Quais são as teorias da desconsideração da personalidade jurídica?

1 INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico pátrio tem por assertiva a de que toda “pessoa” é capaz de direitos e deveres na ordem civil, nos termos do que dispõe o art. 1º, do Código Civil brasileiro. Consequentemente, toda a organização jurídica tem como cerne ou arcabouço a “pessoa” que pode ser sujeito de direitos ou de obrigações.

Temos então, o instituto da personalidade jurídica que se subdivide em natural ou física e jurídica, estando a primeira regulada a partir do art. 1º do Código Civil e a segunda, a partir do art. 40 desse mesmo diploma legal.

Será a partir da concepção supra que teremos uma das mais importantes criações do Direito, que é a criação ficta de uma pessoa. Trata-se da criação da pessoa jurídica, conforme dito uma criação fictícia do direito, constituída por uma ou várias pessoas físicas ou jurídicas a depender da espécie que foi criada e cuja principal função é a separação patrimonial de direitos e obrigações das pessoas físicas ou jurídicas que a constituíram. Tal separação tem como pressuposto o princípio da autonomia patrimonial, o qual determina que os direitos e obrigações da pessoa jurídica não se confundem com os direitos e obrigações das pessoas que a constituíram.

Assim, se a diretriz a ser seguida no ordenamento pátrio é o da observância do princípio da autonomia patrimonial a inserção do instituto da desconsideração da personalidade jurídica constitui-se na exceção à regra, cuja aplicação admite-se apenas ante a incidência nos casos excepcionais previstos no art. 50 do Código Civil, Teoria Maior, ou no art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, Teoria Menor. Mas, apesar da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de modo positivado se dividir nessas duas classificações supracitadas, a doutrina traz ainda outras subespécies, a saber: expansiva, indireta e a invertida, sendo essa última objeto de análise no presente trabalho ante sua recente positivação por meio da Lei nº 13.105/2015.

Desta forma, o trabalho tem como objeto definir a teoria da desconsideração da personalidade jurídica invertida, sua aplicação e função. Para atingir este objetivo esmiuçar-se-á o instituto da personificação, bem como o surgimento e efeito da desconsideração da personalidade jurídica para ao final abordarmos a teoria invertida da desconsideração. E para tanto, será feito uso não só de dispositivos legais, mas também, de concepções doutrinárias e de decisões judiciais.

2 A PERSONALIDADE JURÍDICA

Conforme observa Daniel Machado Gomes a personalidade das pessoas naturais antecede o Direito, tratando-se de uma aptidão genérica no sentido de que todo ser humano pode ser sujeito de direito (GOMES, 2017, p. 15). No entanto, o instituto da personalidade ultrapassa a esfera de abrangência da pessoa natural a partir do momento em que foi concebida a possibilidade de personificação “jurídica”.

A personalidade jurídica corresponde a criação ficta de uma pessoa, que tal qual a natural poderá ser sujeito de direitos e obrigações. Sua origem remonta da antiguidade, dos protótipos dos entes coletivos que correspondiam às universalidades de pessoas ou de bens, conforme observa Edilson Enedino das Chagas (CHAGAS, 2016, p. 160).

Com base nisso, podemos ainda dizer que por personalidade jurídica entende-se a aptidão que uma universalidade de pessoas ou de bens possui de contrair direitos e obrigações na órbita civil. Essa aptidão tem início a partir do arquivamento dos atos constitutivos no órgão competente e termina por sua dissolução, quer seja pela via judicial ou extrajudicial.

No que diz respeito as sociedades, a autora Maria Helena Diniz ressalta que a partir do registro de seus atos constitutivos haverá a aquisição da personalidade jurídica que surtirá os seguintes efeitos:

a) Ser sujeito de direito, adquirindo assim não só a capacidade legal para adquirir e direitos e contrair obrigações como também ser parte legitima na esfera processual;

b) Ter individualidade própria, recebendo um nome e não se confundindo com seus sócios ou administradores;

c) Possuir autonomia e responsabilidade patrimonial, tendo seu patrimônio distinto do dos sócios;

d) Haver possibilidade de alteração contratual (DINIZ, 2011, p. 41).

