Em quais etapas do processo anestésico cirúrgico este check list é aplicado?

INTRODUÇÃO

A Aliança Mundial para Segurança do Paciente, criada em 2004 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), inclui o Programa Cirurgias Seguras Salvam Vidas que objetivou elevar os padrões de qualidade em serviços de assistência à saúde estabelecendo práticas para cirurgia segura. O Programa apresentou uma lista de verificação, ou checklist, cujo objetivo é auxiliar na conferência de elementos essenciais relativos à segurança do paciente(11. The World Health Organization. Second Global Patient Safety Challenge "Safe Surgery Saves Lives" [Internet]. Brasília: OPAS, Anvisa, Ministério da Saúde; 2009 [cited in 2014 sept. 15]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/seguranca_paciente_cirurgia_salva_manual.pdf
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). Os elementos do referido instrumento foram avaliados entre 7.688 pacientes, sendo 3.733 antes de sua instituição e 3.955 após. Os resultados demonstraram que a ocorrência de grandes complicações e de mortes reduziu de 11 para 7% e de 1,5 para 0,8%, respectivamente(22. Haynes AB, Weiser TG, Berry WR, Lipsitz SR, Breizat AH, Dellinger EP, et al. The surgical safety checklist to reduce morbity and mortality in global population. New Engl J Med. 2009 [cited 2012 Dec. 18];360(5):491-9. Available at: http://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMsa0810119
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). Para auxiliar na implantação e uso do checklist a OMS lançou, em 2009, um manual com orientações específicas para o uso do instrumento(33. World Health Organization. WHO surgical safety checklist manual implementation 2009: safe surgery saves life [Internet]. Geneva; 2009 [cited 2015 May 02]. Available at: http://whqlibdoc.who.int/publications/2009/9789241598590_eng.pdf
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).

Este é considerado fundamental para tarefas de complexidade e repetição reconhecida, a exemplo das realizadas no ambiente do centro cirúrgico, como conferência de equipamentos e fármacos anestésicos, reserva de sangue, identificação do paciente, confirmação pela equipe e pelo paciente do tipo e local da cirurgia, além do feedback ao final do procedimento para constatação de possíveis falhas(44. Fragata JIG. Erros e acidentes no bloco operatório: revisão do estado da arte. Rev Port Saúde Pública. 2010 [cited 2014 ago. 20];Vol Temat(10):17-26. Available at: http://www.elsevier.pt/pt/revistas/revista-portuguesa-saude-publica-323/artigo/erros-e-acidentes-no-bloco-operatorio-revisao-do-13189855
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).

No Brasil, em 2013, baseado nas recomendações da OMS, o governo brasileiro lançou o Programa Nacional de Segurança do Paciente, o qual preconiza ações para prevenção e redução da incidência de eventos adversos(55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR) [Internet]. Brasília; c2013 [cited 2014 Aug. 20]. Saúde e Anvisa lançam ações para a segurança do paciente; [aprox. 5 telas]. Available at: http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/anvisa+portal/anvisa/sala+de+imprensa/menu+-+noticias+anos/2013+noticias/ministerio+da+saude+e+anvisa+lancam+acoes+para+seguranca+do+paciente
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).

Mediante a importância de ações que promovam a segurança do paciente, em 2010 foi criado um grupo de estudos em um hospital de ensino na Região Sul do Brasil, o qual contribuiu para a implantação do Programa Cirurgias Seguras e a instituição de checklist, como preconizado pela OMS, tendo a Ortopedia como especialidade piloto. Pesquisas nacionais e internacionais identificaram dificuldades na adesão ao uso do checklist.

Estudo realizado no Brasil demonstrou que os maiores problemas relacionados à adesão ao checklist estavam relacionados às etapas antes da indução anestésica e antes da incisão cirúrgica. Os autores concluíram que a finalidade e o preenchimento correto do checklist devem ser demonstrados durante o período de implantação(66. Freitas MR, Antunes AG, Lopes BNA, Fernandes FC, Monte LC, Gama ZAS. Avaliação da adesão ao checklist de cirurgia segura da OMS em cirurgias urológicas e ginecológicas, em dois hospitais de ensino de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014 [cited 2015 April 18];30(1):137-48. Available at: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00184612
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). Em cinco hospitais ingleses 40% da equipe estava ausente no momento da checagem e em mais de 70% dos casos não foi realizada a pausa ou checagem dos itens(77. Russ S, Rout S, Caris J, Mansell J, Davies R, Mayer E, et al. Measuring variation in use of the WHO surgical safety checklist in the operating room: a multi center prospective cross-sectional study. J Am Coll Surg. 2015 [cited 2015 April 20];220(1):1-11. Available at: http://dx.doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.2014.09.021
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). No mesmo país, em dez hospitais investigados, evidenciou-se grande dificuldade na adesão entre médicos seniores, refletindo negativamente no restante da equipe(88. Russ SJ, Sevdalis N, Moorthy K, Mayer EK, Rout S, Caris J, et al. A qualitative evaluation of the barriers and facilitators toward implementation of the WHO surgical safety checklist across hospitals in England: lessons from the "Surgical Checklist Implementation Project". Ann Surg. 2015 [cited 2015 April 20];261(1):81-91. Available at: http://www.rcoa.ac.uk/sites/default/files/SurgicalSafetyChecklist.pdf
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).

Neste contexto, o objeto desta pesquisa é o Programa Cirurgia Segura em implantação na instituição e apresenta a seguinte questão norteadora: Qual a adesão dos profissionais que compõem a equipe de cirurgia de prótese de quadril e joelho ao checklist utilizado no Programa Cirurgia Segura institucional?

Este estudo teve por objetivo avaliar a adesão ao checklist do Programa Cirurgias Seguras em um hospital de ensino e se justifica pela alta incidência mundial de eventos adversos em cirurgias potencialmente preveníveis. O uso de checklist contribui para lembrar instruções a serem seguidas pela equipe para a segurança do paciente(44. Fragata JIG. Erros e acidentes no bloco operatório: revisão do estado da arte. Rev Port Saúde Pública. 2010 [cited 2014 ago. 20];Vol Temat(10):17-26. Available at: http://www.elsevier.pt/pt/revistas/revista-portuguesa-saude-publica-323/artigo/erros-e-acidentes-no-bloco-operatorio-revisao-do-13189855
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) contudo, a adesão a novos instrumentos de verificação constitui desafio por demandar sua incorporação na rotina assistencial. Considerando que a identificação de não conformidades em processos e procedimentos contribui para apontar situações de risco e planejar estratégias para a melhoria contínua dos processos de cuidado(55. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR) [Internet]. Brasília; c2013 [cited 2014 Aug. 20]. Saúde e Anvisa lançam ações para a segurança do paciente; [aprox. 5 telas]. Available at: http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/anvisa+portal/anvisa/sala+de+imprensa/menu+-+noticias+anos/2013+noticias/ministerio+da+saude+e+anvisa+lancam+acoes+para+seguranca+do+paciente
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), esta pesquisa coopera para aprimorar a assistência de enfermagem e médica, no contexto do cuidado ao paciente cirúrgico.

MÉTODO

Trata-se de pesquisa avaliativa a qual possibilita o julgamento e rendimento de uma intervenção, e cujos resultados podem contribuir para a tomada de decisão(99. Contandriopoulos AP, Champagne F, Denis JL, Pineault R. Avaliação na área da saúde: conceitos e métodos. In: Hartz ZMA, organizador. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas [Internet]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997 [cited 2015 June 05]. p. 29-47. Available at: http://books.scielo.org/id/3zcft/pdf/hartz-9788575414033-04.pdf
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). Nesta pesquisa a intervenção caracterizou-se como o checklist instituído pelo Programa Cirurgias Seguras no Centro Cirúrgico Central de um hospital de ensino da Região Sul do Brasil, e a avaliação foi direcionada à adesão ao referido instrumento pela equipe cirúrgica.

O Programa foi iniciado em 2011 na especialidade de Ortopedia, primeiramente como piloto. A instituição optou pela utilização de um checklist próprio, o qual foi elaborado e tem sua aplicação baseada no modelo preconizado pela OMS. O checklist institucional é composto por quatro etapas: recepção do paciente, antes da indução anestésica, antes da incisão cirúrgica e antes de o paciente deixar a sala operatória.

A amostra foi composta por 20 procedimentos cirúrgicos de prótese de quadril e joelho, nos quais foram observados 22 profissionais. Justifica-se a escolha dessas cirurgias para esta pesquisa por sua complexidade e porte, e por apresentarem lateralidade e, desse modo, representar maior risco de eventos adversos, além de pertencerem à especialidade pioneira na implantação do Programa Cirurgias Seguras na instituição do estudo. A verificação e o preenchimento de todos os itens que compõem o checklist nas quatro etapas de sua aplicação, de acordo com o modelo utilizado, foram considerados variáveis do estudo.

Para o cálculo da amostra (n), foram considerados o tamanho da população (N), a proporção esperada de preenchimento do checklist (p), a margem de erro (E) e o nível de confiança (z), utilizando-se a fórmula de amostra para proporções(1010. Bolfarine H, Bussab WO. Elementos de amostragem. São Paulo: Blucher; 2005.):

Aplicando-se a fórmula aqui apresentada, o tamanho da amostra estabelecida para esta pesquisa foi de 20 procedimentos cirúrgicos, considerando-se que o tamanho da população foi de 70 cirurgias eletivas (N) previstas para o período de coleta de dados; a proporção esperada de preenchimento do checklist(p) de 4%, com base nos resultados de teste piloto previamente realizado. A margem de erro foi de 0,05 (E) e o nível de confiança de 80% (z =1,28).

A coleta de dados foi realizada de fevereiro a maio de 2012. O convite aos participantes se deu no centro cirúrgico, previamente à coleta dos dados, com assinatura, após esclarecimentos, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram critérios de inclusão: cirurgia de prótese de joelho ou quadril realizada no período estabelecido para a coleta de dados.

A observação não participante(1111. Marconi MA, Lakatos EM. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 7. ed. São Paulo: Atlas; 2010.) utilizada para a coleta de dados, foi realizada de forma direta pelo pesquisador, desde o transporte do paciente da unidade de internação, o qual é realizado pela equipe do centro cirúrgico, até sua saída da sala operatória. Utilizou-se um roteiro para observação não participativa, construído para o estudo e com base no checklist institucional, de modo a permitir que o pesquisador registrasse a partir do observado o uso do instrumento, a realização e o momento da verificação de cada item das quatro etapas do checklist; o profissional que a realizou e de que forma se deu sua verificação (verbal ou não verbal) e seu registro.

Os dados alimentaram uma tabela Excel e, posteriormente, foram organizados e processados no programa EpiData, versão 3.1, sendo analisados com auxílio de estatística descritiva, utilizando-se o Programa R, versão 2011(1212. R Development Core Team. R: a language and environment for statistical computing [Internet]. Vienna: R. Foundation for Statistical Computing; 2011 [cited in 2012 out. 08]. Available at: https://www.r-project.org/
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). A significância estatística da adesão foi testada a partir do preenchimento dos itens do checklist utilizando-se o teste denominado Uniformemente Mais Poderoso (UMP), o qual é indicado para a análise de variáveis do tipo binomial (sim/não)(1313. Bussab WO, Morettin PA. Estatistica básica. 8. ed. São Paulo: Saraiva; 2013.). No caso desta pesquisa, preenchimento (sim) ou não preenchimento (não) de cada item do checklist. Como hipótese nula do teste levou-se em conta uma proporção de preenchimento de 50% ou menos, e como hipótese alternativa o preenchimento acima de 50% do respectivo item nas cirurgias observadas. Considerou-se evidência suficiente de que houve adesão a um determinado elemento do checklist quando o valor de p do teste estatístico foi <0,05 (<5%). Os itens foram repetidos nas 20 cirurgias e, quando existiram 14 (70%) ou mais verificações, esse item foi considerado com adesão estatisticamente significativa.

O desenvolvimento do estudo atendeu as normas de ética em pesquisa envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, registrado sob Protocolo CEP/SD 1102.027.11.04.

Artigo extraído da dissertação de mestrado: "Avaliação da Implantação do Programa Cirurgia Segura em um Hospital de Ensino"(1414. Maziero ECS. Avaliação do Programa Cirurgia Segura em um hospital de ensino [dissertação]. Curitiba (PR): Programa de Pós-Graduação de Enfermagem, Universidade Federal do Paraná; 2012.).

RESULTADOS

O checklist foi utilizado nas 20 cirurgias observadas. Em relação ao preenchimento, forma e momento, os resultados estão apresentados e organizados em quatro etapas; os dados relativos à primeira etapa estão apresentados na tabela 1.

Tabela 1
- Adesão ao uso do checklist de segurança cirúrgica na primeira etapa de verificação- recepção do paciente(n=20). Curitiba, PR, 2012

Os resultados da observação da segunda etapa do checklist, antes da indução anestésica, estão apresentados na tabela 2.

Tabela 2
- Adesão ao uso do checklist de segurança cirúrgica na segunda etapa de verificação- antes da indução anestésica(n= 20). Curitiba, PR, 2012

A recomendação para que todos os profissionais se apresentassem ao paciente não foi observada integralmente e se deu da seguinte forma: em 100% (n=20) dos procedimentos, o anestesiologista se apresentou ao paciente; em 15% (n=3), o residente de Anestesiologia o fez; em 35% (n=7) o técnico em Enfermagem se apresentou; e em 5% (n=1) o enfermeiro o fez. O cirurgião, o residente em cirurgia e o instrumentador não se apresentaram ao paciente em nenhum procedimento.

A terceira etapa do checklist, antes da incisão cirúrgica, também denominada pausa cirúrgica ou time out, deve ser aplicada imediatamente antes do início da cirurgia. Nela, os profissionais interrompem as atividades para confirmar os itens de verificação, com a participação de todos. Em nenhum procedimento foi realizada a pausa cirúrgica propriamente dita, com interrupção das atividades; em 45% (n=9) dos procedimentos os itens foram checados após a incisão cirúrgica; em 20% (n=4), o anestesiologista checou todos os itens, mesmo estes não sendo confirmados verbalmente; e em 20% (n=4) dos procedimentos, o técnico em Enfermagem realizou a checagem, sem confirmação verbal dos outros profissionais. A tabela 3 apresenta os demais resultados da observação.

Tabela 3
- Adesão ao uso do checklist de segurança cirúrgica na terceira etapa de verificação- pausa cirúrgica (n= 20). Curitiba, PR, 2012

Na quarta etapa do checklist, antes do paciente sair da sala cirúrgica, observou-se que em todas as cirurgias foi realizada a checagem dos documentos (ficha de anestesia, de descrição do procedimento, saída de sala e de órteses e próteses), a requisição para anatomopatológicos e registradas as recomendações especiais para recuperação pós-operatória. Porém, a verificação não se deu verbalmente. Nos itens relativos à conferência de contagem de instrumentais, agulhas, compressas e gazes, observou-se a não adesão. Em 15% (n=3) dos procedimentos não houve contagem do instrumental no momento da abertura das caixas, 15% (n=3) as compressas não foram contadas na abertura dos pacotes, e em 100% (n=20) não houve a contagem de gazes, compressas e agulhas ao final do procedimento. Porém, os itens correspondentes no checklist foram registrados como se a verificação tivesse sido realizada.

Nos procedimentos em que houve a contagem, em 80% (n=16) esta foi finalizada quando o paciente já não estava mais na sala, porém foi checado como tal. Em 40% (n=8), houve confirmação verbal do quantitativo de instrumental cirúrgico pertencente ao hospital. No entanto, nas cirurgias de prótese de quadril e joelho, nas quais são utilizados instrumentais pertencentes ao cirurgião, estes não foram conferidos antes e nem após os procedimentos.

DISCUSSÃO

Os resultados demonstraram o interesse da equipe em implantar o Programa Cirurgias Seguras, mas pontos importantes, como apresentação da equipe ao paciente, pausa cirúrgica e contagem do material, não foram realizados, embora os participantes tivessem ciência de estarem sendo observados. Salienta-se também que nesta pesquisa, na maioria das vezes, os itens não foram confirmados verbalmente como preconizado pela OMS e, frequentemente, foram registrados sem verificação.

Em um estudo espanhol observou-se o uso do checklist em 80% dos procedimentos cirúrgicos, porém a anotação de itens não confirmados evidenciou problemas relacionados à fidedignidade dos registros(1515. Soria-Aledo V, Silva ZA, Saturno PJ, Grau-Polan M, Carrillo-Alcaraz A. Dificultades en la implantación del checklist em los quirófanos de cirugía. Cir Esp. 2012 [cited 2014 August 20];90(3):180-5. Available at: http://www.um.es/calidadsalud/archivos/Soria-Aledo%20et%20al.,%202012.pdf
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). Além disso, o preenchimento sem a verificação incorre em aspectos legais e éticos implicados a todos os profissionais da equipe cirúrgica. Salienta-se que situações que colocam em risco a segurança do paciente originaram os objetivos apresentados pela OMS e subsidiaram a construção do checklist(1616. Gawande A. Checklist: como fazer as coisas bem feitas. Rio de Janeiro: Sextante; 2011.). Desse modo, seus itens refletem elementos importantes para a segurança e, ao não serem verificados, o paciente é colocado em risco de sofrer eventos adversos.

O instrumento preconizado pela OMS é relevante pelo fato de que, em ambientes complexos, como o centro cirúrgico, os profissionais enfrentam a falibilidade da memória e da atenção humana, sobretudo em questões rotineiras, as quais são frequentemente negligenciadas. O checklist reforça a lembrança de tarefas mínimas necessárias, tornando-as explícitas e oferecendo não só a oportunidade de verificação de itens, mas o incentivo e o reforço à disciplina de alto desempenho(1616. Gawande A. Checklist: como fazer as coisas bem feitas. Rio de Janeiro: Sextante; 2011.). Antes mesmo das recomendações da OMS serem publicadas, a Joint Comission on Accreditation of Hospital Organizations preconizava, no Protocolo Universal, a verificação pré-operatória, na qual deve estar assegurada, entre outros, a disponibilidade de toda a documentação necessária para o início do procedimento(1717. Joint Comission Resources (US). Temas e estratégias para liderança em enfermagem: enfrentando os desafios hospitalares atuais. Porto Alegre: Artmed; 2008.).

Na primeira etapa do checklist houve adesão estatisticamente significativa à sua aplicação no andar de origem do paciente, garantido que esse fosse transportado ao centro cirúrgico em condições necessárias à cirurgia e com completa documentação. No entanto, o instrumento em uso coloca como título, na coluna relativa a essa etapa, "Recepção no Centro Cirúrgico" e, desse modo, pressupõe-se que os itens devam ser novamente checados no momento da admissão do paciente na referida recepção. Salienta-se que, na rotina do hospital em estudo, cabia ao profissional de Enfermagem do centro cirúrgico o transporte do paciente. Assim, podem ser feitas alterações no instrumento ou na rotina de verificação dos itens relativos a essa etapa.

Na etapa de verificação realizada na sala operatória, com o paciente presente e antes da indução anestésica, houve a checagem dos itens, porém ela não foi realizada verbalmente e nem com adesão de toda a equipe, como preconizado por pesquisadores membros do grupo de estudos sobre Segurança do Paciente da OMS(44. Fragata JIG. Erros e acidentes no bloco operatório: revisão do estado da arte. Rev Port Saúde Pública. 2010 [cited 2014 ago. 20];Vol Temat(10):17-26. Available at: http://www.elsevier.pt/pt/revistas/revista-portuguesa-saude-publica-323/artigo/erros-e-acidentes-no-bloco-operatorio-revisao-do-13189855
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). A confirmação verbal concretiza a comunicação, ou seja, sinaliza que os presentes concordam com os itens checados e, assim, responsabilizam-se, como grupo, pela segurança do paciente.

A terceira etapa do checklist deve ser verificada antes da incisão cirúrgica e também compreende a confirmação verbal, por todos os membros da equipe, dos itens elencados na coluna correspondente, apresentados na tabela 3. Consiste em etapa na qual a comunicação verbal é relevante frente à criticidade do momento imediato, antes da incisão cirúrgica. Porém, os resultados deste estudo demonstraram que em nenhum dos 20 procedimentos observados, foi realizada a pausa cirúrgica com a confirmação verbal, embora os itens tenham sido verificados individualmente e checados. Em pesquisa realizada durante o teste piloto da OMS, alguns obstáculos foram apontados para a não realização da pausa cirúrgica, tais como: quantitativo insuficiente de enfermeiros; timidez dos estudantes de Medicina em parar o procedimento e realizar a checagem dos itens; e dificuldades sociais(1616. Gawande A. Checklist: como fazer as coisas bem feitas. Rio de Janeiro: Sextante; 2011.).

A Joint Comission on Accreditation of Hospital Organizations estabelece que a pausa cirúrgica deva ser realizada com a checagem verbal de toda a equipe, e que tem por objetivo avaliar e assegurar que o paciente, o local e o procedimento estejam corretos, além de garantir que todos os documentos, equipamentos e informações estejam acessíveis(1717. Joint Comission Resources (US). Temas e estratégias para liderança em enfermagem: enfrentando os desafios hospitalares atuais. Porto Alegre: Artmed; 2008.). Desse modo, conhecer os motivos de sua não realização pode contribuir para promover maior adesão a esse item, considerando que problemas na comunicação são barreiras para a adesão a programas de segurança e aplicação de checklist, bem como contribuem para a ocorrência de eventos adversos relacionados a procedimentos(1818. Fourcade A, Blache JL, Grenier C, Bourgain JL, Minvielle E. Barriers to staff adoption of a surgical safety checklist. BMJ Qual Saf. 2012 [cited April 20 2013];21(3):191-7. Available at: http://qualitysafety.bmj.com/content/21/3/191.full.pdf+html
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).

Em estudo que analisou as respostas de 502 cirurgiões ortopédicos a um questionário sobre o Protocolo Cirurgia Segura, 40,8% ressaltou já ter presenciado cirurgia em paciente ou local e errado, e 25,6% desses consideraram que a falta de comunicação contribuiu para o erro(1919. Motta Filho GR, Silva LFN, Ferracini AM, Bähr GL. Protocolo de cirurgia segura da OMS: o grau de conhecimento dos ortopedistas brasileiros. Rev Bras Ortop. 2013 [cited 2015 Jan. 12];48(6):554-62. Available at: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S010236161300146X
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). Ressalta-se, assim, a importância da confirmação verbal como estratégia de prevenção do erro, além de representar o compromisso dos profissionais, presentes na sala cirúrgica, de que a cirurgia pode ser iniciada com segurança em relação aos itens verificados.

A quarta etapa do checklist deve ser realizada antes que o paciente deixe a sala cirúrgica. Nessa etapa, observou-se adesão à verificação dos itens relativos à documentação, porém a contagem de gazes, compressas, agulhas e instrumental cirúrgico não foi realizada. Ressalta-se que essa medida visa detectar precocemente, enquanto o paciente ainda está em sala operatória, a retenção de corpos estranhos na cavidade cirúrgica. Pesquisa realizada entre 2003 e 2006 observou 68 relatos de casos de retenção de objetos em pacientes. Destes, 34 foram considerados quase acidentes (near miss), onde o problema foi detectado antes do término da cirurgia. Nos outros 34 houve retenção de 23 compressas ou gazes (68%), 3 agulhas (9%), 7 materiais diversos (20%) e um instrumento cirúrgico (3%); como desfecho, 22 pacientes necessitaram reintervenção cirúrgica, o que destaca a importância da verificação(2020. Cima RR, Kollengode A, Garnatz J, Storsveen A, Weisbrod C, Deschamps C. Incidence and characteristics of potential and actual retained foreign object events in surgical patients. J Am Coll Surg. 2008 [cited in 2015 jan. 10];207(1):80-7. Available at: http://www.journalacs.org/article/S1072-7515%2808%2900069-0/abstract
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).

Estudo semelhante demonstrou menor adesão à última etapa do checklist, quando comparada às anteriores(1515. Soria-Aledo V, Silva ZA, Saturno PJ, Grau-Polan M, Carrillo-Alcaraz A. Dificultades en la implantación del checklist em los quirófanos de cirugía. Cir Esp. 2012 [cited 2014 August 20];90(3):180-5. Available at: http://www.um.es/calidadsalud/archivos/Soria-Aledo%20et%20al.,%202012.pdf
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). O cansaço da equipe e o fato de o cirurgião responsável já não estar mais presente na sala cirúrgica foram alguns dos fatores associados(1515. Soria-Aledo V, Silva ZA, Saturno PJ, Grau-Polan M, Carrillo-Alcaraz A. Dificultades en la implantación del checklist em los quirófanos de cirugía. Cir Esp. 2012 [cited 2014 August 20];90(3):180-5. Available at: http://www.um.es/calidadsalud/archivos/Soria-Aledo%20et%20al.,%202012.pdf
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) reforçando a ideia de que a ausência de alguns profissionais antes do término do preenchimento desse instrumento dificulta sua finalização(1919. Motta Filho GR, Silva LFN, Ferracini AM, Bähr GL. Protocolo de cirurgia segura da OMS: o grau de conhecimento dos ortopedistas brasileiros. Rev Bras Ortop. 2013 [cited 2015 Jan. 12];48(6):554-62. Available at: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S010236161300146X
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).

