Qual era o objetivo da carta de doação?

Artigo publicado na edi��o n� 2 de junho de 2005.

Sesmarias e posse de terras:

pol�tica fundi�ria para assegurar a coloniza��o brasileira


M�nica Diniz

At� onde temos podido representar aquelas formas de com�rcio, institui��es e id�ias de que somos herdeiros? (S�rgio Buarque de Holanda)

Os documentos de sesmarias

Os registros de terras surgiram no Brasil logo ap�s o estabelecimento das capitanias heredit�rias, com as doa��es de sesmarias. Os documentos mais antigos das capitanias datam de 1534.

Esses registros de terras servem para apresentar algumas informa��es como o local onde as pessoas viviam; revelar informa��es pessoais e familiares; se a propriedade foi herdada, doada ou ocupada e quais eram seus limites; se havia trabalhadores e como era constitu�da a m�o-de-obra; em que regi�o ficava tal propriedade; etc.

Todas as posses e sesmarias formadas foram legitimadas em registros p�blicos realizados junto �s par�quias locais. A Igreja, nesse per�odo da Col�nia, encontrava-se unida oficialmente ao Estado. Dessa forma, os vig�rios (ou p�rocos) das igrejas eram quem faziam os registros das terras ou certid�es, como a de nascimento, de casamento, etc. Somente com a proclama��o da Rep�blica, em 1889, Estado e Igreja se separaram.

Desenvolveram-se, assim, os chamados registros ou escrituras de propriedade. As sesmarias foram registradas dessa forma e s�o exemplos de documentos cartoriais. A maioria destas cartas de sesmarias encontra-se em Arquivos P�blicos. Os Arquivos Governamentais possuem cole��es de cartas de doa��es de sesmarias e registros de terras.

� importante saber, entretanto, as datas de cria��o das capitanias ou Estados, para saber onde procurar. Por exemplo, os registros mais antigos de Santa Catarina e Paran� encontram-se em S�o Paulo, pois eram Estados unidos, que s� mais tarde foram desmembrados.

Muitas cartas de doa��es tamb�m podem ser encontradas nos arquivos portugueses. Esses documentos auxiliam para o efeito de comprova��o legal de posses e permite o estudo do sistema fundi�rio. Os chamados avisos r�gios consistem em uma esp�cie de recenseamento das propriedades rurais, abrangendo tamb�m as vilas.

Tais documentos demonstram como foi feito o processo de aproveitamento e doa��o das terras que, muitas vezes, ocorria de forma desorganizada e irregular.

Heran�as portuguesas

A hist�ria territorial do Brasil tem in�cio em Portugal, onde encontramos as origens do nosso regime de terras. A ocupa��o das terras brasileiras pelos capit�es descobridores, em nome da Coroa, trouxe o modelo portugu�s de propriedade para o Brasil.

Em suas origens, o regime jur�dico das sesmarias liga-se aos das terras comunais da �poca medieval, chamado de communalia.

Antigo costume da regi�o da Pen�nsula Ib�rica, as terras eram lavradas nas comunidades, divididas de acordo com o n�mero de mun�cipes e sorteadas entre eles, a fim de serem cultivadas.

Cada uma das partes da �rea dividida levava o nome de sesmo. O voc�bulo sesmaria derivou-se do termo sesma, e significava 1/6 do valor estipulado para o terreno. Sesmo ou sesma tamb�m procedia do verbo sesmar (avaliar, estimar, calcular) ou, ainda, poderia significar um territ�rio que era repartido em seis lotes, nos quais, durante seis dias da semana, exceto no domingo , trabalhariam seis sesmeiros.

As sesmarias eram terrenos incultos e abandonados, entregues pela Monarquia portuguesa, desde o s�culo XII, �s pessoas que se comprometiam a coloniz�-los dentro de um prazo previamente estabelecido.

A doa��o dessas terras encontrava motivo na necessidade que o governo lusitano tinha de povoar os muitos territ�rios retomados dos mu�ulmanos no per�odo conhecido como Reconquista. Essa expuls�o dos �rabes pelos crist�os iniciou-se no s�culo XI e terminou por volta do s�culo XV.

