Em que consiste o pluralismo jurídico?

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Coluna Direito como Resistência

Em que consiste o pluralismo jurídico?

O cerne deste estudo é uma revisão dos conceitos teóricos de pluralismo jurídico a partir da obra de Boaventura de Sousa Santos, tentando abranger diversas perspectivas que o autor avança ao longo de sua vida acadêmica.

Para começar a abertura teórica, elucidaremos a questão da visão pluralista ou monista de Direito, dessa forma, ao definir a teoria monista de Direito, fazemos referencia à noção calcada de que Direito, só será considerado, quando passar pelo processo de positivação. Assim sendo, somente será considerado jurídico aquele conjunto de normas emanadas pelo Estado.

A teoria pluralista de direito, por sua vez se compreende o direito como manifestação autônoma da imagem estatal, pois ele surge da expressão da população e pode ou não ser oficial.

As matrizes do pluralismo jurídico como teoria, vão remeter a tese de doutoramento de Boaventura de Sousa Santos, na Universidade de Yale, em 1973. Boaventura partiu de uma pesquisa empírica, analisando o discurso jurídico de uma comunidade periférica do Rio de Janeiro, denominada por ele de Pasárgada.

No presente trabalho, o autor demonstra o surgimento de uma auto-resolução dos conflitos de habitação, concretizados pela própria comunidade, paralelamente ao Estado e inclusive em determinados momentos, contraditória ao ordenamento jurídico estatal brasileiro.

Os moradores, com medo de que a condição de ocupação ilegal (âmbito formal) fosse identificada pelo estado, criaram uma espécie de fórum jurídico na associação dos moradores e, dessa forma, resolviam e organizavam seus conflitos.

É importante esclarecer que o autor português, traz a ideia de um novo direito, oriundo das classes oprimidas, que se emancipa tornando-se efetivo e legítimo, contrapondo-se a burocracia do processo legislado, formal estatal.

Esta tese é de essencial importância para a temática, pois se trata da investigação do autor português realizada na favela de Pasárgada, nome fictício dado a tal comunidade carioca, cujo fundamento era o de analisar uma possível concepção paralela de direitos surgidos em tal comunidade.

Para realizar tal feito, o pesquisador residiu por um espaço de tempo em Pasárgada, acompanhando o dia-a-dia da comunidade e em especial as reuniões realizadas na associação de moradores. Tais encontros tinham um formato semelhante ao de um tribunal, já que determinados conflitos acontecidos na comunidade eram resolvidos no local.

Nesse sentido, é

É importante esclarecer o que o autor entende por Pasárgada: “Pasárgada é uma das maiores e mais antigas favelas do Rio, tendo atualmente uma população superior a 60.000 pessoas e ocupando uma vasta área numa das zonas industriais da cidade” (SANTOS, 1988, p.10).

Sobre seu estudo, o autor português também esclarece:

Eu passei a prestar atenção tanto em prevenção de disputas quanto em solução de disputas, já que a maneira que as pessoas previnem disputas é relacionada às maneiras nas quais as disputas são solucionadas quando elas ocorrem. Enquanto eu concentrava minha pesquisa nos mecanismos de prevenção de disputas e solução de disputas com a Associação de Moradores de Pasárgada eu vim a perceber que esses mecanismos e seu ambiente institucional forma um sistema legal não oficial o qual eu chamei de direito de Pasárgada. Eu então eu analisei esse direito em sua relação dialética com o sistema brasileiro oficial, como uma forma de pluralismo jurídico. Esta perspectiva me salvou da tentação de estudar Pasárgada como uma comunidade isolada, uma deficiência seria da maioria dos trabalhos de antropologia jurídica. Além disso, eu empreguei uma  análise de classe, examinando o pluralismo jurídico como uma relação entre o sistema jurídico dominante(o sistema jurídico oficial controlado pelas classes  brasileiras dominantes) e um sistema denominado ( O Direito de Paságarda controlada pelas classes oprimidas). (SANTOS, 1977, p.7)[1].

