Qual a relação entre o projeto profissional e o trabalho assalariado do assistente social?

O Serviço Social no âmbito das políticas sociais: discutindo as tensões entre projeto profissional e trabalho assalariado

Carla do Nascimento Santos Morani1 Senir Santos da Hora2

Resumo

O presente artigo explicita as mudanças na esfera pública e como estas incidem na con- cepção, organização e gestão das políticas sociais. Nesse sentido, serão analisadas as im- plicações dessas mudanças no trabalho do assistente social frente à organização e às atuais racionalidades dos processos de trabalho no âmbito das políticas sociais, com escopo de compreender as demandas e os desafios encontrados para a consolidação do projeto ético-

-político do Serviço Social.

Palavras-chave

Políticas Sociais; Trabalho; Serviço Social; Projeto ético-político.

The social service within the social policies: a discussion of the tensions between professional design and wage labor

Abstract

This article explains the changes in the public sphere and how these affect the design, organization and management of social policies. In this sense, it is necessary to analyze the implications of these changes in the work of social workers across the organization and current rationales of work processes within the social policies, in order to unders- tand the demands and the challenges for the consolidation of ethical project -political of Social Work.

Keywords

Social Policy; Labour; Social Service; Ethical-political project.

Introdução

Com a sociedade do capital, o trabalhador assalariado se submete à alienação das condições objetivas do trabalho social, na medida em que perde, automatica- mente, o controle sobre a produção de sua vida material.

Tomamos como referência essa análise sobre a alienação do trabalho para a compreensão do trabalho do assistente social e as possibilidades e limites de efetivação do projeto profissional do Serviço Social frente às condições de assa- lariamento de seus profissionais.

Ao mesmo tempo em que o capitalismo se metamorfoseia, determinando transformações na organização da produção e na gestão do trabalho, essas mudanças provocadas pela recomposição do capital também atingem as rela- ções que se estabelecem na sociedade, e com elas o assistente social também tem sido impactado, seja pelas formas de enfrentamento das novas expressões da questão social, seja pelas novas configurações dos espaços sócio-ocupacio- nais e ainda pelas condições sociais que circunscrevem o seu trabalho (IAMA- MOTO e CARVALHO, 2012).

Portanto, precisamos compreender o caráter contraditório do trabalho do assistente social frente aos interesses de classes e a possibilidade de reafirmação de um projeto profissional prioritário aos interesses da classe trabalhadora, sem confundirmos a profissão enquanto militância política com uma missão idealista e sem cairmos na discussão do socialismo utópico. Afinal, mesmo tendo como usuário a classe trabalhadora, o assistente social também está submetido às deter- minações das instituições empregadoras, a fim de atender as suas demandas, pois é isso que marca o seu perfil de assalariado.

Diante do exposto, o artigo ora apresentado aborda os elementos que defi- nem a atual precarização do trabalho do assistente social, frente à organização e às atuais racionalidades dos processos de trabalho no âmbito das políticas sociais.

As determinações do trabalho do assistente social na atualidade frente à organização das políticas sociais

Partimos da consideração de que o surgimento e a requisição das profissões estão relacionados aos processos de transformação econômica, política e social do capitalismo.Tal realidade se apresenta na atualidade mediante as transforma- ções ocorridas no mundo do trabalho e em específico na relação entre Estado e sociedade civil, que vem trazendo mudanças nas relações sociais de produção e reprodução da vida social.

Nos marcos da reestruturação dos mecanismos de acumulação do capitalis- mo mundializado, os anos de 1980 e 1990 foram anos adversos para as políticas sociais e se constituíram em terreno particularmente fértil para a entrada do ideário neoliberal no Brasil, que veio tirando a base dos sistemas de proteção social e redirecionando as intervenções do Estado em relação à questão social. Sua opção de intervenção social passa pelo apelo à filantropia e à solidariedade da sociedade civil, e por programas seletivos e focalizados de combate à pobre- za e à mercantilização dos serviços sociais, favorecendo assim a capitalização do setor privado (SOARES, 2003).

