As comunidades tradicionais, sejam ribeirinhos, indígenas, pescadores, quilombolas, entre outros, mantêm uma íntima relação com o Meio Ambiente, passada de geração para geração e relacionada à sua dependência de obtenção de recursos para sua subsistência, como alimento. Mas, ainda, hoje, é comum a sociedade ter uma percepção equivocada em relação a estes grupos como comunidades isoladas, intocadas, e que vivem “em harmonia” com os seus
ambientes ou, até mesmo, julgá-los como oportunistas que se valem de um título de minoria. A dificuldade em entender as concepções e as práticas dessas comunidades tradicionais relacionadas ao “mundo natural” faz com que a sociedade não sabia lidar com essa relação. Show Fonte: Por Renato Azevedo Matias Silvano e Alpina Begossi Infelizmente o conhecimento local de ribeirinhos e caiçaras não tem sido devidamente valorizado e utilizado por gestores ambientais, tomadores de decisão e pesquisadores das áreas de ciências biológicas. Esperamos que nossos trabalhos sirvam para valorizar esse conhecimento e os pescadores que os possuem, incentivando o diálogo entre atores relacionados à diversidade (pescadores, gestores, pesquisadores). Apresentação Duas culturas relacionadas ao ambiente A herança indígena de caiçaras e ribeirinhos se manifesta no principal sistema de cultivo, a roça de mandioca baseada na queima e derrubada da vegetação, seguindo um sistema de rodízio entre áreas cultivadas e áreas em recuperação. A mandioca é utilizada principalmente para se fazer a farinha, através de elaborado e intenso processamento para remover os compostos tóxicos da raiz, o qual geralmente é realizado nas casas de farinha, por vários membros da comunidade (ou da família) trabalhando em conjunto. A pesca é bastante difundida em ambas culturas, ocorrendo geralmente de forma mais artesanal, ou seja, utilizando barcos pequenos (ou mesmo canoas) com pouca autonomia, com tripulação reduzida e baseada em uma economia familiar. As técnicas de pesca são bastante diversificadas, incluindo redes de pesca de vários tipos (espera, arrasto, dentre outras), anzol e linha, espinhel (vários anzóis atados a uma corda), tarrafas e armadilhas diversas, utilizadas para capturar várias espécies de peixes, moluscos e crustáceos. Apesar da variedade de petrechos utilizados, as redes de pesca, principalmente as redes de espera confeccionadas com material sintético (nylon), têm sido muito utilizadas por pescadores caiçaras e ribeirinhos. A popularização dessa técnica possivelmente se deve a seu maior rendimento em relação ao esforço de pesca, pois a rede pode ser mantida na água por várias horas, sem a presença do pescador, que pode se dedicar a outras atividades (ou mesmo utilizar simultaneamente outras artes de pesca). No entanto, a grande difusão desse método de pesca pode ocasionar alguns impactos, como a captura de espécies não comerciais e indivíduos juvenis (de tamanho pequeno), muitos dos quais são descartados. Apesar de sua pequena escala, a pesca artesanal nem sempre é sustentável, porém vale ressaltar que a pesca comercial de maior escala, incluindo a pesca industrial, também se utiliza de grandes extensões de redes, gerando um maior impacto ambiental e competindo por recursos pesqueiros com os pescadores artesanais. A pesca pode ocorrer tanto para fornecer alimento como para comercialização, geralmente através de intermediários que compram o pescado dos pescadores nas comunidades (por um preço mais reduzido), revendendo o produto por um valor mais elevado nos mercados, peixarias, restaurantes ou consumidor final (muitas vezes turistas). A cadeia produtiva do pescado costuma ser longa (pescador, um ou dois intermediários, mercado e consumidor final), o que encarece o produto para o consumidor e mantém muitos pescadores em situação de pobreza e endividamento. A pesca artesanal de ribeirinhos e caiçaras geralmente envolve barcos pequenos e redes malhadeiras de espera, como ilustrado acima no Rio Tapajós (PA) [crédito das fotos deste artigo: Renato Silvano]Apesar de no geral apresentarem sistemas similares de uso dos recursos naturais, centrados na agricultura e pesca, notamos algumas diferenças entre as duas culturas. No tocante à pesca, os caiçaras costumam explorar uma diversidade maior de organismos marinhos