DE LOBATO A DRUMMOND – QUESTÕES DE LÍNGUA NOS LIVROS DIDÁTICOS (1940-1980) Suzete de Paula Bornatto - Escola Anjo da Guarda – Curitiba (PR) Em pesquisa realizada para o mestrado em Educação, com
foco na história das disciplinas, foi “rastreada” a obra de alguns autores representativos da literatura brasileira, freqüentes nos livros didáticos - Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade - , em busca de suas reflexões e posicionamentos sobre a questão da língua (e da norma lingüística) no Brasil. Foi então analisada uma amostra de 14 livros didáticos (para níveis equivalentes aos de 5a. a 8a. séries e Ensino Médio atuais) utilizados
entre 1940 e 1980, em que se observou como a obra desses escritores era apresentada/citada, que questões eram formuladas em torno de seus textos e a relação entre as idéias dos escritores e a concepção de língua oferecida nos livros escolares. A LÍNGUA DO BRASIL EM DEBATE Lobato e a paranóia gramatiqueira Os intelectuais, à época do Modernismo, estiveram divididos em diferentes facções ideológicas, e sua postura
diante da questão do idioma nacional foi da defesa da existência da língua brasileira (e de tentativas de sistematizá-la) à condenação do distanciamento do padrão local em relação ao português europeu. Inúmeras peculiaridades do nosso falar, que as gramáticas anteriores,
rigorosamente portuguesas, consignavam condenando como crimes horríveis, F.C. consigna inocentando-os, isto é, registrando-os como fatos consumados da língua. (...) E se gramática é o estudo dos fatos da língua, a gramática que nos convém é a que estude os fatos da língua pátria. (apud PINTO, 1978, v. II, p. 54) Em 1922, aponta no livro "Dialeto caipira", de Amadeu Amaral, a primeira gramática da língua brasileira: O estudo único em matéria filológica que nos cumpria fazer, não o fazíamos.
Era esse da língua nova, a língua que ao país inteiro interessa: o estudo, o retrato fiel da Brasilina arisca que atende às necessidades de expressão dos 25 milhões de jecas que somos. (idem, p. 56). No mesmo ano, trata de "O Dicionário brasileiro", de Assis Cintra, aludindo à vitória da "sintaxe tupi". Reconhece que mesmo no uso das classes cultas a diferenciação lingüística é percebida e cita, como arcaísmo luso ressuscitado por elas, o emprego do pronome pessoal "ele" como complemento direto,
o que por alguns fora considerado brasileirismo: O fato é que no país todo, na linguagem falada, o ele e o ela desbancaram o o e o a; apesar da resistência dos letrados e da resistência da língua escrita. Não nos consta que algum escritor de mérito usasse (...) essa forma. Mas dia virá em que se romperá essa barreira, porque as correntes glóssicas são irresistíveis, os gramáticos não são donos da língua, e esta não é uma criação lógica. (idem, p.59) Adiante diz de alguns
dicionaristas: "E são papões da língua! Dão-nos em cima de palmatória e ensinam-nos o que se não deve dizer, esquecidos de que não se deve dizer, sobretudo, asneiras." (idem, p. 61) Em artigo de 1926 para o Diário da Noite , “O nosso dualismo”, Lobato faz críticas jocosas à escrita de Oswald de Andrade, que trata como “futurista”. Condena a “atrapalhação” dos valores e regras (a gramática, a justa medida, a clareza; cita especificamente o uso do pronome reflexo “me” em início de período),
todavia afirma que a “brincadeira de crianças inteligentes” (o movimento “futurista”) iria desempenhar “uma função muito séria em nossas letras”: Vai forçar-nos a uma atenta revisão de valores e apressar o abandono de duas coisas a que andamos aferrados: o espírito da literatura francesa e a língua portuguesa de Portugal. (...) a tarefa do escritor de um determinado país é levantar um monumento que reflita as coisas e a mentalidade desse país por meio da língua falada nesse país. (CULT, 52, p. 61) Para o autor, era preciso acabar com o dualismo de mentalidade e língua, já que o povo “fala brasileiro e os próprios escritores que escrevem em português não o falam em família. Em casa, de pijama, só se dirigem à esposa, aos filhos e aos criados em língua da terra, brasileiríssima” (idem, p. 62). Em entrevista à “Folha da Manhã”, em 1941, tratando das transformações da língua portuguesa no Brasil e perguntado sobre se a literatura influi para a