Por fim, salienta-se que estudos sugerem, como estratégias para evitar problemas relativos à aplicação do checklist e à falta de comprometimento da equipe cirúrgica, ações educativas e direcionadas a quebrar paradigmas, como a hierarquia do cirurgião, além de melhorias no sistema de comunicação e a mudança cultural(1515. Soria-Aledo V, Silva ZA, Saturno PJ, Grau-Polan M, Carrillo-Alcaraz A. Dificultades en la implantación del checklist em los quirófanos de cirugía. Cir Esp. 2012 [cited 2014 August 20];90(3):180-5. Available at: http://www.um.es/calidadsalud/archivos/Soria-Aledo%20et%20al.,%202012.pdf
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-1616. Gawande A. Checklist: como fazer as coisas bem feitas. Rio de Janeiro: Sextante; 2011.). Considerando a fase de implantação do uso do checklist no hospital da pesquisa, os resultados podem subsidiar o planejamento de estratégias que contribuam para a continuidade e aprimoramento do Programa Cirurgias Seguras na instituição.

CONCLUSÃO

Conclui-se que embora o checklist tenha sido empregado em todas as cirurgias, não houve adesão significativa ao instrumento e verificação verbal. Quando ocorreu a verificação, esta se deu, predominantemente, de forma individual e não verbal. A técnica de coleta de dados, por meio da observação não participativa e após anuência dos participantes, pode ser apontada como uma limitação da pesquisa; contudo, também constituiu uma estratégia para auditar o cumprimento do protocolo institucional.

Considerando que a equipe de enfermagem participa do procedimento cirúrgico em suas diversas etapas, o checklist constitui relevante documento de registro de ações indispensáveis à segurança. Deste modo, esta pesquisa informa que este documento legal, ao ser usado de forma incorreta e incompleta, pode ser fonte de comprovação do cuidado de qualidade assim como do descuidado de membros da equipe de enfermagem e demais profissionais da equipe cirúrgica.

Partindo-se do princípio que a adesão com verificação verbal dos itens do checklist é importante estratégia para a segurança, os resultados sugerem potenciais e diversos riscos ao paciente cirúrgico. Deste modo, esta pesquisa contribui para o planejamento de ações administrativas e educativas com vistas à implantação integral do programa na instituição, assim como para a reflexão e o debate sobre comunicação e aspectos éticos da assistência em saúde.

Quais são as etapas do check list de cirurgia segura?

O checklist de cirurgia segura da OMS tem três momentos: Entrada (antes da indução anestésica), Time Out ou Pausa (antes da incisão) e Saída (antes de o paciente deixar o centro cirúrgico). Seus elementos podem ser adequados às necessidades e realidade de cada instituição.

Quem faz o Check

Para a utilização da Lista de Verificação, uma única pessoa deverá ser responsável por conduzir a checagem dos itens. O condutor pode ser médico ou profissional da enfermagem, que esteja participando da cirurgia e seja o responsável por conduzir a aplicação, de acordo com diretrizes da instituição de saúde.

O que é o checklist de cirurgia Segura Qual é a sua importância?

Importância do check-list de cirurgia segura. Segundo Mota Silva e et al (2017) o check-list de cirurgia segura é um instrumento que proporciona a verificação dos pontos críticos da assistência durante o processo cirúrgico, incorporando as boas práticas na rotina da equipe multidisciplinar.

Quais as 3 fases do protocolo de cirurgia segura?

LISTA DE VERIFICAÇÃO DE CIRURGIA SEGURA A Lista de Verificação (ANEXO A) divide a cirurgia em três fases: I - Antes da indução anestésica; II - Antes da incisão cirúrgica; e III - Antes do paciente sair da sala de cirurgia.