Hodiernamente, a existência da pessoa jurídica está positivada a partir do artigo 40 do Código Civil, que as divide em dois grandes grupos: o das pessoas jurídicas de direito público e o das pessoas jurídicas de direito privado.

Nos termos do art. 41 do Código Civil, serão pessoas jurídicas de direito público a União, Estados, Distrito Federal, Territórios, os Municípios, as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público, criadas por lei. Ou seja, de um modo geral, podemos dizer que as pessoas jurídicas de direito público serão todas aquelas que fazem parte da Administração Pública, independentemente de ser direta ou indireta, regendo-se inclusive por normas próprias.

As pessoas jurídicas de direito público ainda se dividem em pessoas jurídicas de direito público interno e externo. As de direito público interno referem-se a todas aquelas especificadas no artigo 41 do Código Civil quando pertencentes ao nosso país, mas serão de direito público externo quando pertencentes a outros países.

Assim, as pessoas jurídicas de direito público externo são aquelas indicadas no artigo 42 do mesmo diploma legal supracitado, que correspondem a toda entidade jurídica que goza de direitos e deveres internacionais e que possua capacidade de exercê-los (ACCIOLY, 1996, p. 62). Tais entes, dotados de personalidade internacional, situam-se na órbita externa ou internacional e regidas pelo direito internacional (PEREIRA, 2010, p. 271), os Estados, as Organizações Internacionais e entes especiais, v.g. Santa Sé, Cruz Vermelha Internacional. As demais pessoas pertencentes a outro país são pessoas de direito privado estrangeiro, independentemente da função que exercem e como são classificadas no Estado cuja legislação possibilitou sua existência como sujeito de direito.

Nesse sentido, é importante ressaltar que as pessoas jurídicas de direito público não se confundem com as pessoas jurídicas de direito privado, ainda que essas últimas executem serviços públicos delegados pelo Estado, conforme explica Daniel Machado Gomes (GOMES, 2017, p. 103).

Já as pessoas jurídicas de direito privado estão previstas no artigo 44 do Código Civil que traz um rol taxativo: as associações, sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e empresas individuais de responsabilidade limitada.

Independentemente, da espécie sob a qual se constitui quatro são os efeitos da aquisição da personalidade jurídica: direito a proteção legal do nome empresarial; autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação às pessoas que a constituem; aquisição de domicílio e de nacionalidade própria. Tais efeitos são também considerados direitos da personalidade, cujo tratamento é igualitário ao da pessoa natural ante ao que dispõe o art. 52 do Código Civil.

Na prática, a constituição da personalidade jurídica facilita o exercício da atividade economicamente organizada na medida em que permite agrupar e perseguir interesses que com maior dificuldade seriam obtidos pelas pessoas físicas ante à concentração dos objetivos e metas numa única pessoa e além disso, ela possibilita a limitação da responsabilidade.

A partir desta concepção Marlon Tomazette vai defender que:

A personalidade jurídica não é um elemento essencial do conceito geral de sociedade, mas seu reconhecimento para as sociedades foi um dos elementos fundamentais para que elas se desenvolvessem e tomassem o porte que têm hoje as corporações. Ressalte-se, portanto, que a personalidade jurídica é um elemento essencial nas corporações em todos os sistemas jurídicos, mas não para todas as sociedades (TOMAZETTE, 2014, p. 110).

Assim, a compreensão do instituto da personalidade jurídica, sua desconsideração e efeitos tornam-se imprescindíveis no universo das corporações.

3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: DEFINIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E ESPÉCIES

A disregard doctrine, também chamada de teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu como forma de coibir que a pessoa jurídica viesse a ser utilizada para prática de atos lesivos a sociedade.

Esta teoria apesar de existente em outros países, com outras nomenclaturas, teve nos EUA o seu principal precursor, desenvolvendo-se principalmente em sede de decisões jurisprudenciais.

No Brasil, a adoção dessa teoria surge como forma de mitigação ao princípio da autonomia patrimonial que passa a ter sua aplicação plena limitada às obrigações da sociedade perante outros empresários ou à própria sociedade e ainda assim, desde que não seja perquirida confusão patrimonial, desvio de finalidade ou fraude.

A teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica determina a ilimitação da responsabilidade dos sócios integrantes da sociedade, os quais responderão subsidiariamente a sociedade. Essa situação ocorre porque a sociedade será sempre diretamente responsável e somente após o exaurimento de seus bens é que ocorre a execução dos bens de seus sócios. Daí sua hodierna regulação conte processual pelo Código de Processo Civil de 2015 a partir do art. 133.

Desta forma, o objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é desconsiderar momentaneamente a personalidade jurídica da sociedade para atingir os bens particulares dos sócios, na hipótese de comprovação da prática de atos fraudulentos, confusão patrimonial, desvio de finalidade, etc. Na realidade, essa determinação busca preservar o direito dos credores.

Foi com esse objetivo que o Conselho de Justiça Federal aprovou o Enunciado 51 que positivou a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no CCB/02 em seu artigo 50. Todavia, convém frisar que para que seja aplicada essa teoria a parte requerente deverá comprovar a existência da má-fé ou da irregularidade da pessoa jurídica.

Existem várias causas ensejadoras da desconsideração, porém a mais comum é a sua aplicação já na fase de execução na Justiça do Trabalho. No entanto, a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil atual, Lei nº 13.105/2015 e da reforma à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sua aplicação passou a ser regulada instrumentalmente a partir do art. 133 e do art.855-A, respectivamente. O que implica dizer que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, na prática, deve ser requerida pela parte interessada no momento de propositura da petição inicial ou ainda, no curso do processo. Porém, neste último caso ela será tratada como incidente processual, gerando a suspensão do trâmite do processo principal a fim de que sejam observados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Mas, apesar de os supracitados dispositivos legais serem bastante claros no tocante ao procedimento o qual se dará, de acordo com o momento de seu requerimento, os dispositivos também implicam na questão controversa no que tange à legitimidade ativa para seu requerimento. Pois, conforme bem observa Silvano José Gomes Flumignan o texto das disposições do atual CPC não só ratifica a possibilidade de o Ministério Público poder pleitear tal medida, assim como dá a entender que não seria mais possível que a própria sociedade a requeresse (FLUMIGNAN, 2018). Neste último caso, existe inclusive o Enunciado 258 da IV Jornada de Direito Civil, cujo entendimento é exatamente o oposto:

Enunciado 285 da IV Jornada de Direito Civil - Art. 50: A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor.

O fato é que a própria pessoa jurídica permanece possuindo legitimidade ativa para pleiteá-la, muito embora os dispositivos que regulam a desconsideração no CPC aparentem impossibilitar tal legitimidade. Mas, assim como a questão da legitimidade da pessoa jurídica é matéria implícita, temos ainda discussões acerca da legalidade do ato de decretação da desconsideração “de ofício” pelo juiz. Nesse sentido, existem outras leis que também regem o instituto da desconsideração como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor e que em seu art. 28 admite a aplicação da desconsideração sem que necessariamente o juiz seja provocado.

Outra interessante questão é a interpretação por parte do STJ no sentido de que a ausência de atualização do contrato social da empresa apesar de torná-la irregular não propiciaria a desconsideração, conforme demonstra o julgado a seguir:

A mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica.

Manutenção da decisão monocrática que, ante a ausência dos requisitos previstos no art. 50 do CC/2002, afastou a desconsideração da personalidade jurídica (BRASIL, 2017).

No que tange ao seu objetivo, a desconsideração da personalidade jurídica tem o condão de ampliar o campo de imputação de responsabilidade dos sócios. Ela possibilita a aplicação imediata da responsabilidade subsidiária nas sociedades em que a responsabilidade dos sócios já seja ilimitada, pelo fato de gozarem do benefício de ordem conforme dispõe o art. 1.023 do Código Civil.

Por fim, no que diz respeito à sua classificação, a desconsideração da personalidade jurídica é classificada como “maior”, “menor” e invertida, podendo ainda ter por espécies a indireta e a expansiva.

A Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica está prevista no art. 50 do Código Civil e determina que a personalidade jurídica pode ser desconsiderada sempre que se provar confusão patrimonial, desvio de finalidade ou fraude em sentido lato, ou seja, comprovando-se o uso maléfico da sociedade.

Nesse sentido, é esclarecedor o seguinte julgado Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), a saber:

No caso, em que se trata de relações jurídicas de natureza civil-empresarial, o legislador pátrio, no art. 50 do CC de 2002, adotou a teoria maior da desconsideração, que exige a demonstração da ocorrência de elemento objetivo relativo a qualquer um dos requisitos previstos na norma, caracterizadores de abuso da personalidade jurídica, como excesso de mandato, demonstração do desvio de finalidade (ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica) ou a demonstração de confusão patrimonial (caracterizada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas) (BRASIL, 2016).

Já a Teoria Menor tem por argumento legal o art. 28, §5º, da Lei 8078/90, determinando que a pessoa jurídica pode ser desconsiderada com base na simples insatisfação do credor ante a sua condição de hipossuficiente. Assim, embora seja chamada de “menor” o campo de aplicação desta teoria termina por ser mais amplo do que o campo de atuação da Teoria Maior diante da simplicidade do requisito necessário à sua aplicação.

A decisão proferida pela Terceira Turma e publicada no Informativo nº 415 do STJ traduz claramente a distinção entre a Teoria Maior e Menor da desconsideração, a saber:

A controvérsia está a determinar se a simples inexistência de bens de propriedade da empresa executada constitui motivo apto à desconsideração da personalidade jurídica - o que, como é cediço, permite a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores. Explica a Min. Relatora que são duas as principais teorias adotadas no ordenamento jurídico pátrio: a teoria maior da desconsideração (consagrada no art. 50 do CC/ 2002) - é a mais usada -, nela mera demonstração da insolvência da pessoa jurídica não constitui motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica, pois se exige a prova de insolvência ou a demonstração de desvio de finalidade (ato intencional dos sócios fraudar terceiros) ou a demonstração de confusão patrimonial (confusão quando não há separação do patrimônio da pessoa jurídica e de seus sócios). Já na outra, a teoria menor da desconsideração, justifica-se a desconsideração pela simples comprovação da insolvência de pessoa jurídica, e os prejuízos são suportados pelos sócios, mesmo que não exista qualquer prova a identificar a conduta culposa ou dolosa dos sócios ou administradores. Essa teoria tem-se restringido apenas às situações excepcionalíssimas. Na hipótese dos autos, a desconsideração jurídica determinada pelo TJ baseou-se na aparente insolvência da empresa recorrente, pelo fato de ela não mais exercer suas atividades no endereço em que estava sediada, sem, contudo, demonstrar a confusão patrimonial nem desvio de finalidade. Por isso, tal entendimento não pode prosperar, sendo de rigor afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente. Diante do exposto, a Turma deu provimento ao recurso especial. REsp 970.635-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/11/2009.

Na realidade, a existência positivada destas duas teorias no ordenamento jurídico pátrio corresponde à divergência existente na doutrina e jurisprudência quanto ao efeito prático e de aplicação da teoria da desconsideração. Tem-se então, por Teoria Menor o entendimento daqueles que sustentam que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer em situações excepcionais nas quais a sociedade não dispuser de patrimônio suficiente para ressarcir o prejuízo ao credor, devendo ser analisadas caso a caso pelo magistrado. E por Teoria Maior, justifica-se a tese de parte da doutrina e jurisprudência que condiciona o afastamento da personalidade jurídica da sociedade à existência de fraude ou abuso de direito, ou ainda, quando os bens dos sócios se confundirem com os da pessoa jurídica. Ou seja, a aplicação da teoria menor independe da prova de culpa (lato senso), diversamente ao que ocorre na teoria maior.

Mas, além das Teorias Maior e Menor da desconsideração temos também a Indireta que foi criada por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira e visa combater eventuais fraudes cometidas por empresas controladoras, que utilizam a personalidade jurídica da sociedade controlada, coligada ou subsidiária integral para obter vantagens indevidas.

Já a Teoria da desconsideração Expansiva foi criada pelo prof. Rafael Mônaco que defende a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade com o fim de atingir o patrimônio de eventuais sócios ocultos. Sócios esses, que não se confundem com os sócios de uma sociedade em conta de participação e sim, na condição daquele que é sem nunca ter sido. Ou seja, daquele que é o protagonista da empresa, administrando-a de fato e que se vale de pessoas interpostas contratualmente para esconder sua participação. Trata-se do caso em que as pessoas interpostas são, na verdade, denominadas de “laranja” no dito popular.

E por fim, mas não menos importante, temos ainda a Teoria invertida principal foco deste trabalho a ser abordada a seguir.

4 A POSITIVAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERTIDA

Assim como a teoria da desconsideração a teoria invertida também busca coibir que a pessoa jurídica seja utilizada como instrumento lesionador de terceiro. Mas, nesse caso desconsidera-se a personalidade jurídica com o objetivo de responsabilizá-la por atos praticados por seus sócios. Ou seja, enquanto que na teoria da desconsideração o que se busca é atingir os bens dos sócios, na teoria invertida buscamos o contrário, isto é, atingir os bens da empresa de modo a responsabilizá-la por atos praticados por seus sócios. Um exemplo bastante comum de sua aplicação ocorre quando um dos cônjuges transfere seus bens para a empresa a fim de não dividi-los com o outro em processo de separação.

Marlon Tomazette entende pela plausibilidade da existência da Teoria invertida, senão vejamos:

é possível que o sócio use a pessoa jurídica, para esconder o seu patrimônio pessoal dos credores, transferindo-o por inteiro à pessoa jurídica e evitando com isso o acesso dos credores a seus bens. Em muitos desses casos, será possível visualizar a fraude (teoria maior subjetiva) ou a confusão patrimonial (teoria maior objetiva) e, em razão disso, vem sendo admitida a desconsideração inversa para responsabilizar a sociedade por obrigações pessoais do sócio (TOMAZETTE, 2013, p. 280).

Já para Elisabete Vido a desconsideração teria por fim atingir os bens dos sócios quando a personalidade jurídica fosse utilizada de forma abusiva, mas no caso da desconsideração inversa a obrigação seria do próprio sócio, que faz uso da pessoa jurídica para proteger bens que deveriam fazer parte de seu patrimônio, transferindo-os ou, até mesmo, já os adquirindo em nome da pessoa jurídica (VIDO, 2013, p. 173).

Nesse mesmo sentido, o STJ em seu Informativo nº 440 já se posicionou da seguinte forma:

a desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade dita, atingir, então, o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações de seus de seus sócios ou administradores..

Mas, apesar da aplicação desta espécie de desconsideração já ser defendida e reconhecida pela doutrina e jurisprudência a sua positivação somente veio a ocorrer em 2015 com o advento da Lei nº 13.105 (CPC), a saber:

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Assim, o art. 133, § 2º, do CPC não só passou a prever a aplicação da Teoria inversa como também a transformou em possível solução contra os males da lentidão da Justiça.

Mas, embora ela seja plenamente possível e atualmente positivada pelo Código de Processo, existem doutrinadores que possuem certas ressalvas à sua aplicação. Esse é o caso, por exemplo, do autor Marlon Tomazette:

Embora seja factível e extremamente útil, temos certas reservas quanto à desconsideração inversa, na medida em que, qualquer que seja a sociedade, o sócio terá quotas ou ações em seu nome, que integram seu patrimônio e, por isso, são passíveis de penhora para o pagamento das obrigações pessoais do sócio. Ora, se a desconsideração não quer extinguir a pessoa jurídica, mas sim protege-la de abusos por parte dos sócios, não é razoável admitir a desconsideração inversa, com ônus para a sociedade, se é possível satisfazer os redores dos sócios sem esses ônus (TOMAZETTE, 2013, p. 280).

Nessa mesma linha de entendimento, Alexandre Couto Silva afirma que:

Parece-me estranha tal teoria por duas razões: 1ª – Há possibilidade de penhora das participações societárias do sócio para suprir o passivo do credor. 2ª – no caso do negócio jurídico fraudulento, deveria este ser anulado, e não a pessoa jurídica ser desconsiderada (SILVA, 2009, p.93).

