Historiografia patriótica: a <strong>“versão</strong> <strong>tradicional”</strong> <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> e <strong>seus</strong> des<strong>do</strong>bramentos... Historiografia patriótica: a <strong>“versão</strong> <strong>tradicional”</strong> <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> e <strong>seus</strong> des<strong>do</strong>bramentos a serviço de um patriotismo militar brasílico Ivan Bilheiro Dias Silva* José Luiz Oliveira de Paula** RESUMO Logo no início <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> e ao longo de quase to<strong>da</strong> a sua duração, foram produzi<strong>da</strong>s certas narrativas historiográficas, sobretu<strong>do</strong> com a autoria de alguns oficiais combatentes. Essa historiografia, feita por militares, tornou-se valorosa fonte para a construção de uma imagem <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s (mormente, o Exército), fortes e defensoras <strong>da</strong> Pátria brasileira, em especial quan<strong>do</strong> <strong>da</strong> “transição” <strong>da</strong> Monarquia para a República, feita sob as ações <strong>do</strong> próprio Exército (especificamente, a alta oficiali<strong>da</strong>de). Trata-se de uma historiografia carrega<strong>da</strong> de certo patriotismo, servin<strong>do</strong> a esses fins. Assim, a historiografia <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> serviu de base para a justificação <strong>do</strong> sentimento de que o “ama<strong>do</strong> Brasil” deveria ser coloca<strong>do</strong> sob os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s, e isso se prolongou por um longo perío<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> visto ain<strong>da</strong> nos dias atuais. A título de arremate historiográfico, as duas principais versões acerca <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong>, divergentes <strong>da</strong> versão “<strong>tradicional”</strong> e produzi<strong>da</strong>s nas últimas déca<strong>da</strong>s, serão concisamente apresenta<strong>da</strong>s. Palavras-chave: Historiografia. <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong>. Patriotismo. Versão historiográfica. Militares. * Graduan<strong>do</strong> em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF). ** Gradua<strong>do</strong> em História pela Universi<strong>da</strong>de Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Bacharel em Direito pelas Facul<strong>da</strong>des Integra<strong>da</strong>s Vianna Júnior (FIVJ – JF). Especialista em Meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> Ensino Superior pela Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas e Mestre em História Social pela Universi<strong>da</strong>de Severino Sombra. Professor <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de História <strong>do</strong> CES-JF, e <strong>da</strong>s Facul<strong>da</strong>des de Direito, Economia e Administração <strong>da</strong>s FIVJ, esta última convenia<strong>da</strong> com a FGV CES Revista | v. 25 | Juiz de Fora | 2011 115 Show
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. A Historiografia da Guerra do Paraguai sofreu mudanças profundas desde o desencadeamento do conflito. Durante e após a guerra, a historiografia dos países envolvidos, para muitos, limitou-se a explicar suas causas como devida apenas à ambição expansionista e desmedida de Solano López. Entretanto, desde o início da guerra houve forte movimento apontando o conflito como responsabilidade do Império do Brasil e da da Argentina Mitrista. Nesta leitura, descaram-se intelectuais federalistas argentinos e uruguaios, como Juan Bautista Alberdi.[1] No Uruguai, destacou-se a crítica de Luis Alberto de Herrera.[2] Esta literatura foi comumente - e segue sendo - desconhecida no Brasil. No Paraguai, foi também precoce e muito forte a resposta à historiografia de cunho liberal, que retomava as teses aliancistas sobre a guerra do Paraguai. Esta literatura se inseriu em contexto revisionista mais amplo sobre a história do país, com destaque para a valorização da ação do doutor José Gaspar de Francia como fundador do Paraguai independente. Entre os principais historiadores revisionistas destacam-se Cecílio Baez (1862-1941); Manuel Domínguez (1868-1935); Blas Garay (1873-1899) e, finalmente, Juan E. Leary (1879-1969), considerado como o iniciador da historiografia "lopizta positiva", ou seja, que explicava positivamente a guerra a partir da ação verdadeiramente prometeica de Francisco Solano López.[3] Também essa literatura foi e segue sendo fortemente ignorada no Brasil. Ela jamais abraçou a tese da Inglaterra como responsável pelo conflito.[4] Nos anos 1950, na Argentina, surgiu importante literatura de influência marxista, populista e americanista revisionista sobre a guerra do Paraguai, com destaque para autores como José María Rosa; Enrique Rivera e Milcíades Peña; Adolfo Saldías, Raúl Scalabrini Ortiz, também pouco estudada e raramente referida no Brasil. Não poucos entre esses autores negaramu radicalmente a tese da culpa inglesa no conflito, responsabilizando o Império e a Argentina mitrista, como no caso de Milcíades Peña e Enrique Rivera, em seu trabalho clássico. Milcíades Peña seria explícito: "“Ni la monarquía coronada brasileña ni la oligarquía mitrista hicieron la guerra del Paraguay por encargo de Inglaterra, [...].” [5] Paradoxalmente, também essa historiografia mantém-se desconhecida no Brasil. Atualmente, há esforço de leitura do conflito que supera as mitologias o lopizmo positivo e negativo.[6] Há uma intepretação que propõe, sem conhecer a historiografia assinalada, que, a partir dos anos 1960, uma segunda corrente historiográfica, mais comprometida com a luta ideológica contemporânea desta década entre o capitalismo e o comunismo, e direita e esquerda, apresentou a versão de que o conflito bélico teria sido motivado pelos interesses do Império Britânico que buscava a qualquer custo impedir a ascensão de uma nação latino-americana poderosa militarmente e econômica. A partir dos anos 1980, novos estudos propuseram razões diferentes, revelando que as causas se deveram aos processos de construção dos Estados nacionais dos países envolvidos. Historiografia tradicional (1864-1870)[editar | editar código-fonte]A historiografia tradicional,[7] também chamada de Oficial[8] e Ufanista,[9] surgiu imediatamente após o conflito e perdurou até o final da década de 1960. Tratava-se de uma visão simplista e exagerada[10] das causas da Guerra do Paraguai que teria ocorrido graças às ambições infinitas de um supostamente megalomaníaco e sanguinário Solano López que tinha por intenção criar o "Paraguai Maior" através da conquista de territórios dos países vizinhos. A reação dos Aliados teria ocorrido então numa tentativa desesperada de fazer prevalecer a "civilização" de países constitucionais e democráticos contra a "barbárie tirânica" do Paraguai governado por López.[9][11] Sua grande duração foi justificada pela obstinação de Pedro II de ver López derrotado por desprezá-lo ao considerá-lo mais um caudilho latino-americano[11][12] e consequentemente, seria necessário lavar a honra do Brasil. Também se alegou que a irritação do Imperador teria ocorrido após uma proposta de López para casar-se com a princesa Isabel, mas isto nunca ocorreu e trata-se de uma invenção posterior de um autor norte-americano.[13] Mais tarde, surgiria o culto oficial dos heróis da guerra tais como o Duque de Caxias, Tamandaré, Osório e Mitre.[9][12] Enquanto que no Paraguai, do fim da guerra até meados da década de 1930, López era visto também como um megalomaníaco que destruiu o país numa guerra desnecessária e fútil.[14][15] Era a opinião, por exemplo, de Gustavo Barroso:[16]
Historiografia revisionista (1968-1990)[editar | editar código-fonte]A chamada historiografia revisionista surgiu no final da década de 1960 e ganhou força durante a década de 1970-80. As origens remotas da mesma perduram do final do período monárquico do Brasil, quando os republicanos e militares insatisfeitos influenciados pelo Positivismo (como Benjamim Constant) realizaram ataques e críticas quanto a participação brasileira no conflito. Havia por detrás de tais acusações uma ideologia em comum entre os republicanos brasileiros, assim como argentinos e uruguaios, que tinham por objetivo desacreditar o regime monárquico ao considerá-lo o único culpado pelo desencadeamento da Guerra do Paraguai e das atrocidades cometidas.[15] Enquanto a partir da década de 1920, uma nova visão sobre a guerra surgiu no Paraguai graças aos esforços dos ditadores que buscavam uma legitimidade para seus governos autoritários ao apresentar um modelo anterior representados por Francia, Carlos López e Solano López.[14] O revisionismo histórico da Guerra do Paraguai recebeu impulso de fato em 1968 a publicação da obra "A Guerra do Paraguai – Grande negócio!" do escritor Leon Pomer onde alegou que a guerra ocorreu por interesse único da Grã-Bretanha[7] (posteriormente, reconheceu não ter sido a Grã-Bretanha que "desencadeou" a guerra).[9] Na obra, em tantas outras publicadas no período, o Paraguai é apresentado como um país socialista e igualitário, além de extremamente moderno, rico e poderoso. Seu governante, Solano López, seria uma espécie de líder visionário, antiimperialista e socialista que buscava tornar seu país livre das influências imperialistas estrangeiras. A Grã-Bretanha, supostamente receosa deste modelo autônomo e temendo que pudesse vir a servir de exemplo para os países vizinhos, tratou de ordenar que o Brasil, Argentina e Uruguai, simples "marionetes", destruíssem o Paraguai, exterminando praticamente toda a população paraguaia conseqüentemente.[7] [9][11][14][17][18] Defendendo a versão revisionista, discorre Júlio José Chiavenato:[19]
Em sentido semelhante, o historiador Eric Hobsbawm[20] defende que:
Tal visão, hoje considerada simplista e sem embasamento empírico, tornou-se difundida a partir da década de 1960 por diferentes escolas de historiadores, das mais diversas nacionalidades e vertentes.[21] Entre os ligados à esquerda marxista, havia o interesse em transformar o Paraguai de Solano López numa espécie de precursor do regime comunista de Cuba. Conforme o revisionismo adotado por esses historiadores, Solano López pretendia implementar no Paraguai um regime nacionalista autônomo, oposto ao grande império de sua época, no caso a Grã-Bretanha, de maneira análoga à oposição feita por Cuba aos EUA após a ascensão de Fidel Castro. Também havia a intenção, por parte desses historiadores, de prejudicar a imagem dos heróis da guerra cultuados pelos regimes ditatoriais militares de então que os perseguiam.[9][22] Entretanto, os marxistas não foram os únicos a encamparem tal interpretação. O reforço do suposto heroísmo de Solano López serviu também àqueles ligados à direita nacionalista.[21] Dentre esses últimos, destaca-se o próprio ditador Alfredo Stroessner, que chegou a patrocinar a filmagem do épico "Cerro Corá", com o objetivo de reforçar a imagem de Francisco Solano López como mártir paraguaio.[23] Essa visão revisionista, que ainda é ensinada na maior parte das escolas dos países latino-americanos, carece de qualquer tipo de provas concretas, dados ou evidências empíricas.[9][11][14][17][18] Contudo, os efeitos da visão historiográfica revisionista do conflito foram impactantes, pois diversas gerações de latino-americanos (principalmente brasileiros, argentinos e uruguaios) vieram a observar seu passado de uma forma pessimista e a desprezarem os vultos históricos de seus países.[7] Tais efeitos foram sentidos sobretudo no Paraguai, onde, conforme anteriormente ressaltado, a versão revisionista foi assumida como doutrina oficial de Estado, ainda mais depois da transformação de Solano López em herói sem defeitos.[9][14] O historiador Francisco Doratioto esclarece o tema:[24]
Historiografia moderna (1990-)[editar | editar código-fonte]Disputas territoriais na região platina (1864). Em 1990, o historiador Ricardo Salles publicou a obra Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação do Exército onde apresentou uma análise sobre a historiografia tradicional e revisionista: "Se os estudos tradicionais sobre a guerra pecam por um excesso de oficialismo e factualismo, por sua vez, as versões revisionistas da história do conflito tendem a simplificações nem sempre embasadas em investigações mais profundas".[25] Esta obra foi uma das primeiras de uma nova geração de historiadores que buscavam analisar a Guerra do Paraguai.[26][27] Os estudos realizados por estes profissionais revelaram que as causas do conflito não foram em razão de influência externa ou por uma pura e simples ambição de um único homem. Mas sim, uma série de fatores relacionados a formação como Estados-nações dos países participantes e dos processos geopolíticos e econômicos da região, resultante de heranças históricas, políticas e geográficas de duas culturas diferentes: portuguesa e espanhola.[11][28][29][30][31] O historiador Francisco Doratioto apresenta de maneira concisa esta nova visão sobre as causas do conflito:
Esta última corrente historiográfica é a que está sendo levada em conta pelos livros e obras mais recentes que tratam do assunto. Tal fato é proveniente do fato de que ao contrário das duas correntes anteriores não se trata de um estudo baseado somente em ideologias ou patriotismo, mas de um trabalho científico. Bibliografia[editar | editar código-fonte]Historiografia tradicional[editar | editar código-fonte]
Historiografia revisionista[editar | editar código-fonte]
Historiografia moderna[editar | editar código-fonte]
Notas
Qual é a visão tradicional da historiografia brasileira sobre a Guerra do Paraguai?A historiografia tradicional apontava a guerra única e exclusivamente como resultado da megalomania de Solano López, ditador do Paraguai, e desconsiderava uma série de eventos relevantes no contexto geopolítico da bacia platina.
Como os historiadores tradicionais avaliam a participação do Brasil na Guerra do Paraguai?O Brasil lutou para defender o Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), invadido pelo Paraguai. Para entender a guerra, porém, é essencial saber que estavam envolvidos dois blocos de países. De um lado, Brasil, Argentina e parte do Uruguai.
Qual é a visão da historiografia Paraguai para o conflito?A Historiografia da Guerra do Paraguai sofreu mudanças profundas desde o desencadeamento do conflito. Durante e após a guerra, a historiografia dos países envolvidos, para muitos, limitou-se a explicar suas causas como devida apenas à ambição expansionista e desmedida de Solano López.
Qual é a versão da historiografia Paraguai?Consideramos as quatro versões predominantes nessa historiografia, quais sejam: a versão que se deu logo após a guerra, versão esta propagada pelo exército brasileiro (a historiografia memorialístico-militar-patriótica); a historiografia propagada pelos positivistas ortodoxos; o revisionismo das décadas de 1960/70/80, ...
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