Perder alguém, sim, é duro. O luto e a dor, no entanto, é um processo que precisa ser encarado de frente, com alguns cuidados de como enfrentá-lo Show
Perder a mãe, o pai, um filho, familiar ou amigo é algo que encabeça a lista dos maiores medos das pessoas. Isso porque lidar com a falta, com a interrupção de um relacionamento de tanto amor, não é uma dor para a qual nos preparamos. “O luto é um processo normal e natural, resultante da formação e dos rompimentos de vínculos afetivos, e que ocorre o tempo todo na vida de um indivíduo. Faz parte do desenvolvimento humano e, apesar de ser uma experiência universal, é experimentado e vivido de forma muito particular e subjetiva”, diz a psicólogada ABRALE, Flavia Sayegh. Em outras palavras, todos sabemos que enfrentar perdas faz parte da vida, mas só quando vivenciamos é que percebemos a forma profunda e pessoal como somos afetados. Flavia defende que, quando o luto acontece, traz consigo uma série de reações, que podem mudar muito de uma pessoa para outra, mas tendo uma premissa em comum: preparar-se para construir uma nova realidade após a perda, que permite rever traços da identidade, das relações sociais e pessoais, de crenças e valores adquiridos durante toda a vida. “Diante da morte de um ente querido, somos levados a repensar a vida, nossos afetos e nossos valores. E não há nada de errado nisso, pelo contrário, reconstruir-se após o luto é libertador”, afirma a psicóloga. RAIVA, TRISTEZA, REVOLTA, ALÍVIO, CULPA, MEDO, ANSIEDADE, IMPOTÊNCIA, DESESPEROEsses são apenas alguns dos sentimentos vividos por quem passa pelo luto. Como processo, durante muito tempo ele foi estudado e descrito a partir de fases, mas atualmente essas ideias foram aprimoradas, trazendo um novo e mais amplo conhecimento. “É necessário considerar muitos aspectos quando se olha para o processo de luto, como a cultura em que o indivíduo está inserido, por exemplo. Sem contar que, ainda que descritas, as fases não são consideradas estanques, não seguem uma ordem e podem se sobrepor.” Ainda assim, a psicóloga concorda que, de maneira geral, há alguns momentos-chave pelos quais uma pessoa de luto passa (veja quadro na página ao lado). E identificá-los, pura e simplesmente, já pode ser um alento. “VAMOS FALAR SOBRE O LUTO?”
A publicitária Mariane Maciel tinha 32 anos e uma relação de parceria e cumplicidade com sua mãe, Rachel, quando ela faleceu, aos 61 anos, três após o início da luta contra um câncer que começou no estômago e se espalhou. Depois do luto, ela passou pelo processo de reconstruir conceitos e valores. “Para começar, aprendi que amar inclui também orar para que a pessoa se vá, por mais triste que isso seja. Então, quando a minha mãe morreu, eu já queria que ela partisse, porque estava muito debilitada e cansada, e agradeci por vê-la parar de sofrer. Mas foi muito difícil, tive a sensação de ter me tornado um balão de hélio solto no ar, sem alguém segurando a corda. Como se sem ela eu fosse menos, menos bonita, menos talentosa, menos tudo. Mas com o tempo recuperei minha segurança, porque entendi que ela já havia me dado tudo, e que esse tudo estaria sempre dentro de mim.” Essa segurança veio não só de dentro, mas de uma atitude essencial para enfrentar o luto: falar dele. “Ao passar pela situação, acabei estreitando laços com outras pessoas que já tinham tido essa experiência. Sentia vontade de falar e ouvir sobre a perda. E percebi o bem que fazia, a mim e a todos que se dedicavam a isso”, conta Mariane, que resolveu ir além de seu próprio luto e criar um projeto. Não é mais uma pergunta, é uma segurança