constituição do “brasileiro”, responde: “Não. Existem, em todos os países, duas línguas: a falada e a escrita. A língua falada é a verdadeira. É o que vive, e que se transforma.” (idem, p.77-78). A língua escrita veio depois, e é coisa restritíssima. Todas as criaturas humanas jogam com a língua
falada, e quantas com a escrita? ... HALLEWELL (1985) dedica um capítulo de “O livro no Brasil (sua história)” a Monteiro Lobato e afirma que “em linguagem, pelo menos, Lobato não era rebelde” (pois até pedira a um amigo que corrigisse a colocação de pronomes para a 2a. edição de “Urupês”) e nisso se afastaria dos modernistas. No entanto, talvez se possa afirmar que, além do elemento nacionalista, também na preocupação com o tema da linguagem, a ser encarado por uma perspectiva mais científica, menos arbitrária e menos autoritária, Lobato se aproximou deles. Considerando o raio de influência que o escritor, crítico e editor conseguiu traçar, sua contribuição não é nada desprezível. Oswald, lança afiada No caso de Oswald de Andrade, a clareza de que os erros compõem a língua, a recusa dos formalismos, do beletrismo, o respeito pela língua popular são aspectos que evidenciam sua tomada de posição no debate sobre a linguagem. O escritor foi responsável por dois manifestos: o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de 1924, e o Manifesto Antropófago, de 1928. O primeiro, publicado em 1924, não tem meias palavras: "A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos." No ano anterior, Oswald publicara um artigo na Revista do Brasil (que havia sido comprada por Monteiro Lobato em 1918), “O esforço intelectual do Brasil contemporâneo”, em que declarava: Estamos assistindo ao esforço científico da criação de uma língua independente, por sua evolução, da língua portuguesa
da Europa. Recebemos como benefício todos os erros de sintaxe do romancista José de Alencar, do poeta Castro Alves, (...) Enquanto o sr. João Ribeiro tratava de fundar, em trinta e duas notáveis lições, uma língua nacional, o sr. Amadeu Amaral construía a nossa primeira gramática regionalista. A obra dos dois ilustres acadêmicos esqueceu, entretanto, a contribuição do jargão das grandes cidades brasileiras, onde começa a brotar, em São Paulo principalmente, uma surpreendente literatura de novos
imigrantes (PINTO, 1978, v. II, p. 200). Moderno Mário de Andrade Mário de Andrade é reconhecido como mentor e papa do Modernismo brasileiro. Intelectual de múltiplos interesses, desenvolveu, além de importantes pesquisas nas áreas de música e cultura popular, estudos sobre a língua brasileira, tema sobre o qual debateu com seus contemporâneos . No “Prefácio interessantíssimo” que abre “Paulicéia Desvairada” (1922),
apresentava sua convicção: “A gramática apareceu depois de organizadas as línguas.(...) Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso ortografia portuguesa é porque, não alterando o resultado, dá-lhe uma ortografia”. (PINTO, 1978, v. II, p.133). Moléstia-de-Nabuco é isso de vocês andarem sentindo saudade dos cais do Sena em plena Quinta da Boa Vista e é isso de você falar de um jeito e escrever covardemente colocando o pronome carolinamichaelismente. (...) Tradicionalizar o Brasil consistirá em viver-lhe a realidade atual com a nossa sensibilidade tal como é e não como a gente quer que ela seja, e referindo a esse presente nossos costumes, língua, nosso destino e também nosso passado.(idem, p.135) No mesmo ano, em carta a Carlos Drummond de Andrade, elogia o verso “chega na estação” (do poema “Nota social“). Como este responde que, percebido o “erro”, corrigiu-o, Mário é enfático: Foi uma ignomínia a substituição do na estação por à estação só porque em Portugal paisinho desimportante pra nós se diz assim. (...) Em Portugal tem uma gente corajosa que em vez de ir assuntando como é que se dizia na Roma latina e materna, fez uma gramática pelo que se falava em Portugal mesmo. Mas no Brasil o sr. Carlos Drummond diz “cheguei em casa” “fui na farmácia” “vou no cinema” e quando escreve
veste um fraque debruado de galego, telefona pra Lisboa e pergunta pro ilustre Figueiredo: - Como é que se está dizendo agora (...)? Mário afirma a Bandeira não pretender que o estilo de linguagem por ele adotado venha a ser a língua (“o brasileiro”). Explica estar escrevendo sistematicamente o verbo ter em lugar de haver, salvo em alguns casos, e defende-se dos que vêem afetação em sua atitude: "Mas também não foi afetação que fez a gente
