Por quê tu é pó e ao pó tornarás

“Lembra-te que és pó e ao pó voltarás” (Gn 3,19)

“Lembra-te que és pó e ao pó voltarás” (Gn 3,19)

Reunidos na Igreja para a celebração da Eucaristia, iniciamos a quaresma ouvindo a Palavra de Deus e logo após a homilia, mergulhamos no rito da bênção e imposição das cinzas. O Missal Romano propõe duas orações: uma que pede a Deus a bênção para os fiéis que vão receber as cinzas, e outra que pede a Deus a bênção sobre as cinzas, a fim de que possamos “reconhecer que somos pó e que ao pó voltaremos”. Tanto uma quanto outra oração pede a Deus que nós, que recebemos as cinzas possamos meditar de onde viemos e para onde nos destinamos. A quaresma nos convida a meditar na nossa miséria, reconhecer nossas faltas, buscar pelo original de Deus em nossa vida e seguir pelo caminho de purificação.

Quando impõe as cinzas sobre as nossas cabeças, o sacerdote diz uma das duas fórmulas seguintes, ambas retiradas da Sagrada Escritura: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15) ou “Lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar” (Gn 3,19). Ao receber as cinzas, e ouvir que somos pó e voltaremos a ser, a Igreja nos apresenta um itinerário espiritual de 40 dias denominado quaresma, meditaremos que fomos criados do pó e do barro, e deste nada Deus soprou em nós o sopro da vida e passamos a existir, em nosso nada, exaltamos a beleza da criação.

Com o primeiro Adão nós pecamos, e o pó passou de matéria prima da criação a ser representação de miséria e fracasso humano, nossa natureza passou a ser pó, inclinada para o mal em virtude do pecado original. Todavia, Deus teve misericórdia de nós, justamente porque sabe que somos pó, conforme diz o Salmo 103(102), 13-14 “... porque Ele (Deus) conhece a nossa estrutura e Se lembra de que nós somos pó...”. Por isso Deus enviou o novo Adão para nos tirar do pó, e nos devolver a originalidade da criação. Somos de Deus, Ele nos criou do nada não para ser um nada, nos criou do pó não para sermos pó, mas para mostrar Sua grandeza e nos fazer assentar-se em Sua presença como filhos amados e queridos.

Não é desejo de Deus que permaneçamos no pecado. Ao contrário, Ele quer nos levantar da sujeira e do pó, e nos erguer como luzeiros que brilham em meio ao mundo. Já dizia o Salmo 113 (112), 7: “Ele ergue o fraco do pó e tira das cinzas o pobre”. Quaresma é tempo de conversão, de retornar as origens da criação, de reassumir o belo de Deus que somos nós. Não fomos criados para ficar no pó, nem ser pó se arrastando e comendo migalhas. Deus quer que voltemos a Ele, em nossa originalidade, reassumindo nossa natureza humana agora resgatada pelo Divino e enfim poder ressuscitar com Ele no sábado santo e comer a Sua Páscoa!

A cinza marca o tempo da volta, Ele que nunca se afasta de nós, mas nós nos afastamos d’Ele tantas vezes. Vamos acumulando: apegos, busca desenfreada pelos prazeres do mundo, ativismo, falta de oração, distrações que nos desviam, medos e dores; assim nossa vida vai se tornando sem rumo. A Quaresma é o tempo de voltarmos à saúde do Espírito, de nos voltarmos para o Senhor, de rasgarmos diante d’Ele o nosso coração e de implorarmos a sua misericórdia. Ele é benigno, Ele é compassivo e cheio de misericórdia como nos diz o profeta, por isso podemos voltar sem medo, pois o Pai nos espera para conceder o seu perdão e a sua misericórdia.  Ao receber as cinzas, entendemos que Deus quer realizar em nós uma “nova criação”, operada por Ele mesmo. A construção de um coração novo, convertido, pois tirar alguém do pó e das cinzas é obra que somente Deus mesmo pode realizar. O que compete ao homem é reconhecer-se pecador, vestir seu coração e sua alma de cinzas.

Muito mais do que uma manifestação cultural ou histórica, a cerimônia de bênção e imposição das cinzas é um sacramental por cujo intermédio a Santa Igreja intercede ao seu Divino Esposo pelos fiéis que a acolhem, implorando para que eles cheguem à graça do original, do primeiro amor inicial pelas vias da penitência e da conversão. Nas cinzas, meditamos na morte no sentido geral, para o mundo e com Cristo. A simbologia do pó e da cinza nos remete ao fim implacável de nossos corpos mortais, um dia morreremos aqui nesta vida e viveremos para Deus. A liturgia quaresmal nos coloca em nosso lugar nos fazendo relembrar quem nós somos, para que Deus assuma o lugar que é Dele.