Não obstante o estudo realizado na favela, Boaventura de Sousa Santos vem revisitando sua teoria e reconceituando o Pluralismo Jurídico ao longo das décadas, trazendo classificações e conceitos para que se possa determinar o alcance da teoria que teve seu inicio na em meados dos de 1970.

No que toca o conceito pluralismo, e em especial o que vai definir como direito que se encaixa em Pasárgada, Boaventura de Sousa Santos traz alguns exemplos de pluralismo que acha pertinente discutir.

Avançando acerca do tema, traz a definição de três concepções distintas de pluralismo jurídico, quais sejam: Em primeiro lugar trata dos países que adotam o direito europeu como instrumento de modernização, gerando um conflito entre o novo direito oficial e o interior direito tradicional (SANTOS, 1988, p.75).

Já em segundo plano, trata do pluralismo resultante de um processo de revolução social, gerando, assim, um choque entre o direito tradicional e o novo direito revolucionário (SANTOS, 1988, p.75).

Por fim, em terceiro ponto, o autor apresenta o caso de povos conquistados que tiveram parcialmente seu direito mantido em razão de permissão, expressa ou implícita do conquistador (SANTOS, 1988, p.75).

Assim, Sousa Santos apresenta uma nova concepção pluralista na presente tese, na qual se encaixa o direito de Pasárgada, que explicita da seguinte forma:

No entanto, a análise detalhada dessas situações e sociedades revela concomitantemente a conveniência em ampliar o conceito de pluralismo jurídico, de modo a cobrir situações susceptíveis de ocorrer em sociedades, cuja homogeneidade é sempre precária porque definida em termos classistas; isto é, nas sociedades capitalistas. Nestas sociedades a homogeneidade é, em cada momento histórico, o produto concreto das lutas de classes e esconde, por isso, contradições (interclassistas, mas também intraclassistas) que não são nunca puramente econômicas e , pelo contrário, são tecidas de dimensões sociais, políticas e culturais variamente entrelaçadas. Estas contradições podem assumir diferentes expressões jurídicas, reveladoras, na sua relativa especificidade, dos diferentes modos por que se reproduz a dominação político-jurídica. Umas dessas expressões (e um desses modos) é precisamente a situação do pluralismo jurídico e tem lugar sempre que as contradições se condensam na criação de espaços sociais, mais ou menos segregados, no seio dos quais se geram litígios ou disputas processados com base em recursos normativos e institucionais internos (SANTOS, 1988, p.76).)

É, portanto, nesse ponto onde o presente autor vai inovar e aceitar a ampliação dos estudos quanto ao tema, o qual gerou repercussão internacional, especialmente no caso brasileiro, pois diversos pensadores foram influenciados ou incentivados a realizarem novas descobertas em face dessa ampliação conceitual.

Essa abertura para a análise de dimensões sociais, políticas e culturais, em razão das características da sociedade capitalista, gerou uma série de possibilidades acerca de novos direitos, os quais convivem em paralelo com o direito estatal.  Assim o autor segue:

A ampliação do conceito de pluralismo jurídico é concomitante da ampliação do conceito de direito e obedece logicamente aos mesmos propósitos teóricos. Com ela visa-se enriquecer o campo analítico da teoria do direito e do estado através da revelação de lutas de classes em que o direito ocupa, de múltiplas formas, o centro político das contradições. Daí que a perspectiva teórica desse trabalho assente numa analise sociológica do pluralismo jurídico. O reconhecimento jurídico deste por parte do direito dominante não é determinante para a conceptualização da situação como de pluralismo jurídico; é-o, no entanto, para a configuração concreta desta, razão por que deve ele próprio ser objeto, nesta qualidade, de análise sociológica (SANTOS, 1988, p.77-78).

O autor português admite, à época, que sua concepção pluralista não seja totalmente aceita pela ciência do direito, porém, deve-se ater ao ano em que tal publicação ocorreu, 1977, quando tal concepção jurídica ainda era pouco debatida e aceita na ciência do direito. Nos dias de hoje, mesmo que de maneira minoritária, o debate pluralista é mais aceito nas faculdades de direito, não necessitando que se repute a aceitação única e exclusiva da sociologia para admitir-se que existem outras formas jurídicas concomitantes à estatal.