Não desconsideramos aqui a importância do avanço e a conquista de no- vos espaços de atuação. Contudo, defendemos que não podemos descuidar, em meio a esta realidade, da qualidade da atuação profissional. Portanto, a catego- ria profissional enfrenta o desafio de decifrar algumas lógicas do capitalismo contemporâneo. Novas questões se colocam para o Serviço Social, seja na sua intervenção, seja na construção de conhecimentos. São questões ligadas às mu- danças ocorridas no mundo do trabalho e nos processos desestruturadores dos sistemas de proteção social e da política social.

Almeida (1996) considera que as políticas sociais são espaços em que se or- ganizam a prestação de serviços3 a partir de processos de trabalho coletivos nos quais se inserem os assistentes sociais, sejam eles no espaço público ou privado. Assim, segundo o autor, o trabalho do assistente social não pode ser pensado descolado dos processos sócioinstitucionais e de suas determinações, que estão intrinsecamente relacionados à dinâmica entre Estado e sociedade civil.

O processo de reforma administrativa, a partir dos anos 1990, incidiu em propostas de mudanças no papel do Estado, sob o argumento de tornar a ad- ministração pública mais gerencial, flexível, eficiente e mais cidadã, porém, o que se verificou foi a privatização, a terceirização e a publicização das políticas sociais. Com reformas econômicas orientadas para o mercado, há uma grada- tiva redução da máquina pública na operacionalização dos serviços, criando possibilidades de parcerias com o setor privado, numa clara tendência de de- sestatização dos serviços prestados à coletividade.

Em relação ao Serviço Social, enquanto profissão determinada socialmen- te, inscrita na divisão social e técnica do trabalho, também vem sofrendo os impactos da crise estrutural capitalista. Se a política social, que nos termos de Montaño (2007, p. 244) é a “base de sustentação funcional ocupacional do assis- tente social” ou ainda, o terreno/meio de atuação que define a nossa condição

de profissional assalariado, isso significa que não estamos neutros e nem desco- lados desse contexto de retração e regressão dos direitos (IAMAMOTO, 2007).

As relações sociais e as condições de trabalho do assistente social refletem os rebatimentos das transformações operadas na esfera produtiva e estatal. Es- sas características do mundo do trabalho contemporâneo – polivalência, tercei- rização, subcontratação, queda salarial, crescimento de contratos de trabalhos temporários, desemprego – afetam não só outras profissões, mas também é uma realidade em que se enquadra o Serviço Social, pois nossa profissão não está descolada do que acontece no mundo do trabalho.

Na esfera estatal, a forma de inserção do assistente social mediante a reali- zação de concursos públicos vem sendo modificada pelo aumento das contra- tações temporárias e da terceirização das atividades profissionais via cooperati- vas, fundações, entidades filantrópicas e organizações não governamentais, que corroboram a grande tendência de precariedade das relações e condições de trabalho, e, ainda, as contradições e tensões no campo das políticas públicas, do ponto de vista de suas racionalidades4.

Os espaços de atuação profissional são dotados de racionalidades e funções distintas na divisão social e técnica do trabalho. Por isso, entender o trabalho do assistente social nos diferentes espaços sócio-ocupacionais pressupõe entender a profissão em suas particularidades (ALMEIDA e ALENCAR, 2011).

O trabalho do assistente social é atravessado por determinações, que neces- sitam ser compreendidas para além do aparente. A apreensão dessas determina- ções na sua essência significa compreender a profissão na totalidade das relações sociais (IAMAMOTO, 2012).

A primeira determinação do trabalho do assistente social diz respeito a sua inserção no trabalho coletivo, em relação aos demais profissionais, pois o nosso trabalho não é um trabalho isolado. Entender a divisão do trabalho pressupõe entender essa divisão indissociável à produtividade, à cooperação do trabalho humano, porque supõe uma forma histórica e social de produção de mercadoria, isto é, o produto final depende da cooperação de diferentes trabalhadores. Não podemos pensar a sociedade a partir dos indivíduos. Pre- cisamos sair do empirismo e perceber o coletivo circunscrito nas relações sociais (Idem, 2012).

Essa análise nos permite entender que o trabalho do assistente social tam- bém se submete às mesmas condições comuns a todos os demais trabalhadores assalariados na sociabilidade do capitalismo avançado (IAMAMOTO, 2007).

Na contemporaneidade, evidenciamos várias categorias de trabalhadores que compartilham da mesma precariedade do emprego e da remuneração, que marca a expansão do trabalho parcial, temporário, precário, terceirizado, pre- sente na sociedade dual do capitalismo avançado e que tem seus rebatimentos no trabalho do assistente social.

A segunda determinação do trabalho do assistente social implica entender a sua inserção em um espaço ocupacional ou ainda em um processo de trabalho que expressa o trabalho em geral do assistente social.

Em relação ao trabalho, em geral, do assistente social, vale ressaltar o pres- suposto de Iamamoto (2007) de que o Serviço social não possui um processo de trabalho próprio. Existem sim, diferentes processos de trabalho, nos quais se inscreve o assistente social na condição de trabalhador assalariado. Então não existe um único modelo universal em todos os espaços ocupacionais, onde a profissão é vista em uma perspectiva endógena e enquanto atividade isolada do indivíduo. Quando atribuímos à profissão um processo de trabalho próprio, é como se pensássemos o projeto profissional ao nível da intencionalidade, ca- pacidade ou vontade do profissional, sem considerarmos a sua relação com o trabalho assalariado (IAMAMOTO, 2007).

No Brasil, vários estudos mostram que tivemos um aumento expressivo da precarização das relações de trabalho e a alta rotatividade de trabalhadores. A pesquisa desenvolvida pelo Conselho Federal de Serviço Social, em parceria com a Universidade Federal de Alagoas (CFESS/UFAL, 2005) sobre o mercado de trabalho do assistente social, revela, através de dados, uma inserção na esfera pública correspondente a 78,16% desses profissionais. A pesquisa demonstra, entretanto, que nem todos os assistentes sociais que atuam em instituições de natureza pública estatal mantêm vínculos estáveis. Em relação ao tipo de vínculo empregatício, observa-se que 55,58% possuem vínculo como estatutário, já em relação a outros vínculos empregatícios não estáveis, verificou-se que 27,24% são celetistas, 9,1% são contrato temporário e 5,84% serviços prestados. Com as mudanças na administração pública, as formas de organização e a gestão do trabalho também são alteradas sob novos dispositivos legais e jurídicos.

A pesquisa “Assistentes Sociais no Brasil”, realizada em 2005 pelo CFESS/ UFAL, confirma que mesmo em meio às formas de contratações precárias, a tendência de inserção do Serviço Social em instituições de natureza pública é de quase 80% da categoria. A saúde, a assistência social e a previdência social são as áreas que mais empregam os profissionais assistentes sociais.

A precarização do trabalho de assistentes sociais se materializa em várias áreas de atuação no âmbito da esfera estatal, porém pesquisas demonstram que a assis- tência social e a saúde são as duas maiores.

A política de saúde tem sido alvo de fortes tentativas de quebra da univer- salidade do acesso, da privatização dos serviços e da montagem de modelos de gestão pautados na precarização dos contratos de trabalho, sem quaisquer garan- tias legais. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS - (2008), os investi- mentos em assistência à saúde no Brasil são parcos. A despeito de ser considerado o 7º maior PIB (Produto Interno Bruto) do planeta no financiamento público em saúde, nosso investimento é 40% mais baixo do que a média internacional. O resultado é a falta de medicamentos, a ausência de condições de trabalho, de orçamento e de capacidade de absorção das demandas, o que se evidencia nas longas filas de espera por uma consulta ou internação.

A saúde vem passando por um processo de sucateamento dos serviços públicos em função da priorização dos investimentos em diversas formas de privatização, por meio de transferência da gestão para entes privados, como as Organizações Sociais (OSs) na atenção básica municipal e nas Unidades e programas estaduais; as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento); e a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) nos hospitais federais, universi- tários e institutos e fundações.

Com a Programação Orçamentária e Financeira para o ano de 2015, percebe-

-se que a política de saúde é a segunda pasta que mais sofreu com o ajuste fis- cal, com a estimativa de redução de despesas para a Saúde de aproximadamente 11,77 bilhões em seu orçamento, além de redução de despesas de outras áreas, como a Educação, que teve o terceiro maior corte, de R$ 9,42 bilhões, e o De- senvolvimento Social e Cidades. Esse limite vai permitir que a União alcance o superávit primário de R$ 55,3 bilhões dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, conforme prevê a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2015.

Na política de assistência social, um dado que expressa a precarização é a au- sência de concurso público para trabalhadores e trabalhadoras do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), por parte dos municípios brasileiros, o que torna perti- nente a contratação de assistentes sociais, por meio de processo seletivo simplifica- do. Muitos desses vínculos são precários, sem garantias de direitos, que corroboram a grande tendência da precarização das relações e condições de trabalho.

O Censo SUAS (2013), ao abordar os dados da pesquisa sobre os recursos humanos, apresentou que houve uma diminuição progressiva do contingente

de profissionais, passando de 19.785 em 2010 para 14.742 em 2013, dado este que expressa o não cumprimento das responsabilidades que os Estados deveriam cumprir na Política Nacional de Assistência Social.

Além disso, evidenciam-se no Censo SUAS (2013) um aumento significativo dos profissionais com outros vínculos no período de 2010 a 2013, que se refere, segundo os critérios utilizados, aos consultores, servidores cedidos por outros órgãos públicos, terceirizados, estagiários, etc. Outro ponto a se considerar é que, dentre as categorias profissionais mais encontradas como força de trabalho no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Es- pecializado de Assistência Social (CREAS), os assistentes sociais foram a maioria. Contudo, a apresentação do grande contingente de assistentes sociais inse- ridos nos equipamentos do SUAS não retrata a qualidade dos serviços presta- dos nesses espaços, pois conforme expôs Guerra no Seminário Nacional sobre o trabalho do assistente social no SUAS realizado em 2009 e publicado pelo CFESS em 2011, ao tratar sobre as Condições de Trabalho e Projeto Ético-

-Político Profissional, a intervenção que vem sendo solicitada para o assistente social é pragmática, imediatista e pontual.

Outra questão a se considerar e que foi ressaltada por Guerra (2011) são as formas de contratação do seu trabalho no SUAS, que na maioria das vezes são precárias, como: por Recibo de Prestação de Serviços como Autônomo (RPA), por terceirização via Prefeitura, via ONGs ou outras instituições, o que de- monstra claramente as dificuldades que o trabalho do assistente social apresenta nesse campo.Tal realidade se expressa nos dados apresentados sobre os tipos de vínculo no Censo SUAS (2013).

Diante do exposto, percebe-se que nesses espaços de atuação profissional o assistente social vem sendo desafiado pela subordinação do conteúdo do seu tra- balho aos objetivos e necessidades das entidades empregadoras, levando o mesmo a exercer um trabalho muito mais gerencial-pragmático do que pedagógico.

É por isso que precisamos buscar estratégias de alargamento da nossa relati- va autonomia - estratégias que expressem o domínio teórico-metodológico do fazer profissional frente às determinações externas e aos incidentes no mundo do trabalho. Mas isso requer de nós a decisão de ultrapassar a “política insti- tucional do dia-a-dia”, do pragmatismo, da prática imediata, manipuladora e burocratizada (IAMAMOTO, 2007).

Falar sobre as determinações do trabalho do assistente social também pressu- põe entender como a profissão intervém nas diferentes manifestações da questão

social. Porque no enfrentamento da questão social, em suas mais agudas ma- nifestações, o assistente social depara-se com diversas estratégias que têm sido tensionadas por projetos sociais distintos, que vão ter seus rebatimentos na estru- turação e implementação das políticas sociais públicas.

Com a contrarreforma do Estado marcada pela defesa da privatização, com redução da responsabilidade pública no atendimento às necessidades sociais dos indivíduos, em favor da sua mercantilização, o Estado neoliberal vem cada vez mais desarticulando direitos sociais e provocando a radicalização da questão social. Nesse sentido, a profissão também vem sofrendo essas inflexões, com ex- pressivas alterações nas demandas de trabalho e no próprio mercado de traba- lho, no qual o assistente social se insere pela mediação das condições de assa- lariamento, em um contexto de redução de direitos e de relações de trabalho

precarizadas (IAMAMOTO, 2007).

As atuais racionalidades, tendências e organização dos processos de trabalho e o Serviço Social

O trabalho do assistente social insere-se em processos de trabalho, prioritaria- mente, nos serviços sociais voltados para as demandas coletivas de reprodução social, e o Estado, como maior empregador da categoria5, vem fomentando, na atualidade, alterações no mercado de trabalho dos assistentes sociais de diferentes formas.

O assistente social, quando se insere na esfera estatal, muitas vezes representa as funções política, ideológica e econômica do Estado em relação aos processos de distribuição do valor materializado na forma de serviços sociais, porém, mui- tas vezes, o profissional termina por assumir o papel deste Estado6, no sentido de garantir o acesso aos direitos, assumindo o papel seletivo, focalizado, seguindo à risca a condicionalidade dos programas, dos benefícios e dos serviços.

No âmbito dos serviços, que integram o efeito útil de um valor de uso voltado para a reprodução material da força de trabalho através de políticas sociais pú- blicas e privadas, também ocorre o incremento de tecnologias de gerenciamento que imprimem maior produtividade, seguida pela lógica da diminuição dos cus- tos. O setor de serviços tende a estar impregnado pela mesma lógica racionali- zadora do trabalho na indústria. A racionalização do trabalho nos serviços vem seguida pela lógica da produtividade, da diminuição dos custos, da terceirização e da precarização do trabalho, que aponta para um sistema de contratação via cooperativas e modalidades variadas de contratos temporários, sem quaisquer garantias legais (BARBOSA, CARDOSO e ALMEIDA, 1998).

Como afirma Costa (2010), os serviços na atualidade, ao repercutirem na estru- tura produtiva, também são funcionais no processo de acumulação do capitalismo, pois nunca estiveram descolados, mesmo que de forma residual, do processo de cir- culação e valorização das mercadorias, como é o caso do comércio, dentre outros. A expansão dos serviços, segundo Costa (2010), representa a expansão das atividades necessárias à reprodução da força de trabalho e à continuidade do pro-

cesso de acumulação e valorização do capital.

A mudança do papel do Estado na redução de produção de bens de consumo coletivo, no âmbito dos serviços de educação, saúde e assistência indispensá- veis à reprodução da força de trabalho, abriu precedentes para a transformação desses serviços enquanto espaços de valorização do capital, por meio da priva- tização e da terceirização.

Costa (2010) sinaliza a grande tendência de expansão dos serviços considera- dos como de consumo coletivo para os trabalhadores (serviço de saúde, educação, previdência e assistência social) na atualidade, que vem sendo cada vez mais in- corporado ao processo de mercantilização no modo de produção capitalista, por meio de um processo de privatização, terceirização e publicização das políticas sociais. Isto é, as necessidades de consumo vão se constituindo enquanto um gran- de pressuposto de expansão do processo de acumulação. Temos, como exemplo, a expansão dos sistemas privados de educação, de seguros de saúde e previdência, que expressam a substituição do valor de uso dos serviços que deveriam atender as necessidades de reprodução da vida do trabalhador e de sua família, mas que passam a se constituir enquanto expressão dos interesses da iniciativa privada, com vista à lucratividade do capital.

