O semiárido brasileiro é o maior semiárido tropical do mundo. E tem na Bahia 40% de toda a sua extensão: são 265 municípios inseridos no sertão. Mas, apesar da seca dos dois últimos anos ter sido uma das piores do País, a região não é considerada estéril. O presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, em entrevista ao CORREIO, revela que pesquisas apontam para várias alternativas produtivas: da agricultura, passando
pela pecuária, mineração, geração de energia renovável e até provedora de matéria-prima para as indústrias farmacêutica e química. "Não se trata somente de buscar o aumento da produção e da produtividade dos produtos cultivados, mas, principalmente, de encontrar o sistema de produção que melhor se adapte a determinadas condições ecológicas e socioeconômicas", destaca. Maurício mostra os desafios da região e como a tecnologia e inovação têm transformado cidades nordestinas - e
baianas. A entrevista do presidente da Embrapa, Maurício Lopes, apresenta o tema Semiárido Produtivo, do seminário Desenvolvimento Produtivo, um dos quatro seminários que serão debatidos pelo Fórum Agenda Bahia, de outubro a dezembro deste ano. O que caracteriza o semiárido brasileiro e por que até hoje ainda se convive com a sombra de esta ser uma zona estéril – apesar do êxito produtivo em outras regiões semiáridas no mundo? O semiárido brasileiro é o maior semiárido
tropical do mundo, ocupando oito dos nove estados da região, além do norte de Minas Gerais, e é constituído na sua maior parte pelo bioma Caatinga. Há uma diversidade de ecossistemas no semiárido com variados microclimas e cerca de doze tipos diferentes de caatinga, o que configura diversas possibilidades econômicas, como a pecuária (caprinos, ovinos e bovinos de leite), as lavouras de sequeiro, áreas irrigadas, produção mineral, turismo e geração de energia renovável. Apesar do regime de chuvas
escassas e temperaturas relativamente altas, o semiárido brasileiro está longe de ser considerado uma zona estéril. As pesquisas apontam várias alternativas em que se pode produzir e viver com qualidade. Para tanto, é preciso um esforço coordenado para que os conhecimentos gerados e adaptados à região cheguem efetivamente ao homem do campo. Não se trata somente de buscar o aumento da produção e da produtividade dos produtos cultivados, mas, principalmente, de encontrar o sistema de produção que
melhor se adapte a determinadas condições ecológicas e socioeconômicas. Qual a maior dificuldade em transformar o semiárido numa região produtiva? Apesar dos enormes esforços do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA) para o desenvolvimento das atividades agropecuárias, ainda observamos sistemas agrícolas diversificados de base familiar explorados com baixa eficiência de produção, responsáveis por uma crescente degradação dos recursos naturais. Mesmo com essas
dificuldades, há grande diversidade de situações que podem ser percebidas na coexistência de áreas com lavouras tradicionais ou estagnadas e áreas de modernização intensa, como nas atividades agropecuárias exploradas em regime de sequeiro ou de irrigação. Sem dúvida, as contribuições da Embrapa, como instituição de pesquisa, e a presença da Sudene, da Chesf, das empresas estaduais de pesquisa, do Banco do Nordeste, entre outras instituições de desenvolvimento, têm promovido mudanças no semiárido
brasileiro. Além disso, a região tem sido palco do desenvolvimento de vários polos agroindustriais nas últimas décadas, a partir das potencialidades produtivas da agricultura irrigada, especialmente as hortaliças e frutíferas, cujos mercados encontram-se em franca expansão no Brasil e no mundo. Cite alguns exemplos... Estudos da Embrapa Semiárido apontam que no semiárido uma pessoa pode passar até 36 dias por ano exclusivamente em busca de água, embora seja um dos semiáridos mais chuvosos do mundo. Isso revela deficiências básicas de abastecimento. E para o cultivo? Como os produtores do semiárido têm encontrado soluções? Esses cálculos são feitos para algumas situações em que a pessoa gasta cerca de duas horas diárias no transporte da água para o consumo, o que não pode ser posto como média da região. Mas essa situação vem se
