O que pode ser mal cheiro depois da menstruação?

Durante a fase reprodutiva da mulher, a vagina produz uma secreção natural, em pequena quantidade, que tem a função de lubrificar as paredes internas e retirar as células que vão sendo naturalmente eliminadas.

Essa substância secretada apresenta um cheiro com certa acidez por conta do pH da região, mas é algo suave e não chega a ser desagradável.

No entanto, quando há um desequilíbrio da flora vaginal, a secreção vaginal natural é alterada, aparecendo o corrimento. A partir daí surgem alterações no odor, indicando que algo não vai bem.

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"Daí a importância da mulher conhecer o cheiro, a cor e a quantidade da secreção normal que ela produz, pois, se surgir o corrimento, fornecerá ao médico informações que ajudarão no diagnóstico e no tratamento", coloca a ginecologista e obstetra Karen Rocha De Pauw, formada em medicina pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e especializada em reprodução humana pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

A seguir, tire suas dúvidas sobre o que pode causar possíveis alterações no cheiro do corrimento e a importância de buscar um médico ginecologista para um tratamento adequado.

Corrimento com cheiro: o que pode ser?

Corrimento com cheiro desagradável indica quadros infecciosos?

Em geral, o corrimento que apresenta odor é um indicativo de que a flora vaginal sofreu alterações e teve uma redução no número de lactobacilos que protegem a região, possibilitando a proliferação de microrganismos como bactérias e fungos.

"No entanto, para fazer o diagnóstico, o médico nunca vai levar em conta apenas o cheiro sem avaliar outros sintomas associados", esclarece Ana Katherine Gonçalves, professora titular da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), doutora em tocoginecologia e livre-docente pela Unicamp (Universidade Federal de Campinas), além de membro da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infecto-Contagiosas da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

Por isso, quando a paciente relata sofrer com corrimentos com cheiro desagradável como odor de peixe podre, ovo podre, amônia ou outras variações, o médico ginecologista passa a investigar se há uma infecção por bactérias (vaginose bacteriana).

A paciente será avaliada pelo especialista, que vai fazer o exame clínico e pode solicitar exames para identificar os patógenos. Se confirmada a causa por bactérias, o tratamento se dará com a prescrição de antibióticos orais ou com cremes vaginais com a mesma ação.

Outra doença que pode apresentar corrimento com cheiro forte é a tricomoníase —infecção sexualmente transmissível causada pelo protozoário Trichomonas vaginalis—, que causa a inflamação intensa na vagina e no colo do útero.

Além de um corrimento espesso, de cor amarelo-esverdeada e em quantidade abundante, ainda causa ardor e sensação de queimação no órgão genital. Também pode apresentar um cheiro forte, uma vez que o quadro está associado à infecção por bactérias em boa parte dos casos.

"Para tratá-lo, são prescritos antibióticos com ação antiparasitária por via oral, já que a doença também atinge a uretra e as glândulas que ficam próximas à vulva", explica Iara Moreno Linhares, livre-docente da disciplina de ginecologia do HC-FMUSP e membro da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infecto-contagiosas da Febrasgo.

Ou seja, apenas o uso de cremes vaginais não seria efetivo nesses casos. Além disso, por se tratar de uma doença transmitida pelo sexo, tanto a mulher quanto o parceiro devem ser tratados para evitar uma reinfecção.

Se o cheiro do corrimento for mais ácido, lembrando suor, o que pode ser?

Eventualmente, pode indicar um quadro de candidíase causado pelo fungo Candida albicans, que aparece com outros sintomas associados como coceira, vermelhidão, inchaço da vulva e um corrimento mais esbranquiçado e espesso.

Caso o especialista confirme o diagnóstico com o exame clínico, confirmado pelo exame de laboratório, prescreverá comprimidos ou cremes com ação antifúngica com o objetivo de eliminar o microrganismo. "Se o quadro for recorrente, o tratamento pode ser mais prolongado, inclusive com fases de manutenção", comenta Linhares.

O cheiro ruim no corrimento pode indicar um quadro grave?

Sim. O câncer de colo de útero, por exemplo, também pode apresentar um cheiro forte na secreção genital. Daí a importância de consultar um médico sempre que algo sair da normalidade.

O estresse pode causar corrimento com cheiro ruim?

Segundo Linhares, o estresse é uma das principais causas de queda da imunidade do trato genital, que muitas vezes leva aos quadros recorrentes de candidíase. Isso acontece por conta do efeito imunossupressor causado pelo aumento dos níveis de cortisol (hormônio do estresse).

Mas mudanças de hábitos e no estilo de vida também podem gerar um estresse no corpo e, consequentemente, reduzir a imunidade, facilitando a proliferação de bactérias e fungos indesejados na vagina, que produzem o corrimento com cheiro, coceira ou outros sintomas.

O uso de antibióticos pode alterar o cheiro do corrimento?

Sim. Os antibióticos não só eliminam as bactérias que causam as indesejáveis infecções na garganta e nas vias aéreas superiores, como também acabam afetando aquelas benéficas que vivem na flora vaginal com o objetivo de manter o equilíbrio e a saúde local. Uma vez que elas morrem, os riscos de proliferação de outros microrganismos oportunistas aumentam, elevando a probabilidade de infecções.

A dieta pode alterar o cheiro do corrimento?

