um destes pares, temos um cromossomo oriundo da sua mãe e outro do seu pai. Por isso nossos gametas tem só metade do número de cromossomos da nossa espécie (23), pois quando ocorre a fecundação, os pronúcleos do espermatozoide e óvulo se fundem, cada um com 23, para somar os 46 cromossomos do embrião. Os homólogos dos pares não são exatamente iguais, como você pode perceber, mas tem as mesmas bandas claras e escuras. Isso por que não são idênticos, mas possuem os mesmos genes nos mesmos locus, podendo variar apenas no alelismo. Então, onde encontramos o gene D no cromossomo 1 oriundo da sua mãe, vamos encontrar o gene D no cromossomo 1 oriundo do seu pai, mas enquanto a sua mãe pode ter te doado um /D/ dominante, o seu pai pode ter te doado um /d/ recessivo. Dessa forma, você vai ser um /Dd/ para essa característica. No caso, um Rh+. Por que estamos falando tudo isso? Para que você entenda de onde vem os "gametas" que preenchemos no Quadro de Punnet. Vamos supor que você, /Dd/, queira ter um filho com outra pessoa que é /dd/, como vamos prever as probabilidades do Rh da prole para esse cruzamento? Precisamos saber qual a possibilidade de formação de gametas para cada um dos genitores.

Então presta atenção aqui: lembra que nossos gametas têm 23 cromossomos, enquanto todas as outras células do nosso corpo contém 46? Essa redução no número de cromossomos se dá por consequência da Meiose e ela vai determinar o seguinte: de forma totalmente aleatória, apenas um cromossomo de cada par vai para a formação do seu gameta. Isto é, do par 1 será destinado apenas um cromossomo, assim como no par 2, 3, até o 23, selecionando um total de 23 cromossomos. Isto é, pensando apenas no nosso gene estudado (D, que estava no par 1), se aleatoriamente for selecionado aquele cromossomo que tinha o alelo /D/, que herdou da sua mãe, você vai transmitir este alelo dominante ao seu filho; se for selecionado o cromossomo que tinha o alelo /d/, que herdou do seu pai, você vai transmitir o alelo recessivo ao seu filho. Qual a chance? 50/50. Exatamente metade, por que isso é absolutamente aleatório, até onde sabemos. Então, quando montamos um quadro de Punnet, é sobre isso que estamos falando quando dizemos que determinado genitor tem possibilidade de gerar gametas D ou d, pois estamos focando na característica do Gene D. Caso o indivíduo seja homozigoto (/DD/ ou /dd/), todos os gametas dele serão iguais, pois independente de qual cromossomo do par seja selecionado para o gameta, o alelo é igual ao do outro. Neste caso, só há um gameta possível para essa característica.

É o que ocorre no quadro ao lado: em azul temos os gametas possíveis de um indivíduo heterozigoto; em vermelho, os gametas possíveis de um indivíduo homozigoto dominante. Quando cruzamos eles podemos ter uma variedade genética na prole representada pelos quadrinhos de fundo cinza. Isto é, 50% /DD/ e 50% /Dd/. Bom, nessa linha de raciocínio, se esse casal tiver 10 filhos, temos tudo para acreditar que 5 terão genótipo /DD/ e 5, /Dd/, certo?

Não. Aliás, a chance disso acontecer é de só 24,6%. Ué, então Mendel estava errado? Também não. Então o que ocorre?

O que ocorre é que, além da segregação destes alelos ser aleatória na meiose, como já dissemos acima, cada nascimento de um filho é independente do anterior e é aí que nasce a beleza da probabilidade. Isto é. As chances de um primeiro filho nascer com genótipo /DD/ é de 1/2. As chances do segundo nascer com genótipo /DD/ também é de 1/2, isto é, ela não diminui só por que o primeiro filho já nasceu /DD/.

Vamos partir para outro exemplo: as chances de se ter um filho albino a partir de um casal heterozigoto é de 25% (1/4). Então, se você tem quatro filhos, "é de se esperar" que sejam três não-albinos e um albino, então vamos olhar as probabilidades:

De quatro filhos, 4 não-albinos: (3/4) x (3/4) x (3/4) x (3/4) = 31,6%

3 não-albinos e 1 albino: (3/4) x (3/4) x (3/4) x (1/4) x [4!/(3!x1!)] = 42,2%

2 não-albinos e 2 albinos: (3/4) x (3/4) x (1/4) x (1/4) x [4!/(2!x2!)] = 21,1 %

1 não-albino e 3 albinos: (3/4) x (1/4) x (1/4) x (1/4) x [4!/(3!x1!)] = 4,7%

4 albinos: (1/4) x (1/4) x (1/4) x (1/4) = 0,3%

Vem no detalhe, vem na observação: Esses fatores que eu coloquei no final das três equações do meio, em cinza escuro, são pra calcular todos os arranjos possíveis. Tipo, se eu tenho 3 não-albinos (N) e um albino (A), posso ter NNNA, NNAN, NANN ou ANNN, isto é, 4 possibilidades. Para calcular quantas possibilidades um arranjo entre dois grupos pode ter é bem simples: fatorial do total de indivíduos (n!) dividido pelo fatorial da qtde de indivíduos de um dos grupos (p!) multiplicado pelo fatorial da qtde de indivíduos do outro grupo (n-p!), isto é: [n!/(p! x p-n!)]. Aplicando ao problema, se eu quero saber de quantas formas diferentes posso ter um filho albino e três não albinos (total de 4 filhos), faço o seguinte: 4!/(3! x 1!) = 4x3x2x1 / (3x2x1 x 1) = 4 arranjos diferentes.

Então, é mais provável que em quatro filhos, a proporção mendeliana não se reproduza de alguma forma (57,8%, somando-se todas as outras possibilidades) do que se reproduza (42,2%). Entretanto, isso não invalida a proporção mendeliana, pois de acordo com o teste qui-quadrado, isso está dentro de um "erro" probabilístico aceitável. Este teste verifica se a distância entre o que ocorreu e o que se esperava é aceitável ou não, em outras palavras, o quão provável é que qualquer diferença observada tenha acontecido ao acaso.

Então vamos para um exemplo prático para demonstrar a função e aplicação do teste:

No cruzamento entre dois indivíduos Aa, foram gerados 100 filhotes. A proporção observada foi a seguinte: 21 AA, 53 Aa e 26 aa, entretanto o esperado era de 25, 50 e 25, de acordo com a proporção mendeliana 1:2:1 para esse cruzamento (faça o quadro de Punnet você mesmo!). Para calcular o Qui-quadrado, é uma fórmula gigante, mas colocando nesse quadro fica bem mais fácil. Primeiro você coloca os genótipos (são três distintos, nesse caso), depois coloca os valores que você observou em cada um, além dos esperados, de acordo com a proporção mendeliana. Aí você extrai a diferença entre esses valores e eleva cada um ao quadrado. Depois você pega esses valores e divide pelo seus respectivos "esperados" (E). Assim, você vai obter um valor que expressa o quando essa diferença entre o observado e o esperado é relevante. No final você soma todos esses valores e obtém o Qui-quadrado (ou chi-quadrado), que nesse caso foi de 0.98 (está em amarelo na tabela). O que você faz com esse valor? Compara com o valor tabelado, lá na Tabela do chi-quadrado.

Coloquei uma parte da tabela aqui para explicar como ela funciona e como achar o valor que queremos nela:

Nas linhas, temos do 1 em diante, isso se refere ao "grau de liberdade", "G.L" ou "v", que nada mais é que a quantidade de categorias subtraída de um. No nosso exemplo tínamos três genótipos, três categorias, então temos grau de liberdade igual a 2. Vamos encontrar o valor que queremos na linha do 2. Em relação às colunas, elas se referem ao grau de significância, isto é, a confiabilidade do teste. Você pode adotar a que quiser, mas quanto maior a confiabilidade, melhor. Ali no 0.95, temos 95% de confiabilidade do teste, é um valor mais ou menos padronizado pra genética. Então o valor de qui-quadrado limite para considerar a proporção mendeliana que testamos válida é de 5,99. A que obtivemos do nosso teste lá em cima era de 0,98. Isto é, está na área cinzenta do gráfico que representa todo o conjunto de variações possíveis dos valores esperados nas proporções mendelianas. Com uma confiabilidade de 95%, as discrepâncias entre o observado e esperado ocorrem ao acaso e não desvalidam a proporção de Mendel.

