Como deve ser o período de adaptação na educação infantil?

Todo começo de ano e de semestre educadores e gestores de escolas de Educação Infantil dedicam seu tempo a planejar espaço, rotina, dinâmicas e atividades para que famílias e crianças sejam recebidas da melhor maneira. Dúvidas, incertezas, cansaço físico e mental e momentos de choro podem fazer parte do período de adaptação, mas não precisam defini-lo.

Neste artigo, convidamos você, leitor, a ver novas possibilidades em relação ao início do período letivo, a entender que mais do que um momento datado, a adaptação é um processo que envolve famílias, crianças e escolas e que pode, sim, ser leve e acolhedor, e que ele é extremamente rico e importante na construção de relações.

Vamos olhar do ponto de vista da criança?

“Um novo espaço, uma rotina diferente, um monte de gente que eu nunca vi antes, mas com quem eu, de repente, tenho que dividir as minhas coisas e o meu tempo. Nada que eu conheço e que me dá segurança por perto ou à vista.” 

É assim que muitos de nós, adultos, nos sentimos em ambientes novos. Imagine como fica uma criança que, na maioria das vezes, foi colocada nesse novo lugar por escolha de outras pessoas.

Para quem já faz parte da escola e para quem já prevê como a escola fará parte da rotina da criança, um estranhamento ou incômodo em ir para a escola pode parecer não fazer sentido. “Poxa, mas a escola é tão legal! Tem brinquedos novos, espaços diferentes, um monte de amiguinhos novos para você brincar!”.

Mas, se nos colocarmos no lugar na criança, que preza por previsibilidade, que se sente confortável com o conhecido e que ainda não compreende bem o papel da escola e não sabe o que acontece com o mundo que ela conhece enquanto ela está neste espaço novo, fica um pouco mais fácil de entender porque é tão comum que chorem, chamem por pessoas conhecidas e insistam tanto para levar aquele brinquedo ou objeto de casa para a escola.

Esse exercício de empatia é um dos primeiros passos para planejar e se preparar para o período de adaptação. Ao entender o turbilhão de sentimentos pelos quais a criança pode passar, entendemos que esperar que ela não os sinta ou que não demonstre o que sente, não faz sentido. Não se deve calar o choro, fingir que a saudade não existe e esperar que o dia da criança seja repleto apenas de alegrias. Ter essas expectativas é garantir frustrações. A separação e o novo causam angústias e as pessoas expressam isso de várias formas, inclusive, com o choro.

Mas, então, o que queremos?

Sabemos que os sentimentos vão surgir, então o que devemos fazer é lidar com eles. Se você tem fome, procura comida, não se distrai ou finge que a fome não está ali. Com os sentimentos é a mesma coisa. E é aí que começamos a falar sobre ACOLHIMENTO.

“Acolher uma criança na pré-escola significa muito mais que deixá-la entrar no ambiente físico da escola, designar-lhe uma turma e encontrar um lugar para ela ficar. O acolhimento não diz respeito apenas aos primeiros momentos da manhã ou aos primeiros dias do ano escolar. O acolhimento é um método de trabalho complexo, um modo de ser do adulto, uma ideia chave no processo educativo.”
(Gianfranco Staccioli, “Diário de acolhimento na escola da infância”.)

Acolhimento exige intenção e planejamento, como todas as outras escolhas que fazemos em um ambiente escolar. Para acolher, é preciso uma escuta ativa: ouvir o que a criança diz e também o que ela demonstra. É comum que, ao ouvir um choro de saudade, o adulto tente distrair a criança ou dizer que “já vai passar” ou “sua mamãe já vem”, falas que, comumente, causam ainda mais choro.

Ao dizer o que sente, a criança não precisa necessariamente que seu “problema” seja resolvido. Ela precisa se sentir ouvida e ter seus sentimentos validados. Dizer que aquilo já vai passar ou que a mamãe já vem, além de não ser verdadeiro, menospreza o valor do que está sendo sentido. Ao abrirmos espaço para o diálogo, acolhemos e nos mostramos disponíveis. “Você queria ver o seu vovô, né? Qual o nome dele? Como ele é? Do que vocês brincam juntos? Sabia que eu também tenho muita saudade do meu vovô?” são algumas falas que podem não só tranquilizar a criança, mas também criar vínculos, o que é imprescindível quando falamos de Educação Infantil. Mesmo com as bem, bem pequenas!

E isso nos leva a outro ponto: fazer com que a criança se sinta confortável e confiante. Para confiar em alguém, é preciso conhecê-lo e não há maneira melhor para uma criança criar essa relação do que brincando. O livre brincar precisa fazer parte da rotina das turmas, sobretudo deste período inicial. É através do brincar que a criança vai criar relações e expressar-se, testar seus limites e começar a se sentir confortável nesse novo ambiente. É também brincando que o educador vai conhecer as crianças, perceber seus interesses e entender como acolher cada uma delas.

Para saber mais sobre o livre brincar, leia o artigo “Como o livre brincar contribui para a formação social da criança”.

Conforme o vínculo com o espaço e com as pessoas que o habitam forem sendo estabelecidos, separar-se da família vai se tornando menos doloroso.

Vale lembrar que a família está tão envolvida neste processo quanto a escola e as crianças, e deve ser considerada. Há muitas formas de manter um canal de comunicação aberto com os familiares e responsáveis. Mencionamos algumas mais detalhadamente no artigo “O poder da confiança entre família e escola” e no podcast “Família e a Escola falam a mesma língua?” Mas o mais importante, é ter em mente que todos são parceiros nesta jornada e querem o melhor para as crianças.

Também é papel da escola esclarecer e acolher possíveis dúvidas dos familiares, além de incluí-los neste processo, conforme for possível: explicitar como a adaptação é conduzida e como os profissionais são instruídos a agir mesmo antes dela acontecer, relatar como a criança esteve durante o dia e como os adultos lidam com os momentos difíceis, responder dúvidas com segurança e embasamento, demonstrar que conhecem a criança e a observam, relatar os aspectos positivos do dia, com imagens sempre que possível.

Um vínculo bem estabelecido com as famílias também facilita a criação de vínculos com as crianças: “Se quem eu conheço e confio confia nessas pessoas, eu também posso confiar.”

Outro aspecto que contribui para a previsibilidade e a segurança é a rotina. Reconhecer a sequência de fatos, rituais (ações que precedem ações do dia a dia), músicas, histórias, ambientes e o que costumamos fazer neles, entre outros, tranquiliza a criança e a ajuda a entender o que está por vir. Ao apropriar-se da rotina, ela se sente confiante e parte do que está acontecendo.

É o mesmo que acontece conosco, adultos: imagine trabalhar um dia inteiro sem relógio, sem saber bem quando algo começa ou quando vai acabar e o que vem a seguir. Quando adultos, temos acesso a mais recursos que nos ajudam a prever e nos prepararmos. Para as crianças, é preciso oferecer essas ferramentas de maneiras que elas compreendam.

Ter essa preocupação e essa organização fazem parte de entender o acolhimento como método, como nomeia Gianfranco Staccioli. E adotar este método implica em não limitar o acolhimento apenas ao começo do ano ou do semestre. É algo que acontece SEMPRE, o tempo todo!

Essa é uma escolha importante por entendermos ser comum, no contexto de Educação Infantil, que as crianças iniciem na escola em diferentes momentos do ano ou passem por alguns períodos em que não vão à escola (por viagens da família, problemas de saúde, etc.) e, por isso, precisam constantemente se “readaptar”. Mas, além disso, as crianças precisam de acolhimento constante. Elas precisam se sentir seguras durante todo o ano e em todas as relações com os adultos responsáveis. E estarem seguras afeta direta e positivamente o seu desenvolvimento.

Um olhar de acolhimento é um olhar de respeito, que compreende que a criança merece e tem o direito de ser vista e ter seus sentimentos e opiniões validados e respeitados. Não podemos, ao perceber que a criança está bem na escola e já não chama a família, assumir que essa relação pode ser descuidada e que a rotina será feita de atividades dirigidas e nada mais.

Durante todo o ano haverá frustrações, descobertas, dúvidas, variações de humor, fome, sono, cansaço, mudanças de rotina familiar e uma série de outras situações em que a criança vai precisar ser acolhida. E cabe ao educador fazer essa escolha e preparar-se para isso.

Tudo isso serve para os contextos bilíngues também. A postura será a mesma, independentemente do idioma falado. Muitas escolas que optam pela educação bilíngue temem usar a primeira língua na adaptação e perder a referência ou não conseguir retomar o uso do idioma. Há também quem tema não conseguir acolher falando apenas a segunda língua. O que deve guiar a escolha é ouvir e reagir à reação da criança. Palavras, ditas em qualquer idioma, vêm carregadas de intenção que, muitas vezes, comunicam mais do que elas mesmas:

“… a atitude de acolhimento passa por comportamentos não verbais: olhares, gestos, postura do corpo e tom da voz. Dizer algo para a criança com tom irônico ou ameaçador provoca confusão e até mesmo o bloqueio da verbalização. A posição do corpo também tem um significado: na pré-escola, especificamente, sentar-se de frente para a criança, de forma que os olhares possam se cruzar, propicia uma comunicação melhor e, ainda, dá à criança a impressão de ser aceita. (…) se sente segura também com a atenção que o adulto demonstra quando a olha diretamente ou quando lhe dirige regularmente os olhos enquanto desenvolve uma atividade em grupo. Um sinal de anuência e um sorriso são dois comportamentos não verbais que confirmam e dão segurança à criança.”
(Enzo Catarsi, ”Diário de acolhimento na escola da infância”.)

Sendo a escola um ambiente bilíngue ou não, o acolhimento deve ser constante e adotar essa postura permite ressignificar o tão temido “período de adaptação”. As atitudes dos profissionais de educação em conjunto com as famílias é que vão possibilitar que a criança se adapte ao novo ambiente, crie relações significativas e se desenvolva plenamente, confiando em si e nas pessoas ao seu redor.

Espero que estas reflexões tenham sido motivadoras e tragam a vontade de colocar novas ideias em prática!

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Como deve ser o período de adaptação na educação infantil?

Professora há mais de 13 anos. Formada em Pedagogia, atuou em escolas de idiomas e como professora de educação infantil em escolas e programas bilíngues.

Como deve ser o período de adaptação na educação infantil?

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Como deve ser o processo de adaptação na educação infantil?

O período de adaptação é fundamental para a aprendizagem e o desenvolvimento. Dessa adaptação, dependem a consolidação de uma relação de confiança, num ambiente seguro e acolhedor, e a construção das condições adequadas para que os bebês possam interagir e explorar o ambiente com autonomia.

Como é o processo de adaptação?

Como ocorre o processo de Adaptação? O período da adaptação é o tempo de conhecer e estabelecer um vínculo afetivo com o novo ambiente, as educadoras, os amigos e a rotina. Só depois de estabelecido este vínculo é que a criança se sentirá segura e tranqüila.

Como deve ser feita a adaptação na creche?

As semanas de adaptação - que podem ser até três - são especiais e requerem uma programação diferente. Definir um escalonamento de horários, para que os pequenos aumentem gradualmente o tempo na creche, ajuda a acostumá-los com o ambiente. Não há regras: alguns demandam um tempo maior para se adaptar.

Quais atividades são mais indicadas para o período de adaptação?

Algumas delas são indicadas abaixo:.
receber os pais e as crianças;.
orientar os responsáveis sobre como agir nesse momento importante;.
mostrar alguns espaços da escola e a sala de aula;.
apresentar as crianças umas as outras;.
mediar atividades de interação;.
propor brincadeiras motivadoras e divertidas..