policiar a sua escrita e pôr o pronome aqui porque Camões o botara aqui? Foi. (...) Depois e por isso a afetação ficou geral e mudou de nome" (idem, p. 139). Não sei qual será num século ou 50 anos a língua brasileira. Sou um fenômeno individual, e sempre falei, (...), que trazia a minha contribuição pessoal para um fenômeno que só pode ser coletivíssimo. A principal função minha não está nas minhas “invenções” pois que sei lealmente quanto elas não são minhas, mas no trazer o problema, pros que me lêem, como uma realidade permanente (idem, p. 151). Em 1935, respondendo a Sousa da Silveira, o escritor reconhece ter “forçado a nota” em seus primeiros textos. Porém, reafirma e justifica preferências: Alguns me objetam que teria de levar o “pra” às suas últimas conseqüências lógicas, e escrever também “pruns” (para uns) e “praqueles” (para aqueles) etc. Como si a língua fosse uma criação de lógica intelectual, e não houvesse outras lógicas predeterminando o ser pequenamente humano...(idem, p.159). Sobre as frases iniciadas por pronomes oblíquos, divergirá de Silveira - para quem “pessoas duma determinada instrução” jamais as utilizariam - alegando encontrá-las em todas as camadas da população. Ao final de outra missiva no mesmo ano, entretanto, o autor de “Macunaíma” diz ter usado e abusado muito do “desleixo muito brasileiro” de empregar uma preposição por outra (como em “ir na cidade”, em vez de “à cidade”) mas afirma: “Já atualmente sinto
precisão de ser mais discreto e já estou sendo” (idem, p.164). A língua, no seu sentido, digamos, abstrato, é uma propriedade de todo o corpo social que a emprega. Mas isto é uma mera abstração, essa língua não existe. O tempo, os acidentes regionais, as profissões se encarregam de transformar essa língua abstrata numa quantidade de linguagens concretas diversas (idem, p.170). Logo em seguida vem um trecho cuja afirmação inicial é citada em alguns estudos sobre a linguagem do Modernismo: Deus me livre negar a existência de uma língua “culta”. Mas esta é exclusiva apenas de um dos grupinhos do grande grupo social. Esta é a língua escrita, por excelência, tradicionalista por vício, conservadora por cacoete específico de cultismo. Ou de classe. Mas já está mais que observado que os mesmos indivíduos que escrevem nessa língua culta, muitas vezes se esquecem dela quando falam. Essa língua escrita não é a mesma que a linguagem da classe burguesa, que é falada e não tem pretensões aristocráticas de bem falar. (idem, p.171) Para quem tem interesse em defender o ensino da “norma culta” sem lhe questionar o status, a afirmação inicial, descontextualizada, é de fato, apropriada, assim como outros trechos do segundo artigo de Mário sobre a linguagem radiofônica, em que ele indica as razões da vitalidade da língua culta (dos colégios, dos clássicos, da tradição), mas o próprio escritor esclarece: parecerá que me coloco em
enorme contradição comigo mesmo, pois sempre tenho sido (...) um destruidor dessa linguagem culta, com meus insuportáveis “erros” de português. Conclui, então, em outro trecho prestigiado pelos estudiosos que preferem ver conservadorismo em sua obra, que nenhuma de suas ousadias justifica a ignorância e que o escritor precisa conhecer a linguagem para, então, ir além das convenções. É ainda de 1940 um texto recuperado por Sonia Sachs (ANDRADE, M., 1993), que traz uma avaliação positiva da então recente produção filológica brasileira: Já não são mais estudos de português, mas incontestavelmente de língua nacional. Talvez a maioria dos filólogos de 1920 morresse de estupor vendo um professor do Pedro II, como o sr. Nascentes, afirmar calmamente que a exigência de colocação de pronomes à portuguesa, é coisa para nós relegada ao domínio das bizantinices anacrônicas. Vencemos uma formidável etapa. Agora só nos falta o passo definitivo, que será ver tais e tão doutos filólogos ‘errarem’ também a colocação dos seus pronomes. ‘Me parece’ que nada mais poderíamos desejar então...(p.177-178, grifo meu). Finalmente, em 1942, o autor produz um balanço desanimado e desiludido do movimento modernista: O estandarte mais colorido dessa radicação à pátria foi a pesquisa da “língua brasileira”. Mas foi talvez boato falso. Na verdade, apesar das aparências e da bulha que fazem agora certas santidades de última hora, nós estamos ainda atualmente tão escravos da gramática lusa como qualquer português. Mário trata ainda das “garças brancas do individualismo” que, reconhecendo a legitimidade da língua nacional, se recusam a colocar brasileiramente um pronome. E acrescenta: “A tudo isto