Em que consiste o pluralismo jurídico?

Porto Alegre/RS – O sociólogo português Boaventura de Souza Santos em palestra sobre o tema: Globalização: Desigualdade e a crise civilizatória durante o Fórum Social Temático (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Dessa forma, Boaventura de Sousa Santos resume o que entende pelo pluralismo jurídico de Pasárgada:

Uma das ideias centrais deste ensaio é que, no estado de direito da sociedade capitalista, o estado não é só de direito e o direito não é só do estado. No caso aqui analisado- o direito de Pasárgada – a retórica jurídica é exercida pelo operariado industrial (e também pelo exército de reserva e por uma fração do que, muito inadequadamente, tem sido chamado de pequena-burguesia-favelada), fora do âmbito do direito estatal e no seio de uma organização comunitária (a associação dos moradores) mais ou menos autônoma. Apesar de toda sua precariedade, o direito de Pasárgada representa a prática de uma legalidade alternativa e, como tal, o exercício alternativo de poder político, ainda que muito embriônico.

Não é um direito revolucionário, nem tem lugar numa fase revolucionaria de luta de classes; visa resolver conflitos intraclassistas num espaço social marginal. Mas, de qualquer modo, representa uma tentativa para neutralizar os efeitos da aplicação do direito capitalista de propriedade no seio dos bairros de lata e, portanto, no domínio habitacional da reprodução social (SANTOS, 1988, p.98-99).

É, pois, dessa concepção inovadora que Boaventura traz em sua tese, que irão surgir uma série de debates, teorias e grupos de pesquisa no Brasil. Eis que a ruptura conceitual para o debate entre classes dá espaço para análises da marginalidade e opressão como potência criadora de direitos, uma vez que geram uma organização comunitária para suportar essa opressão ou negação.

No entanto, Boaventura não estancou seu estudo de pluralismo somente na tese e em livros e artigos que decorrem da mesma. Ele seguiu o debate acerca do pluralismo evoluindo em alguns conceitos e definições.

Em posterior análise acerca do estudo de Pasárgada, o autor português trouxe algumas novas interpretações acerca do pluralismo jurídico:

Cada unidade social constitui-se em centro de produção de juridicidade com uma vocação universalizante circunscrita à esfera dos interesses econômicos ou outros dessa mesma unidade. Na medida em que a realização social de tais interesses se processa harmoniosamente, isto é, sem ocorrência de conflitos entre os vários centros individuais de juridicidade, a relação entre estes é de extrema autonomia e tolerância recíprocas. No momento, porém, em que os conflitos surgem, o choque não é meramente entre reivindicações fáticas ou normas jurídicas isoladas, é antes entre duas ordens jurídicas, duas pretensões globais de juridicidade ou ainda entre duas vocações contraditórias (mutuamente exclusivas) de universalização jurídica. Nestas condições, o conflito atinge rapidamente uma intensidade extrema, pois que tende a generalizar-se a todas as relações sociais entre as partes conflitantes, inclusivamente àquelas não envolvidas inicialmente no conflito. O conflito é entre dois poderes soberanos entre os quais nenhum poder mediador pode interceder. É um conflito global e insolúvel. Cria-se, assim, uma situação de suspensão jurídica, ou melhor, de ajuridicidade cuja superação tende a ser determinada pela violência. A privatização possessiva do direito constitui-se por uma dialética entre a tolerância extrema e a violência próxima. É esta a dialética que se detecta em Pasárgada na fase da sua história que estivemos a analisar (SANTOS, 1987, p.50).

É notório que o autor avança em sua interpretação do fenômeno ocorrido em Pasárgada, concebendo aqui, um potencial acontecimento com o qual não se havia preocupado antes, que é ajuridicidade, ou seja, a partir da negligência do estado, forma-se um sistema jurídico paralegal cujo poder era da harmonia comunitária e se perpetuava, uma vez que não atingisse a esfera do direito estatal.

No entanto, percebeu o autor se tratar de um momento de transição, na qual eminentemente o Estado, ao sentir sua soberania ser tocada, agiria com a violência da imposição de seu sistema legal.

Porém, ainda na compreensão de Boaventura de Sousa Santos, ao analisarmos sua mais recente obra acerca dos problemas da justiça, na qual dedica um capítulo para suas atuais reflexões acerca do pluralismo jurídico, denominado: O novo e o velho pluralismo jurídico.

No presente trabalho, o autor português analisa os reflexos do direito como ciência, privilégio de poucos especialistas, com caráter elitista, o qual é usado como mecanismo de dominação de classes, de hierarquização e exclusão social (SANTOS, 2011, p.113).

Boaventura sintetiza o que chama de concepção moderna de direito:

A concepção moderna de direito enquanto Estado levou a uma grande perda da experiência e da prática jurídica e legitimou um “juricídio” massivo, isto é, a destruição de práticas e concepções jurídicas que não se ajustavam ao canon jurídico modernista (SANTOS, 2011, p.114).

O autor apresenta a contraposição a essa visão de direito moderna, que é o que chama de pluralismo jurídico crítico:

No âmbito latino-americano, o pluralismo jurídico crítico começou por ser o resultado da realização de estudos empíricos que visaram demonstrar a existência do pluralismo jurídico em sociedades pós-coloniais, ao contrário do que a dogmática jurídica e a sociologia do direito convencional pretendiam (SANTOS, 2011, p.114).

Numa revisão bibliográfica acerca do tema, o autor avança para explicitar um novo contexto social que demandará uma nova categorização de estudo:

Esta perspectiva analítica reivindica uma mudança de orientação epistemológica: a relação entre o sistema jurídico estatal e as outras ordens jurídicas já não são vistas como ordens separadas e culturalmente diferentes. O pluralismo jurídico é assim visto como parte do campo social, integrando uma complexa relação interativa entre diferentes ordens normativas. Enquanto os estudos clássicos sobre o pluralismo jurídico puderam desfrutar de alguma facilidade analítica e de investigação, optando por uma estrutura conceptual que isolasse as ordens jurídicas do colonizador e do colonizado, os novos estudos sobre o pluralismo jurídico debruçam-se sobre uma teia de legalidades entrelaçadas (SANTOS, 2011, p.115).

Assim, dadas as consequências dessas alterações sociais, demandando novas categorias de classificação em virtude da complexidade do mundo atual, o autor português apresentará uma releitura teórica, que chamará de novíssimo pluralismo jurídico:

Na atualidade, as transformações políticas e institucionais em curso na América Latina, em especial na Bolívia e no Equador, colocam em pauta a emergência de um terceiro conjunto de estudos sobre o pluralismo jurídico, a que chamarei novíssimo pluralismo jurídico. O novíssimo pluralismo jurídico é dinamizado no âmbito do que denominei constitucionalismo transformador. A vontade constituinte das classes populares nas ultimas décadas no continente latino-americano tem-se manifestado numa vasta mobilização social e política que configura um constitucionalismo a partir de baixo, protagonizado pelos excluídos e seus aliados, com o objetivo de expandir o campo do político para além do horizontal liberal, através de uma nova institucionalidade (plurinacionalidade), uma nova territorialidade (autonomias assimétricas), uma nova legalidade (pluralismo jurídico), e um novo regime político (democracia intercultural) e novas subjetividades individuais e coletivas (indivíduos, comunidades, nações, povos, nacionalidades) (SANTOS, 2011, p.116).

A partir dessa releitura, novamente Boaventura traz inovação ao conceito, permitindo reafirmação das pesquisas na área, dando novo oxigênio ao pluralismo jurídico e aproximando-se com as diversas teorias críticas do direito.

Boaventura de Sousa Santos traz mais uma máxima importante:

Esta nova institucionalidade, põe em causa a simetria liberal moderna em que todo o Estado é de direito e todo o direito é do Estado. O constitucionalismo rompe com este paradigma ao estabelecer que a unidade do sistema jurídico não equivale a sua uniformidade (SANTOS, 2011, p.116-117).

