Quem deve ser citado na desconsideração da personalidade jurídica?

Quem deve ser citado na desconsideração da personalidade jurídica?
Crédito: (Pixabay)

O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) é uma modalidade de intervenção de terceiros que permite, incidentalmente ao processo, desconsiderar a personalidade jurídica e, desse modo, responsabilizar pessoalmente o integrante da pessoa jurídica (sócio ou administrador) nos casos em que a lei material o autoriza. É uma novidade trazida pelo Código de Processo Civil (CPC) atual em seus artigos 133 a 137.

Quem deve ser citado na desconsideração da personalidade jurídica?
O pedido de desconsideração pode ser formulado em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença, na execução fundada em título extrajudicial e, também (idealmente) na petição inicial (CPC, art. 134, caput). Em primeiro grau de jurisdição, a competência para apreciar o pedido será do juiz do processo em que o pedido é formulado e, na fase recursal, ela será inicialmente do relator, cuja decisão monocrática pode ser impugnada por meio de agravo interno (CPC, art. 136, parágrafo único).

Entretanto, em matéria tributária, o IDPJ tem sido alvo de algumas controvérsias, especialmente em execuções fiscais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em seus Recursos Especiais nºs 1.173.201/SC e 1.775.269/PR, sinalizou a fixação de importantes parâmetros para a definição das hipóteses em que, excepcionalmente, será necessário instaurá-lo no âmbito das execuções fiscais.

Neste sentido, o STJ fixou o entendimento de que independe da desconsideração da personalidade jurídica a pretensão da Fazenda Pública de redirecionar a execução fiscal para alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual a execução fiscal foi originariamente ajuizada. Isto, pois o redirecionamento decorre de hipóteses de responsabilização de terceiros já prevista no Código Tributário Nacional em seus artigos 134 e 135, não sendo cabível, nessas hipóteses, falar-se na instauração do IDPJ.

Verifica-se, portanto, que o entendimento do STJ se pauta na necessidade ou não da desconsideração da personalidade jurídica, no sentido de que, nas hipóteses em que o redirecionamento da execução fiscal é autorizado pelo próprio CTN, não há que se cogitar da necessidade de desconsiderar a personalidade jurídica da devedora e, portanto, da instauração do IDPJ.

Em sentido contrário, o Colegiado entendeu que todas as vezes em que não haja previsão legal autorizando o redirecionamento para pessoa diversa da qual a execução foi originariamente ajuizada, torna-se obrigatória a instauração do IDPJ. Ou seja, toda vez que se fizer necessária a desconsideração da personalidade jurídica para a responsabilização do terceiro.

Outro ponto que merece destaque é: uma vez aprovado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quais matérias de defesa poderão ser abordadas pela nova pessoa situada agora no polo passivo? O CPC/15 não apresentou uma solução para este questionamento.

Por se tratar o incidente de um verdadeiro direito de ação[4], no qual o terceiro tem por objetivo conseguir uma decisão que certifique a inexistência de responsabilização, sua defesa deve se restringir a questionar os fundamentos para a desconsideração da personalidade jurídica – na medida em que este é o objeto da demanda incidental.

O problema surge no momento que o terceiro é efetivamente inserido na execução, uma vez que a ele não foi oportunizada defesa a respeito da existência, validade e eficácia da dívida pela qual é agora executado.

Quando o devedor originário apresentou sua defesa, produziu prova e recorreu, o fez sem a participação do terceiro, que será fortuitamente corresponsabilizado em sede de IDPJ. E embora tenha o STJ se manifestado contrariamente à possibilidade de discussão do crédito pelo terceiro interessado, assim entendendo que a sua matéria de defesa se encontra adstrita à temática processual de sua inclusão no polo passivo da demanda, resta alguma incongruência legal, na medida que o sujeito passivo originário da relação processual, sabendo que não terá patrimônio elegível à constrição processual apta à satisfação do crédito, há que se conjecturar quanto à ineficácia de qualquer defesa tendente à impugnação do crédito tributário.

Por conseguinte, se ao desconsiderar a personalidade jurídica não for dada a oportunidade a este terceiro de rediscutir o mérito do processo, estar-se-ia cerceando seu direito de defesa, bem como dando azo à execução de título executivo eivado de nulidade, acaso não tenha a defesa do devedor original assim arguido. Se sobre o terceiro interessado recai coisa julgada, para que o processo seja reconhecido sob a égide de um Estado Democrático de Direito é necessário que seja conferido o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Não se está exigindo nada além do mesmo direito de defesa conferido ao devedor originário, a diferença é apenas o momento em que será exercido, visto que o terceiro nem sequer integrava a ação no momento em que o devedor originário exerceu seu direito.

Esse entendimento é contrário aos interesses fazendário, em que se busca a satisfação do crédito tributário e, por vezes, o Fisco se depara com defesas meramente protelatórias. Poder-se-ia questionar se não estaria preclusa a matéria de defesa, uma vez que não abordada em sede de contestação. No entanto, considerando que a imutabilidade decorrente da coisa julgada, em regra, só tem efeito para as partes que participaram da formação daquela decisão, não se pode dizer que essa atinge o terceiro quando ele não estava presente no processo no momento da sua formação e, a rigor, ser-lhe-ia assim, assegurada a discussão do crédito na sua primeira oportunidade processual.

Se o terceiro foi citado, e sua entrada no processo se consagrou com a decisão que deferiu a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, nada mais justo que seu prazo para apresentar contestação, requerer provas e recorrer de decisões pretéritas se inicie da decisão que decide o incidente. Apesar do tumulto processual e demora no julgamento da lide, esta oportunidade de defesa do terceiro é extremamente necessária para garantir seus direitos fundamentais dispostos no artigo 5º, LIV da Constituição Federal.

Isso significa dizer que ao terceiro deverá ser dada a oportunidade de apresentar seus embargos à execução fiscal, na qualidade de executado, apesar dos embargos opostos pelo devedor originário já terem sido julgados. Consequentemente, o direito de resposta estará garantido à Fazenda, uma vez que o terceiro optou por reiniciar a discussão da existência, validade e eficácia da dívida.

Diante de um CPC em que o terceiro passa a integrar a ação na qualidade de parte, e estará, portanto, sujeito aos efeitos da coisa julgada, não se vislumbra uma saída constitucional para defender a restrição das matérias de defesa.

[1] Artigo produzido no âmbito do projeto de pesquisa Questões Contemporâneas do Contencioso Tributário do núcleo do mestrado profissional da FGV/Direito SP.

[4] YARSHELL, Flavio Luiz. Art. 133. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

Luiza Marques Vicente – Mestranda em Direito Tributário pela FGV/SP e advogada em São Paulo.  
Daniel Moisés Franco Pereira da Costa – Mestrando em Direito Tributário pela FGV/SP e advogado em São Paulo.

Quem deve ser citado no incidente de desconsideração da personalidade jurídica?

§ 2° Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

Quem deve figurar no polo passivo da desconsideração da personalidade jurídica?

Existe ainda a previsão de ser requerida a desconsideração da personalidade na petição inicial, de forma que a parte autora deverá inserir no polo passivo tanto a pessoa jurídica, quanto o sócio a quem se buscar imputar o cumprimento da obrigação.

Quem são as partes na desconsideração da personalidade jurídica?

A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto importante no Direito. As pessoas que criam uma sociedade não respondem pelas obrigações desta, geralmente. Isso ocorre porque essa pessoa jurídica possui personalidade distinta da de seus fundadores. Em outras palavras, há uma separação patrimonial.

É necessário a citação pessoal de todos os sócios para que se possa desconsiderar a personalidade?

Segundo a jurisprudência do STJ, a desconsideração da personalidade jurídica, como incidente processual, pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos quais se garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e da ampla defesa.