Para qual sociólogo A educação deve formar indivíduos que se adapte a estrutura social vigente?

RESUMO

Esta é uma revisão literária, com ênfase nas ideias de Pierre Bourdieu, acerca da pedagogia e do sistema de ensino enquanto violência simbólica.. Será analisada a marginalização de estudantes colocada em prática pela escola, a violência simbólica propriamente dita e a sua relação com o sistema econômico e político. O objetivo é elucidar questões propostas por Bourdieu sobre a reprodução da desigualdade social, mesmo considerando a universalização do acesso à escola nas sociedades capitalistas contemporâneas.

Palavras-chaves: Violência simbólica, Marginalização, Pedagogia crítico-reprodutivista e Democracia.

INTRODUÇÃO

Após a década de 1970, nota-se, a partir de algumas correntes teóricas críticas (SAVIANI, 2001), que as pedagogias dominantes acentuam a marginalização dos estudantes ao invés de amenizá-la, como propunham algumas destas mesmas correntes. As pedagogias anteriores teriam falhado.

A Pedagogia Tradicional, consolidada no século XIX, colocava ênfase no professor. O fracasso escolar era atribuído ao estudante.

A teoria da Escola Nova, fundada no século XX (SAVIANI, 2001), a qual passa a observar o estudante como sujeito da aprendizagem , pode ainda ser considerada uma teoria não critica. A figura do marginalizado passa a ser a do desajustado, aquele que não se adapta ao grupo, e, tão logo, a escola passa a buscar uma forma de ajustar o aluno à sociedade, ela termina inadvertidamente gerando uma degradação do trabalho do professor e do ambiente escolar, particularmente no mundo subdesenvolvido, à medida que este perde sua autoridade (SAVIANI, 2001).

A seguir, a Pedagogia Tecnicista, busca uma formação operacional e objetiva, trazendo o aluno para o mundo do capitalismo industrial. Nesta perspectiva, quem fracassa é o improdutivo e a desqualificação do trabalho docente se agrava.

Pierre Bourdieu (2017), com a teoria da pedagogia crítico-reprodutivista não cria uma pedagogia propriamente nova, mas se atém a verificar o por que as tradições teóricas existentes não enxergaram a manutenção da marginalidade pela escola, como um dos alicerces da sociedade burguesa .

Este projeto se debruça sobre a teoria crítico-reprodutivista, que tem em Bourdieu um de seus maiores expoentes.

DESENVOLVIMENTO

Pierre Bourdieu (1930–2012) foi um sociólogo francês de origem Seus conceitos centrais são os de habitus e de campo, mas sua teoria não se resume a isso. Nela, podemos encontrar outros conceitos, como os de poder simbólico, violência simbólica, capital simbólico, entre outros.

Bourdieu buscou não ser estruturalista — o qual considera os indivíduos passivos diante de estruturas sociais (OLIVEIRA, 2013) — nem um adepto da fenomenologia — que concede ampla liberdade aos agentes sociais na determinação do sentido de sua ação (referência). Bourdieu, todavia, adota perspectiva original em relação a essas duas abordagens,

“para demonstrar que as tomadas de posição não são livremente formuladas pelos indivíduos nem são rigidamente determinadas por estruturas sociais, politicas, econômicas ou culturais” (OLIVEIRA, Luciano Amaral. 2013 p.154).

Existe, segundo a visão de Bourdieu, relativa autonomia na formação das relações das pessoas.

Iniciando pelos conceitos de habitus e de campo, Bourdieu discorda da visão estruturalista ou objetivista

“que vê nas estruturas objetivas, i.e, supostas estruturas de elementos econômicos, sociais, culturais e linguísticos, dentre outras, a fonte geradora de sentido das práticas sociais em geral, inclusive das práticas linguísticas ou discursivas. Ele também não concorda com a visão fenomenológica que desconsiderava as estruturas sociais enquanto fatores responsáveis pela construção dos sentidos das ações ou dos enunciados” (idem, p.156).

Para contrapor essas divisões do pensamento, o sociólogo francês considera um modo de conhecimento praxiológico. Para Bourdieu, o erro fundamental do estruturalismo é que ele acaba, de certa forma, excluindo o sujeito da ação social, como em Durkheim, a partir da ideia de consciência coletiva, [I1] e Saussure, a partir da língua em detrimento da fala.

Já o modo de conhecimento fenomenológico, oposto ao estruturalismo, “enfatiza a autonomia do sujeito na determinação do sentido de sua ação” (idem, p.158).

A sociologia weberiana, quando pressupõe que os homens agem de acordo com seus quatro tipos de ação social é um tipo de “perspectiva fenomenológica”(apesar de sua sociologia ser fundalmentalmente compreensiva ou idealista). [I2]

O problema da fenomenologia é que ela falha quando não contempla as “condições em que os agentes sociais podem compreender as práticas discursivas sociais ou culturais e, portanto, as condições em que a interação simbólica é possível” (idem, p.158).

Deve-se ter em mente que nem sempre o sentido que se dá a uma ação é o mesmo interpretado por um outro. Ela depende de uma diversidade de condições sociais objetivamente instituídas e de uma diversidade de condições subjetivas.

Bourdieu propõe, então, o método praxiológico buscando superar os limites do estruturalismo e da fenomenologia. Mas oque seria praxiologia?

Bourdieu define praxiologia como um método onde há “o duplo processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade” (referência).

Também, nesse sentido, as ações não têm apenas relação com os ditames estruturais, nem com as intenções individuais. Elas são o resultado de uma ação dialética entre a situação e o habitus.

Por meio de conceitos como habitus e campo, Bourdieu busca fazer a mediação entre esses modos conflitantes.

Cabe definir o que é habitus.

“De modo geral pode-se dizer que habitus são os esquemas de percepções que desde o nascimento, os indivíduos incorporam em suas trajetórias de vida e que, portanto, condicionam os sentidos de suas ações” (idem, p.160).

A noção de campo aparece interligada à noção de espaço social. Espaço social é a [I3] sociedade. Nele existem campos relativamente autônomos: campo jurídico, campo artístico, campo da alta costura etc. Dentro desses campos ocorrem lutas simbólicas. Nessas lutas simbólicas se desenvolvem a produção e a distribuição de bens simbólicos, por exemplo, no campo religioso se desenvolvem as crenças religiosas.

Bourdieu acredita que o processo de produção dos bens simbólicos depende da posição que eles ocupam na estrutura de um determinado campo, além do habitus adquirido.

No campo ocorrem lutas simbólicas pelo poder simbólico. O campo é “um lugar onde as posições dos agentes sociais são estruturadas conforme o quantum de capital social ou de poder simbólico que cada agente acumula ao longo de suas trajetórias sociais” (idem, p.164).

“No campo, os agentes sociais se dividem em dominantes e dominados, em conformidade com o habitus e com o nivel de seu capital ou poder simbólico. A ortodoxia, ou seja, os dominantes detentores de um maior volume de capital simbólico, luta pela conservação da estrutura do campo em questão e, por meio dessa conservação, pela conservação do mundo social. A heterodoxia, isto é, os dominados detentores de um menor número de capital simbólico, luta pela transformação da estrutura do campo em questão e, por meio dessa transformação, pela transformação do mundo social. São essas posições que dos indivíduos na estrutura do espaço social que, ligadas ao habitus, influenciam as tomadas de posição dos agentes sociais.” (idem, p.164).

Pela violência simbólica, os produtores de bens simbólicos buscam a adesão daqueles que consomem esses bens no campo político e econômico. Quanto maior é o poder simbólico do produtor, menor é o poder simbólico do consumidor, isso implica que o produtor terá mais chances de ampliar sua força, por meio da violência simbólica. Um enunciado referente à educação, por exemplo, tem mais chance de ser refutado por um especialista do que por um leigo.

Em Bourdieu, as práticas da ação social são produtos de uma relação dialética entre o habitus que os indivíduos adquirem ao longo da vida e as situações em que se encontram em determinado campo social. Assim, Bourdieu não considera apenas a subjetividade dos agentes sociais e a objetividade da sociedade, mas, também, as estratégias que os indivíduos adotam em suas tomadas de posição nos diversos campos sociais. As estratégias não são livremente definidas só pelos indivíduos nem pelas estruturas objetivas. As estratégias de ação são definidas pelos indivíduos de acordo com seus habitus e com as posições que eles se encontram na estrutura social.

Mas como Bourdieu entende a escola?

Bourdieu critica a ideia de que a escola proporciona instrumentos que garantam a liberdade dos indivíduos e sua ascensão social, Nas obras “Os herdeiros” e “A reprodução”, ele se propõe a elaborar uma teoria geral do funcionamento do sistema escolar. Segundo o resultado desses estudos, a escola, na verdade, reproduz as desigualdades que ela se propõe a reduzir. Cabe observar os processos que chegam a este resultado.

Longe de dizer que a cultura escolar é neutra, Bourdieu afirma que a cultura escolar é a cultura da classe dominante transformada em cultura legítima. Essa cultura é arbitrária e de natureza social, que emerge de uma seleção entre o que é estimável e o que é vulgar.

A decisão de o que estudar é arbitrária. A seleção da grade curricular é o produto de forças entre grupos sociais. Portanto, a cultura escolar não é uma cultura neutra, é, antes, uma cultura de classe.

Assim, quanto menor a distância entre a cultura do aluno e a cultura ensinada, maior será o sucesso do aluno. Os filhos das classes dominantes têm um arsenal de elementos que permitem um melhor aprendizado da cultura dominante, ao contrário dos membros da classe dominada. Esse arsenal produz seus efeitos ao longo do percurso escolar. Por isso, os “herdeiros”, estudantes da classe dominante, são muito mais representados nas universidades que os “bolsistas”, que vem das classes dominadas.

Os critérios de julgamento feitos pelo corpo docente também são critérios simbólicos e sociais. O grupo dominante dá à escola o poder de impor conteúdos de acordo com seus interesses. O que é julgado não é tanto a excelência escolar do que a excelência social, as boas maneiras, o bom gosto. Para dar um exemplo, as questões dissertativas julgam o “estilo” empregado. Então, os alunos que têm os hábitos mais próximos dos professores são mais bem sucedidos.

De forma que a escola realize a reprodução social, garanta a dominação, ela deve ser dotada de um sistema de representação característico. Esse é o papel da ideologia. No campo escolar, a ideologia eleva os “herdeiros” diante dos outros. Essa ideologia toma a forma de “ideologia do dom”.

Esta ideologia defende que as desigualdades de sucesso na escola vêm de incapacidades de nascença. Dessa forma, ela segue a ideologia da meritocracia, que diz que todos podem ter acesso a todas as posições, desde que se esforcem. Esta afirmação manda que a escola trate todos como iguais, negando toda a diferença de origem social.

Essa ideologia do dom legitima as desigualdades escolares e, assim, legitima as desigualdades sociais. Isso porque é fundada numa falsa neutralidade do ensino, que leva a exclusão das classes dominadas e que reforça a legitimidade das classes dominantes.

Nota-se que os critérios do sucesso são critérios sociais e não escolares. A ideologia do dom é essencial para que a escola cumpra sua função de legitimação da ordem social. Com esta ideologia a escola vai “naturalizar o social” e, assim, se transforma desigualdades sociais em desigualdades de competência.

A escola é, portanto, dominadora e não libertadora, ela mantém a dominação de uma classe sobre a outra.

Para Bourdieu, toda ação pedagógica é uma violência simbólica, em que, por um lado, o sistema escolar impõe e legitima o arbítrio cultural dominante. A cultura, o saber da classe dominante é considerado o único valido. Já a cultura da classe dominada é colocada num segundo plano. Além disso, as classes dominadas acabam reconhecendo o saber da classe dominante como único legítimo, por exemplo, o saber da medicina doméstica e/ou tradicional não é aceito como válido.

Em contrapartida, a escola nega as diferenças de públicos, as diferenças de habitus. A cultura da escola só é acessível aos “herdeiros”. A escola é “indiferente às diferenças” (referência). Só os “herdeiros” têm acesso aos valores, como a motivação em relação à escola ou a valorização do saber. Além disso, a escola exige conhecimentos classificados como “cultura livre”, que são música e literatura ensinados fora da escola, as quais apenas os “herdeiros” têm acesso.

Cada classe tem uma cultura diferente, mas a escola propõe a cultura das classes dominantes. Isso gera uma proposta de aculturação dos membros das classes dominadas. Esse processo tem consequências negativas. Os bolsistas de escolas particulares, diferentemente dos “herdeiros”, têm que perder sua cultura para obter sucesso no campo da educação. A língua pode ser um exemplo disso. A classe dominante se comunica, tendendo à abstração e ao formalismo, ao intelectualismo. Já a classe dominada tende a dar mais importância ao caso particular e desenvolver pouco as argumentações estruturadas. Essa aculturação pode ser caracterizada como uma forma de violência simbólica. Os “bolsistas” perdem sua cultura e origens para sobreviver no ambiente escolar.

Todavia, o habitus é o sistema que mais funciona para excluir os membros das classes dominadas na instituição escolar. Ele, que é gerado a partir da interiorização das condições objetivas, provoca uma autoeliminação das categorias desfavorecidas. Os indivíduos planejam seu futuro de acordo com o presente, excluindo o que aparece como pouco provável em seu grupo social. Assim, as classes populares acreditam que a oportunidade de ascensão social não está na escola. Desse modo, são descritos como menos motivados.

A partir disso, pode-se descartar a ideia de que a classe dominada é excluída das instituições escolares por falta de aptidão ou falta de recursos econômicos. Este argumento diz também que se deve levar em conta as diferentes estratégias das classes sociais em relação à escola.

Na França, os fundadores da escola obrigatória acreditavam que o aumento das oportunidades iria gerar uma maior mobilidade social, além da redução das desigualdades. Essa relação não se deu em verdade.

Desde os anos 1950, a França aumentou inegavelmente os efetivos escolares. De acordo com alguns dados, pode-se afirmar que houve, sim, uma democratização do ensino. As categorias que eram excluídas do jogo escolar acabaram entrando nele. Todavia, esse processo fez gerar uma maior concorrência e um aumento do investimento em educação nas classes dominantes. Esse crescimento fez modificar o rendimento dos títulos escolares. Os títulos acabaram se desvalorizando.

Um título continua sendo um título, mas seu valor no mercado de trabalho é mais baixo. Atualmente, para ocupar um posto no mercado de trabalho são necessários mais títulos. Isso fez com que as classes populares se desencantassem com a instituição escolar, já que ela é incapaz de garantir empregos por meio da posse de um título.

Tanto quantitativa quanto qualitativamente, a utilização do sistema de ensino é desigual. Quantitativamente, a democratização do ensino é desigual, de acordo com as categorias sociais. Na França, os filhos de professores têm três ou quatro vezes mais chances de entrar na “2e”[I4] que os filhos de operários não qualificados.

Qualitativamente, a democratização do ensino é acompanhada da segregação interna: as desigualdades de acesso foram transformadas em desigualdades de currículos “através de cursos e opções que delimitam percursos fortemente hierarquizados pelo valor que lhes é atribuído e pela composição social do seu público” (BONNEWITZ, Patrice. 2003. p.125).

A diversificação em cursos ou escolas também contribui para criar a diferenciação: os alunos bem nascidos têm mais ferramentas para fazer seus investimentos na hora certa e no lugar certo, nos bons cursos, por exemplo; já os alunos de famílias desfavorecidas são obrigados a submeter-se a o que aparece. A diferença entre seu capital cultural e o das classes dominantes os prejudica.

A escolha dos departamentos se torna um móvel considerável e aparece uma distinção entre o ensino tecnológico e técnico, de um lado, e o ensino geral, de outro. O último é mais valorizado que o primeiro e os “herdeiros”, assim, tomam as posições neste. Por meio de estratégias escolares (Idem, p.127), os “herdeiros” continuam a ter acesso às instituições mais renomadas e garantem, assim, a dominação. De outro lado estão os alunos menos favorecidos. Eles são orientados a seguir cursos menos prestigiados. Formam outra categoria: a dos que a instituição conserva para retardar a eliminação.