Esse sistema de aquisi��o de terras s� funcionou em regi�es e �pocas em que prevalecia o estado de guerra e uma baixa densidade populacional que originassem terras ociosas e com possibilidade de serem ocupadas. A partir do momento em que foi fixado o limite territorial e o Estado se fortaleceu e se reorganizou, esse processo de obten��o de terras desaparece. Por�m, na Pen�nsula Ib�rica, as doa��es de sesmarias existiram at� final do s�culo XIII.

Uma sesmaria media aproximadamente 6.500m2. Esta medida vigorou em Portugal e foi transplantada para as terras portuguesas ultramar, chegando ao Brasil. Muitas dessas terras estavam sob a jurisdi��o eclesi�stica da Ordem de Cristo e lhes eram tribut�rias, sujeitas ao pagamento do d�zimo para a propaga��o da f�.

A Ordem de Cristo foi herdeira da Ordem dos Templ�rios, uma organiza��o formada por pessoas que eram monges e guerreiros ao mesmo tempo. De car�ter religioso e militar, criada na Idade M�dia, esse grupo tinha o objetivo de defender os crist�os dos ataques mu�ulmanos. Como monges, os templ�rios faziam voto de pobreza, obedi�ncia e castidade; como guerreiros, defendiam a f� crist�. Essa ordem surgiu no ano de 1113 e foi extinta em 1312, mas como ela vivia de vultuosas doa��es de terras e dinheiro concedidos pelos reis, acabou prosperando muito; de tal forma que, em Portugal, o rei D. Dinis n�o permitiu sua extin��o. Assim, a Ordem assumiu outro nome � a Ordem de Cristo� e ajudou na consolida��o da forma��o do territ�rio portugu�s com a expuls�o dos mouros e tamb�m nas navega��es.

Surgimento das sesmarias no Brasil

No contexto das descobertas mar�timas, Portugal almejou ampliar suas fontes de riqueza. A obra pol�tica e comercial da coloniza��o tinha como ponto de apoio a distribui��o de terras, que se configurava como o centro da empresa, calcada sobre a agricultura, capaz de promover a cobi�a das riquezas de exporta��o.

El-Rei concedia, �s pessoas a quem doou capitanias, alguns direitos reais, levado pelo desejo de dar vigor ao regime agora organizado. Muitas dessas concess�es foram feitas em nome da pr�pria Ordem de Cristo.

A monarquia portuguesa, nessa tarefa de povoar o imenso territ�rio, encontrou nas bases de sua tradi��o um modelo: as sesmarias. Foram as normas jur�dicas do Reino que orientaram a distribui��o da terra aos colonos. A lei D. Fernando I, de 1375, pregava o retorno das terras n�o cultivadas para as m�os da Coroa. Essa lei foi incorporada nas Ordena��es Filipinas, Manuelinas e Afonsinas.

As capitanias eram imensos tratos de terras que foram distribu�dos entre fidalgos da pequena nobreza, homens de neg�cios, funcion�rios burocratas e militares. Entre os capit�es que receberam donatarias, contam-se feitores, tesoureiros do reino, escudeiros reais e banqueiros.

A capitania seria um estabelecimento militar e econ�mico voltado para a defesa externa e para o incremento de atividades capazes de estimular o com�rcio portugu�s.

O capit�o-mor e o governador representavam os poderes do rei como administradores e delegados, com jurisdi��o sobre o colono portugu�s ou estrangeiro, mas sempre cat�lico. Ali�s, esta era uma das exig�ncias para a doa��o de terras.

O capit�o e o general podiam fundar vilas e desenvolver o com�rcio. O com�rcio com os �gentios� era permitido apenas aos moradores da capitania, com severas penas aos infratores.

As capitanias, constitu�das nas bases pol�tico-administrativas do reino, assentavam-se sobre as cartas de doa��es e foral.

Foi a partir de 1530 que a Coroa portuguesa empenhou-se em garantir a posse do territ�rio brasileiro, estruturando um sistema administrativo � situa��o do Reino na �poca e implementando uma modalidade econ�mica rent�vel dentro dos interesses mercantis.