Esse é o motivo pelo qual não rejeitamos as proporções mendelianas mesmo que quase nunca elas se expressem literalmente: à luz da probabilidade, devido ao fato dos nascimentos serem independentes, existe uma série de variações possíveis nas proporções do conjunto da prole que são atribuídas ao acaso e matematicamente ainda se qualificam como aproximações válidas da proporção mendeliana.

GLOSSÁRIO

Autopolinização/autofecundação: Quando gameta masculino de um espécime fecunda o gameta feminino do mesmo espécime;

Dominante: É aquele alelo que se expressa mesmo em heterozigose. Ou seja, se ocorrer /AA/ ou /Aa/, ele se expressa;

Espécime: não confundir com espécie! se trata de um indivíduo de uma espécie. Por exemplo, você é um espécime da espécie humana. Seu cão é um espécime da espécie Canis familiaris;

Heterozigoto/heterozigose: Conhecido pela representação /Aa/. É quando os alelos são diferentes;

Híbrido: atualmente utilizado para se referir ao gene heterozigoto (Aa), mas historicamente pode se referir à plantas ou animais misturados, manipulados ou oriundos de cruzamentos entre espécies diferentes; Homozigoto/homozigose: Conhecido pela representação /AA/ ou /aa/. É quando os alelos são iguais;

Locus: local onde um gene se encontra;

Polinização cruzada: Quando gameta masculino de um espécime fecunda o gameta feminino de outro espécime;

Recessivo: É aquele alelo que só se expressa em homozigose. Ou seja, se ocorrer /Aa/, ele não se expressa, mas se ocorrer /aa/ ele se expressa;

Partes da flor da ervilha:

Como se explica apenas o nascimento de plantas que produziam sementes amarelas?

Fontes:

BRANDÃO, Gilberto Oliveira; FERREIRA, Louise Brandes Moura. O ensino de Genética no nível médio: a importância da contextualização histórica dos experimentos de Mendel para o raciocínio sobre os mecanismos da hereditariedade. Filosofia e História da Biologia, v. 4, n. 1, p. 43-63, 2009.

Khan Academy - https://pt.khanacademy.org/science/biology/classical-genetics/mendelian--genetics/a/probabilities-in-genetics

MLODINOW, Leonard. O andar do bêbado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

Tabela Chi-quadrado: http://www.ifsc.usp.br/~lavfis/lavfiswp/wp-content/uploads/2017/06/tabela-qui-quadrado.jpg

#Hereditariedade #Matemática #Probabilidade #Mendel

Por que plantas que produzem ervilhas amarelas podem ter descendentes de cor verde de onde vêm estas características?

No cruzamento entre a planta B e C foram originadas 50% de plantas de ervilhas amarelas e 50% de plantas de ervilhas verdes. Logo, a característica ervilha verde é condicionada por um alelo recessivo (vv) e ele deve está presente na planta B e na planta C. Assim, temos: Planta A (VV) - ervilha amarela homozigota.

Como é possível uma planta de ervilha dar origem a sementes verdes e amarelas?

Na geração $$$F_1$$$, todas as ervilhas apresentavam as sementes amarelas, sendo chamadas por Mendel de híbridos. Após esse cruzamento, Mendel realizou a autofecundação de uma dessas sementes híbridas e o resultado encontrado da segunda geração foi 75% de sementes amarelas e 25% de sementes verdes.

Como se explica o desaparecimento da característica recessiva em F1 e seu reaparecimento em f2?

Persistia, porém, uma dúvida: Como explicar o desaparecimento da cor verde na geração F1 e o seu reaparecimento na geração F2? A resposta surgiu a partir do conhecimento de que cada um dos fatores se separava durante a formação das células reprodutoras, os gametas.

Que características Mendel observou nas ervilhas durante seus experimentos?

Nos diversos experimentos que realizou, Mendel observou outras características da planta, como altura da planta, cor da flor, cor da casca da semente, e notou que em todas as características algumas sempre se sobressaíam às outras, ou seja, existia dominância e recessividade.