O que significa derrubar a estátua do Borba Gato e outros no Brasil e mundo a fora?

Manifestantes atearam fogo no início da tarde deste sábado, 24 de julho, à Estátua do Borba Gato, um dos cartões-postais da cidade de São Paulo, no bairro de Santo Amaro, na zona sul da capital paulista.

O fogo foi controlado, mas ainda não há laudo sobre a dimensão do impacto do fogo sobre a estrutura do monumento.

A motivação, segundo os manifestantes, foi protestar contra a homenagem a um bandeirante conhecido pelo papel de promover a escravidão de índios no século XVII.

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O ato político de destruir, derrubar ou queimar monumentos erguidos em homenagem a figuras do passado que promoveram a escravidão, a segregação racial ou atos contra a humanidade ganhou força mundo afora, incluindo os Estados Unidos e países da Europa, há mais de um ano, desde a eclosão do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em tradução livre).

Muitas prefeituras decidiram desde então remover tais monumentos, em uma espécie de correção histórica em tempos em que direitos humanos e igualdade de gênero e raça são cada vez mais valorizados.

Borba Gato (1649-1718) foi um dos bandeirantes mais conhecidos, junto com Raposo Tavares e Fernão Dias Paes. Eles lideraram expedições rumo ao interior, ajudando a abrir fronteiras de exploração, mas também escravizaram índios.

A estátua em homenagem ao bandeirante começou a ser construída em 1957 e foi concluída seis anos depois, em 1963. De autoria do escultor Julio Guerra, ela tem cerca de 10 metros de altura e fica em uma praça na Avenida Santo Amaro, uma das principais da capital paulista.

Nascido em 1649, em São Paulo, Manuel de Borba Gato  faleceu, em 1718, aos 69 anos de idade, quando ocupava o cargo de Juiz ordinário da vila de Sabará. Aliás, cogita-se que seu corpo esteja enterrado entre as montanhas mineiras, em Sabará ou Paraopeba. Seja como for, a estátua localizada na confluência das avenidas Santo Amaro e Adolfo Pinheiro, em São Paulo, que o homenageia - e que foi incendiada neste sábado - vem sendo alvo de reiterados protestos nos últimos anos. O episódio de agora levanta novamente a discussão sobre o papel do bandeirante, de um modo geral, na escravidão de índios e negros no Brasil no século 18. 

Na verdade, o papel desses homens na interiorização do País e a condição de símbolo do Estado têm sido cada vez mais questionados - mesmo porque, além de caçar, aprisionar e traficar a população indígena, há fartos registros de estupros e mortes.  Mas vamos voltar uma pouco no tempo: os bandeirantes eram homens que trabalhavam na região Sudeste com a exploração de minérios, escravização de indígenas e captura de escravos fugitivos no século 17. Não eram, contudo, conhecidos como "bandeirantes" durante a época em que atuaram. A historiadora Iris Kantor, professora de historiografia colonial na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), reforça que o termo foi cunhado por historiadores contemporâneos, como Affonso Taunay, que dirigiu o Museu Paulista a partir de 1917. Até então, eram conhecidos apenas como "paulistas" ou sertanistas. São Paulo, vale lembrar, estava na margem da colônia brasileira; foi, por muito tempo, uma região indígena e jesuítica, e veio a se urbanizar com maior intensidade apenas no final do século 19.  

Em entrevista ao Estadão, em junho do ano passado, o historiador Casé Angatu, professor da Universidade Federal de Santa Cruz (UFSC), na Bahia, lembrou que a homenagem aos bandeirantes por meio de estátuas decorre de dois momentos definidores: a partir da década de 1870, durante a Belle Époque brasileira, em que se buscou “europeizar” arquitetonicamente a cidade de São Paulo, e na década de 1950, que retoma o ideário bandeirante no seu quarto centenário. “As homenagens simbolizam uma tentativa de a capital se desvincular de suas origens indígenas, negras, caboclas e caipira para se aproximar de uma metrópole europeia”, disse ele. 

O ponto de virada, ainda de acordo com ele, começa com a desmistificação do mito bandeirante nas escolas, a partir do uso da lei 11.645/2008, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. Neste processo, fica possível compreender que as maiores heranças dos povos indígenas não estão em monumentos, mas sim nos costumes dos paulistas - como o sotaque. “A cidade tem uma das maiores populações indígenas do Brasil em números absolutos. Não dá mais para excluí-la do cotidiano”, disse ele, à época.

Borba Gato era filho de João de Borba Gato e Sebastiana Rodrigues, e casou-se em 1670 com Maria Leite, filha do bandeirante Fernão Dias Paes Leme e de Maria Betim. Em 1681,  teria se desentendido com um fidalgo,  D. Rodrigo de Castelo Branco, matando-o - mas teria negociado o perdão com as descobertas de veios de ouro no rio das Velhas. Importante ressaltar que há outra versão sobre o crime, mas, de qualquer forma, sobre o passado escravagista do bandeirante não há dúvida.

O Códice Costa Matoso, documento de 1730, por exemplo, diz: «A Justiça que achei nestas Minas de Sabará foi o Tenente-General Borba Gato, que era superintendente destas minas, homem paulista. Repartiu as lavras de ouro por sortes de terra e veios d'água, como mandava o Regimento, confiscava todos os comboios do sertão, boiadas, cavalos e negros. E tudo o mais que apanhava, tudo confiscava, até o ouro que ia para os sertões da Bahia se arrematava para o Rei. Esta era a ocupação que tinha Borba. Também havia contendas e como juiz supremo deferia a todos com muito agrado e desejava favorecer os confiscados. Tinha meirinho e escrivão e muita gente para as diligências do confisco".

Vale dizer que, nos tempos do Orkut, mais precisamente em 2007, o jornal Extra fez um reportagem mostrando o quanto Borba Gato já gerava discussões por meio de comunidades como Eu Odeio o Borba Gato ou Eu Tenho Medo do Borba Gato. Já a comunidade Playmobil Gigante, por seu turno, tratava de criticar a estátua, que sempre foi comparada ao famoso brinquedo. Nesta mesma matéria, um dos entrevistados, o ator Paulo Cesar Pereio, que fez um curta sobre Borga Gato, disse: "Os bandeirantes abriram caminho para nossa civilização perpetuar crimes como estes que ocorrem até hoje. Borba Gato ficou famoso por massacrar índios e estuprar índias. Enriqueceu explorando ouro em Minas Gerais. Chegou a ser acusado de assassinato, mas como se tornou rico, escapou impune das acusações".

O que significa derrubar a estátua do Borba Gato?

Diversos grupos pedem a derrubada da estátua, em um movimento que ganhou força no ano passado após decapitações e demolições de símbolos escravagistas nos Estados Unidos impulsionadas pela onda de protestos antirracistas gerada pela morte de George Floyd.

Qual o significado da derrubada de estátuas dos conquistadores das Américas?

Mais uma vez, é o alvo de ações que defendem a derrubada de monumentos que exaltam personagens da escravização de povos afrodescendentes e indígenas, como é o caso de Manuel de Borba Gato, que fez fortuna, na segunda metade do século 18, ao caçar indígenas pelo sertões do País para escravizar.

O que a estátua de Borba Gato simboliza e qual a polêmica em torno dela *?

A Estátua de Borba Gato é um monumento em homenagem ao bandeirante Borba Gato. Localiza-se na Praça Augusto Tortorelo de Araújo na cidade de São Paulo, distrito de Santo Amaro. A obra é composta por argamassa, trilhos e pedras, revestida de pedras coloridas de basalto e mármore.

Por que derrubar monumentos?

O movimento pela derrubada de monumentos de personagens históricos funciona então como uma forma de requisitar outras formas de narrar a história, que questionam essa exaltação de personagens escravistas, buscando justiça e uma real liberdade ao povo negro.