Como se dá a participação da população na gestão do SUS?

ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa

Social control and popular participation as a guideline of SUS: a narrative review

Leonardo Barbosa RolimI; Rachel de Sá Barreto Luna Callou CruzII; Karla Jimena Araújo de Jesus SampaioIII

IEspecialista em Gestão em Saúde pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) – Fortaleza (CE). Enfermeiro Assistencialista do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPs Ad) – Fortaleza (CE), Brasil.
IIMestrado em Saúde Materno Infantil pelo Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) – Pernambuco (PE). Professor da Faculdade São Francisco da Paraíba (FASP) – Cajazeiras (PB), Brasil.

IIIDoutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) – São Paulo (SP), Brasil. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri (URCA) – Crato (CE), Brasil.


RESUMO

Os movimentos sociais ocorridos durante a década de 80 na busca por um Estado democrático aos serviços de saúde impulsionaram a modificação do modelo vigente de controle social da época que culminou com a criação do SUS a partir da Constituição Federativa de 1988. O objetivo deste texto é realizar uma análise deste modelo de participação popular e controle social no SUS, bem como favorecer reflexões aos atores envolvidos neste cenário, através de uma pesquisa narrativa baseada em publicações relevantes produzidas no Brasil nos últimos 11 anos. É insuficiente o controle social estar apenas na lei, é preciso que este aconteça na prática. Entretanto, a sociedade civil, ainda não ocupa de forma efetiva esses espaços de participação.

Palavras chave: Participação popular; controle social; Sistema Único de Saúde.


ABSTRACT

The social movements that occurred during the 80s seeking for a democratic State to the health services stimulated the modification of the current model of social control of the time that led to the creation of SUS as of the 1988 Federal Constitution. This text's objective is to perform an analysis of this model of popular participation and social control on SUS, as well as to favor reflections to the involved actors in this scenario, through a narrative review based on relevant publications produced in Brazil on the last 11 years. It is not enough for the social control to be only in law, it is necessary that it takes place in practice. However, the civil society still doesn't effectively occupy these participation spaces.

Keywords: Popular Participation; Social Control; Health Only System.


Introdução

O processo de criação do SUS teve início a partir das definições legais estabelecidas pela nova Constituição Federal do Brasil de 1988, sendo consolidado e regulamentado com as Leis Orgânicas da Saúde (LOA), n° 8080/90 e n° 8.142/90, sendo estabelecidas nestas as diretrizes e normas que direcionam o novo sistema de saúde, bem como aspectos relacionados a sua organização e funcionamento, critérios de repasses para os estados e municípios além de disciplinar o controle social no SUS em conformidade com as representações dos critérios estaduais e municipais de saúde (FINKELMAN, 2002; FARIA, 2003; SOUZA, 2003).

O SUS nos trouxe a ampliação da assistência à saúde para a coletividade, possibilitando, com isso, um novo olhar às ações, serviços e práticas assistenciais. Sendo estas norteadas pelos princípios e diretrizes: Universalidade de acesso aos serviços de saúde; Integralidade da assistência; Equidade; Descentralização Político-administrativa; Participação da comunidade; regionalização e hierarquização (REIS, 2003). A participação popular e o controle social em saúde, dentre os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), destacam-se como de grande relevância social e política, pois se constituem na garantia de que a população participará do processo de formulação e controle das políticas públicas de saúde. No Brasil, o controle social se refere à participação da comunidade no processo decisório sobre políticas públicas e ao controle sobre a ação do Estado (ARANTES et al., 2007).

Nesse contexto, enfatiza-se a institucionalização de espaços de participação da comunidade no cotidiano do serviço de saúde, através da garantia da participação no planejamento do enfrentamento dos problemas priorizados, execução e avaliação das ações, processo no qual a participação popular deve ser garantida e incentivada (BRASIL, 2006).

Sendo o SUS a primeira política pública no Brasil a adotar constitucionalmente a participação popular como um de seus princípios, esta não somente reitera o exercício do controle social sob as práticas de saúde, mas também evidencia a possibilidade de seu exercício através de outros espaços institucionalizados em seu arcabouço jurídico, além dos reconhecidos pela Lei Orgânica de saúde de n° 8.142/90, os conselhos e as conferências de saúde. Destaca, ainda, as audiências públicas e outros mecanismos de audiência da sociedade, de usuários e de trabalhadores sociais (CONASS, 2003; BARBOSA, 2009; COSSETIN, 2010).

Ademais, a Lei Orgânica da Saúde n.º 8.080/1990 estabelece em seu art. 12 a criação de comissões intersetoriais subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, com o objetivo de articular as políticas públicas relevantes para a saúde. Entretanto, é a Lei n.° 8.142/1990 que dispõe sobre a participação social no SUS, definindo que a participação popular estará incluída em todas as esferas de gestão do SUS. Legitimando assim os interesses da população no exercício do controle social (BRASIL, 2009).

Essa perspectiva é considerada uma das formas mais avançadas de democracia, pois determina uma nova relação entre o Estado e a sociedade, de maneira que as decisões sobre as ações na saúde deverão ser negociadas com os representantes da sociedade, uma vez que eles conhecem a realidade da saúde das comunidades.

Amiúde, as condições necessárias para que se promova a democratização da gestão pública em saúde se debruça com a discussão em torno do controle social em saúde.

O presente estudo tem como objetivo realizar uma análise do modelo vigente de participação popular e controle social no SUS e ainda elucidar questões que permitirão entender melhor a participação e o controle social, bem como favorecer algumas reflexões a todos os atores envolvidos no cenário do SUS.

Método

Para a elaboração deste trabalho, utilizou-se pesquisa bibliográfica, com estudo descritivo que analisou teses, dissertações e artigos científicos sobre o tema, produzidos no Brasil durante o período de 2000 a 2011.

Considerando o objeto do estudo, inicialmente os artigos referentes à temática abordada foram pesquisados no banco de dados das bibliotecas eletrônicas SciELO, LILACS e Medline, no período de setembro de 2011 a janeiro de 2012. Para tanto, utilizou-se os seguintes descritores: participação popular, controle social em saúde, participação comunitária no SUS.

Os critérios de inclusão foram: artigos cujo tema central era controle social e participação popular. Foram identificadas 104 publicações que foram incluídas de acordo com os critérios adotados neste estudo. Após a leitura dos resultados, verificou-se que somente 36 artigos eram de interesse do objeto de estudo proposto.

Participação e Controle Social

Após um longo período no qual a população viveu sob um estado ditatorial, com a centralização das decisões, o tecnicismo e o autoritarismo, durante a década de 1980 ocorreu uma abertura democrática que reconhece a necessidade de revisão do modelo de saúde vigente na época, com propostas discutidas em ampliar a participação popular nas decisões e descentralizar a gestão pública em saúde, com vistas a aproximar as decisões do Estado ao cotidiano dos cidadãos brasileiros (DALLARI, 2000; SCHNEIDER et al., 2009; VANDERLEI; ALMEIDA, 2007).

Nessa perspectiva, a dimensão histórica adquire relevância essencial para a compreensão do controle social, o que pode provocar reações contraditórias. De fato, o controle social foi historicamente exercido pelo Estado sobre a sociedade durante muitos anos, na época da ditadura militar.

É oportuno destacar que a ênfase ao controle social que aqui será dada refere-se às ações que os cidadãos exercem para monitorar, fiscalizar, avaliar, interferir na gestão estatal e não o inverso. Pois, como vimos, também denominam-se controle social as ações do Estado para controlar a sociedade, que se dá por meio da legislação, do aparato institucional ou mesmo por meio da força.

A organização e mobilização popular realizada na década de 80, do século XX, em prol de um Estado democrático e garantidor do acesso universal aos direitos a saúde, coloca em evidência a possibilidade de inversão do controle social. Surge, então, a perspectiva de um controle da sociedade civil sobre o Estado, sendo incorporada pela nova Constituição Federal de 1988 juntamente com a criação do SUS (CONASS, 2003).

A participação popular na gestão da saúde é prevista pela Constituição Federal de 1998, em seu artigo 198, que trata das diretrizes do SUS: descentralização, integralidade e a participação da comunidade. Essas diretrizes orientam a organização e o funcionamento do sistema, com o intuito de torná-lo mais adequado a atender às necessidades da população brasileira (BRASIL, 2006; WENDHAUSEN; BARBOSA; BORBA, 2006; OLIVEIRA, 2003).

A discussão com ênfase dada ao controle social na nova Constituição se expressa em novas diretrizes para a efetivação deste por meio de instrumentos normativos e da criação legal de espaços institucionais que garantem a participação da sociedade civil organizada na fiscalização direta do executivo nas três esferas de governo.

Na atualidade, muitas expressões são utilizadas corriqueiramente para caracterizar a participação popular na gestão pública de saúde, a que consta em nossa Carta Magna e o termo 'participação da comunidade na saúde'. Porém, iremos utilizar aqui o termo mais comum em nosso meio: 'controle social'.

Sendo o controle social uma importante ferramenta de democratização das organizações, busca-se adotar uma série de práticas que efetivem a participação da sociedade na gestão (GUIZARDI et al., 2004).

Embora o termo controle social seja o mais utilizado, consideramos que se trata de um reducionismo, uma vez que este não traduz a amplitude do direito assegurado pela nova Constituição Federal de 1988, que permite não só o controle e a fiscalização permanente da aplicação de recursos públicos. Este também se manifesta através da ação, onde cidadãos e políticos têm um papel social a desempenhar através da execução de suas funções, ou ainda através da proposição, onde cidadãos participam da formulação de políticas, intervindo em decisões e orientando a Administração Pública quanto às melhores medidas a serem adotadas com objetivo de atender aos legítimos interesses públicos (NOGUEIRA, 2004; BRASIL, 2011b; MENEZES, 2010).

O preceito constitucional controle social na saúde deve ser proposto, estimulado e garantido pelos dirigentes da saúde. Esta proposição é um direito de cidadania, e aqui mais uma vez recorremos à Constituição Cidadã, onde lemos em seu parágrafo único de seu Artigo 1º: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" (CNS, 2006a).

Ao transferir poderes a seus representantes, o cidadão define uma carga de participação da sociedade nas decisões sobre as políticas públicas, ressaltando que estes responderão não apenas aos interesses pessoais e sim do coletivo. Isto, por consequência, exige a superação da tradicional. Assim, ao falar de controle social não se pretende apenas que se consigam implantar mecanismos que reduzam, eliminem ou previnam os desperdícios, os desvios e as malversações na aplicação dos recursos públicos.

Busca-se assegurar que os gestores públicos se comprometam com a excelência na concepção e implementação dos programas, projetos, ações e serviços de saúde. De um lado, portanto, o controle tem um sentido de vigilância e responsabilização. Do outro, tem o sentido de efetividade e compromisso com a coisa pública.

A sociedade empreende constantes e intensos movimentos, cercados de contradições, o que, adicionalmente, exige que se identifiquem tendências e intenções explícitas e implícitas, valorizando nos diferentes momentos os passos dados na direção do fortalecimento da democracia e da justiça social, pois é disso que se trata.

Tendo em vista que os mecanismos de representação social não eram mais suficientes para garantir o exercício da democracia e os interesses dos cidadãos, criaram-se os conselhos de saúde. Previu-se na Constituição Federativa de 1988 a institucionalização de instâncias deliberativas na organização e funcionamento das políticas públicas, denominadas de Conselhos e Conferências de Saúde, cuja formação prevê usuários, prestadores de serviços e trabalhadores da saúde.

O princípio que inspirou a criação dessas instâncias foi a constatação de que a atividade político-eleitoral era insuficiente para representar uma análise, fiscalização e julgamento dos governos. Dessa forma, a inserção do controle social reserva-se a grupos populacionais que antes não tinham acesso às decisões governamentais, para que de fato as conheçam, saibam por que foram adotadas e as reorientem a partir do reconhecimento de quais são os problemas que devam prioritariamente ser enfrentados pela ação pública.

Pois bem, muito se tem escrito sobre a participação em saúde, ratificando sua necessidade e importância. Sendo tais práticas exercidas de duas formas: a participação institucionalizada, regulamentada pela Lei nº 8.142/1990, que na área da saúde se expressa nos Conselhos locais, municipais e estaduais e nas Conferências de Saúde nos níveis municipal, estadual e nacional, onde atores participam como representantes de instituições ou entidades; e a forma não institucionalizada, que são as possibilidades de participação em toda e qualquer atividade de saúde, desde as mais individuais/assistenciais (exemplo: uma consulta) até as mais coletivas/educativas (exemplo: grupo educativo) (CAMPOS; WENDHAUSEN, 2007; ARANTES et al., 2007; BRASIL, 1990; PEREIRA et al., 2004).

Atualmente, os Conselhos e Conferências de Saúde são os principais espaços para o exercício da participação e do controle social sobre a implementação das políticas de saúde em todas as esferas governamentais (BRASIL, 2009).

Os Conselhos e Conferências de Saúde são espaços privilegiados para a explicitação de necessidades e para a prática do exercício da participação e do controle social sobre a implementação das políticas de saúde nas três instâncias públicas, municipal, estadual e federal (CONASS, 2011; FERRAZ, 2006).

Os Conselhos de Saúde, como meios através dos quais a população, de forma autônoma, pode intervir no processo de gestão das políticas públicas, para em conjunto com o órgão gestor criar estratégias, controlar, fiscalizar e deliberar sobre as políticas públicas em cada esfera do governo, podem se constituir ainda em espaços democráticos de construção de uma nova ordem capaz de revigorar o sentido autêntico de liberdade, democracia e igualdade social (CONASS, 2011; COTTA; CAZAL; RODRIGUES, 2009; SILVA; CRUZ; MELO, 2007).

Apesar de suas contradições e fragilidades, os Conselhos têm sua importância, num país como o Brasil, em que a cultura de submissão ainda está arraigada na maioria da população e em que o público é tratado como posse de pequenos grupos de privilegiados.

Inúmeros estudos e pesquisas demonstram a importância dos Conselhos na participação direta na gestão das políticas públicas em saúde. Sua forte presença, quantitativa e qualitativa, especialmente na área da defesa dos direitos de crianças, do adolescente, da mulher e do idoso. O que constitui um marco na década de 1990, estabelecendo novas regulações e padrões no desenvolvimento dessas políticas (TATAGIBA, 2005; GOMES, 2003; SANTOS, 2005).

Militar, com vistas a fortalecer o controle social autônomo, paritário, democrático e deliberativo e em todas as agências de fiscalização, com vistas na defesa de direitos e do bem comum, legitimando os Conselhos de Saúde como espaços estratégicos de gestão participativa para pactuação e estabelecimento de compromissos entre a gestão pública, os trabalhadores e os usuários, visando o desenvolvimento e a qualificação dos serviços e das políticas públicas de saúde, como política de governança, impactando na melhoria da qualidade de vida da população, devem ser uma de nossas metas (PEREIRA, 2009; BRASIL, 2011a; KLEBA; WENDAUSEN, 2009).

Ao falar das Conferências de Saúde, muitos pensam que é um acontecimento recente, mas na verdade elas acontecem há algum tempo. A última edição desse evento, a 14ª Conferência Nacional de Saúde, foi dividida em três etapas (municipal, estadual e federal), realizada em Brasília, entre os dias 30 de novembro e 4 de dezembro de 2011. Antes da realização da Conferência Nacional Saúde, os municípios e estados devem eleger representantes e discutir questões que venham qualificar o debate sobre a realidade do SUS no país nas suas conferências preparatórias (CONASS, 2011). Normalmente, as Conferências Nacionais de Saúde possuem temas centrais que norteiam as discussões e debates. Na 14ª edição da Conferência o tema central foi: "Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social, Política Pública, patrimônio do Povo Brasileiro", o qual contemplou vários assuntos que são considerados desafios para o sistema. Dentre eles, destacam-se questões como o acesso e acolhimento com qualidade; a participação da comunidade e o controle social; a política de saúde na seguridade social, financiamento; o Pacto pela Saúde e as relações público-privadas, com vistas a fortalecer o SUS (CONASS, 2011).

Embora esteja prevista na lei, a participação social é um processo, em permanente construção, que comporta avanços e recuos, e, por muitas vezes, depende de ampla mobilização da comunidade na defesa de seus direitos.

Barros (1998) trata o controle social sobre a ação estatal dentro da perspectiva da democratização dos processos decisórios com vistas à construção da cidadania. Destaca que,

ao longo de décadas, os governos submeteram os objetivos de sua ação aos interesses particulares de alguns grupos dominantes, sem qualquer compromisso com o interesse da coletividade. (BARROS, 1998, p.31).

Neste sentido é que houve a 'privatização do Estado'. Em contraponto a esta realidade, afirma que a concepção de gestão pública do SUS é essencialmente democrática, devendo ser submetida ao controle da sociedade.

Raichelis (2000) considera controle social como um dos elementos constitutivos da estratégia política da esfera pública. Ele

implica o acesso aos processos que informam decisões da sociedade política, que devem viabilizar a participação da sociedade civil organizada na formulação e na revisão das regras que conduzem as negociações e arbitragens sobre os interesses em jogo, além da fiscalização daquelas decisões, segundo critérios pactuados.

Na perspectiva de Gramsci (2000, 2002), não existe neutralidade no Estado, pois "a unidade histórica das classes dirigentes acontece no Estado e a história delas é, essencialmente, a história dos grupos de Estados" (GRAMSCI, 2002, p.139). A articulação dialética entre estrutura e superestrutura se expressa na sua afirmação "de que não pode existir igualdade política completa e perfeita sem igualdade econômica", e que "o Estado-classe não podia ser a sociedade regulada" (GRAMSCI, 2000, p.224).

Segundo Dias (1996), essa visão só é correta do ponto de vista liberal, e pensá-la na perspectiva dos trabalhadores requer sua articulação com os movimentos sociais organizados apreendendo toda a sua contradição. E, ao colocá-los no centro da luta social, percebe-se o alcance real da sociedade civil. Dias (1996, p.115) afirma que a sociedade civil desmistificada,

[...] se revela espaço de luta e não mais cenário de pactos sociais. Ela se apresenta agora no pleno das suas contradições. Não cabe mais a ilusão de que ela é necessariamente progressista [...] Também não se está autorizado a falar em debilidade da sociedade civil. Débeis, erráticos e fragmentários são os instrumentos de intervenção classista das classes subalternas nela.

Bravo e Matos (2002) fazem uma análise das quatro posições teóricas e políticas que têm embasado o debate sobre os Conselhos de Saúde e o controle social. A primeira, baseada no aparato teórico de Gramsci (2000, 2002), parte da contradição de classe, visualizando os Conselhos como arena de conflitos, em que grupos diferentes estão em disputa. Nesta perspectiva, o consenso implica dissenso e contradição. A segunda baseia-se na concepção de consenso de Habermas e dos neo-habermasianos, e considera os Conselhos como espaço consensual, em que grupos com diferentes interesses convergem, através de pactuações, para o interesse de todos.

A terceira é influenciada pela visão estruturalista althusseriana do marxismo que nega a historicidade e a dimensão objetiva do real, analisando o Estado e as instituições como aparelhos repressivos da dominação burguesa. Nesta perspectiva, os conselhos são concebidos como espaço de cooptação dos movimentos sociais pelo poder público, e a saída das entidades deste espaço é recomendada. A quarta posição é a representada pela tendência neoconservadora da política que questiona a democracia participativa, defendendo apenas a democracia representativa. Rejeita os Conselhos, por considerá-los canais de participação incompatíveis com esta última (BRAVO; MATOS, 2002).

Os entraves para a efetividade do controle social sobre as políticas públicas também estão em nível macroeconômico e político, dada a predeterminação das definições em torno dos orçamentos públicos, especialmente no que tange aos gastos sociais, resultantes das negociações com os organismos financeiros internacionais em torno das bases para o refinanciamento da dívida externa e da contratação de novos empréstimos.

Este limite tem sido determinado pela dinâmica própria da sociedade do capital, que no seu estágio de crise atual necessita que os recursos públicos subsidiem, cada vez mais, a reprodução ampliada do capital, em detrimento da reprodução do trabalho. É dentro deste limite maior da sociedade do capital que está situado o controle social em sua contraditoriedade – o controle da classe dominante para manter o seu domínio, e as estratégias de controle das classes subalternas na busca da construção de sua hegemonia.

Nessa perspectiva, o controle dos segmentos que representam as classes subalternas sobre as ações do Estado e sobre o destino dos recursos públicos torna-se um desafio importante na realidade brasileira para que se criem resistência à redução de políticas de saúde, à sua privatização e à sua mercantilização (CORREIA, 2005; GUIZARDI, 2008).

Dessa forma, buscar fortalecer a gestão participativa, nas três esferas de governo, contemplando todos os componentes da Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa, fortalecendo o planejamento estratégico entre todos os setores e os Conselhos de Saúde, no sentido de contribuir para articular, mobilizar e estimular a participação popular na elaboração e modificação dos termos de compromisso do pacto de gestão, para defender o SUS, mudança no modelo de atenção e fortalecer a participação popular, com vistas a uma atenção à saúde universal e de qualidade, são alguns dos objetivos que devemos pleitear (CONASS, 2007; CECCIM; FEUERWERKER, 2004).

Considerações Finais

O Brasil, país de grandes desigualdades sociais, tem passado por importantes avanços em sua história recente, especificamente no setor saúde. Na década de 1980, por força de ampla e diversificada mobilização social, passou de um longo período de ditadura para a construção de um modelo democrático, processo que culminou com a Constituição Federativa de 1988 consagrando e assegurando a ideia da democracia com a participação da sociedade civil no controle e na gestão de políticas públicas (controle social), por meio da participação popular nos espaços dos Conselhos, das Conferências e das audiências públicas, que além de permitir que o povo desempenhe seu poder de maneira indireta, mediante representantes eleitos, consente que este exerça seu poder diretamente, por meio de plebiscitos, referendos e projetos/ações de iniciativa popular.

No entanto, o que se observa é que a participação e o controle social não estão efetivados em plenitude. Contribui para isso a falta de informação e a existência de interesses múltiplos para que a população não saiba que possui direitos e que pode exigi-los.

O controle social não é do Estado ou da sociedade civil, mas das classes sociais. Por isso é contraditório, pode ser de uma classe ou de outra, pois a sociedade civil enquanto momento do Estado é um espaço de luta de classes pela disputa de poder. É a partir desta concepção de Estado – com a função de manter o consenso além da sua função coercitiva –, quando incorpora as demandas das classes subalternas, que se abre a possibilidade de o Estado ser controlado por essas classes, a depender da correlação de forças existente entre os segmentos sociais organizados na sociedade civil.

É preciso que o controle social aconteça na prática, para que não fique apenas em lei e que a sociedade civil ocupe de modo pleno e efetivo esses diversos espaços de participação social.

A sociedade no acompanhamento/fiscalização/participação da gestão pública em saúde se faz de forma importantíssima, pois pela primeira vez na história reuniram-se experiências exitosas na área do controle social. Vieram a público iniciativas relevantes que antes estavam isoladas, desenvolvidas por diversos atores: associações, movimentos, profissionais, fóruns, setor público, conselhos etc.

Por fim, deixo uma súplica: devemos instituir e proporcionar condições para que a democracia participativa se efetive na prática e que a sociedade civil se torne protagonista nesse processo de controle social em políticas públicas de saúde, pleiteando constituir um Brasil, como referência mundial, em boas práticas na área de fiscalização e controle social em saúde.

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Recebido para publicação em Março/2012
Versão final em Março/2013
Conflito de interesse: Não existe.
Suporte financeiro: Inexistente.

Como se dá a participação da população no Sistema Único de Saúde SUS?

50% de representantes de usuários do SUS, • 25% de representantes dos profissionais de saúde • 25% de representantes dos gestores e prestadores de serviço. Os conselhos têm como missão a deliberação, fiscalização, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas de saúde.

Qual a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde?

A participação social é também denominada “participação comunitária” no contexto da saúde, sendo estabelecida e regulada pela Lei nº 8.142/90, a partir da criação de Conselhos de Saúde e Conferências de Saúde, nas três esferas de governo, bem como de colegiados de gestão nos serviços de saúde.

Quais são as duas formas de participação da população na gestão do Sistema Único de Saúde?

A lei 8142/90, determina duas formas de participação da população na gestão do Sistema Único de SaúdeSUS: Conferências de Saúde e Conselhos de Saúde.

Como a participação social está inserida no SUS?

A participação em Conselho se dá por eleição de seus pares, para os representantes de usuários e trabalhadores da Saúde, enquanto que gestores e prestadores indicam seus representantes. O Prefeito deve apenas nomear os conselheiros escolhidos pelos vários segmentos.