Era necess�rio combater dois problemas que se acentuavam, naquele momento, nas terras brasileiras: a presen�a de franceses no litoral, o que amea�ava a soberania lusa; e a necessidade de uma compensa��o econ�mica para suprir as demandas cada vez mais insustent�veis do com�rcio oriental.

D. Jo�o III, o Colonizador, adotou no Brasil o sistema de capitanias. Tratava-se de uma forma de promover a ocupa��o da terra sem onerar a Coroa, uma vez que todos os gastos ficavam a cargo do donat�rio.

A primeira pessoa que teve a liberdade de distribuir terras no Brasil, inclusive sesmarias, foi Martim Afonso de Souza. A sesmaria era uma subdivis�o da capitania com o objetivo de que essa terra fosse aproveitada. A ocupa��o da terra era baseada em um suporte mercantil lucrativo para atrair os recursos dispon�veis, j� que a Coroa n�o possu�a meios de investir na coloniza��o, consumando-se como forma de solucionar as dificuldades e promover a inser��o do Brasil no antigo Sistema Colonial.

A proposta buscava incentivar a ocupa��o das terras e estimular a vinda de colonos. T�-la, no in�cio da coloniza��o, significava mais um dever do que um direito, j� que sua cess�o estava condicionada ao aproveitamento e transfer�ncia da terra ap�s um certo tempo. As sesmarias estavam regulamentadas segundo algumas ordens do Reino.

� importante lembrar que as sesmarias n�o eram de dom�nio total dos donat�rios ricos, mas apenas lhes tocavam as partes de terras especificadas nas cartas de doa��es. Os donat�rios se constitu�ram em administradores, achando-se investidos de mandatos da Coroa para doar as terras e tendo recebido a capitania com a finalidade colonizadora. Eles n�o tinham poderes ilimitados, n�o foram legitimadores nem do p�blico nem do privado e cabia-lhes apenas cumprir as ordens de Portugal.

Na �poca da coloniza��o, pode-se distinguir o direito de car�ter jur�dico e o poder real de usufruir. A terra continuava a ser patrim�nio do Estado portugu�s. Os donat�rios possu�am o direito de usufruir a propriedade, mas n�o tinham direitos como donos. Estavam, ent�o, submetidos � monarquia absoluta e fortemente centralizada. Os capit�es-donat�rios detinham apenas 20% da sua capitania e eram obrigados a distribuir os 80% restantes a t�tulo de sesmarias, n�o conservando nenhum direito sobre as mesmas. As sesmarias n�o comportavam assim nenhum la�o de depend�ncia pessoal.

Mesmo tendo sido estabelecida, em princ�pio, a necessidade de ser crist�o para se receber a terra, aqueles que se dispusessem a lavr�-la poderiam receb�-la.

As leis das sesmarias em Portugal eram muito r�gidas, chegando a ter 19 artigos. Dentre eles, para termos uma id�ia, encontrava-se o direito de coagir o propriet�rio ou quem a tivesse por qualquer outro t�tulo, a cultivar a terra mediante san��o de expropria��o ou, ainda, aumentar o contingente de trabalhadores rurais, obrigando ao trabalho agr�cola os ociosos, os vadios e os mendigos que pudessem oferecer m�o-de-obra, entre outros. Por�m, no Brasil, tais leis n�o chegaram a ser estabelecidas, a �nica exig�ncia era mesmo o cultivo.

As cartas de Sesmarias eram documentos passados pelas autoridades para doar terras; nelas, os donat�rios ou governadores de prov�ncias autorizavam ou n�o as doa��es.

A presen�a dos posseiros

Muitas tentativas de regularizar o sistema de sesmarias foram em v�o. Exemplo disso � a obrigatoriedade do cultivo, assim como a fixa��o dos limites, feitas � revelia da lei e o processo de expans�o territorial praticado pelos fazendeiros e pela camada de posseiros.

A Coroa enfrentava alguns problemas, por exemplo, o de implantar um sistema jur�dico para promover o cultivo e assegurar a coloniza��o. A obrigatoriedade do cultivo acabou levando � forma��o de novos personagens entre os sesmeiros, entre eles, a figura do posseiro.

