Como os arqueólogos identificaram os primeiros habitantes da Amazônia?

Como os arqueólogos identificaram os primeiros habitantes da Amazônia?
 filipefrazao/iStock

Publicidade

Boa parte da Amazônia ainda é um mistério para os arqueólogos. Por muitos anos, reinou a crença de que a floresta não havia abrigado grandes civilizações antes da chegada dos europeus – como houve no Peru com os Incas; ou no México com os Maias. Acreditava-se, também, que os antigos povos pré-colombianos da região ficavam restritos apenas nas áreas próximas aos principais rios . Estavam errados. Agora, arqueólogos da Universidade de Exeter encontraram evidências de que civilizações com até 1 milhão de habitantes, divididos em diferentes comunidades, viviam no sul da Amazônia, longe dos principais rios, antes da chegada dos portugueses.

Os sítios se encontram na bacia do Alto Tapajós, noroeste do Mato Grosso. Brasileiros da Universidade Federal do Pará (UFPA), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade do Estado de Mato Grosso (UEMT) também participaram das pesquisas.

A descoberta foi possível graças a imagens de satélites que identificaram 81 novos sítios arqueológicos na região. Em seguida, foi realizada uma expedição que encontrou cerâmicas, ferramentas e vestígios de dejetos. Além disso, foram encontrados geoglifos – valas escavadas na terra, que formam desenhos que só podem ser vistos do alto. A teoria é que essas instalações servissem como cenário de rituais.

Parte das aldeias identificas estão cercadas por valas ou fossos com profundidade entre 1m e 3m , possivelmente para evitar ataques de tribos rivais e animais. Também foram encontrados vestígios da chamada “terra preta de índio”, um tipo de solo gerado por meio da ação humana, como a queima controlada de madeira e o manejo de restos de animais. A terra preta é mais fértil do que a maioria dos solos naturais amazônicos e é comumente usado para cultivo de plantas.

O fato de existirem vestígios de aldeias fortificadas, terraplanagem e plantações por lá desmente a noção que nós tínhamos de que a floresta tropical era praticamente intocada pela agricultura. Como os índios venceram uma mata tão densa, é difícil dizer. Uma das possibilidades é que o clima com períodos secos da região pode ter facilitado a derrubada de parte das matas, além da terraplanagem.

As dimensões dos sítios arqueológicos variam entre 30 e 400 metros de diâmetro. Estimam que essas sociedades viveram por volta de 1250 dC e 1500 dC. Ainda falta muito o que descobrir, mas, gradualmente, estamos juntando mais informações sobre a história da maior floresta tropical do planeta.

Continua após a publicidade

  • Amazônia
  • Brasil
  • Civilizações antigas

Como os arqueólogos identificaram os primeiros habitantes da Amazônia?

Pesquisa revela civilizações antigas com até 1 milhão de habitantes na Amazônia

Pela primeira fez, foram encontrados vestígios de povos que viveram longe dos principais rios amazônicos. São fortificações, cerâmicas e até estruturas que só podem ser vistas do céu

Superinteressante pelo menor preço do ano!

PRORROGAMOS A BLACK FRIDAY!
Ainda dá tempo de assinar um dos títulos Abril e também ter acesso aos
conteúdos digitais de todos os outros*
Ciência, história, tecnologia, saúde, cultura e o que mais for interessante, de um jeito que ninguém pensou.

*Acesso digital ilimitado aos sites e às edições das revistas digitais nos apps: Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Placar, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH. **Pagamento único anual de R$52, equivalente à R$1 por semana.

  • Edison Veiga
  • De Milão para a BBC Brasil

23 julho 2018

Atualizado 27 julho 2018

Como os arqueólogos identificaram os primeiros habitantes da Amazônia?

Crédito, University Exeter

Legenda da foto,

Pesquisadores da Universidade de Exeter descobriram que houve interferência do homem na Amazônia há 4,5 mil anos

Agricultura de vários vegetais diferentes. Fogo. Desmatamento controlado. Uso de fertilizantes. Em pesquisa conduzida pela Universidade de Exeter, do Reino Unido, arqueólogos, ecologistas, botânicos e paleoecologistas descobriram que a Floresta Amazônica, ao contrário do que se supunha, não era um santuário verde intocado pelas mãos humanas há 4,5 mil anos.

Desde essa época, no mínimo, houve interferência do homem na natureza da região. E, conforme o estudo mostra, efeitos dessa interação estão presentes ainda hoje.

  • Sushi de feijão e shoyu de tucupi: como imigrantes japoneses recriaram pratos típicos na Amazônia
  • A história da primeira grande epidemia de doença com transmissão sexual

"Os agricultores ancestrais da Amazônia souberam como enriquecer o solo com nutrientes, criando a chamada Amazon Dark Earth (ADE)", comenta a paleoecologista e arqueóloga Yoshi Maezumi, da Universidade de Exeter. "Em vez de expandir a terra desmatada, para aumentar a agricultura, eles melhoraram o solo, em uma forma mais sustentável de produção."

Sim, havia sustentabilidade na mentalidade dos primeiros agricultores da Amazônia.

Essa ADE é conhecida popularmente como terra-preta ou terra-preta-de-índio. Trata-se de um tipo de solo muito escuro, como o nome indica, e extremamente fértil. É encontrado principalmente na Amazônia.

Ao longo das últimas décadas, uma série de estudos buscou explicar a origem dessa terra. Hipóteses foram aventadas: seria um solo resultante de cinzas vulcânicas oriundas dos Andes e depositadas na Amazônia. Ou resultado de sedimentação em lagos formados em antigos períodos geológicos.

Mais recentemente, muitos cientistas vinham sugerindo uma origem antrópica - ou seja, resultante da ação humana. Análises profundas desse solo permitem identificar uma combinação de matéria orgânica vegetal e animal, vegetais carbonizados e resquícios de cerâmica.