Voltemos pois aquilo que Deus nos fez, o novo Adão superou o primeiro e o pó é a matéria prima do qual Deus nos tirou, mas não é mais o nosso lugar.

Andréa Silva Rocha

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 6, 1-6.16-18)

Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus. Por isso, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa.

Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando tu orares, entra no teu quarto, fecha a porta e reza ao teu Pai que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa. Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa”.

Iniciamos o tempo da Quaresma, tempo de mortificação. O que quer dizer isso? Significa que é tempo de “fazer morte”, pois mortificar quer dizer isso. Mas por que a Igreja nos coloca num tempo de penitência? Toda Quarta-feira de Cinzas, nós vamos à igreja para receber cinzas sobre nossas cabeças. A Igreja, então, pronuncia aquelas palavras que ecoam pelos séculos: Memento homo, “Lembra-te, homem”, quia pulvis es et in pulverem reverteris, “que tu és pó e ao pó hás de voltar”. A Igreja nos recorda nossa mortalidade, nos recorda que este mundo vai virar pó e cinza. Ora, será que estamos construindo nossa casa em cima da rocha firme ou em cima de areia? Porque virá o vento, virá a tempestade, e grande será a ruína… São esses os pensamentos que devem nos acompanhar no início da Quaresma. Precisamos compreender que estamos neste mundo, literalmente, de passagem, preparando nossa repatriação, ou seja, nosso retorno para a Pátria. Estamos no mundo, mas não somos do mundo. O problema é que, marcados pelo pecado original, nos esquecemos disso, por isso começamos a nos adaptar ao mundo e a adquirir uma mentalidade mundana. Esquecemos que a pátria não é aqui. Somos estrangeiros, estamos de passagem, e no entanto, esquecidos do céu, começamos a fazer do mundo nossa “casa”, nosso “lar”, nossa “morada”, nosso “destino”… A Igreja, Mãe e Mestra, quer que nos encontremos no início da Quaresma com nossas próprias cinzas. De fato, as cinzas que recebemos na cabeça nesta Quarta-feira são feitas com os ramos de Domingo de Ramos, aquelas palmeiras abençoadas no ano passado.  Isso nos deve recordar uma outra cinza: a cinza que nós seremos, quando formos decompostos no túmulo. Quantas pessoas, neste tempo de pandemia, foram tomadas de surpresa por uma verdade que andava tão esquecida: a nossa fragilidade! Nós vamos morrer! No confessionário, muita gente tem dito: “Padre, o pior da doença foi o medo, o medo de morrer…” As pessoas estão dando testemunho de que não estavam preparadas para a morte. No entanto, ao longo dos séculos, a coisa que a Igreja mais fez, por ser a mais certa e necessária, foi concluir os dias com um exame de consciência, porque hoje pode ser o meu último dia. Temos de pedir perdão a Deus, colocar-nos diante dele e pedir-lhe que, no fim da noite, tenhamos uma noctem quietam, uma noite tranquila, et finem perfectum, e uma morte santa. Todos os dias, precisamos fazer um exercício de morte, e o tempo da Quaresma é para intensificar esta experiência e esta verdade, é para nos lembrarmos do quão passageiras são as alegrias do mundo. Mortificação! Façamos nossos propósitos quaresmais, propósitos de mortificação, demos um pouco de morte a nossos gostos, demos um pouco de morte à mentalidade mundana, pois as alegrias do mundo são efêmeras; elas brotam de manhã como a erva e, de tarde, já murcharam e feneceram. Mas existe uma alegria no céu! Esperamos a Páscoa, a passagem deste mundo para a Pátria e, porque estamos de passagem, vivemos o tempo da Quaresma.

Texto do episódioMaterial para downloadComentários dos alunos

Porque você é pó e ao pó voltará Gênesis 3 19?

Gênesis 3:19 NVI Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó, e ao pó voltará”.

O que quer dizer do pó viemos e ao pó voltaremos?

“Lembra-te que és e ao voltarás” (Gn 3,19). É um lembrete de quão breve é a vida e do porquê devemos buscar as coisas do céu.

Porque és pó é pô te Hás

“Lembra-te que és pó e ao voltarás” foi o tema escolhido pelo Reitor, recordando o versículo do livro de Génesis. Cada um de nós foi veio da terra e é à terra que regressará. Mesmo na sua condição humana, com a debilidade e fragilidade que caracterizam essa condição, Deus não deixa de nos amar e de nos dar a vida.

Quem disse a frase do pó viemos ao pó voltaremos?

Dyleno Dias de Sousa - Pensador.