modificando muito nos últimos anos com a criação do P1MC (Programa Um Milhão de Cisternas) juntamente com a Articulação do Semiárido (ASA) e Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), especialmente com relação à água para consumo humano. No que se refere à água para produção, temos os esforços feitos com a criação de perímetros irrigados e também com o P1+2 (Programa Uma Terra Duas Águas), também com ASA e MDS. Com relação à irrigação, entretanto, vale lembrar que existem limitações de solo e
água (estudos mostram que apenas 4% da região têm potencial irrigável), que impedem que se utilize dessa prática como se desejaria. Daí a gestão dos recursos hídricos, fortalecida pelo uso de inovações tecnológicas voltadas para captação, armazenamento e uso racional da água de chuva, ser um dos principais desafios da região. As tecnologias desenvolvidas pela Embrapa (cisternas, barreiro para irrigação de salvação, captação de água de chuva in situ, barragens subterrâneas e reuso de água de
dessalinização de poços) são capazes de aumentar a oferta de água nas comunidades rurais. São soluções simples, descentralizadas, de baixo custo e fácil execução, que têm contribuído para a melhoria da qualidade de vida das famílias e redução dos riscos da produção agrícola. Diante das peculiaridades do nosso semiárido (chuvoso e índices altos de evaporação), como tem funcionado o desenvolvimento da agricultura nessa região? Quais têm sido as alternativas? Atividades
produtivas tradicionais de reconhecida importância econômica e social, como são os casos da pecuária de leite, apicultura, fruticultura, dentre outras, revelam novas oportunidades no meio rural. A experiência da Embrapa mostra ser possível, em rebanhos comuns, mestiços, aumentar a produção de carne caprina ou ovina comercializável por unidade de área em mais de 100% ao ano, reduzindo a idade média de abate dos atuais 12-15 meses para 6 meses, simplesmente com a adoção de técnicas simplificadas
de alimentação e manejo, sem maiores alterações no ambiente natural. A Embrapa Semiárido vem promovendo pesquisas para o desenvolvimento de uma fruticultura de sequeiro, centrada em espécies nativas da Caatinga, como o umbu e o maracujá do mato, abordando tanto a parte agronômica como a transformação em doces, sucos e geleias e utilizando pequenas unidades fabris em comunidades e associações rurais. Nos últimos anos, a Embrapa tem-se voltado para pesquisas que buscam valorizar a biodiversidade
do bioma Caatinga, único no mundo, no qual se inserem espécies vegetais de uso medicinal, produtoras de óleos essenciais, agentes praguicidas e provedoras de matérias-primas para indústria química, alimentar e farmacêutica; espécies animais, como insetos, inimigos naturais de pragas, e espécies provedoras de substâncias de uso medicinal (soros, enzimas, hormônios); bactérias, fungos e liquens com propriedades de antagonismo a agentes de pragas e doenças, bioinseticidas, antibióticas e genes
indutores de tolerância a estresses hídricos, salino, a acidez do solo e a doenças. Há bons exemplos em regiões similares pelo mundo que mostram ser possível o desenvolvimento agrícola de um clima tão peculiar – como Mendoza, na Argentina, que tem metade do índice pluviométrico da Bahia, e é hoje um dos principais polos de frutas e uvas (vinho). Quais culturas encontrariam abrigo aqui no Nordeste/Bahia com a tecnologia adequada? Existe um movimento para diversificar mais as culturas, saindo das tradicionais para qualificar a produção no semiárido? A Embrapa tem feito esforços para introdução de novas culturas para as áreas irrigadas do semiárido nordestino, em parceria com a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e Ministério da Integração Nacional (MI)Atualmente, espécies frutíferas como caqui, pera, maçã, oliva, cacau, mangostão e rambutã já estão sendo avaliadas nas estações experimentais e nas áreas de produtores