Muitos sesmeiros preferiram arrendar suas terras a pequenos lavradores. Isto dificultava o controle de verifica��o do cumprimento da exig�ncia do cultivo e da demarca��o, e ainda, dificultava o controle da Coroa sobre esse sistema de distribui��o de terras, o que estimulou o crescimento da figura do posseiro.

Devido a tais fatores, muitos problemas se alastraram ao longo do tempo, pois formou-se uma camada de colonos que lavravam a terra, preenchendo assim um requisito b�sico da coloniza��o, o cultivo. Mas esses colonos n�o possu�am determina��es r�gias referentes �s sesmarias, ou seja, adquiriram a terra de forma �ilegal�, muitas vezes pagando por ela, o que n�o era permitido durante o sistema de doa��es de sesmarias, seja de aluguel ou venda.

A aceita��o do posseiro na legisla��o sobre sesmarias nas terras brasileiras se relacionou ao esfor�o da Coroa em limitar o poder do sesmeiro.

O reconhecimento da posse demonstrou a ambig�idade da legisla��o de sesmarias. Muitos sesmeiros ocuparam grandes extens�es de terras, apossando-se de terras lim�trofes. Devido �s irregularidades e � desordem na doa��o das sesmarias, havia a necessidade de elaborar-se um regimento pr�prio, obrigando a regulariza��o e demarca��o das terras.

O Alvar� de 1795 reconhecia o posseiro e tentava reestruturar o sistema de sesmarias, na tentativa de manter para a Coroa a responsabilidade na concess�o das terras devolutas.

Suspenso no ano seguinte, o Alvar� nos mostra como a realidade da posse e a obrigatoriedade da demarca��o e do cultivo faziam parte de uma rela��o conflituosa entre Coroa, fazendeiros e colonos, enfatizando o poder dos grandes donos de terras.

Em 1822, suspendeu-se a concess�o de sesmarias e isso acabou por beneficiar posseiros que cultivavam a terra. O fim das sesmarias consagrou a import�ncia social dos posseiros. Embora terminada juridicamente a concess�o, n�o se acabou com a figura do sesmeiro. Grande fazendeiro, ele n�o seria derrotado pela pol�tica do Imp�rio.

A Carta de 1824 garantiu assim o direito de propriedade, sem fazer alarde aos problemas herdados das sesmarias nem �s terras devolutas.

Bibliografia

AZEVEDO, Ant�nio C. do Amaral. Dicion�rio de normas, termos e conceitos hist�ricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Porto Alegre: Globo, 1976, v. 1.

HOLLANDA, S�rgio Buarque de. Ra�zes do Brasil. Rio de Janeiro: Jos� Olympio, 1992.

LIMA, Ruy Cirne. Pequena Hist�ria territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. S�o Paulo: Arquivo do Estado de S�o Paulo, 1991.

SILVA, Pedro. Hist�ria e mist�rio dos Templ�rios. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

Qual o objetivo da carta de doação?

A carta de doação da capitania era o documento pelo qual o rei fazia a concessão da terra aos capitães, que gozariam do título de governadores de sua donataria, enquanto o foral fixava os direitos, foros e tributos que cabiam ao rei e a parte relativa ao capitão (Tapajós, 1966, p. 47).

Qual é o significado de carta de doação?

A carta de doação é uma carta simples, que dispensa reconhecimento de firma. Ela deve ser escrita de próprio punho pelo titular da Nota Fiscal, especificando que doou o aparelho em questão ao novo usuário do produto.

O que oficializava a carta de doação?

Esse documento estabelecia os limites geográficos da capitania e proibia o comércio das suas terras, aceitando a transferência territorial apenas por hereditariedade, regulamentava os limites das capitanias e dava jurisdição civil e criminal sobre a sua área.

Qual era a função de um donatário?

Os donatários eram obrigados a investir ou atrair investimentos, criando toda infraestrutura para garantir o desenvolvimento e a segurança de sua capitania. Além disso, deveriam atrair pessoas para morar em sua capitania, distribuindo terras (sesmarias) e cobrando impostos de quem fixasse morada nelas.