se juntava quase decisório, o interesse econômico de revistas, jornais e editores intimidados com alguma carta rara de leitor gramatiquento ameaçando não comprar, que se opõem à pesquisa lingüística e chegam ao desplante de corrigir artigos assinados” (idem, p. 184). O Professor Bandeira Em relação à linguagem cotidiana, Bandeira assina diversos textos em que deixa clara uma postura a favor da forma(ó) brasileira. Em 1925, colaborando na seção "O mês modernista" do jornal paulista "A noite", publicou o seguinte: DIALETO BRASILEIRO A respeito da seção “Mês modernista”, o poeta esclarece, em suas memórias literárias (“Itinerário de Pasárgada”, 1957, p. 82-83) que se divertiu ganhando cinqüenta mil réis por semana, o primeiro dinheiro que lhe rendeu a literatura. No ano seguinte, 1926, em resenha sobre o livro "Estudinhos de português", de José de Assis, que condenara o emprego do verbo carecer no sentido de precisar, em nome da filologia moderna, embora tivessem perpetrado esse uso escritores “de primeira água”, Bandeira argumenta: “Ora, o emprego generalizado e a adoção por escritores de primeira água não bastam para legitimar uma expressão? O contrário é pura gramatiquice”(BANDEIRA, 1978, p. 269). Ainda em 26 o poeta escreve para a mesma seção: TRADUÇÃO PARA CAÇANJE PRECEDIDA DE COMENTÁRIOS Em outra resenha no mesmo ano, o poeta analisa
uma monografia que defende a subjetividade do pronome 'se'. Retoma a lição do filólogo Sousa da Silveira, segundo o qual o pronome "se" tem a função de deixar completamente indeterminado o sujeito da oração: “É isto precisamente o que faz a beleza ideológica do seu emprego. E dizer-se que o condenam os gramáticos!" Se os portugueses querem chamar portuguesa a linguagem que falamos, têm de aceitar também os fatos lingüísticos ocorrentes entre nós não em analfabetos boçais mas em escritores e gente de boa sociedade. (...) Acho que a língua continua a ser, por enquanto, portuguesa. Mas o nome pouco importa: o essencial é que neste, como em outros pontos, falemos e escrevamos como a gente instruída fala. Tenhamos a coragem de falar e escrever “errado” (BANDEIRA, 1978, p. 266). De qualquer modo, a distinção que estabelece entre a linguagem dos “analfabetos boçais” e dos “escritores e gente de boa sociedade” remete aos cuidados de Monteiro Lobato e de escritores do século
XIX: a língua dos ignorantes não tem prestígio e não pode se confundir com o português “oficial” do Brasil. Drummond e o mistério da língua Logo no início de sua carreira literária, Drummond conhece Mário de Andrade e passa a ser mais um escritor com quem Mário troca cartas. Por meio dessas cartas, compiladas e anotadas pelo poeta mineiro em “A lição do amigo” (1982), é possível acompanhar algumas orientações e interferências de Mário, mas também os pontos de vista e as insistências de Drummond. O DEBATE AUSENTE Aldrovando Lobato Em “COMUNICAÇÃO – atividades de linguagem”, uma das coleções assinadas pelo campeão de vendas Reinaldo Mathias FERREIRA (1979), aparece, no volume para a 7a.série, a história
d’“O colocador de pronomes”, de Lobato. Mas não se trata da história toda, apenas do trecho em que o escrevente, pai de Aldrovando Cantagalo, por conta do pronome escolhido para um bilhete (“Amo-lhe”), é destinado ao casamento com a irmã mais velha de sua amada. O conto ‘O colocador de pronomes’ não termina com a benção do coronel Triburtino. Leia-o até o fim para resolver estas questões: 1) O escrevente se casou...? 2) Quem era Aldrovando...? 3) Que pensava Aldrovando da Língua Portuguesa? 4) Que explicação o ferreiro deu para o erro da placa da oficina? 5) Que tem o título do conto a ver...? 6) Qual foi a causa da morte...? (p.56) Ora, o aluno não tem o texto integral do conto no livro, terá