Para Borges (2013), a compreensão da ocupação e do emprego nos serviços sociais precisa levar em consideração a análise sobre as repercussões das transforma- ções do papel do Estado frente à gestão das políticas sociais e às novas condições e relações de trabalho. Com o modelo neoliberal, o Estado busca aperfeiçoar as con- dições de rentabilidade do capital, minimizando sua atenção às demandas sociais.

Borges (2013) assevera que os mercados de trabalho da era da acumulação flexível sofreram os impactos da reestruturação produtiva e da desregulamenta- ção neoliberal, com expressões na queda absoluta e relativa do emprego formal estável (com carteira assinada), e o aumento do emprego instável, precário e mal remunerado e do trabalho por conta própria. Isso sem mencionar o enxuga- mento, a contenção dos salários e a flexibilização das formas de contratação de trabalhadores no setor público de educação, saúde e assistência.

A autora sinaliza que a reestruturação produtiva e a reforma do Estado im- pactaram os Serviços Sociais de tal forma que resultou na expansão do setor privado, através de privatizações e de reforma administrativa, que extinguiu inú- meros postos de trabalho em benefício do mercado, cujo objetivo apontava para a redução de custos e para a elevação dos ganhos de produtividade.

Borges (2013) destaca que o Estado brasileiro, nas três esferas de governo, tem sido o principal indutor do processo de precarização do trabalho, no âmbito dos serviços de educação, saúde e assistência. Diretamente, o Estado interfere na política de recursos humanos, quando este é o principal empregador, ou ainda indiretamente por meio da “terceirização, da compra de serviços ou de subsídios e isenções fiscais”, quando financiador das políticas sociais executadas tanto pelo setor privado, quanto por organizações sem fins lucrativos.

O assistente social, ao vender a sua força de trabalho enquanto meio de garantia de sua subsistência, assim como qualquer trabalhador submetido ao regime econô- mico capitalista, também fica alienado do “controle sobre os meios de produção do seu trabalho, submetendo-se às normas regulatórias e hierarquias administrativas que organizam os serviços” (BARBOSA, CARDOSO e ALMEIDA, 1998, p. 118). É no setor de serviços, principalmente aqueles serviços sociais voltados para as demandas coletivas de reprodução social, que o assistente social se in- sere prioritariamente. E como trabalhador assalariado, o assistente social se submete aos mesmos constrangimentos inerentes ao conjunto da classe traba-

lhadora, inserido no setor dos serviços.

No campo da Saúde, Costa (2009) apresenta as particularidades do trabalho do assistente social nos serviços públicos de saúde em Natal, mostrando que a imprecisão da profissão, por parte de muitos assistentes sociais, neste campo, perpassa pela desconsideração de que o trabalho do assistente social, como tantas profissões, sofre as mesmas determinações sociais do conjunto da classe trabalha- dora na sociedade capitalista.

A autora ressalta a incorporação do trabalho do assistente social na dinâmi- ca do processo de cooperação, isto é, enquanto parte do trabalho coletivo nos serviços de saúde, a fim de mostrar que a organização e o funcionamento dos serviços públicos de saúde pressupõem especialização, saberes e habilidades con- substanciadas na rede de atividades e hierarquias. Porém, mesmo considerando as características gerais do processo de trabalho, sob o capital, desenvolvido nos serviços de saúde, não deixa de destacar algumas singularidades da particularida- de do trabalho na área dos serviços.

Nos serviços de Saúde, segundo Costa (2009), a força de trabalho possui um efeito útil particular, porque se destina ao consumo dos serviços ou mercadorias (medicamentos e equipamentos) pelo usuário. Ainda se torna objeto de mercanti- lização, mesmo que o trabalho não seja consumido com a finalidade de gerar mais valia, pois as relações mercantis são estabelecidas na forma de consumo por parte dos usuários dos serviços e também no “assalariamento dos trabalhadores do setor”. Almeida e Alencar (2011), ao fazerem a análise sobre a tendência e a organi- zação dos processos de trabalho nas políticas setoriais, expõem que o reordena- mento na gestão das políticas sociais setoriais na contemporaneidade, com seus processos de descentralização, de territorialização e de intersetorialidade insta- lados na organização do trabalho dos espaços institucionais em que essas políticas sociais vêm se configurando, reguladas pelas legislações e Normas Operacionais Básicas, ainda não consolidaram as políticas públicas, redes e serviços sociais que

efetivem os direitos sociais e a cidadania da população usuária.