E diferente não é a compreensão de Jorge Lobo para a desconsideração inversa. Para esse autor a desconsideração inversa seria um “veneno” causador de danos à sociedade controlada de ordem política, administrativa, financeira, econômica, operacional e de marketing, além de prejuízos a minoritários e credores e deve, portanto, ser encarada com suspeita ao ter sido positivada no novo Código de Processo Civil (CPC) (LOBO, 2016).

Na verdade, a resistência da aplicação desta espécie de desconsideração se dá pelo fato de existirem outras medidas processuais para obtenção do crédito por parte do credor como, por exemplo, a ação pauliana. Desse modo, a aplicação do instituto da desconsideração inversa seria desnecessária, servindo mais para intensificar a situação de insegurança jurídica por parte daqueles que têm interesse em empreender do que como instrumento de efetivação da justiça.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Indubitavelmente, a criação do instituto da personalidade jurídica foi um grande ganho e avanço para a sociedade. Pois, possibilitou a reunião de pessoas de forma organizada para a realização de um objetivo comum. Assim, também o é, a criação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Porém, desde que seja aplicada com parcimônia, tratando-se de “exceção da exceção”. Ou do contrário, todos os ganhos e avanços obtidos com a criação do instituto da personificação perdem a razão de ser. Especialmente, quando a pessoa jurídica que estiver sob análise tratar-se de pessoa jurídica de direito privado. Pois, neste caso, a aplicação não comedida da desconsideração servirá como “desincentivo” não só ao exercício da atividade economicamente organizada, mas também para as atividades que visarem à propagação do bem-comum, tal como é o caso das associações e fundações.

No entanto, no presente trabalho demos ênfase à aplicação deste instituto para as sociedades, em especial as empresárias. Uma vez que, elas são a maior fonte propulsora do desenvolvimento econômico e possivelmente sustentável do país.

Diante disso, não nos parece razoável a criação de tantas teorias para possibilitar o crescimento gradativo das hipóteses de aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Uma porque a aplicação deste instituto deve se dar de forma excepcional e não habitual. Duas, porque já existem outras ferramentas ou meios jurídicos alternativos para penalizar aqueles que fazem uso da personificação da pessoa jurídica como forma de “burla” ao cumprimento das obrigações a que faz jus. E, pensando assim, nos filiamos na corrente doutrinária demonstrada ao final deste trabalho no sentido de lamentar a positivação e até mesmo a aplicação do instituto da Teoria Invertida da desconsideração. Nosso entendimento é no sentido que tal aplicação não se coaduna a um dos principais fundamentos do direito, que é a segurança jurídica. E, consequentemente, contribui como forma de desincentivo ao exercício da atividade econômica devidamente organizada, causando prejuízo assim, ao desenvolvimento econômico pátrio.

Quais as teorias da desconsideração da personalidade jurídica?

Acerca da desconsideração da personalidade jurídica, nosso ordenamento consagra duas teorias básicas para a responsabilização dos sócios: teoria maior e teoria menor.

Qual a teoria adotada pelo CDC para desconsideração da personalidade jurídica?

Prevista pelo artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, a teoria menor de desconsideração da personalidade jurídica – segundo a qual poderá ser desconsiderada a personalidade quando ela for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor – não é aplicável ao gestor que ...

O que é teoria maior e teoria menor?

O ordenamento jurídico brasileiro adotou, como regra, a Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica, mas a legislação consumerista incorporou a Teoria Menor, por ser mais ampla e mais benéfica ao consumidor, pois não exige prova da fraude, do abuso de direito ou de confusão patrimonial.

Qual a teoria o STF aplica para desconsideração da personalidade jurídica envolvendo relações de consumo?

“O art. 28, §5º, do CDC contém hipótese de desconsideração da personalidade jurídica por aplicação da teoria menor[1]”. No contexto das relações de consumo, a mera insolvência da pessoa jurídica autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, presumindo-se a existência de fraude, com base na teoria menor.

O que é a teoria subjetiva da desconsideração da personalidade jurídica?

A desconsideração da personalidade jurídica nos Tribunais do Trabalho tem ocorrido quando se mostra esgotada a possibilidade de localização de bens em nome da pessoa jurídica na fase executória, visto a ausência do pagamento do crédito trabalhista reconhecido judicialmente, acompanhada pela não descoberta de bens ...