A pesquisa, publicada nesta segunda-feira no periódico científico Nature Plants, concluiu que essa ação humana ancestral, portanto, teve impacto duradouro - já que o solo é presente até hoje na região.

"O trabalho dos primeiros agricultores amazônicos deixou um legado duradouro", comenta o arqueólogo e botânico José Iriarte, também da Universidade de Exeter. "A forma como comunidades indígenas administraram a terra há milhares de anos ainda molda ecossistemas florestais modernos."

Crédito, University Exeter

Legenda da foto,

A pesquisa publicada nesta segunda-feira mostra que presença de humanos há 4,5 mil anos teve impacto durarouro na Amazônia

Variedade dos cultivos na Amazônia

A agricultura era de múltiplos vegetais. Com base nos indícios encontrados em carvão, pólen e plantas em sítios arqueológicos e sedimentos de um lago, a equipe de cientistas concluiu que os seres humanos que ocupavam a região plantavam milho, batata-doce, abóbora e mandioca, pelo menos.

Para melhorar a produtividade do solo, esses agricultores ancestrais tinham suas técnicas de adubação: realizavam queimadas organizadas e adicionavam à terra esterco animal e restos de comida. Eis a provável origem da terra-preta, portanto.

De acordo com os pesquisadores de Exeter, foi esse desenvolvimento do solo que propiciou que, na época, a agricultura amazônica não se circunscrevesse às várzeas dos rios, naturalmente mais férteis, e pudesse adentrar para regiões onde o solo, originalmente, era mais pobre.

"Essas comunidades provavelmente removeram algumas árvores e ervas daninhas a fim de terem espaço para seus cultivos. Mas mantiveram uma floresta primária fechada, que se transformou ao ser enriquecida com plantas comestíveis", explica Maezumi. "Ou seja: era uma maneira muito diferente da atual exploração da Amazônia." A pesquisadora se refere aos desmatamentos contemporâneos, em que grandes extensões de terra amazônica dão lugar a plantações de grãos e criação de gado.

"Os conservacionistas modernos podem tirar lições de como os indígenas usavam a terra amazônica. E esse manejo pode ajudar a proteger as florestas modernas", diz ela. "É importante lembrar como o desmatamento moderno e as plantações agrícolas se expandem pela Bacia Amazônica", complementa Iriarte.

Outro estudo, realizado por cientistas do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP) e publicado na quarta no periódico científico PLOS ONE, concluiu que a mandioca, constantemente presente no prato dos brasileiros e um dos alimentos mais simbólicos do país, já era cultivada pelo homem há pelo menos 8 mil anos, em comunidades que viviam próximas ao Rio Madeira, na região sudoeste da Floresta Amazônica.

Discutimos dados arqueológicos de uma região específica, a partir de pesquisas que fizemos em um sítio arqueológico", explica a pesquisadora Jennifer Watling, autora do estudo.

"Lidamos com um período que recua até o holoceno inicial, cerca de 9 mil anos atrás. E mostramos que as origens de cultivo de plantas nativas como a mandioca tem grande antiguidade na área."

Estudo anterior

Crédito, University Exeter

Legenda da foto,

Pesquisadores da Universidade de Exeter em pesquisa na Amazônia - instituição já publicou outros estudos sobre o tema

É a primeira vez que pesquisadores publicam um estudo sobre o uso de longo prazo da terra - e do manejo do fogo - na região amazônica.

Mas não é de agora que os cientistas de Exeter estão de olho nas possibilidades científicas oferecidas pela Amazônia. Em março deste ano, pesquisadores da mesma universidade - boa parte deles, integrantes também do estudo publicado nesta segunda - identificaram que, entre os anos de 1200 e 1450, pelo menos 81 aldeias reuniam uma população de entre 500 mil e 1 milhão de pessoas na região da maior floresta do mundo.

Na ocasião foi destacado como um aspecto interessante o fato de as tribos ficarem distantes dos principais rios - a explicação pode estar justamente no fato do agora descoberto domínio de técnicas de fertilização do solo, ou seja, os habitantes ancestrais da região não dependiam tanto assim das várzeas. Justamente nos pontos onde estavam as aldeias, os pesquisadores encontraram a terra-preta.

Nessa pesquisa, os cientistas se basearam em imagens aéreas de regiões hoje desmatadas da florestas. E identificaram uma série de geoglifos, ou seja, valas cavadas no solo em formatos geométricos.

A principal teoria é a de que essa valas serviam para demarcar as vilas fortificadas.

Como os primeiros habitantes encontraram a região amazônica?

A história de ocupação da Amazônia começa quando levas de imigrantes asiáticos chegaram ao vale do Amazonas há mais de 14 mil anos. No momento em que essas populações passaram a desenvolver a agricultura e viver numa mesma área de terra, sociedades indígenas diversas e mais complexas emergiram nessa região.

Quais são os vestígios que os arqueólogos descobriram dos primeiros povos nativos conhecidos no Brasil?

Nas escavações foram encontradas mais de mil pinturas rupestres, 800 fragmentos de preguiça gigantes, restos de fogueira e mais de 25 mil artefatos que comprovam a presença humana.

O que está sendo pesquisado pelos arqueólogos na Amazônia?

A Arqueologia Amazônica busca entender as formas das mudanças e permanências do modo de vida dos grupos humanos que ocuparam ao longo do tempo o território Amazônico. Exemplos de cerâmica arqueológica da região amazônica.

Quem foram os primeiros habitantes da Amazônia?

Os povos indígenas são os primeiros habitantes conhecidos da Amazônia. Eles detém o conhecimento ancestral da floresta e toda uma tecnologia de interatividade com o meio ambiente sem destruí-lo.