Hoje, o Vamos falar sobre o luto ( www.vamosfalarsobreoluto.com.br) virou não uma pergunta, mas uma certeza. “Vimos que o luto é realmente muito difícil, mas que é possível voltar a viver e ser feliz. O tabu dificulta bastante o processo que é natural.” LUTO ANTES DA MORTEÉ possível se preparar para o luto com o doente ainda em vida? A psicóloga Flavia Sayegh diz que sim. “O processo de luto antecipatório não só é possível, como importante. Permite absorver a morte de forma gradual e, ao longo do tempo, a realidade da perda.” Ela conta que há diversos estudos que apontam que intervenções realizadas com a família durante o processo de adoecimento grave de um paciente, por exemplo, podem prevenir o desenvolvimento de um possível luto complicado no futuro. “Isso porque ele dá às pessoas a possibilidade de resolver questões pendentes com o outro, sejam de ordem psíquica ou material. Com esse preparo, existe espaço para se organizar para mudanças e fazer planos para o futuro.” Mariane reforça a ideia de que o luto é duro mesmo. “O momento da perda e o período seguinte a ela são muito complicados. Uma coisa é saber racionalmente que isso poderá ou irá acontecer, outra coisa é viver a situação.” Ela conta que, durante o tratamento, o medo de perder sua mãe era constante, mas que toda a família sempre foi otimista. “Lidávamos com a doença como se fosse apenas um obstáculo. Entendi que poderia de fato perdê-la alguns meses antes. Mas ainda assim era apenas uma ideia. Só depois que ela faleceu é que eu realmente compreendi o que seria a vida sem ela.” A sua vida e a sua saúde o meu foco de atençãoA publicitária lembra que fez terapia no período em que sua mãe estava doente, mas que não chegou a falar especificamente do luto que poderia enfrentar. Da mesma forma, as conversas com sua mãe, mesmo perto da morte, não permeavam o assunto. “Eu fui muito companheira da minha mãe ‘no morrer’, rezávamos juntas,
discutíamos o que seria fé, os mistérios da vida e da morte. Mas era ela, a sua vida e a sua saúde o meu foco de atenção, não o que viria depois. Ela às vezes me dava conselhos sobre o que fazer no futuro. E coisas práticas: ‘não deixe de ir ao Japão’. Eu fui! ‘Aceite a proposta de trabalho da sua ex-chefe.’ Eu aceitei! Mas nunca falamos do luto. Deixei para vivê-lo quando viesse.” A PESSOA AMADA MORRE E NÓS PRECISAMOS RENASCERRespeitar o seu tempo, os seus limites e ir avançando, ainda que lentamente. Essa é a regra mais importante para quem está enfrentando a perda. “O luto é doloroso, sim. É preciso ter paciência para se adaptar à nova realidade e lidar com ela. É essencial reconhecer suas necessidades e limites, e vivenciar esse processo de forma respeitosa consigo mesmo. Dividir e consolar sua dor com pessoas próximas, com as quais você se sinta acolhido e à vontade, pode ser uma boa estratégia para passar por esse momento difícil”, afirma a psicóloga da ABRALE. Buscar ajuda de maneira geral, se abrir com amigos ou parentes, faz a pessoa ver os seus sentimentos validados, respeitados e acolhidos, o que pode ajudar a avançar. Mariane, como já contou, aceitou o conselho da mãe e voltou ao emprego anterior. “Estava com pessoas que já me conheciam, em um ambiente gostoso, onde podia ser eu mesma e viver todas as oscilações do luto. Fez muita diferença.” É DIFÍCIL DE ACREDITAR, MAS O LUTO PASSAMariane hoje está a toda no trabalho, com o projeto e sua vida pessoal. “A gente diz que falar sobre o luto é um projeto para a vida. Sim, porque queremos que as pessoas vivam a dor, mas também reinventem suas vidas. Dá trabalho, mas é possível.” E mais: não tenha vergonha de vivenciar tudo o que sentir.
“Faça um pacto com a vida. Isso significa se cuidar, cuidar da sua saúde, procurar coisas que o alegrem, novos hobbies, amigos. Você está vivo. Faça valer a pena!” AS FASES DO LUTO
POSSO AJUDAR?Dica para quem está ao redor de quem sofre: pergunte como a pessoa quer e pode ser ajudada. Muitas vezes o que consideramos bom para nós pode ser diferente para o outro”, diz a psicóloga Flavia. Mariane, que se sentiu acolhida, lembra de alguns sentimentos que lhe foram oferecidos. “Empatia, paciência, presença, carinho. Cada um vive esse momento de uma forma, não existe uma receita de luto. Por isso, o melhor que alguém pode fazer é estar por perto de uma forma amorosa, por exemplo perguntando como pode ajudar. Sem se apressar, sem querer dar fórmulas prontas, sem recriminar.” |