e estuarinos, incluindo peixes (pelágicos e recifais), crustáceos (camarões e lagostas) e moluscos (polvos e lulas), enquanto a pesca dos ribeirinhos geralmente é mais voltada para os peixes em geral, incluindo espécies de grande porte, com menor exploração de crustáceos e moluscos. O extrativismo vegetal para comercialização é mais difundido em comunidades de ribeirinhos na Amazônia, que exploram principalmente a castanha, o fruto do açaí, a seringa e fibras de palmeiras. Outra diferença entre as duas culturas consiste nos conflitos relacionados à conservação da biodiversidade na presença dessas comunidades tradicionais. Ambas as culturas utilizam ecossistemas importantes para a conservação da biodiversidade, os caiçaras na Mata Atlântica e os ribeirinhos (caboclos) na Amazônia, porém os caiçaras enfrentam uma regulamentação e fiscalização ambientais mais severas do que os ribeirinhos. Isso de deve ao fato de os caiçaras explorarem um ecossistema já bastante reduzido e fragilizado, estando próximos de centros urbanos e consequentemente da ação dos órgãos fiscalizadores ligados ao meio ambiente. Entre as consequências de uma fiscalização mais rigorosa para os caiçaras encontram-se a diminuição da atividade de agricultura de mandioca, do extrativismo vegetal e da caça, o que pode reduzir a disponibilidade de recursos e acarretar em perda do conhecimento ecológico local associado a essas atividades. Os conflitos entre caiçaras e gestores de unidades de conservação podem acarretar também em uma maior desconfiança e receio dos caiçaras com relação aos pesquisadores, dificultando a realização de estudos científicos em colaboração com essas comunidades. Os ribeirinhos da Amazônia ocupam regiões mais distantes e um ecossistema mais preservado, estando, portanto, menos sujeitos à fiscalização. No entanto, pescadores de ambas as culturas têm reclamado da fiscalização excessiva e da criminalização da atividade de pesca, da qual dependem para seu sustento. Desafios e ameaças ao modo de vida Manejo de recursos Tais iniciativas de manejo comunitário têm sido oficializadas em parcerias com o governo brasileiro na forma de acordos de pesca, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, entre outras categorias de unidades de conservação que permitem a inclusão de moradores e utilização moderada dos recursos naturais. Além de incentivar a conservação dos recursos utilizados, tais sistemas de manejo podem promover a conservação da biodiversidade em geral, incluindo organismos não explorados, além de impedir ou reduzir o impacto causado por agentes externos, como a pesca de maior escala ou alteração ambiental (por exemplo, grandes barragens). Estudos recentes indicam que o manejo com a participação das comunidades locais pode auxiliar na manutenção ou recuperação dos recursos pesqueiros, especialmente em lagos amazônicos. Porém nem sempre o manejo comunitário irá funcionar perfeitamente, sendo necessário um monitoramento constante do uso dos recursos, a fim de verificar se as regras de manejo estabelecidas são pertinentes e se as mesmas estão sendo cumpridas pelos moradores das comunidades envolvidas no manejo. Um problema adicional quanto a isso consiste na quase total ausência de sistemas de monitoramento da pesca (e outras formas de uso de recursos naturais) em ecossistemas marinhos e fluviais no Brasil, especialmente da pesca em pequena escala exercida por caiçaras e ribeirinhos. Uma das formas de se contornar esse problema consiste em capacitar e envolver os próprios moradores das comunidades para monitorarem a utilização dos recursos naturais, através do monitoramento participativo, cada vez mais utilizado por gestores ambientais e pesquisadores, incluindo nosso próprio grupo de pesquisa. Conhecimento local: recurso valioso e subestimado Apesar de todo o potencial para diversas aplicações desse recurso cultural, infelizmente, o conhecimento local de ribeirinhos e caiçaras não tem sido devidamente valorizado e utilizado por gestores ambientais, tomadores de decisão e mesmo pesquisadores das áreas de ciências biológicas. Esperamos que nossos trabalhos sirvam para valorizar esse conhecimento e os pescadores que os possuem, incentivando o diálogo entre atores relacionados à diversidade (pescadores, gestores, pesquisadores) e promovendo uma maior participação de ribeirinhos e caiçaras na tomada de decisão referente ao manejo de recursos naturais, estratégias de conservação e mesmo projetos de desenvolvimento econômico. Por fim, vale ressaltar que este texto pretende apresentar um panorama geral das comunidades de caiçaras e ribeirinhos, com base em nossa convivência com esses pescadores e na nossa experiência de pesquisa ao longo dos anos, não servindo como fonte primária de dados de pesquisa. Aos mais interessados ou que precisam de referências científicas sobre essas comunidades sugerimos consultar a literatura apresentada abaixo, além de outros trabalhos científicos sobre caiçaras e ribeirinhos, incluindo estudos das ciências humanas. Para saber mais Begossi A. 2008. “Local knowledge and training towards management”. Environment Development and Sustainability 10: 591-603. Begossi, 2014. “Ecological, cultural and economic approaches to manage small-scale artisanal fisheries”. Environment, Development and Sustainability 16: 5-34. Begossi, A. (Org.). 2014. Ecologia de pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia, 2ª edição. Hucitec, São Paulo. Begossi, A.; Hanazaki, N. and Peroni, N.. 2000. Knowledge and use of biodiversity in Brazilian hot spots. Environment, Development and Sustainability 2:177–193. Begossi A. et al. 2008. “Are biological species and high-ranking categories real? Fish folk taxonomy in the Atlantic Forest and the Amazon (Brazil)”. Current Anthropology 49: 291-306. Begossi, A.; Lopes, P. F. M.; Oliveira, L. and Nakano, H.. 2010. Ecologia de pescadores artesanais da Baia de Ilha Grande. Ed. Rima, São Carlos, Brazil. Begossi, A.; Salivonchyk, S. V.; Nora, V.; Lopes, P. F. and Silvano, R. A. M.. 2012. “The Paraty artisanal fishery (southeastern Brazilian coast): ethnoecology and management of a social-ecological system (SES)”. Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine. 8: 22. doi:10.1186/1746-4269-8-22 Castro, F. and McGrath, D. 2003. “Moving toward sustainability in the local management of floodplain lake fisheries in the Brazilian Amazon”. Human Organization 62: 123-133. Hallwass, G.: Lopes, P. F. ; A. A. Juras, A. A. and R. A. M. Silvano, R. A. M.. 2013. “Fishers’ knowledge identifies environmental changes and fish abundance trends in impounded tropical rivers”. Ecological Applications 23: 392-407. Huntington, H.; Begossi, A.; Gearheard, S. F.; Kersey, B ; Loring, P. A.; Mustonen, T.; Paudel, P. K.; Silvano, R.A.M.; Vave, R. 2017. “How small communities respond to environmental change: patterns from tropical to polar ecosystems”. Ecology and Society, v. 22, p. 9. Lopes, P. e Begossi, A. (eds.). 2009. Current trends in human ecology. 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Publicou 112 artigos em periódicos especializados e é autora de 9 livros. Atualmente é pesquisadora no Capesca e diretora de pesquisa do Fifo, entre outras atividades. Qual a importância das comunidades remanescentes de caiçaras?As comunidades remanescentes são de grande importância para o desenvolvimento de variadas atividades na região, preservando dessa forma de forma evidente o teor cultural local, onde raízes bem como atividades são de grande impacto na cultura da região.
Qual é a importância das comunidades remanescentes de caiçaras para a conservação ambiental na região Sudeste?c) Qual é a importância das comunidades remanescentes de caiçaras para a preservação da Mata Atlântica? As comunidades contribuem para a preservação, pois utilizam os recursos naturais de maneira sustentável.
Qual a importância dos caiçaras?A agricultura, pesca, extrativismo, caça e artesanato são elementos essenciais da cultura caiçara, e refletem heranças das origens genéticas e culturais, os indígenas litorâneos. O artesanato serve principalmente de base para as outras atividades.
O que são as comunidades remanescentes de caiçaras e onde estão localizadas atualmente?Os caiçaras apresentam uma forma de vida baseada em atividades de agricultura itinerante, da pequena pesca, do extrativismo vegetal e do artesanato. Essa cultura desenvolveu-se principalmente nas áreas costeiras dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e norte de Santa Catarina.
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