de procurá-lo, o que, por um lado, é bom porque pode levá-lo à biblioteca, a ler mais alguma coisa; por outro, pode significar simplesmente que isso não é tão importante, por isso não está no livro didático. Interessa aqui destacar a grande diferença que faz citar apenas a história do escrevente em vez da trágica experiência de Aldrovando: a primeira evidencia o problema trazido pelo uso “errado” do “lhe” – então, serve para ensinar o uso “correto”; a segunda apresenta o exagero purista que
transforma Cantagalo numa caricatura, um retrato disfarçado dos puristas reais. Mário de Andrade morro abaixo
Conforme já comentado, o poema mais freqüente de Mário de Andrade nos livros didáticos do período pesquisado é o trecho do “Noturno de Belo Horizonte” sobre a “Serra do Rola-Moça”. O outro trecho do poema que fala das diferenças de pronúncia pelo Brasil não aparece nenhuma vez. Mas em FERREIRA (1967) é citado um texto em prosa (p. 61-62): “Excerto de Belasarte”. No final dos dados biobibliográficos sobre o escritor, há a informação de que o trecho escolhido, sobre um violinista que se passava
por maestro e enriqueceu com uma escola de música, é parte do conto “Menina de olho no fundo”, do livro “Belasarte”. Ê carvoero ignorante! Os poemas “Meninos Carvoeiros” e “Balõezinhos” são, depois de “Profundamente”, os textos de Manuel Bandeira que mais aparecem nas coleções. Ambos
tematizam a condição dos meninos pobres: no primeiro, os meninos vendem carvão pelas ruas e não têm tempo de brincar; no segundo, cobiçam os balões coloridos pelos quais não podem pagar. No 3º volume de “Estudo dirigido de Português”, de FERREIRA (1973, p. 59) pode-se acompanhar o aproveitamento didático do texto. No tópico I, “Estudo das idéias”, há seis perguntas, das quais três se referem ao verso “- Eh, carvoero!”: “Os meninos carvoeiros/ passam a caminho da cidade./ - Eh, carvoero!/ E vão
tocando os animais com um relho enorme.” O enterro lúdico Além do trecho intitulado “O enterro”, na coleção didática de CRETELLA, Oswald de Andrade vai aparecer de forma inédita na coleção “Comunicação em língua nacional”, de BENEMANN e (Myrian) ELIA (6a. série, 9a. ed., 1977, p. 77) com um poema “criptografado”.O texto precisa ser decodificado pelo aluno, que chega ao seguinte: Meu pai O título "Meu pai” foi dado pelos autores do livro didático, que, por alguma razão inexplicável, eliminaram o original: "Meus sete anos" (rico por aludir ao antológico "Meus oito anos", de Casimiro de Abreu). Na codificação, o poema perde a estrofação original e as maiúsculas em "Banco Popular". Das seis questões de "compreensão", quatro checam a leitura, pedindo a identificação direta de respostas no texto; as duas últimas pedem que o aluno identifique se o gerente do Banco Popular era: a. ( ) muito bom para todos; A carga poética do poema, que mistura a aridez dos termos técnicos do mundo financeiro com a percepção afetiva do menino avaliando o pai (de forma que marcaria seus sete anos) se perde,
em prol do ensino do vocabulário referente a transações bancárias e comerciais. Propõe-se a resolução de palavras cruzadas em que, por exemplo, a primeira palavra a ser escrita corresponde a “ordem de pagamento à pessoa em favor de quem se emite esse documento ou a qualquer portador dele”. Diante de tal clareza, talvez o aluno achasse mais fácil decodificar o poema. Para concluir as atividades sobre o texto, sugere-se a redação de um pedido de empréstimo em que a praça da cidade é dada como
garantia, “em hipoteca” (afinal, o importante é o vocabulário). Aprendi com meu filho de dez anos Não é tão fácil ver conteúdo “extremamente emotivo” nos versos de “Relicário”: “Pinga de Parati/Fumo de Baependi/ É comê bebê pitá e caí”. Seria preciso levar muito a sério a blague oswaldiana sobre o período colonial. E quanto à pronúncia dos verbos, transcrita da oralidade? E a contribuição milionária de todos os erros? Nenhuma palavra. Havia um Drummond? MATTOS, no 3o. volume da mesma coleção ("Curso da língua atual", p. 181), trata da poesia da 2a. fase do Modernismo e propõe a leitura de “No meio do caminho”, de Drummond de Andrade. A primeira pergunta sobre o texto é: Assinale o que pertence à língua popular: Espera-se que o aluno assinale a primeira alternativa, reforçando a regra de que não se deve usar “ter” no lugar de “haver”, para expressar o sentido de “existir”. No item seguinte, “Contexto”, lê-se: “Este texto causou polêmica, porque
muitos pensaram que era apenas uma brincadeira do poeta. Anos mais tarde, o poeta compôs um soneto, que parece aludir a esse poema:...”