do Submédio do Vale do São Francisco na Bahia e em Pernambuco, e em outros estados como Ceará e Sergipe. Diversas variedades de espécies frutíferas de clima temperado estão sendo introduzidas e avaliadas nessas condições. O maior desafio desses estudos é superar as dificuldades de adaptação das espécies para o cultivo num ambiente de semiárido tropical que é único no mundo. Quais iniciativas exitosas no semiárido baiano o senhor destaca e quais pesquisas recentes estão em desenvolvimento na instituição? São várias as iniciativas consideradas exitosas no semiárido baiano. Entre elas, podemos destacar o arranjo produtivo da fruticultura irrigada no polo Juazeiro-BA/Petrolina-PE e a experiência de valorização dos produtos da biodiversidade nos munícipios de Curaçá, Uauá e Canudos, no âmbito do Projeto Proc (Programa de Convivência com o Semiárido em Curaçá, Uauá e Canudos). Quanto às pesquisas, temos diversos projetos em andamento, entre eles o de
melhoramento genético de forrageiras nativas e exóticas para o semiárido, manejo e agregação de valor de frutíferas nativas da caatinga, novas variedades de mandioca voltadas para alimentação humana e animal, manejo da microbiota do solo, sistemas de produção de leite, zoneamento agrícola, mudanças climáticas, agricultura de base ecológica, agricultura irrigada de precisão, entre outros. Que tipo de produção é a mais coerente para a região, já que se conhece que o período de seca no
Nordeste apresenta ciclo de 11 anos para dois anos de chuvas? A Embrapa possui uma unidade específica para o semiárido. Quando ela foi criada e está espelhada em iniciativa similar à do Cerrado. O que dificulta/impede o desenvolvimento do semiárido nordestino? É apenas uma questão técnica? Além da questão técnica, há uma conjunção de fatores de ordem econômica, social, política e ambiental. Como já dizia Guimarães Duque em seu livro Solo e Água no Polígono das Secas, publicado pela primeira vez em 1949, o atraso do Semiárido se explica por uma complexa articulação entre os condicionantes ambientais, socioeconômicos, políticos e culturais. As tecnologias já existentes em experiências pelo mundo poderiam ser reproduzidas aqui? O Brasil dispõe de grande acervo tecnológico desenvolvido para o nosso semiárido tropical, bem como adaptamos e validamos tecnologias de outras condições, tanto semiáridas como subúmidas e úmidas – nacionais e de outros países. Tecnologias que atendam aos requisitos de adequação, adaptação e apropriação podem compor as ferramentas necessárias ao desenvolvimento do semiárido brasileiro. A tecnologia P1+2 (Programa
Uma Terra Duas Águas), por exemplo, tem sua origem em experiências exitosas desenvolvidas na China. Quais os desafios quando o assunto é desenvolvimento de pesquisa e novas tecnologias para a região? É fundamental analisar e entender de que maneira é feita a utilização dos recursos naturais, dos meios técnicos e da mão de obra disponível. Assim a pauta de pesquisa para as instituições de C&T deve contemplar todas as dimensões do desenvolvimento sustentável, quais sejam: social, ambiental, econômica, tecnológica, institucional, cultural, política, entre outras. Há também a preocupação dos pesquisadores com a relação entre a sociedade e a natureza, no que se refere às estratégias de apropriação, manejo dos recursos naturais e da biodiversidade, preservação e recuperação ambiental, segurança alimentar, geração de emprego e renda, valorização da cultura e dos hábitos alimentares. Os agricultores podem ser incentivados a adotar práticas que conduzam ao desenvolvimento de sistemas agrícolas sustentáveis (agroflorestais, agrossilvopastoris, entre outros). A agricultura de base ecológica deverá aproveitar e valorizar o progresso científico e tecnológico, com uso das biotecnologias, sensoriamento remoto ou seleção assistida por marcadores, entre outras tecnologias de ponta. |