Nos serviços de Saúde, evidencia-se uma relação direta entre produção e con- sumo, entre trabalhador e usuário dos serviços, pois este último não é apenas consumidor, mas co-participante do processo de trabalho. Ainda, assistimos nos serviços de saúde a dificuldade de precisão dos resultados, por não se tratar de uma intervenção sobre coisas (COSTA, 2009).

No que se refere à inserção do assistente social no campo da saúde, identi- fica-se o aumento de sua contratação nos níveis de atenção média e alta com- plexidade do SUS, como: hospitais e/ou maternidades, ambulatórios, clínicas especializadas, Unidades de Pronto Atendimento (UPA´s) ou no interior de se- cretarias de saúde e unidades de saúde mental. Nesses serviços, o assistente so- cial vem sofrendo os impactos diretos da flexibilização nas relações de trabalho sob a formatação da terceirização, com as privatizações dos serviços públicos e os ataques à Seguridade Social pública.

Dahmer (2004), ao apresentar o processo de flexibilização das relações de trabalho na área de saúde pública na década de 1990, reiterou sua análise crítica sobre o processo de reforma informal7 do Estado nas políticas públicas e suas inflexões, com a desqualificação do atendimento ao público, com a gestão da força de trabalho em saúde através da estratégia de terceirização, acompanhada da perda de direitos trabalhistas, sociais e previdenciários dos trabalhadores e de sua desarticulação política.

Essa realidade é comprovada com a pesquisa de Silveira (2011) sobre as condições precárias de inserção sócio-ocupacional desses profissionais no se-

tor público do Estado do Rio de Janeiro, cujas características apontam para a presença significativa de vínculos de trabalho não estáveis, principalmente na esfera municipal; a rotatividade dos profissionais no mercado de trabalho; e a tendência da terceirização de pessoal pela via da contratação de cooperativas, fundações, entidades filantrópicas e organizações não governamentais, parale- lamente à perda dos direitos trabalhistas e sociais.

Em relação à política de assistência social, percebe-se a frágil capacidade institucional e financeira dessa política, no tocante às fortes debilidades re- ferentes à infraestrutura e à constituição do quadro de recursos humanos8. É evidente a dificuldade encontrada por muitos municípios na potencialização dos diferentes serviços de proteção social básica e/ou especial, pois a opera- cionalização do SUAS vem esbarrando nas fragilidades referentes à estrutura e à infraestrutura dos CRASs e CREASs e da constituição do quadro de recursos humanos (MONNERAT e SOUZA, 2011a).

Com a ausência de um corpo técnico concursado, torna-se possível a frag- mentação dos trabalhadores, sob a formatação dos contratos temporários e dos contratos comissionados, o que dificulta a continuidade das experiências de im- plementação de programas e ações no campo da assistência social, e ainda difi- culta “a sedimentação de uma memória técnica setorial, além dos problemas re- lativos à interveniência do clientelismo” (MONNERAT e SOUZA, 2011, p. 46). Nas condições e relações atuais do exercício profissional, na área dos ser- viços, assistimos também a persistência da lógica mercadológica que vem re- dimensionando as políticas sociais sob a lógica da racionalidade orientada para valorização do capital, com concepções de eficácia, eficiência, produtividade e competência. Há uma interferência da lógica do capital no conteúdo e re- sultado do trabalho do assistente social, que se limita, muitas vezes, ao mero cumprimento de normas e rotinas burocráticas e metas institucionais, com exigências claras de competência, ritmo e intensidade no trabalho, no âmbito

insuprimível do cotidiano.

Não obstante, precisamos romper com a lógica do “imediatismo simplista”, do apenas “executa” sob uma lógica de atendimento quantitativo sem comprome- timento com a qualidade. Como afirma Iamamoto (2007, p. 49), o Serviço Social contemporâneo exige “(...) um profissional qualificado, que reforce e amplie a sua competência crítica; não só no executivo, mas que pensa, analisa, pesquisa e decifra a realidade (...)”.

Considerações finais

Tais reflexões nos levam a inferir que um projeto profissional9, enquanto fruto do protagonismo social dos agentes profissionais, não se materializa pela pro- posta do ideal, da projeção das finalidades, do planejamento das ações ou apenas pela atividade do pensamento, ou ainda por uma tomada de consciência sobre os estatutos legais e éticos que atribuem uma autonomia teórica, técnica e ética à condução do exercício profissional.

A efetivação do projeto profissional supõe o reconhecimento das reais con- dições em que se materializa a profissão, isto é, “o reconhecimento das con- dições sócio-históricas que circunscrevem o trabalho do assistente social na atualidade, estabelecendo os limites e possibilidades à plena realização daquele projeto” (IAMAMOTO, 2009, p. 23).

Nesse sentido, não se concebe o projeto profissional como algo dado, por não se converter no âmbito do imediato. Antes ele constituir-se como uma conquista da categoria profissional e como processo, que se encontra em contínua constru- ção e consolidação. Por isso, um dos principais desafios à sua materialização no cotidiano do trabalho profissional supõe pensá-lo em articulação com as condi- ções reais de trabalho dos assistentes sociais (IAMAMOTO, 2009).

Para a consolidação do projeto profissional crítico, faz-se necessário compre- ender a sua articulação com as lutas da sociedade e que no interior da profissão existem diversos projetos, com claras diferenças, divergência éticas, sociopolíti- cas e profissionais que indicam diferentes formas de interpretação da natureza e do significado da profissão na divisão social e técnica do trabalho.

O projeto permite ao profissional a orientação por uma determinada direção social, clarificando os objetivos de sua intervenção e as possibilidades de escolhas, antevendo as demandas, possibilitando a captação dos processos emergentes e das tendências históricas que se configuram e requisitam respostas competentes de um profissional comprometido com a qualidade dos serviços prestados e com sua articulação com outros profissionais e trabalhadores. Pois o projeto assegura a apropriação de estratégicas sociopolíticas e profissionais que nos remetam à luta, no campo democrático popular, com recusas ao projeto do grande capital, em detrimento da luta pela construção de uma nova ordem societária.

Qual a relação entre o projeto profissional e o trabalho assalariado do assistente social?

O dilema condensado na inter-relação entre projeto profissional e estatuto assalariado significa, por um lado, a afirmação da relativa autonomia do assistente social na condução de suas ações profissionais, socialmente legitimada pela formação acadêmica de nível universitário e pelo aparato legal e organizativo que ...

Qual a importância do projeto de trabalho para a organização do trabalho do assistente social?

Enfim, o fazer profissional do Assistente Social supõe uma ação reflexiva e dialógica envolvendo os diversos atores e cenários presentes no contexto social. A realidade está sempre em processo de transformação, assim o compromisso profissional em desvendar tal realidade deve ser reafirmado em todo momento.

Qual a relação existente entre o Serviço Social e a classe trabalhadora?

Por meio dos serviços sociais previstos em programas desenvolvidos em diversas áreas (Assistência Social, Saúde, Educação, Habitação) o Serviço Social interfere na reprodução da força de trabalho, assim, é socialmente necessário, pois atua sobre questões que dizem respeito à sobrevivência social e material dos setores ...

Como a relação de assalariamento do assistente social impacta na autonomia profissional?

A autonomia relativa do assistente social é hoje uma discussão muito pertinente ao serviço social, ponderando até onde vai à autonomia deste profissional que assim como os demais é um assalariado, vende a sua força de trabalho e não pode se deixar influenciar pela alienação aí imposta.