Quem vê, Senhora, claro e manifesto Neste soneto, o eu lírico expressa seus sentimentos pela mulher amada. Quem vê, Senhora, claro e manifesto O lindo ser de vossos olhos belos, Se não perder a vista só em vê-los, Já não paga o que deve a vosso gesto. Este me parecia preço honesto; Mas eu, por de vantagem merecê-los, Dei mais a vida e alma por querê-los, Donde já me não fica mais de resto. Assim que a vida e alma e esperança, E tudo quanto tenho, tudo é vosso; E o proveito disso eu só o levo. Porque é tamanha bem-aventurança O dar-vos quanto tenho e quanto posso, Que, quanto mais vos pago, mais vos devo. Camões, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988. p. 295. Interpretação do texto: 1 – Como a mulher amada é caracterizada no soneto? E o eu lírico? A mulher amada é caracterizada como uma “Senhora”, “O lindo ser” que se manifesta nos olhos do eu lírico. Ele, por sua vez, é alguém que não hesitaria em pagar para a própria visão, a vida e a alma a oportunidade de contemplar tal manifestação de perfeição. a) Essa caracterização da mulher corresponde a uma idealização? Por quê? Sim. Ao caracterizar a senhora como “o lindo ser”, o eu lírico mostra a mulher como exemplo de perfeição, por quem ele abdica de tudo, da própria essência (sua vida e sua alma). b) A imagem de mulher presente no poema pode ser considerada típica do classicismo? Explique. Sim. A visão da mulher como símbolo de perfeição é típico do classicismo, já que essa idealização é o que permite a manifestação do amor neoplatônico. Essa mulher perfeita é o que desencadeia o amor espiritualizado, puro, capaz de libertar o eu lírico dos desejos profanos. 2 – Qual é o raciocínio desenvolvido pelo eu lírico para explicar seus sentimentos nas duas primeiras estrofes do soneto? Segundo o eu lírico, a visão da perfeição manifesta nos olhos da senhora teria como preço (justo) a cegueira de quem a contempla. Mas ele, para merecê-la, “pagou” ainda mais: deu “mais a vida e alma por querê-los, / Donde já me não fica mais de resto.” 3 – Releia: “Assim que a vida e alma e esperança, E tudo quanto tenho, tudo é vosso; E o proveito disso eu só o levo”. a) Qual será o “proveito” que terá o eu lírico? O proveito que advirá de entregar tudo o que tem e pode a essa mulher é obter “tamanha bem-aventurança”. É tão grande o bem-estar que toma conta do eu lírico com essa atitude que ele afirma que, quanto mais pagar, mais deverá a ela. b) Explique por que essa atitude do eu lírico expressa uma visão de amor característica do neoplatonismo. Na visão neoplatônico, a partir de um amor puro, o indivíduo liberta-se das realidades ilusórias e contempla o belo em si, o mundo das essências. Dessa forma, aperfeiçoa-se como ser humano. É o que ocorre com o eu lírico neste soneto: ele abdica de tudo que o caracteriza e, ainda assim, conhece a “bem-aventurança” de sentir-se pleno. 4 – Considerando o tema desenvolvido no soneto, a qual das visões de amor representadas no quadro de Ticiano ele poderia ser associado? Por quê? Ao amor sacro, porque, tanto no poema como no quadro de Ticiano, temos a ideia de um amor mais espiritual, que não necessita da realização carnal ou material dos desejos. |