Nesse sentido, o constitucionalismo alicerçado desse novíssimo pluralismo jurídico transformador, se torna espécie que quebra com o conceito tradicional de direito, que é fechado e dogmático.

Por fim, o autor faz uma previsão acerca das alterações futuras que podem advir dessas transformações no mundo:

Depois de dois séculos de uniformidade jurídica, não será fácil para os cidadãos, organizações sociais, decisores políticos, servidores públicos, advogados e juízes adotar um conceito de direito mais amplo que, ao reconhecer a pluralidade de ordens jurídicas, permita desconectar parcialmente o direito do Estado e reconectá-lo com a vida e a cultura dos povos. Estarão presentes em conflitos dois tipos de legalidade: a legalidade democrática e a legalidade cosmopolita (SANTOS, 2011, p.117).

Dessa nova concepção de direito pode emanar uma conexão do direito com a população, que hoje, em razão da burocracia e da formalidade, se tornou distante das camadas populares, um direito longínquo e frio.

            É importante considerar que de tais concepções do que Boaventura chama de novíssimo pluralíssimo jurídico vão surgir uma série de teorias de Direito contemporâneo, como o Direito Achado na Rua, Direito Alternativo, bem como outras teorias que possam surgir que tentem conectar os aspectos constitucionais com as camadas populares, visando essa efetivação dos direitos.

Considerações Finais

Procura-se ao longo desse trabalho delinear os diversos aspectos de pluralismo jurídico que Boaventura de Sousa Santos trata ao longo de variadas obras e décadas, explorando desde sua tese de doutoramento, de forma mais criteriosa, e posteriormente abrangendo como o autor acompanha a evolução do próprio tema ao longo dos anos, seja por meio de seus escritos, seja por meio dos debates que acontecem em outras localidades, por outros juristas, mas a partir de sua matriz de fundamento.

É necessário esclarecer, que a própria temática pluralista, surge como um estudo empírico, uma tese de doutorado, que gera um impacto tão grande que se torna teoria de direito, transformando-se a tal ponto que próprio autor da tese tem que revisitá-la ao longo dos tempos, para compreender como esse tema foi se transmutando, se ressignificando e crescendo, se tornando cada vez mais complexo e ramificado.

Dessa forma, o artigo procura abranger a releitura feita por Boaventura, reanalisando a própria teoria e demonstrando as diversas perspectivas que ela pode abranger, no entanto, é necessário se ter em conta, que à medida que ela se transformou do século passado para os presentes anos, ela ainda pode ter mutações e avanços.

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[1] Tradução não oficial feita pelo autor.

  • Eduardo Xavier Lemos, Mestre em Direito, Estado e Constituição – UnB. Especialista em Ciências Penais. Articulista do Jornal Estado de Direito, responsável pela coluna Direito como Resistência. – PUC-RS. http://lattes.cnpq.br/5217401632601710

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O pluralismo jurídico é composto pela diversidade de normas que vigem em uma determinada sociedade de forma simultânea, sendo considerada como questão social e em partes como antagonismo ao monismo jurídico, que é o monopólio das normas jurídicas exercidas pelo Estado.

São exemplos de pluralismo jurídico?

Os exemplos mais comuns de pluralismo jurídico clássico ocorrem em virtude dos choques-culturais, seja através da implantação de um sistema normativo de outro país convivendo com as tradições locais, seja através da coexistência de culturas variadas em um mesmo local.

Como surgiu o pluralismo jurídico?

O pluralismo jurídico surgiu em contraposição ao monismo para abarcar a diversidade existente no sistema, no final do século XX. No Brasil, o pluralismo veio como novo referencial político e jurídico na busca de uma sociedade mais justa.

O que é o pluralismo jurídico e no que se diferencia do monismo jurídico?

O pluralismo jurídico surge como concepção antagônica ao monismo jurídico, aquele tendente em considerar fundamentalmente a socialidade do direito, ao passo que este propugna a estatalidade do direito, sem esquecer que essa oposição não chega a adquirir a natureza de autêntica dicotomia, uma vez que existem inúmeras ...