Por Fabrício Veliq* A cada ano que passa, cresce o número de suicídios no país. Entre 2011 e 2016, para se ter uma ideia, foram registrados 62.804 casos com motivos diversos, segundo a Agência Brasil. Esses dados são preocupantes e geram diversos questionamentos relativos à saúde pública do país. Não só à saúde, mas também à Teologia. Afinal, num país cristão como o Brasil, o tema ainda é visto como um enorme tabu por grande parte da população. O próprio catecismo da Igreja Católica condena o suicídio, afirmando que tal ato “contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a própria vida” (catecismo 2281), ainda que também considere que Deus pode oferecer a quem o pratica “ocasião de um arrependimento salutar” (catecismo 2283). As igrejas evangélicas, por sua vez, na maioria dos casos, têm uma posição bem mais radical quanto à temática. Condenam todo ato suicida como pecado digno do inferno, que Deus não perdoa. A ideia, seguindo na mesma linha do catolicismo, é que a vida é um dom de Deus e, por isso, somente ele pode retirá-la. Desse modo, não é da alçada humana dar fim à própria vida. Como protestante que sou, sinto-me mais à vontade para falar dessa realidade no meio evangélico no qual cresci. Nesse meio a cobrança para a uma vida de santidade é imensa e o medo do inferno é quase sempre a moeda de troca em diversos ensinamentos. Em outras palavras, são várias as denominações que pregam que não se deve pecar a fim de não se ir para o inferno, ao mesmo tempo em que cobram de seus membros uma santidade quase angelical para que sejam vistos como agradáveis aos olhos de Deus. Diante disso, não é de se espantar que o suicídio seja tão condenado no meio evangélico. Facilmente se compreende também o porquê de se afirmar que aquele que o comete vai para o inferno, justamente por não ter tido a oportunidade de pedir perdão. Essas teorias causam enorme sofrimento aos familiares que ficam e que, além de sofrerem a dor da perda do ente querido, ainda têm que pensar que ele estará para sempre longe da graça de Deus. Do ponto de vista da Teologia cristã, porém, é importante lembrar que toda e qualquer situação da vida humana deve ser lida sempre a partir do ponto de vista de Cristo e da graça de Deus, que alcança a todos. Na cruz, conforme narrado pelos Evangelhos, encontra-se o crucificado que toma o sofrimento do mundo e com ele sofre a agonia e o desespero da morte. Da mesma forma, naquele momento, o próprio Pai se faz presente, sofrendo junto com seu Filho todo o abandono e dor, bem como o Espírito. Este floresce a partir daí para levar conforto e lembrar ao mundo que a morte e o sofrimento não têm a última palavra, pois Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos. Esse evento trinitário por excelência deve ser o prisma pelo qual a questão do suicídio deve ser vista na teologia cristã. No sofrimento e na dor que o suicida geralmente carrega consigo, que acredita causar a seus familiares e que tenta dar fim por esse ato extremo, ali, juntamente com ele, está presente Jesus. A graça de Deus alcança todo desespero humano em sua radicalidade, de maneira que condenar a pessoa que suicida ao inferno se revela como não compreensão dessa graça. Se Deus é amor, como afirma a fé cristã, então todo sofrimento e toda dor de seus filhos e filhas é assumido por ele a fim de que possam descansar em seus braços e encontrar conforto para o que os fizeram abandonar a vida. *Fabrício Veliq é protestante e teólogo. Doutor em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e Doctor of Theology pela Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven). E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.Imagem: Pixabay Embora seja errado tirar a própria vida, é possível que a pessoa que comete suicídio não seja responsável por seus atos. Só Deus pode julgar tal questão. O Élder M. Russell Ballard, do Quórum dos Doze Apóstolos, disse: “Obviamente, não conhecemos todas as circunstâncias que envolvem todos os suicídios. Somente o Senhor conhece todos os detalhes, e é Ele que julgará nossas ações aqui na Terra. Quando nos julgar, sinto que levará tudo em consideração: nossa formação genética e química, nosso estado mental, nossa capacidade intelectual, os ensinamentos que recebemos, as tradições dos nossos pais, nossa saúde e assim por diante” [“Suicide: Some Things We Know, and Some We Do Not” (“Suicídio: Algumas Coisas que Sabemos, e Outras que não Sabemos”), Ensign, outubro de 1987, p. 8]. Assista ao video: Ative as legedas no botão "Subtitle" ao lado do botão de configurações ou no botão "CC" se estiver na aplicação. Outros Recursos - Artigos
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