Sim. Uma dieta desequilibrada com muita proteína, gordura ou carboidratos pode mudar o pH natural da vagina, levando à morte dos lactobacilos que protegem o local e, consequentemente, alterando o cheiro do corrimento da secreção vaginal por facilitar a instalação de fungos e bactérias. Alguns alimentos também acabam contribuindo ou não para a saúde genital. "Pessoas que consomem mais leite, por exemplo, têm a tendência de apresentar um pH mais ácido, favorecendo a manutenção dos lactobacilos", comenta Gonçalves.

Já as pacientes com quadro de diabetes descompensado sofrem com alteração no odor da secreção vaginal por conta do aumento dos níveis de glicose na região, deixando a mulher mais propensa a desenvolver candidíase.

Mulheres alérgicas podem sofrer mais com corrimentos com cheiro?

Sim. Segundo Linhares, os anticorpos IgE produzidos diante de um quadro alérgico por conta de ácaros, pó, perfumes ou outros alérgenos interferem na diminuição da imunidade vaginal, dando chances para que microrganismos, como os fungos da candidíase, se proliferem.

A menstruação pode interferir no cheiro do corrimento?

Durante a menstruação, cada mulher pode apresentar um cheiro característico devido à mistura de odores do absorvente, suor, sangue e secreções genitais. "Mas é algo absolutamente normal e passageiro, que permanece apenas nesse período", coloca Linhares.

No entanto, caso a paciente desenvolva alguma infecção durante a menstruação, um cheiro forte será evidenciado uma vez que as bactérias se alimentam do sangue. Por esse motivo, é importante trocar os absorventes a cada três ou quatro horas e higienizar bem os coletores para não dar chance desses microrganismos se proliferarem.

Ovulação altera o odor do corrimento?

Por ser uma fase muito rápida, que dura cerca de 48 horas, a ovulação não é capaz de alterar o cheiro do corrimento.

Menopaausa pode ser um fator para cheiro no corrimento?

A diminuição dos hormônios nessa fase da vida da mulher faz com que ela tenha uma quantidade reduzida de lactobacilos na vagina, facilitando a entrada de bactérias oportunistas, que geram o odor desagradável. "Mas nem sempre o cheiro se torna mais evidente porque a vagina é mais ressecada", lembra Linhares.

Nesses casos, o médico pode avaliar o uso de hormônios locais para equilibrar a quantidade de lactobacilos.

Pílula anticoncepcional causa cheiro no corrimento?

Não. Nessas pacientes, o corrimento não costuma apresentar diferença no seu aspecto nem no cheiro ao longo do mês justamente porque o medicamento impede que aconteçam as fases do ciclo menstrual. Portanto, se houver alguma alteração no odor, o médico deve ser consultado.

Fazer sexo pode levar ao corrimento com cheiro?

Isso pode acontecer em alguns casos mais específicos, por exemplo, quando há o excesso de relações sexuais. Isso porque o esperma liberado pelo homem possui substâncias que diminuem a quantidade dos lactobacilos que manteriam a saúde do órgão.

O corrimento com cheiro mais ácido também pode surgir em pacientes que sofrem com alergias a algumas proteínas presentes no sêmen ou mesmo ao látex da camisinha, uma vez que o processo alérgico derruba a imunidade local e possibilita a proliferação de fungos e bactérias oportunistas. "Homens que consomem muita pimenta e conservas também podem apresentar um tipo de proteína no sêmen que gera alergias na parceira", finaliza Gonçalves.

Como evitar o corrimento com cheiro?

  • Procure ter uma dieta equilibrada e manter um estilo de vida saudável para evitar baixas na imunidade;
  • Mantenha uma boa higiene na região. Limpe bem de frente para trás com o papel higiênico e, de preferência, higienize a vulva e o ânus com água e sabão neutro após defecar;
  • Não faça a ducha vaginal (interna). Usá-la altera o pH da vagina e remove os lactobacilos, aumentando o risco dos fungos e das bactérias se instalarem;
  • Se usar coletor menstrual, não deixe de higienizá-lo corretamente com sabão e água;
  • Troque o absorvente a cada três horas;
  • Evite fazer uso de medicamentos sem indicação médica;
  • Preste atenção em possíveis alergias que você possa ter em relação ao sêmen e ao látex do preservativo;
  • Não use roupas sintéticas por muito tempo. No verão, esse tipo de tecido gera um ambiente propício para a proliferação de bactérias;
  • Opte por usar calcinha de algodão na maior parte do tempo;
  • Depois de um treino, tome banho para eliminar o suor do corpo, evitando manter a roupa suada em contato por muito tempo;
  • Na temporada de verão, não fique com biquíni o dia todo. Vista calcinha de algodão e dê oportunidade para a região ficar arejada;
  • Use preservativos nas relações sexuais para se prevenir das infecções sexualmente transmissíveis;
  • Evite usar produtos como os desodorantes íntimos. Use o básico para higienizar a região genital: água e sabão.

Fontes:

Iara Moreno Linhares, livre docente da Disciplina de Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infecto-contagiosas da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia);

Ana Katherine Gonçalves, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, doutora em tocoginecologia e livre docente pela Universidade Federal de Campinas (Unicamp), que é membro da comissão nacional especializada em doenças infectocontagiosas da Febrasgo;

Karen Rocha De Pauw, médica ginecologista e obstetra, graduada em medicina pela Universidade Federal de Uberlândia, com especialização em reprodução humana pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo);