Para Locke, o estado de natureza é um estado de liberdade e de igualdade

Compreender a liberdade para John Locke, só seria possível se entendermos o estado em que os seres humanos naturalmente se encontram. Falar em estado de natureza seria assumir a existência necessária de uma lei natural que controla essa condição. A lei natural significa, para o filosofo inglês, que todos os homens nascem e são iguais, por esse motivo, nenhum ser humano deve proporcionar prejuízo ao outro. Este preceito de lei natural refuta que no estado de natureza os homens seriam incapazes de causar dano ao outro.

É no estado de natureza que está condicionada a igualdade, uma vez que o poder e a jurisdição são recíprocos entre os homens. Um homem só teria poder sobre o outro quando a lei natural não fosse obedecida. A liberdade como característica inerente ao estado natural não estaria atrelada a uma “libertinagem”, pois o estado de liberdade não é uma licenciosidade absoluta.  

O homem é livre, mas pode ser sucumbido a outro homem, quando assumindo uma postura de transgressor, atravessa a linha restritiva da liberdade e agride os direitos do outro que integra uma mesma sociedade. A lei natural do homem tem como característica principal a sua territorialidade ilimitada, ou seja, é única em todo lugar, é universal. O estado de natureza do homem é comum a todos e em todos os lugares. Tal raciocínio encontra-se sua origem no pensamento aristotélico, segundo qual, a lei natural diferencia-se da lei positiva, exatamente por ser eficaz em todos os lugares.

O filosofo defendia a ideia que era necessário a imposição de um Estado, pois não negava as precariedades do estado natural do homem, uma vez, que o estado de natureza estaria comprometido, quando um sujeito trespassar a liberdade e a igualdade, ou seja, quando um sujeito exorbitar o seu direito de realizar tudo que é permitido dentro da lei natural ou implicar a subordinação, fazendo se necessário o estado civil, para evitar que o homem entrasse em estado de guerra, uma vez que para Locke, traçado o caminho do da guerra, dificilmente seria o retorno.

Quando um sujeito saía do estado natural e violava o direito de liberdade e igualdade (direitos inerentes ao estado de natureza), estava o sujeito transgredido incumbido de fazer justiça. Contudo, o sujeito que faz justiça por si só é passível de cometer o erro por ausência da imparcialidade, podendo replicar a ofensa com outra, estando novamente o homem saindo do seu estado natural. Locke concluiu que no estado de natureza estava ausente a existência de juiz imparcial. Desta forma, a “falha” central presente no estado de natureza estava na incapacidade do sujeito, quando for julgar suas próprias controvérsias, ser imparcial, portanto a falha do estado de natureza para Locke é a ausência da imparcialidade do juiz. Tal imparcialidade só poderia ser alcançada quando o sujeito abria mão da natureza do seu estado e sucumbia ao estado civil.

Porque a finalidade da sociedade civil é evitar e remediar aquelas inconveniências do estado de natureza que necessariamente resultam do fato de cada um ser juiz em sua própria causa, estabelecendo uma autoridade notória à qual cada membro dessa sociedade possa apelar no caso de sofrer alguma injuria, ou de surgir alguma controvérsia, e à qual todos devem obedecer (LOCKE, 2005, p. 145).

Locke não entendia pela necessária criação de uma lei para regular e punir os homens que traiam a natureza do seu estado, mas era necessária a criação de um juiz imparcial que aplicasse a lei já existente no estado natural do homem. Percebe então que é possível a não criação de um estado absoluto, mas sim um estado limitado que teria a função de aplicar de forma imparcial a lei natural do homem. O estado civil deve apenas tornar possível à aplicação adequada das leis naturais já existentes no estado de natureza, com o objetivo de preserva-la.

           Para Norberto Bobbio (1997), a concepção de John Locke de estado civil é a negação do estado da natureza, como vistas a reafirmação e recuperação da natureza do homem, portanto o estado de natureza em Locke é onde estão os direitos fundamentais do homem (Liberdade, Igualdade, Vida, Propriedade) e o estado civil é o estado em que tais direitos devem ser restaurados. Daí a importância dos conceitos de Liberdade Natural e Liberdade Civil atreladas ao raciocínio lockiano, uma vez que a primeiro é praticado em um estado pré-político, enquanto que a segunda é praticada no estado social, onde o homem livre vive em acordo com um poder comum, sem serem sucumbidos as vontades de outro homem.

           Locke preocupou-se ao fato, segundo ele, que mesmo o homem vivendo em sociedade civil e exercendo a liberdade civil (ou seja, a liberdade pós-politica) poderia essa liberdade ser bastante instável, pois um governo pode estar sujeito a tirania e então estaria o homem declarando o estado de guerra. Apesar do seu irrefutável posicionamento naturalista, Locke sustenta que é essencial a existência do governo civil, uma vez, que o homem natural atua como juiz de causa própria, o que tornaria a sociedade execrável.

           O ponto central lockiano é que a liberdade natural está em movimento ascendente a liberdade civil, contudo essa última só existirá enquanto sua causa for a preservação da primeira, caso contrário, o homem não estará obrigado a obedece-la.

           Quando o soberano, que detém um poder cedido pelos indivíduos da sociedade, não cumpre a lei, caracterizando um poder tirano, o homem que compõe essa sociedade terá o Direito de Resistir, pois quando uma potência atrapalha a atuação da lei civil na preservação da liberdade natural do homem, este tem o direito de desobedece-lo, sendo então esse anátema a chave mestra que abrirá as portas para o fundamento lockiano que sustenta a teoria da Desobediência Civil. 

A liberdade dos homens sob um governo consiste em viver segundo uma regra permanente, comum a todos nessa sociedade e elaborada pelo poder legislativo nela erigido: liberdade de seguir minha própria vontade em tudo quanto escapa à prescrição da regra e de não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem. Assim como a liberdade da natureza consiste em não estar sujeito a restrição alguma senão à da lei da natureza. (LOCKE, 1998, p. 403)

Quando o Estado não exercer a função para qual ele foi adotado, o homem tem o poder de destitui-lo, ou seja, também era de cada homem a prerrogativa de fiscalizar a atuação do Estado na preservação do direito natural, pois o Estado também tinha capacidade de declarar guerra, quando não respeitava por inteiro o direito natural.

Pois, uma vez que o poder concedido em confiança para consecução de um fim, limitado por esse próprio fim, for manifestamente negligenciado ou contrariado, a confiança deve necessariamente se retirado e o poder devolvido às mãos daquele que consideram que podem coloca-la de novo onde julgarem melhor para sua segurança e proteção (LOCKE, 2005, p.151).

Estava sempre à ideia de direito natural em primeiro plano que a lei civil e o Estado que negligenciasse o direito natural deveria ser destruído e o poder devolvido ao homem, retornando ao seu estado natural. O homem é o protetor maior do seu direito, defende-o até mesmo do próprio Estado, assim evidenciando que o poder político não podia sobreviver por si só.

O Direito de Resistencia, que para Locke não tem seu conceito próximo do conceito de rebelião, devolve ao indivíduo a ideia de soberania popular, colocando no papel principal o Contrato Social, que nos modelos absolutistas era protagonizado pelos contratos de governo, e principalmente, que a resistência é a defesa dos direitos fundamentais e não somente a manutenção da racionalidade e da natureza humana. 

Referências

ARISTÓTELES. A Política. [Livros I e II] São Paulo: Abril Cultural, 1983. 

BOBBIO, Noberto. Locke e o Direito Natural. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.

LOCKE. Segundo Tratado sobre o Governo civil e outros escritos, Petropolis, Vozes, 1994.

        . , Jonh. Dois Tratados sobre o Governo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

O que é o estado de natureza para Locke?

No estado de natureza, situação em que segundo a doutrina contratualista o homem ainda não instituiu o governo civil, John Locke entende que os indivíduos são iguais, independentes e estão plenamente livres para decidir suas ações, dispor de seus bens e regular os semelhantes que possam vir a ofender os seus direitos ...

Qual é o tipo de liberdade defendida por Locke?

A liberdade consiste em estar livre de restrição e de violência por parte de outros, o que não se pode dar se não há lei. (LOCKE, 2000.

O que significa estado de natureza para Hobbes é Locke?

Ao contrário de Hobbes, para o qual o estado de natureza era um estado de guerra, para Locke o estado de natureza era um estado de perfeita paz e harmonia entre os homens. O direito natural por excelência, para Locke, é a propriedade (lembre-se que ele é o teórico do liberalismo).