Por que o futebol feminino não é valorizado como o futebol masculino?

Em plena Copa do Mundo e apesar de Marta ter sido eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo, ainda há quem use argumentos como a fisiologia para desvalorizar o jogo das mulheres

18/06/2019 - 06:00 / Atualizado em 18/06/2019 - 12:41

Por que o futebol feminino não é valorizado como o futebol masculino?
Formiga, jogadora da Seleção Brasileira de Futebol Feminino Foto: O Globo

RIO - Durante toda a história do futebol feminino nacional, o que mais se escutou foi que a modalidade não realizava partidas "tecnicamente boas". Com o tempo, essa se tornou uma das principais justificativas para a falta de empenho dos brasileiros em acompanhar os jogos das mulheres. Um argumento que se multiplicou, gerando outras desculpas para reforçar a ideia de que o nosso futebol feminino não é  bom. Hoje, em plena Copa Mundo de 2019 e apesar de Marta ter sido escolhida a melhor jogadora do planeta seis vezes, esse tipo de discurso se mantém, mas pode ser facilmente contestado, segundo especialistas.  

De acordo com Emily Lima, ex-técnica da seleção, o futebol feminino evoluiu técnica e taticamente nos últimos anos de maneira considerável. Hoje, a modalidade se iguala nesses quesitos a equipes masculinas.

— Da parte técnica e tática, as coisas mudaram bastante. Antes, era desorganizado taticamente. As equipes eram espaçadas dentro de campo. Hoje, você vê uma organização, consegue ter uma leitura de futebol. Tecnicamente, você vê lançamentos que também ocorrem no masculino — afirma Emily.

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Para Aline Pellegrino, Diretora do Departamento de Futebol Feminino da Federação Paulista de Futebol Feminino e ex-zagueira da seleção brasileira, a discussão sobre a qualidade técnica e tática das partidas é "indelicada", uma vez que se trata de uma percepção pessoal.

— O que é bom para mim pode não ser bom para você. Tem gente que gosta de troca de passe, outros gostam de contra-ataque, isso vai construindo o que você acha tecnicamente bom ou ruim. Na verdade, as pessoas não acompanham o futebol feminino — argumenta.

E o tamanho do gol?

O tamanho do gol — com exatamente as mesmas medidas do masculino — também já gerou muita discussão quando o assunto é futebol feminino. Para muitos, ele representa uma dificuldade para as goleiras, que não teriam envergadura para defender alguns lançamentos. No entanto, Emily discorda e rebate:

— Futebol é futebol. Tem que ter as mesmas regras. Se a gente estivesse jogando contra homens, poderia sim ser um gol grande demais, mas estamos jogando de igual para igual. As goleiras evoluíram muito, com envergaduras maiores.

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Quanto à parte física, Emily ressalta que há aspectos diferentes entre homens e mulheres mas que isso não torna o futebol feminino inferior ao masculino. Trata-se de uma diferença fisiológica, que não será igualada independentemente do treino.

— É claro que na parte física tem um diferencial. E isso é em qualquer lugar do mundo, em qualquer esporte. Fisiologicamente não tem como igualar, e não queremos isso, buscamos referências no físico masculino para evoluir, mesmo sabendo que vamos continuar distantes — explica. — Uma mulher vai conseguir bater na bola com a mesma força que um homem? Não. Mas vai conseguir ter a mesma qualidade que ele.

As jogadoras estão 'velhas demais'?

A média de idade da seleção também virou um argumento negativo na hora de falar sobre a qualidade das nossas partidas. Pelos cantos, escutamos que as jogadoras brasileiras estão desgastadas, cansadas e com um rendimento em declínio. No entanto, esse aspecto deve ser analisado de forma individual para cada equipe, alerta Aline. Trata-se, segundo ela, de uma escolha técnica, e o aspecto da idade não pode ser colocado como regra para qualificar equipes como boas ou ruins.

— Algumas equipes vão pesar por serem mais novas, outras por serem mais experientes. É estratégia, vai de cada um. O técnico pode ter jogadoras mais experientes e optar pelas mais jovens — diz Aline. — Ter uma seleção experiente não pode nunca ser considerado algo negativo.

Esse argumento também é desconsiderado pela ex-zagueira quando relacionado à falta de incentivo de base, que poderia impedir a renovação da equipe:

— Acho que não é esse o caso. Foi uma questão de escolha. Havia outras opções para as posições, mas quiseram uma equipe experiente, e ponto — ressalta. — A Brenda, por exemplo, tem um jogo maravilhoso, que, se não é a mesma coisa da Formiga, é próximo, e ela tem 22 anos. Poderia estar lá. Temos meninas na seleção de sub 20 e sub 17 ótimas. (Escolher jogadoras mais velhas) É estratégia.

Segundo Emily, incentivos interessantes estão ocorrendo na base do futebol feminino, como o campeonato nacional sub 18 promovido pela CBF. No entanto, ela ressalta que é preciso ter paciência, já que o processo começou de cima para baixo — do adulto para a base.

— Tem que ter paciência para que essa engrenagem gire, para deixar essa base forte e colher frutos futuramente — afirma Emily. — Você começa a deixar as atletas mais "cascudas" desde os 13 anos. Disputar competições estaduais e nacionais importantes deixam essas atletas com um bom preparo para as competições mundiais, onde o bicho pega mesmo. Temos atletas indo direto para a seleção principal, sem passar por nenhuma categoria de base de clube ou da própria seleção, então é bem difícil.

Culturalmente, o futebol é o esporte mais assistido e jogado pelos brasileiros, o que acaba dando à seleção feminina uma posição privilegiada frente a outros esportes. No handebol, por exemplo, as brasileiras já foram campeãs mundiais, mas não se ouve falar da modalidade.

— Apesar de tudo, de todas as dificuldades do futebol feminino, ele ainda leva vantagem por ser futebol. Acho que, como modalidade, ele atropela as outras por questões culturais. Pode ser que você tenha um jogo de futebol feminino e vôlei feminino no mesmo horário, e o futebol seja mais assistido, mesmo não estando tão difundido quanto o vôlei, que é uma exceção — ressalta Aline.

Ela lamenta o fato de um esporte não puxar o outro:

— Em época de Copa, não se fala dos outros esportes. Fala-se do feminino como um todo, dos problemas, etc. Mas não vai trazer visibilidade para os outros esportes, como não aconteceu com o futebol em épocas em que o vôlei estava elevado, por exemplo.

*Estagiária sob supervisão de Renata Izaal

Por quê? Existem algumas teorias a respeito. Uma delas é que o futebol feminino não tem a história do masculino, e, assim, as mulheres têm menos tempo para entender e explorar as regras do jogo. Pode não haver muitas “cai-cai” por aí, mas dê tempo para as senhoras.

Porque existe preconceito com o futebol feminino?

O preconceito no futebol feminino advém de fatores culturais, sociais, os quais precisam ser revistos, já que são fatores limitantes do desenvolvimento não somente do futebol, mas do esporte feminino como um todo.

Quais os motivos do esporte feminino ser desvalorizado no Brasil?

A falta de segurança, o preconceito, a falta de incentivo nas escolas, todos esses são fatores que devem ser apontados quando se constata que o esporte no Brasil não tem o mesmo acesso por meninos e meninas.

Porque o futebol feminino não possui tanto destaque no Brasil?

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