As estratégias escolares estão ligadas ao papel central que a escola desempenha nas estratégias de reprodução. As estratégias de reprodução são mais centradas na escola por que é nela que se reproduz o capital cultural.

Quanto mais elevado é o capital cultural de origem, mais rentável é o investimento escolar e, também, é mais rentável quanto mais o aluno puder se beneficiar do capital social dos seus pais. Os filhos da classe dominante obtém maior rendimento no mercado de trabalho que os filhos das categorias menos favorecidas, e isso se segue ao longo de suas carreiras.

Dessa forma, as estratégias de investimento escolar se relacionam com as estratégias de fecundidade da população. O investimento escolar só é rentável se for concentrado em poucos filhos.

Diferente do que se pensa sobre a escola, ela não é uma instituição neutra que permite a promoção individual. Ela, antes, reproduz privilégios culturais. A sociologia da escola é uma contribuição indispensável de P. Bourdieu.

Também se pode notar que, diferente do presumido pela “Escola Libertadora”[I5] , a escola guarda em si uma forma de difundir as desigualdades sociais por legitimar a herança cultural, tratando as diferenças como dons naturais.

Há, durante o percurso escolar, mecanismos de eliminação marcantes no acesso ao ensino superior, o que pesa desigualmente sobre as diferentes classes e sexos dos alunos. Porém, não basta dizer isso, é preciso descrever os mecanismos que agem sobre essa desigualdade. Esses mecanismos podem ser o capital cultural e o ethos [I6] que é um sistema de valores interiorizados transmitido aos alunos, renegando qualquer possibilidade de dons naturais. Esse sistema de valores implícitos e interiorizados contribuem para o sucesso ou o fracasso da trajetória escolar.

Dito de uma forma simples, o capital cultural da família se transporta para os estudantes e isso afeta o êxito escolar desses alunos. O capital cultural está ligado à posição econômica (capital econômico) da família, o que faz com que os melhores alunos sejam provenientes de famílias mais abastadas. A vantagem cultural dos membros da família, assim, se transmite para os estudantes. O conhecimento cultural dos membros da família separam indivíduos aparentemente idênticos.

Em Bourdieu, a origem geográfica do aluno também influencia no desempenho escolar. Habitantes de Paris, por terem mais acesso à manifestações culturais valorizadas pela cultura dominante têm um escore mais alto na escola do que habitantes do interior.

Dessa forma, alunos de famílias mais abastadas de Paris têm mais privilégios do que alunos menos abastados do interior. E isso determina seu êxito escolar.

Estrangeiros que tenham mesmo poder aquisitivo dos moradores locais não apresentam desvantagem significativa no desempenho escolar, considerando que o capital é internacional. Essas pessoas compartilham da cultura dominante.

Nota-se que a vigilância no estudo também tem a ver com a estratificação social.Famílias mais abastadas tendem a acompanhar mais os trabalhos dos seus filhos, por meio de preceptores ou empregados. Mas, como já dito, não se pode determinar esse valor como único, já que as famílias mais abastadas transferem mais cultura dita como de “bom gosto” para seu descendentes.

Para combater isso, os estudantes com outro capital cultural têm que sofrer uma “super-selecionação”, compensando a sua desvantagem original. Essa “super-seleção” não se dá apenas nos primeiros anos, com o desenvolvimento das habilidades com a língua. Ela segue os estudantes durante todo o seu percurso, com as ideias de riqueza, fineza e estilo de expressão. A questão da língua é importante, pois ela gera uma aptidão para decifrar e manipular categorias mais complexas.

O destino escolar dos alunos depende dos sistemas de valores implícitos ou explícitos da sua posição social. O destino, então, se manifesta pela vontade da família que é condicionada à posição social. Essa condição dos pais regem o futuro dos filhos, pois os pais podem contestar não só o custo dos estudos, mas a vontade dos filhos em continuar os estudos, além da chance ínfima de os filhos continuarem os estudos e ascenderem socialmente. Aí se verifica a razão de a pequena burguesia aderir mais à continuação dos estudos de seus filhos, já que eles têm mais chances de prosperar devido à sua adesão à cultura dominante. As crianças e sua família se orientam de acordo com as forças que as determinam. Mesmo que essas forças não se apresentem explicitamente.

É necessário desvendar, então, a lógica desse processo de interiorização que se converte no desempenho escolar dos jovens. As esperanças objetivas se transformam em esperanças objetivas. Esse Ethos de classe que determina o futuro escolar é uma interiorização de um futuro que atinge todos os membros de uma classe. Esse processo é um circulo vicioso, segundo o qual a “moral baixa” do meio “abaixa a moral” dos jovens. Capital cultural e Ethos se juntam, definindo atitudes frente à escola e as crianças de origem operária e campesina acabam por, normalmente, ser excluídas do sistema de ensino e do mercado de trabalho valorizado.

Qual é a responsabilidade da escola na perpetuação das desigualdades sociais?

Essa pergunta é incomoda, pois, em uma sociedade democrática, a escola foi por muito tempo considerada responsável por tornar a sociedade mais igualitária. Neste sentido, a escola se pauta por uma pretensa igualdade na sua prática. Todavia, ela só se dirige aos que tenham certa herança cultural De acordo com suas exigências, ela não só adota medidas diferentes, como ela mesma tende a menosprezar ações pedagógicas voltadas para a equalização.

Os educadores, em sua maioria, têm origem popular, mas os que são produtos de uma cultura aristocrática defendem com ardor essa cultura, talvez porque eles devam a ela seu sucesso profissional. É dessa forma que os alunos são julgados, por um pensamento aristicrático. O professor que acredita julgar, então, os “dons inatos”, mede os alunos pelo Ethos da elite cultivada: o estilo, o bom gosto o talento nada mais são do que um ethos da elite.

O ensino exige e transmite uma relação aristocrática com a cultura. A forma mais clara disso é a relação com a linguagem. Esses professores acreditam que existe uma cumplicidade nos valores culturais, o que não é verdade, se não para as elites, e classificam seus alunos de um modo discriminatório. Desta forma, a função da escola é conservar os valores que fundamentam a ordem social.

É tolice, então, acreditar que a escola contribua para apaziguar as diferenças sociais, pois, pelo seu próprio funcionamento, ela deve sancionar e consagrar as desigualdades sociais, fazendo isso de forma a parecer neutra, dizendo que existem alunos com dons e propagando o mérito.

Sendo assim, a escola transforma desigualdades de fato em desigualdades de direito, legitimando a herança cultural, levando a crer que uns têm aptidões naturais, e convencendo os outros que seu fracasso escolar se deve à sua natureza. Porém, como alguns escapam disso, eles amparam uma legitimidade à seleção escolar, dando crédito ao mito da escola democrática.

Bourdieu busca, ainda, tratar a relação pedagógica como uma relação de comunicação, e desvelar os fatores sociais e escolares do êxito da comunicação pedagógica, analisando as variações de rendimento da comunicação em função das características sociais e escolares dos receptores. Não se pode ignorar o recorte dos estudantes por outros critérios, como gênero ou origem social, por exemplo. Para fazer esse estudo, Bourdieu usa o método de exposição dedutiva, pois esse método permite que se relacione Capital linguístico e grau de seleção.

Os alunos que ascendem de uma classe inferior ao ensino superior, passam por uma seleção mais forte. O capital linguístico começa a fazer efeito nos primeiros anos de escolaridade e segue por toda a carreira acadêmica. Para Bourdieu, a língua não é apenas um instrumento de comunicação, mas é um sistema de categorias mais ou menos complexo. Para que se decifre as suas estruturas lógicas ou estéticas, depende, em certo ponto, a complexidade da língua transmitida pela família. Classes mais afastadas da linguagem escolar são mais excluídas da escola.

Também se nota que estudantes de Paris têm melhores resultados que estudantes do interior. Nos estudantes de classes mais baixa essa diferença é ainda mais explícita. Entende-se isso pelo fato dfe que, em Paris, existem mais vantagens linguísticas e culturais.

Caso se queira analisar a diferença entre homens e mulheres, deve-se entender que a situação das moças é diferente da dos rapazes. As moças, a época do estudo de Bourdieu, na França, eram duas vezes mais frequentes no estudo de letras que os rapazes. Além disso, os rapazes tinham outras faculdades mais abertas.

Bourdieu entende, então, que há uma superioridade dos rapazes nesse caso, mas busca uma resposta que invoque uma desigualdade natural. Para ele, o grau de seleção entre os sexos não é o mesmo, apesar de que pareça que se os sexos são selecionados da mesma forma. Se as mulheres se mostram mais aptas ao manejo da linguagem, das ideias, é porque tudo que as cerca é orientado por um preconceito do que a mulher deve ser. Assim, as escolhas são orientadas de acordo com esse preconceito inconsciente que leva as mulheres a optarem pela cultura de salão em oposição à cultura universitária.

Quanto às variações de seleção, estas são interpretadas a partir de um principio único com efeitos diferentes, formando uma estrutura onde o sistema das relações comanda o sentido de cada uma dessas relações.

O único modo de escapar de explicações fictícias, neste caso, é evitar tratar de forma dissociada fenômenos que aparecem como parte de uma estrutura e, em alguns momentos, como parte de um processo.

Portanto, o processo de eliminação escolar, segundo as classes sociais, vem de uma longa ação de fatores que colocam em posições diferentes as classes no sistema escolar. Esses fatores são o capital cultural e o ethos de classe. Nota-se também que esses fatores se acumulam e se convertem em uma constelação de fatores de retransmissão. Dessa forma, não se pode isolar um fator, deve-se usar todos esses fatores para construir um modelo teórico para que se possa atingir a realidade. Deve-se, portanto, evitar uma função funcionalista do ensino. As diferentes relações, de um lado,

“unem as características sociais ou escolares das diferentes categorias de receptores aos diferentes graus da competência linguística” (Bourdieu, Pierre, 2014. p.119) “e de outro lado a evolução do peso relativo das categorias caracterizadas por níveis de recepção diferentes, pode se construir um modelo que permite explicar e, numa certa, prever as transformações da relação pedagógica” (Idem, p.119)

Bourdieu nota que as transformações que ligam o “sistema escolar e a estrutura de relações de classe” transformam o “sistema das relações entre os níveis de recepção e as categorias de receptores” (referência). Com o aumento da taxa de escolarização de todas as classes sociais, a superseleção vai diminuindo sobre os que têm menos herança linguística. Paara compreender o aspecto pedagógico da crise (à época dos estudos de Bourdieu) do sistema de ensino, deveria se levar em conta o

“sistema das relações que une as competências ou as atitudes das diferentes categorias de estudantes com suas características sociais e escolares e, de outro lado, a evolução do sistema das relações entre a Escola e as classes sociais”(Idem, p.120)

De uma forma mais geral, o estabelecimento entre capital linguístico e cultural e o grau de seleção relativa deixaria que se explicassem as diferenças entre os mal-entendidos linguísticos ou culturais.

Todavia não se pode

“dar conta completamente das variações do grau de acordo linguístico entre emissores e receptores sem integrar ao modelo das transformações da relação pedagógica, as variações do nível de emissão ligadas as características sociais e escolares dos emissores” (Idem, p.128)

O crescimento do corpo docente e as transformações que a mensagem pedagógica sofre revelam a junção ou separação entre o discurso científico e os cânones que regem a relação tradicional com a linguagem. A demanda por docentes favorece docentes formados “para uma ou outra tarefa na fase anterior da história do sistema”(Idem, p.128) Isso faz com que os novos docentes busquem “adotar os sinais exteriores da competência tradicional do que a despender o esforço necessário para regular seu ensino pelas competências reais de seu público” (Idem, p.128) Numa instituição em que existem docentes mais autorizados a falar de cátedra e onde eles são mais respeitados que os assistentes e mestres assistentes (os que mais se relacionam com os alunos), é necessário correr mais riscos para satisfazer tecnicamente a essas solicitações. E, ao tentar abandonar a relação tradicional com a linguagem, faz-se com que suas tentativas pareçam primárias, já que o sistema faz parecer sinais de sua incapacidade de se conformar ao seu papel.

Portanto, a transformação do sistema escolar se dá segundo a uma estrutura e funções próprias do sistema. Essa crise é a ocasião de “discernir pressupostos ocultos de um sistema educacional e os mecanismos capazes de perpetua-lo quando os preliminares de seu funcionamento não estão completamente preenchidos” (Idem, p. 129–130). Aí é que se rompe o acordo entre o sistema escolar e seu público. O mal entendido que assedia a comunicação pedagógica só é tolerado até o momento em que a escola pode eliminar os que não preenchem suas exigências e que ela consegue obter apoio para o seu funcionamento. Para que a instituição preencha sua função de inculcação é preciso que ela transmita uma mensagem e seu receptor seja capaz de compreendê-la. Portanto, é preciso agregar em seus efeitos pedagógicos o aumento do público e o tamanho da organização, de forma que se descubra que, diante da crise desse equilíbrio, os conteúdos transmitidos de modo institucionalizado sejam adaptados ao público definido. Bourdieu acredita que, para esse sistema, o teste verdadeiro não é o numero,mas a qualidade social de seu público. Ao frustrar as expectativas dos estudantes que

“não introduzem mais na instituição os meios de preencher as suas expectativas, o sistema escolar deixa claro que exigia tacitamente um público que pudesse satisfazer-se com a instituição porque satisfazia de imediato suas exigências” (Idem, p.130–131)

Bourdieu acredita também que ao se recusar

“a emprestar ao crescimento do público uma ação que se exerceria” “independentemente da estrutura escolar, não significa conceder a esse sistema o privilégio de uma autonomia absoluta que lhe permitisse defrontar-se apenas com os problemas gerados pela lógica de seus funcionamentos e de suas transformações” (Idem, p.131–132)

Portanto, com o desvio das

“exigências implícitas do sistema de ensino e a realidade de seu público que se explicam tanto a função conservadora da pedagogia tradicional como não pedagogia quanto aos princípios de uma pedagogia explícita que pode ser objetivamente exigida pelo sistema sem entretanto se impor automaticamente na prática dos docentes porque ela exprime a contradição desse sistema e porque contradiz seus princípios fundamentais”(Idem, p.132)

Bourdieu constata, então, que não se pode estudar separadamente a população escolar e a organização da instituição ou ao seu sistema de valores. Necessita-se uma construção “do sistema de relações entre o sistema de ensino e a estrutura das relações entre classes sociais” Para que se escape a “abstrações reificantes e se produza conceitos relacionais que”(Idem , p.133)

“se integram na unidade de uma teoria explicativa das propriedades ligadas à dependência de classe ( como ethos e capital cultural) e das propriedades pertinentes da organização escolar, tais como , por exemplo, a hierarquia dos valores que implica na hierarquia dos estabelecimentos das seções das disciplinas, dos graus ou das práticas” (Idem, p.134)

Bourdieu busca saber se a relação pedagógica pode ser reduzida a uma relação de comunicação; como essa relação faz para se perpetuar, e quais são as suas condições. Quais são as condições sociais que deixam essa relação pedagógica se manter.

Bourdieu admite que a linguagem acadêmica pode ser obscura ao estudante. Toda essa obscuridade é consciente e é usada de forma que haja uma consagração do agente encarregado da inculcação conferindo ao professor uma autoridade “estatutária”.

Reduzir a relação pedagógica a uma simples relação de comunicação seria uma forma de fazer com que não percebêssemos as características que ela deve à autoridade da instituição pedagógica.

Transmitir uma mensagem implica uma definição do que deve ser transmitido, em qual código e quem deve receber essa mensagem. Bourdieu também afirma que o espaço pedagógico e a própria postura do professor dão respaldo para consagrá-lo e distanciá-lo do estudante. Porém, a linguagem é o meio mais eficaz e sutil de promover esse distanciamento.

Isso faz com que se desencoraje saber se há uma medida precisa de compreensão pelos alunos. Todavia, não impede que a responsabilidade da compreensão recaia sobre os alunos. Os estudantes são os responsáveis por não compreender a mensagem do professor. Professores, então, têm o monopólio da linguagem e o aluno se vê obrigado a compreender: essa é a lei do universo escolar. Caso o professor queira se fazer claro ao aluno, ele desmoronará a ficção que o faz ensinar ao menor custo; sua autoridade seria questionável.

Um sistema de ensino poderia perdurar, se ele não servisse, por meio da sua forma de comunicação, às classes ou grupos dos quais tira a sua autoridade?

A língua universitária não é a língua materna das classes desprivilegiadas, mas das privilegiadas. Porém, é na escola que se familiariza com essa linguagem. É nela que se aproxima dessa linguagem. Portanto, o rendimento “informativo da comunicação pedagógica é sempre função da competência linguística dos receptores,” (Idem, p. 146) a distribuição desse capital linguístico entre as classes sociais de forma desigual cria uma relação entre a origem social e, não obstante, o êxito escolar. Bourdieu afirma que

“o valor social dos diferentes códigos linguísticos disponíveis numa sociedade dada e num momento dado […] depende sempre da distância que os separa da norma linguística que a Escola consegue impor na definição dos critérios socialmente reconhecidos de correção linguística” (Idem, p. 147)

O valor no mercado escolar do capital linguístico de cada indivíduo tem a ver com a distância entre o tipo de dominação simbólica exigida pela escola e o seu domínio da linguagem.

Porém, não se pode adquirir uma linguagem sem adquirir uma relação com a linguagem. Nessa relação com a linguagem está o princípio das diferenças entre língua burguesa e língua popular. A língua burguesa tende “à abstração e ao formalismo ao intelectualismo e à moderação eufemística” (Idem, p. 147) A língua burguesa busca uma “distância elegante, o desembaraço contido e o natural afetado” (Idem, p.148), que se afasta da língua popular. A língua popular, por outro lado, apresenta uma maior expressividade estabelecida numa tendência de ir diretamente “da ilustração à parábola, fugindo da ênfase dos grandes discursos ou da afetação dos grandes sentimentos” (Idem, p.148)

É, então, de acordo com o não domínio da linguagem da escola, e nas condições sociais de aquisição da linguagem, que se distingue a posição social do locutor. Portanto, a relação com a linguagem varia de acordo com o nível social.

Dados os tipos de relação com a linguagem da classe mais alta à classe mais baixa, Bourdieu, diz que existem dois modos de aquisição da linguagem: o modo escolar e o modo da “familiarização insensível”, sendo o segundo o único capaz de dar um domínio prático da língua e da cultura de forma total.

Bourdieu afirma que, para que essa função de legitimação da cultura dominante ocorra, ela deve obter reconhecimento da legitimidade de sua ação, pelo menos pelos responsáveis dessa inculcação. Dando ao docente o direito de desviar em seu proveito a autoridade da instituição, a escola faz com que ele tenha um respeito maior pela instituição e, por isso, contribua para manter a autoridade dela. Sabendo ou não, o professor deve contribuir para “obter o reconhecimento de sua autoridade em e pela realização do trabalho de inculcação”, de modo que ele mostre a sua autoridade da sua função e da cultura que ele professa. O professor deve ter atributos simbólicos da autoridade: um desses atributos é o discurso. A instituição de ensino apoia os atributos simbólicos, de modo que se mantenha a autoridade da escola. Todavia, a escola permite uma liberdade ao docente. Essa liberdade do professor é fictícia, serve à instituição, contribuindo, assim, para uma conservação social entre classes.

Para maximizar a produtividade do trabalho pedagógico, não se deve apenas ter um espaço entre a competência linguística do emissor e do receptor, mas, ainda, deve-se ter o conhecimento das condições sociais de produção e de reprodução dessa distância. O sistema escolar deve conhecer os modos de aquisição das diferentes linguagens de classe e os mecanismos escolares que fazem essas diferenças linguísticas se perpetuarem. Nota-se, então, que só os professores objetivamente forçados a manter essa relação podem fazer parte desse jogo. Esse jogo, o do sistema escolar, deve servir a outro sistema de funções externas, a dominação de classe.

O sistema de ensino, portanto, perpetua e consagra a dominação de uma cultura sobre a outra. A cultura das classes dominantes é que é a legítima, essa cultura é imposta como legítima e só é compreendida pela classe que já tem essa cultura, exigindo do aluno que, ou ele tenha essa relação com a cultura e a linguagem dominante, ou ele será desvalorizado. Caso não haja isso, é o próprio sistema de ensino que será desvalorizado.

Bourdieu busca explicar o peso que o sistema de ensino concede ao exame na França. Para isso, ele busca se distanciar da ilusão de neutralidade e independência do sistema escolar à estrutura das relações de classe.

Na França da época do livro, o exame domina as representações e as práticas dos agentes, além da organização e funcionamento da instituição. O exame, representando os valores e as escolhas implícitas do sistema, ao impor sanções universitárias, é um dos instrumentos mais eficazes de endoculturação da cultura dominante e o valor dessa cultura.

Os diferentes tipos de provas, “são sempre ao mesmo tempo modelos regrados e institucionalizados de comunicação” (referência). Os esquemas de expressão do pensamento que se atribuiu ao caráter nacional ou as escolas de pensamento podem ser atribuídos aos modelos que organizam uma aprendizagem orientada para um tipo particular de prova escolar.

Em Durkheim, Bourdieu observa que o exame supõe “um corpo organizado de docentes que prove ele mesmo a sua própria perpetuação” (Idem p. 173) Em Weber, um sistema de exames hierarquizados só apareceu para que as organizações burocráticas pudessem fazer com que os indivíduos hierarquizados pudessem corresponder à hierarquia dos postos oferecidos. Bourdieu pondera que, se um sistema de exames assegura uma igualdade de oportunidades, então parece justo perceber a sua função social. Contudo, essa analise não é profunda e se esquece de que os exames devem seu funcionamento e função à logica do sistema de ensino. É importante notar que o exame busca herdar a cultura do passado e se autoperpetuar, e impondo uma retradução sistemática enquanto sistema.

Além disso, o sistema francês faz uma “seleção social”, buscando levar ao máximo o valor social das qualidades humanas. Para entender isso, deve-se levar em conta o passado da escola, que consegue sua autonomia na aptidão para “retraduzir e reinterpretar, em cada momento da história as exigências externas em função de normas herdadas de uma história relativamente autônoma” (Idem, p.177).

O sistema escolar não consegue impor o reconhecimento da hierarquia dos valores escolares como princípio de toda hierarquia social verbal e de valores, mas ele faz frente a outros processos de hierarquização, e quanto mais “valor” é dado a sua inculcação do valor das hierarquias escolares, maior sua autoridade. Esse poder de imposição do sistema escolar só se dará, caso as classes sociais se convertam valorando o sistema escolar, tornando assim a aquisição de dinheiro e poder submissas ao da hierarquia do sistema escolar.

Bourdieu ainda afirma que a explicação da sobrevivência do sistema escolar não pode ignorar o fato que, “em sua pedagogia e em seus exames”, existe uma função primordial, que é a autoperpetuação e a autoproteção do corpo docente, que se manifesta de modo mais declarado nos exames.

A forma mais acabada de exame é o concurso para a docência. Nele, o corpo universitário impõe o reconhecimento do título e a agregação é o título supremo. A universidade pode se proteger contra a ameaça de “baixa de nível” dos seus agregados opondo o imperativo de qualidade à necessidade.

Bourdieu conclui que não se pode julgar o estado da universidade por acontecimentos disparatados e descontínuos. Para ele, a evolução da escola tem relação com coerção externas e da coerência de suas estruturas.

Deve-se reconhecer a relativa autonomia que a escola reivindica frente as exigências externas para que se entenda sua função própria. Porém, levar ao pé da letra a autonomia escolar seria não entender “as funções sociais que preenchem sempre por acréscimo a seleção e hierarquização escolares”(Idem, p.186). Dessa forma, o culto à hierarquia, que parece puramente escolar, contribui para a legitimação das hierarquias sociais. Deve-se, então, perguntar se a liberdade do sistema de ensino, que permite manter suas próprias exigências e suas próprias hierarquias em detrimento de exigências mais patentes como a do sistema econômico, não será parte dos serviços ocultos que a escola presta a uma classe, dissimulando a seleção social, disfarçando sob uma seleção técnica e garantindo a manutenção (reprodução) das hierarquias sociais.

Se observado que a função do exame não é só prestar serviços à instituição vê-se que a maioria dos que são excluídos do sistema são excluídos antes de serem examinados, e que aqueles que aparentam ser excluídos pela seleção diferem segundo as classes sociais. Assim, alunos das classes populares têm maior tendência à eliminação do ensino secundário, renunciando a entrar nele do que eliminar-se após entrar nele. Além disso, os que são eliminados na passagem de um ciclo para outro têm mais oportunidades de entrar nas escolas que dão menos oportunidades de chegar ao nível superior, de forma que o exame, que parece eliminar os alunos, não faz nada senão confirmar essa espécie de eliminação.

A oposição entre os “acolhidos” e os “adiados” é o começo de uma ilusão sobre o sistema de ensino. A ideia de candidatos efetivos e potenciais opõe dois subconjuntos pela seleção do exame, ocultando a relação entre esse conjunto dividido pelo exame e seu complemento (os não candidatos), e excluindo a questão sobre os critérios ocultos da escolha.

As pesquisas sobre o sistema de ensino observam os que entram num ciclo e saem com sucesso, e não examinam a relação dos que saem com sucesso, e não examinam a relação dos que saem de um ciclo e entram num ciclo seguinte. Se não for observado que a desistência dos membros das classes populares se deve a funções do sistema enquanto instância de eliminação e seleção, fica-se inclinado a ver apenas uma relação de performance escolar, e a série de vantagens e desvantagens que se prendem a origem social é naturalizada. Deve-se explicar esse problema, tendo em mente o sistema das relações de classe e o sistema de ensino.

Ao se explicar que a parte da população que eliminada antes de entrar no ciclo secundário, ou durante ele, não se distribui ao acaso entre as classes sociais. Fica-se condenado a uma explicação pelas características que permanecem individuais, na medida em que não se adverte que “tais características só se manifestam na classe social e na sua relação com o sistema de ensino” (Idem, p.190). Mesmo quando não aparece imposta pela vocação ou pela inaptidão,

“ todo ato de escolha pelo qual um individuo se exclui do acesso a um ciclo de ensino ou se resigna a um tipo desvalorizado de estudos subentende o conjunto de relações objetivas entre sua classe social e o sistema de ensino” (Idem, p. 190)

Então, a probabilidade de se ter acesso a uma ou outra ordem de ensino, ligada a uma classe, é mais do que uma expressão da desigual representação das diferentes classes na ordem de ensino, considerada um artificio matemático que permitiria apenas avaliar de melhor maneira as desigualdades. Deve-se fazer uma construção teórica para explicar essas desigualdades:

“ a esperança subjetiva que leva um individuo a se excluir depende das condições determinadas pelas oportunidades objetivas de êxito próprias a sua categoria, de modo que ela se inclui entre os mecanismos que contribuem para a realização das probabilidades objetivas” (Idem, p.191).

Cabe notar que a esperança subjetiva é o

“produto da interiorização das condições objetivas que agem de acordo com o sistema de relações objetivas nas quais ela se efetua, tem como função teórica designar a interseção de diferentes sistemas de relações, as que unem o sistema de ensino à estrutura das relações de classe e as que, ao mesmo tempo, se estabelecem entre o sistema dessas relações objetivas e os sistemas das disposições (ethos) que caracteriza cada agente social (individuo ou grupo) na medida em que este se refere sempre, mesmo sem saber, quando ele se determina ao sistema das relações objetivas que o determina” (Idem, p.191).

Essa explicação pode esclarecer tanto a mortalidade escolar das classes, quanto as atitudes dos alunos de diferentes classes ao trabalho ou êxito, segundo o grau de probabilidade e improbabilidade de sua perpetuação num determinado ciclo de estudos.

Dessa forma, para explicar o processo de seleção que acontece dentro do sistema de ensino, deve-se levar em conta, além das decisões do tribunal escolar, as condenações por privação ou prorrogação que atingem as classes populares. Bourdieu admite que não é apenas a relação com a língua e a cultura levada em conta durante o ensino, e não é só o “domínio lógico das operações abstratas são função do tipo de domínio da língua e do tipo de língua adquirida no meio familiar” (Idem, p.192–193), como a organização e o funcionamento do sistema escolar retraduzem continuamente e segundo códigos múltiplos as desigualdades de nível social em nível escolar: o sistema escolar estabelece hierarquias de acordo com as matérias que vai das mais abstratas as mais concretas e essa hierarquia retraduz no nível de organização escolar. Considerando que essa hierarquia esta ligada a atração dos alunos de classes sociais. Dessa forma, mecanismo de eliminação adiada, as oportunidades de ascensão escolar se tornam numa desigualdade social, a desigualdade escolar vira uma desigualdade social

Não se pode acreditar que a democratização do recrutamento reduz à auto eliminação, já que o acesso ao secundário tem aumentado entre as classes populares. Há uma diferença entre os que passam no secundário e os que entram na faculdade.

Um sistema de ensino é tanto mais capaz de dissimular sua função social de legitimação das diferenças de classes, sob a sua função técnica, quanto pode menos ignorar as exigências do mercado. A escola produz cada vez mais indivíduos qualificados por força da sociedade moderna., Porém, a elevação de qualificação exigida pelo exercício das profissões não traz consigo a redução do desvio entre a qualificação técnica que o exame garante. Um diploma pode conferir uma raridade social independente da raridade técnica das capacidades a que o posto exige. Profissionais “iguais” podem receber mais ou menos, de acordo com o diploma que eles têm ou não. Assim, os princípios defendidos pelas burocracias modernas não conseguiram criar provas para avaliar e, principalmente, por a prova a legitimidade do diploma e as hierarquias que ele representa “quando elas parecem contradizer os seus sistemas mais patentes ao abster de pôr à prova o teor técnico dos títulos escolares de seus agentes” (Idem, p.203). As classes que detêm monopólio da cultura estão predispostas a tirar proveito da certificação e, portanto, defendem a ideologia da cultura que legitima esse efeito.

A escola tem, simultaneamente, uma “função técnica de produção e comprovação das capacidades e uma função social de conservação e consagração dos privilégios” (Idem, p.204–205). As sociedades dão ao sistema de ensino possibilidades de converter em vantagens sociais as vantagens escolares, as quais se reconvertem em vantagens sociais.

Dando cada vez mais poder de seleção à escola, em proveito das classes provilegiadas, auma ideologia de neutralidade contribui para a reprodução da ordem estabelecida.

Ao se analisar o trabalho pedagógico como forma de inculcação, ao se tentar explicar os mecanismos pelos quaisl a escola seleciona as pessoas, não se pode deixar de relacionar todas as características de sua organização e de seu público com o sistema de relações estabelecidas entre o sistema de ensino e a estrutura das relações de classe. Deve-se, então, observar os dois lados: a independência que ela pretende ter e o reflexo do sistema econômico e valores da sociedade global, para que não se deixe de perceber que sua autonomia permite à escola servir às exigências externas a ela.

Para que se possa repertoriar as funções externas do sistema escolar, as suas relações com outros sistemas, como o econômico ou o sistema de valores, por exemplo, tem-se que relacioná-los à estrutura de força que se estabelece entre as classes sociais. Desta forma, tem-se que colocar a organização universitária em relação às características sociais do público para que não se coloque o sistema escolar como o único responsável pelas desigualdades sociais. Também se deve evitar a ideia dos economistas de que a escola tem uma simples função técnica, mantendo uma única relação com a economia da sociedade. Ao mesmo tempo, também não se pode supor que, como os antropólogos culturalistas fazem, assumir que a escola tem uma única função de endoculturação da sociedade.

Não se pode reduzir o sistema escolar às suas relações entre o sistema escolar e o sistema econômico. Isto seria

“interditar-se um uso rigoroso do método comparativo, condenando-se à comparação abstrata de séries estatísticas despojadas de significação que os fatos mensurados possuem pela sua posição numa estrutura particular, servindo um sistema particular de funções” (Idem, p. 209)

Para que se apliquemos o método comparativo de maneira fecunda, tem-se que relacionar as variações da estrutura hierárquica das funções do sistema de ensino com as variações concomitantes da organização escolar, “[…] submetendo a critica dois tipos de condutas que se conciliam” (referência), pode-se construir um modelo que possibilite entender cada um dos casos como um caso particular das transformações que podem sofrer o sistema das relações entre a estrutura das funções e a estrutura da organização.

Atualmente, pergunta-se muito sobre os fins da educação. A proposta de “democratizar o acesso a Escola e a cultura” (referência) se imiscuem na linguagem da racionalidade econômica. Bourdieu se pergunta se a “racionalização econômica” e a “democratização” estão tão ligadas, como os tecnocratas gostam de pensar.

O pensamento tecnocrático propõe uma ideia de evolução unilinear e unidimensional e, por isso, acredita poder hierarquizar as diferentes sociedades ou sistema de ensino. Todavia, como os indicadores do grau de desenvolvimento do ensino são de difícil interpretação comparativa, de acordo com a especificidade histórica e social das instituições e das praticas escolares, essa abordagem se mostra falha porque, se tomada, por exemplo, a representatividade entre os sexos e as classes sociais, tem-se que tomar os sistemas de relações de que elas dependem, para evitar a comparação de coisas incomparáveis.

Vê-se que esses indicadores repousam na “produtividade” do sistema escolar, o qual reduz todos os fins ao espectro econômico. Este parece almejar qualidade e quantidade ao menor custo, tudo voltado ao mercado de trabalho. Produz-se, assim, a um menor custo, profissionais, ignorando barreiras como classe e sexo, por exemplo.

Nota-se que essa simplificação da escola, estatisticamente, só adquire sentido se se relacionar no sistema de relações o sistema escolar e a estrutura das relações de classe. Bourdieu afirma que “o rendimento econômico e social do diploma é função de sua raridade no mercado econômico e simbólico” (referência). Em países com maior analfabetismo, o diploma tende a valer mais.

Para Bourdieu,, a noção tecnocrática do “rendimento” exclui uma análise do sistema das funções do sistema de ensino. Levado ao extremo, essa análise impediria o “interesse geral”, “ao notar que nenhuma das funções do ensino pode ser definida independentemente de um determinado estado das estruturas das relações de classe” (p.216). Se os estudantes de classes diferentes são desigualmente levados a acreditar em carreiras de segunda ordem, é por que as relações entre o sistema de ensino e econômico permanecem em relação com a situação e posição de sua classe social, pelo intermédio do ethos de classe. Caso não se estabelece essa relação, o sistema de relações que comandam a relação de uma categoria com seu futuro profissional seria reduzido a um efeito mecânico de correspondência ou à não oferta e procura de trabalho.

Em Bourdieu, o sistema de ensino não pode ser reduzido à mera influência do sistema econômico, já que a produção para as necessidades da economia não detém o mesmo peso no sistema de funções. Só pela violência simbólica se pode apresentar os desejos da economia como o fundamento racional de um consenso sobre a hierarquia das funções que se oporia ao sistema de ensino.

Seria impossível que um sistema de ensino reduzido só a sua função econômica, que deixasse

“de se relacionar com uma estrutura determinada das relações de classe o sistema econômico ao qual se subordina o sistema de ensino e considerando-se como exigência econômica concebida como independente de força entre as classes, se reestabelecesse inocentemente, sob o disfarce da função técnica, as funções sociais do sistema de ensino e em particular as funções de reprodução e legitimação da estrutura das relações de classe” (Idem, p. 218)

Os exemplos de diferentes formas de educação, como a escola configuracionista (Gestalt), que pretendem não “dissociar a análise de uma cultura do estudo da transmissão cultural”, “pareceriam, à primeira vista, escapar das abstrações geradas pela ignorância das “configurações”” (referência). Porém, pode-se considerar uma cultura como uma totalidade completa e relacionar “os diferentes aspectos de uma cultura com uma espécie de fórmula geradora, “espírito de tempo” ou “caráter nacional”” (referência), sem que se ignorem as especificidades dos subsistemas, tratando deles como se únicos e dissociados de uma cultura?

Quando, ao totalizar as relações particulares, se pretende que o todo esteja em todos, ignora-se, com a especificidade e a autonomia relativa ao sistema de ensino,

“o efeito do sistema que confere sua significação e seu peso funcionais seja a uma função no sistema das funções, seja a um elemento ( organização, população, etc) na estrutura ou no devir da estrutura” (Idem, p. 220)

Bourdieu ainda afirma que a sociologia “culturalista” não analisa “os mecanismos propriamente pedagógicos pelos quais a escola contribui para reproduzir a estrutura das relações de classe ao reproduzir a desigual distribuição entre as classes do capital cultural” (Idem, p. 221). Como a sociedade é dividida em classes, tem-se que analisar os diferentes “níveis ou tipos de pratica e das relações das diferenciais das diferentes classes com essas práticas” (Idem, p. 221). Não se pode basear unicamente no princípio do sistema cultural.

Para Bourdieu, um sistema de ensino deve sua estrutura às exigências trans-históricas que

“definem sua função própria de inculcação de um arbitrário cultural quanto ao estudo do sistema das funções historicamente especificado pelas condições nas quais se realiza essa função”. (Idem, p. 221)

Não basta perceber as falhas do economicismo evolucionista e do relativismo culturalista para chegar a realidade da análise do sistema de ensino. Tem-se que ter em mente que há uma autonomia relativa desse sistema e uma dependência relativa à estrutura das relações de classe. Não se pode esquecer dessas duas características.

É necessário, então, para analisar o sistema de ensino, construir um sistema das relações entre o sistema de ensino e os outros subsistemas, sem deixar de observar as relações de classe, para que fique claro que a relativa autonomia do sistema de ensino é relacionada à uma “dependência pela especificidade das práticas e da ideologia permitidas por essa autonomia” (Idem, p. 232). O sistema escolar, apesar de sua relativa autonomia, tem certo grau de dependência em relação aos outros sistemas, ou, em relação às estruturas de classe. Portanto, deve-se analisar as condições sociais e históricas que possibilitam o acordo entre o modo de inculcação e o conteúdo inculcado. O sistema social da Escola é só uma ilusão de total autonomia em relação às exigências externas e aos interesses das classes dominantes.

Ao se considerar as condições históricas e sociais que definem os limites da autonomia que o sistema de ensino deve a sua função própria, nota-se que ele tem uma duplicidade funcional

“que se atualiza plenamente no caso dos sistemas tradicionais em que a tendência para a conservação do sistema e da cultura que ele conserva encontra uma exigência externa de conservação social” (Idem, p. 235).

Graças à sua autonomia relativa, o sistema de ensino tradicional deve o fato de reproduzir a estrutura das relações de classe. Então, a “definição da autonomia relativa do sistema de ensino em relação aos interesses das classes dominantes deve sempre levar em conta os serviços específicos que essa autonomia relativa presta à perpetuação das relações de classe” (Idem, p. 236)

Tem-se, então, que

“relacionar as propriedades de estrutura e de funcionamento que um sistema de ensino deve à sua função própria e às funções externas dessa função própria com as disposições socialmente condicionadas que os agentes (emissores ou receptores) devem à sua origem e a sua condição de classe assim como a posição que ocupam na instituição, para compreender adequadamente a natureza das relações que unem o sistema escolar à estrutura das relações de classe e elucidar” (Idem, p. 241) […] “correspondências, convergências de interesse, alianças ideológicas e afinidades entre os habitus” (Idem, p.242),

a propósito de uma relação parcial. O sistema das relações circulares une estruturas e práticas, pela mediação do habitus, como produtos das estruturas produtoras das práticas e reprodutoras das estruturas, para definir os limites da validade de uma expressão abstrata, como a do “sistema de relações entre o sistema de ensino e a estrutura das relações de classe” (Idem, p. 242). Quando se definem as condições originárias de produção das diferenças de habitus, que é a estrutura das relações de classe,

“entendida como campo de forças que se exprime simultaneamente em antagonismos diretamente econômicos ou políticos e num sistema de posições e oposições simbólicas, proporciona o princípio explicativo das características sistemáticas que reveste, nos diferentes domínios de atividade, a prática dos agentes de uma determinada classe, mesmo se essa prática deve em cada caso sua forma específica às leis próprias de cada um dos subsistemas considerados” ( Idem, p. 242- 243).

Assim, ao não se notar que é só pela condição de classe que se ergue a relação entre os diferentes subsistemas, fica-se exposto a reificar estruturas abstratas, “reduzindo a relação entre esses subsistemas à fórmula lógica que permite reencontrar não importa qual dentre eles a partir de um deles” (Idem, p. 243)

Se as relações entre a escola e as classes sociais parecem estar em harmonia, “é que as estruturas objetivas produzem os habitus de classe” (Idem, p. 244), permitindo o funcionamento e a perpetuação das estruturas.

“Só uma teoria adequada do habitus como duplo processo de interiorização da exterioridade e da exteriorização da interioridade permite esclarecer completamente as condições sociais do exercício da função de legitimação da ordem social que, de todas as funções ideológicas da Escola, é sem dúvida a mais dissimulada” (Idem, p. 244)

Para que fique claro que os efeitos sociais das ilusões implicadas no sistema das relações entre o sistema de ensino e a estrutura das relações de classe não são ilusórios, tem-se que lembrar que “a legitimação da ordem estabelecida pela escola supõe o reconhecimento social da legitimidade da escola” (Idem, p.246). Esse reconhecimento se dá, por sua vez, pelo desconhecimento da delegação de autoridade que fundamenta essa legitimidade. “Assim, o sistema de ensino tende a produzir, pela dissimulação da verdade objetiva de seu funcionamento” (Idem, p. 246).

A função mais dissimulada e específica do sistema de ensino é esconder sua função objetiva, ou seja, dissimular a verdade objetiva de sua relação com a estrutura das relações de classe (Idem, p. 248). Essa dissimulação faz com que sejam convencidos os deserdados, de que eles devem seu destino escolar e social à ausência de dons ou méritos “quanto em matéria de cultura a absoluta privação de posse exclui a consciência da privação de posse” (Idem, p. 251)

Já para entendermos o acesso as universidades brasileiras não podemos acreditar no mito da neutralidade dos processos seletivos. A população de baixa renda tem muito menos acesso à essa etapa que a população de renda alta. Seria ingênuo pensar que o êxito no vestibular pode ser atribuído às diferenças de capacidades, dons e méritos pessoais.

O processo de avaliação sempre remonta à uma relação social que coloca o professor e as instituições escolares de um lado e o aluno e sua família de outro, dito de uma maneira simples. A escola portanto define quem fracassa e quem tem êxito nesse jogo.

Bourdieu se foca nesse jogo, para ele a diferença das posições sociais dos pais correspondem a diferença das posições sociais/escolares dos filhos e esse caminho segue num ciclo vicioso, numa reprodução dessas diferenças.

Nosso autor, então, acredita que a cultura escolar tomada como legítima é a da classe dominante, dizendo com isso que os gostos, as crenças e valores cobrados pela escola são aqueles que as classes dominantes determinam.

Sendo, portanto, tolice acreditar que os indivíduos competem em condições igualitárias na escola, somos levados a pensar que a maior aproximação da cultura escolar (da classe dominante) leva à uma melhor colocação no sistema de ensino, não podemos esquecer também que a bagagem escolar vem dos componentes objetivos (externos aos indivíduos) e também de sua subjetividade.

O capital econômico das classes altas se transforma, então, em capital cultural para seus “herdeiros”.

Quanto ao atual sistema socioeconômico podemos notar que ele promete e nega o sucesso escolar, esse sistema é meritocrático por natureza e faz com que as crianças sejam moldadas desde cedo para passar no vestibular. Aqui tratamos o Enem como principal forma de acesso à graduação superior.

O Enem, criado em 1998, era inicialmente uma prova para medir o desempenho dos alunos do Ensino Médio, com o tempo foi tomando rumos diversos e o principal objetivo de hoje é o de uma prova para admissão nos cursos de graduação no ensino superior, tornando-se o maior “vestibular” do Brasil, de acordo com alguns dados do INEP, 2013 ( em 1998, 157.221 pessoas se inscreveram nele e em 2013, 7.173.574 alunos se inscreveram nele).

Isso, de maneira nenhuma, fez com que o Enem democratizasse o acesso ao ensino superior, já que apesar de o aluno de classe baixa tenha acesso ao “vestibular” de inúmeras faculdades, ele não tem as mesmas chances que os alunos de classe alta que fazem a mesma prova, ele não é capaz, somente com essa alternativa, de subverter a ordem desse sistema perverso. Logo, se torna mais uma vez clara a diferença entre alunos com maior Capital Cultural e alunos com menor Capital Cultural.

O Enem ainda por ter abrangência nacional fez com que se polarizasse os melhores estudantes, que vão para as melhores instituições de ensino superior do Brasil, sobrando aos outros instituições de ensino superior mais precárias.

Nota-se então que não bastou o surgimento do enem para que a educação se tornasse democrática , ele, por um lado fez o papel inverso comprovando as teorias de Pierre Bourdieu.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As analises critico reprodutivistas, dentre o qual Bourdieu é um dos maiores expoentes, chegam desmistificando o mito de que a Escola Republicana reforma e democratiza as diferenças sociais. Mas por outro lado ao fazer essa desmistificação nos abre as portas para enxergarmos o mundo de uma maneira mais realista e complexa. Sanar o problema da educação enquanto forma de reprodução das desigualdades se torna então um grande e novo problema.

No Brasil podemos notar, como posteriores a esta analise, as teorias histórico-criticas dentre os quais o pensador mais famoso é Dermeval Saviani.

Este publica em 1983 a sua obra “Escola e Democracia”, onde cita o problema da marginalização escolar citada pelos crítico-reprodutivistas e desvenda a Violência simbólica que , numa analogia, paralisa a classe dominada e a impede de lutar por uma condição mais digna de vida , através das regras do jogo (ou mercado de trabalho).

Todavia o desvelamento de Bourdieu se faz fundamental, ele não propõe uma solução. Saviani, sim. Dentre as quais a idéia de que a democracia no ensino é um engodo… Não nos cabe aqui abordar esse pensador, mas é importante pensar em soluções para que não fiquemos engessados na teoria bourdieusiana.

REFERÊNCIAS

BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2003.

BOURDIEU, P. (org). A Miséria do Mundo. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.

BOURDIEU, Pierre. Pierre Bourdieu : socioiogia I organizador [da coletinea] Renata Ortiz ; [tradução de Paula Montero e Alicia Auzmendi], — Slio Paulo : Atica, 1983.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992

NOGUEIRA, Maria Alice Nogueira; Catani, Afrânio. (Orgs.) (1998). Pierre Bourdieu. Escritos em Educação. Petrópolis: Vozes.

SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 34. ed. rev. Campinas, Autores Associados, 2001. (Col. Polêmicas do Nosso Tempo; vol. 5).

Qual a visão de Durkheim sobre a educação?

Para Durkheim, a educação teria como função substancial transmitir o legado sociocultural de um determinado contexto, tendo como resultado um processo de socialização que possibilitaria a constituição do que ele denomina de “ser social”.

Quais os princípios da sociologia da Educação de Durkheim?

Para ele, "a educação é uma socialização da jovem geração pela geração adulta". E quanto mais eficiente for o processo, melhor será o desenvolvimento da comunidade em que a escola esteja inserida. Nessa concepção durkheimiana - também chamada de funcionalista -, as consciências individuais são formadas pela sociedade.

O que defende o Durkheim?

Durkheim defende que o melhor método para se explicar a função do “fato social” na sociedade, seria através da observação, de maneira semelhante ao adotado pelos cientistas naturais, levando-se em conta, entretanto, que o objeto do estudo dentro da Sociologia tem peculiaridades próprias, distintas dos fenômenos ...

Quem é o pai da sociologia da educação?

Durkheim, importante sociólogo e pai da sociologia da educação, afirmava que a construç... Durkheim, importante sociólogo e pai da sociologia da educação, afirmava que a construção do ser social se dava com a assimilação de princípios morais, religiosos e éticos.