Sob a fachada de “estilo” está o alerta: cuidado para não começar com “me” em linguagem “adloquial” (termo não encontrável em muitos dicionários, mas que substitui "norma culta"). Meiguice e delicadeza eram associadas à colocação pronominal proclítica já por outros autores. A lição que atravessa pelo menos quatro décadas é a de que é preciso desculpar o povo em sua meiguice e cuidar
para não imitá-lo em situações sérias. A língua popular ou familiar você já a conhece bastante. Na escola estuda-se a língua culta, usada pelas pessoas eruditas, a mesma que você ouve no rádio e na televisão e vê escrita nos jornais, nos livros e nas revistas. É um pouco diferente da
que usamos na conversação familiar, por ser mais rica, disciplinada e correta. A "nossa" língua, "maravilhoso instrumento", que precisa ser estudada, não é, portanto, a popular, mas a "culta". Ou ainda, a língua popular não é (não pode ser identificada como) nossa língua, porque pobre, indisciplinada e incorreta. Também Magda SOARES publica uma
coleção em 1968, "Português através de textos", em que frases soltas de crônicas de Drummond servem para a identificação de orações subordinadas; obrigada a adequar-se à nova LDB (1971), escreve outra coleção, "Comunicação em língua portuguesa", onde os textos continuam servindo à explicação gramatical. O mesmo procedimento é realizado por Mathias FERREIRA: novas coleções, a mesma concepção. REFERÊNCIAS: 1. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1985. 2. MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. Tese (Doutorado em História da Educação), PUC-SP, 1997. 3. PINTO, Edith Pimentel.(org). O Português do Brasil – textos críticos e teóricos, I -1820/1920, II - 1920-1945, fontes para a teoria e a história. São Paulo: EDUSP, 1978. 4. _____. O escritor enfrenta a língua. São Paulo: FFLCH-USP, 1994. FONTES: OBRAS LITERÁRIAS E CORRESPONDÊNCIA REUNIDA ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião - 19 livros de poesias (Alguma poesia, Brejo das Almas, Sentimento do mundo, José, A rosa do povo, Novos poemas, Claro enigma, Fazendeiro do ar; A vida passada a limpo, Lição de coisas, A falta que ama, As impurezas do branco, Boitempo I, Boitempo II, Boitempo III, A paixão medida e seleção de Viola de bolso, Versiprosa, Discursos de primavera e algumas sombras). Rio de Janeiro: José Olympio e INL, 1983. _____. Discurso de primavera e algumas sombras. Rio de Janeiro: Record, 1977. _____. A lição do amigo. Cartas de Mário de Andrade. Introd. Carlos Drummond de Andrade. José Olympio, 1982. _____. Auto-retrato e outras crônicas. Rio de Janeiro: Record, 1989. ANDRADE, Mário de. De Paulicéia Desvairada a café (poesias completas). São Paulo: Círculo do Livro, 1982. _____. O Empalhador de Passarinho. 3ª ed. São Paulo, Martins; Brasília, INL, Ministério da Educação e _____. 71 cartas de Mário de Andrade. (Col. e anot. por Lygia
Fernandes). Rio de Janeiro, Liv. São José, /s.d./. _____.Cartas a Manuel Bandeira. Prefácio e notas de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro, Tecnoprint, 1967. _____. Mário de Andrade escreve. Cartas a Alceu Meyer e outros. (Col. e anot. por Lygia Fernandes). Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1968. _____. Táxi e Crônicas no Diário Nacional. (Pesq., estabel. de texto, introd. e notas de
Telê Ancona Lopez. _____. Os contos de Belazarte. São Paulo Martins; Brasília, INL, 1972. ANDRADE, Oswald de. Memórias sentimentais de João Miramar.10a.ed. São Paulo: Globo, 1998. _____. Obras completas (Poesias reunidas - v. VII) 3a. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. BANDEIRA, Manuel. Andorinha, Andorinha. Seleção e organização de Carlos D. de Andrade. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. _____. Antologia poética.19a. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. _____. Estrela da vida inteira (poesias reunidas). Rio de Janeiro: José Olympio, 1966. _____. Itinerário de Pasárgada. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957. _____. Seleta em prosa e verso (org., estudos e notas de Emanuel de Morais). Rio de Janeiro: José Olympio, 1971. Correspondência Mário de Andrade e Manuel Bandeira (org., introd. e notas Marcos Antonio de Moraes). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, 2000. LOBATO, José B. Monteiro. A Barca de Gleyre – quarenta anos de correspondência literária. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1944. _____. Conferências, artigos e crônicas. São Paulo: Brasiliense, 1959. _____. Emília no país da gramática. 11a. São Paulo: Brasiliense, 1960. _____. Urupês, outros contos e coisas. São Paulo: Brasiliense, 1946. PINTO, Edith Pimentel.(org.) O português do Brasil – textos críticos e teóricos, I -1820/1920, II - 1920-1945, fontes para a teoria e a história. São Paulo: EDUSP, 1978. OBRAS DIDÁTICAS BACK, Eurico e MATTOS, Geraldo. Nossa língua. São Paulo: FTD, 1972. BARROS, Eneias Martins. Curso de português. São Paulo: Editora do Brasil, 1948. BENEMANN, M. e ELIA, Myrian/CADORE, A. Comunicação em língua nacional São Paulo: Ática, 1974. CEGALLA, Domingos Paschoal. Português. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1969. _____. Hora de comunicação. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978. COSTA, Aída. Português. São Paulo: Editora do Brasil, 1963. CRETELLA Junior, José. Português para o ginásio. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1962. CRUZ, José Marques. Português prático. São Paulo: Melhoramentos, 1941. FERREIRA, Reinaldo Mathias. Estudo dirigido de português. São Paulo: Ática, 1967. _____. Comunicação - atividades de linguagem. São Paulo: Ática, 1978. GUIMARÃES, Magda Soares. Português através de textos. Belo Horizonte: Bernardo Alvares, 1965. Irmãos Maristas. Português. São Paulo: Editora do Brasil, 1963. LÉLLIS, Raul Moreira. Português no colégio. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1969. MATTOS, Geraldo. Curso da língua atual. São Paulo: Editora dos professores, 1969. Quais são os exemplos de colocação pronominal?Exemplos de colocação pronominal. Não me deram uma caixa de bombons ontem. ( próclise). Deram-me uma caixa de bombons ontem. ( ênclise). Dar-me-ão uma caixa de bombons amanhã. ( mesóclise). O que quer dizer o poema Pronominais de Oswald de Andrade?Simboliza na liberdade da fala e dos formatos poéticos a ruptura dos padrões da escrita em busca de uma língua brasileira uma forma própria e nacionalista de se fazer poemas. Observa-se a defesa do modo de falar brasileiro enfatizando a próclise ao invés de enfatizar a ênclise de acordo com a forma culta.
Como achar colocação pronominal?Na colocação pronominal os pronomes oblíquos átonos podem ocupar três posições: antes do verbo, no meio do verbo e depois do verbo. Próclise – Na colocação pronominal Próclise o pronome aparece antes do verbo. Mesóclise - Na colocação pronominal Mesóclise o pronome aparece no meio do verbo.
Qual o tema do poema Pronominais de Oswald de Andrade?O poema Pronominais de Oswald de Andrade,nos mostra um pouco da diversidade do uso da língua em função da situação comunicativa. O texto fala sobre a linguagem culta (dicionário) "gramática" e a linguagem coloquial (cotidiano).
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