Que problemas as mulheres enfrentam hoje que ainda carecem de solução?

Uma pesquisa realizada em 27 países perguntou a quase 20 mil pessoas qual é o problema mais importante enfrentado pelas mulheres? O Jornal Nacional teve acesso em primeira mão ao resultado desse estudo.

Ela é uma de três gerações de uma mesma família marcada por agressões cometidas por homens. A mãe apanhava do companheiro e ela acabou vítima de abusos sexuais do padrasto.

“Eu pensava ‘eu sou culpada, porque eu estou engordando, criando corpo, estou chamando a atenção. Eu levei a vida inteira querendo contar para as pessoas da minha família’”, conta.

Ela se casou, mas logo veio a primeira agressão do marido. E, junto com ela, o divórcio. Mas não impediu que a filha se envolvesse numa relação abusiva. “Várias situações de violência psicológica e ela não queria que falasse para ninguém. O sentimento de culpa é muito grande”, conta.

Se tiver que apontar uma entre as tantas dificuldades que as brasileiras vivem, essa mulher certamente diria que é a violência. Essa a resposta de várias outras, e também de homens, que participaram de uma pesquisa sobre os maiores problemas enfrentados pelas mulheres no mundo.

Mulheres e homens de 27 países responderam que o problema mais importante enfrentado pelas mulheres é assédio sexual, seguido de violência sexual e violência física.

No Brasil, o que aparece no topo do ranking é violência sexual, depois assédio e violência física.

E chamou a atenção na pesquisa o fato de que a percepção desse tipo de violência é até maior do que os números oficiais. Entrevistados brasileiros disseram que acham que 55% das mulheres do país já foram vítimas de violência por um companheiro. Mas, segundo a pesquisa, a estatística é de 31%.

“O que a gente vê é que, por mais que exista a Lei Maria da Penha e um certo estímulo para que a mulher relate a sua violência, a gente sabe que as mulheres que realmente vão até uma delegacia relatar não são todas, então esse dado real também pode estar abaixo da realidade”, afirma Narayana Andraus, gerente da Ipsos.

“A nossa lei é muito boa. O equipamento público tem que se preparar melhor, a gente tem que ter mais casas de atendimento acolher essas mulheres; as próprias mulheres têm que sentir a confiança necessária, têm que ter o conhecimento da lei, então são vários fatores”, disse João Francisco Santos, fundador da ONG Bem Querer Mulher.

O João dirige uma ONG que já atendeu 80 mil vítimas de violência. Entre elas, a mulher que ouvimos nessa reportagem. Hoje, ela incentiva outras mulheres a romper o silêncio.

“Falar é bom, porque eu fiquei todos esses anos sem falar”, diz a mulher.

É inegável que o século XX representou um grande avanço em relação aos direitos das mulheres. A constituição de 1934, por exemplo, promoveu, pela primeira vez, a igualdade entre os sexos. Já ao longo do século, as mulheres conquistaram – através de muitas lutas – outros direitos fundamentais, como a possibilidade de votar e ser votada, assim como a proibição da diferença salarial por motivo de sexo.

Na prática, hoje em dia, as mulheres ainda encontram problemas estruturais, antigos e novos, que dificultam a busca por igualdade social em todos os aspectos. Apesar da popularização dos debates sobre a igualdade de gêneros, o feminismo e o combate ao machismo, ainda é comum ler e ouvir relatos sobre desigualdades salariais, violência sexual, feminicídio, baixa representatividade política, entre outros.

Nós, da Estratégia ODS, aproveitamos o Dia Internacional da Mulher, para lançar uma campanha que chamasse a atenção para alguns dos principais problemas enfrentados por elas na atualidade. De fato, poderíamos promover um debate sobre diferentes temas, mas procuramos abordar quatro deles, com dados que relatam o status atual desses problemas. São eles:

Desigualdade racial

De acordo com dados do IBGE divulgados em 2019, referentes a 2018, as mulheres ainda encontram um grande abismo salaria em relação aos homens. No entanto, na comparação entre mulheres brancas e negras, a diferença pode chegar a até 71%

Já em relação à violência, de acordo com o “Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil”, feito pelo IPEA, as mulheres negras ainda são as maiores vítimas de feminicídio no país.

Na educação, segundo o mesmo levantamento, apenas 5,2% das mulheres negras no Brasil alcançam o ensino superior, contra 18,2% das mulheres brancas.

Assédio no transporte público

De acordo com a pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher”, da Rede Nossa São Paulo, 63% das paulistanas declaram já ter sofrido algum caso de assédio na cidade. O transporte público permanece como o local em que as mulheres sentem maior risco de sofrer algum tipo de assédio na opinião de 46% das entrevistadas.

A pesquisa também apontou que, na visão das entrevistadas, as principais medidas que precisam ser adotadas são: aumentar as penas para quem comete violência contra a mulher, agilizar o andamento da investigação das denúncias e ampliar os serviços de proteção a mulheres em situação de violência em todas as regiões da cidade.

Violência sexual e doméstica

É um tema que precisa ser cada vez mais combatido. De acordo com o levantamento “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, feito pelo Datafolha e encomendado pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 42,6% das jovens entre 16 e 24 anos afirmam ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses. E os dados ficam mais assustadores ao constatar que, considerando todas as mulheres entrevistadas, em 76,4% dos casos a violência partiu de um agressor já conhecido pela vítima.

A mesma pesquisa também demonstra que o local em que mais ocorre violência doméstica contra a mulher é na própria casa da vítima, com 42% dos casos. No entanto, 52% das mulheres não tomou providências após sofrer o ato de violência.

Desigualdade no mercado de trabalho

Também é possível citar a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho como grande obstáculo para igualdade de gênero. Ainda segundo o IBGE, em 2016, 21,5% das mulheres de 25 a 44 anos concluíram o ensino superior. Já em relação aos homens, apenas 15,6% concluíram uma graduação. Todavia, mesmo com maior escolaridade, o salário médio das mulheres era cerca de 23,5% menor que o dos homens.

Já de acordo com o IBGE, apenas 10% dos cargos de tomada de decisão, em comitês executivos de grandes empresas.

Podemos ver que o século XX proporcionou algumas mudanças para os direitos das mulheres na sociedade, mas ainda temos um longo caminho a percorrer para atingir uma igualdade plena de direitos para todos. Você pode utilizar, como guia, as metas do ODS 5 para promover uma mudança de hábitos. Confira:

5.1 acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte

5.2 eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos

5.3 eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais femininas

5.4 reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais

5.5 garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública

5.6 assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de Ação da CIPD e da Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão

5.a empreender reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais

5.b aumentar o uso de tecnologias de base, em particular das TIC, para promover o empoderamento das mulheres

5.c adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação exequível para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis