Quais as dificuldades enfrentadas pelos alunos que vivem na área rural?

Por Dyovany Otaviano da Silva (Comissão de Jovens Multiplicadores de Agroecologia)

Embora o Brasil tenha sua origem predominantemente agrária, só recentemente surgiu a preocupação com a Educação no Campo. Numa perspectiva urbanocêntrica, as políticas públicas de educação chegaram ao campo como uma extensão do modelo de escola urbana para o campo. No artigo 28 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), percebe-se um direcionamento para educação do campo, onde o mesmo destaca a necessidade de os sistemas de ensino realizarem as devidas adequações às peculiaridades da vida rural e de cada região em relação aos conteúdos curriculares, metodologias e organização escolar. No entanto, percebe-se que a Educação no Campo vem enfrentando grandes desafios no que diz respeito a classes multisseriadas e a uma educação contextualizada que atenda as reais questões dos estudantes que vivem no campo.

No município de Cumaru, localizado no Agreste setentrional do estado de Pernambuco, existiam 29 escolas na zona rural. Hoje devido à nucleação de algumas escolas em uma única comunidade existem apenas 24 escolas ativas, é o que afirma a professora e supervisora Airacilda Barros da Silva Vasconcelos. Ela ainda afirma que já foram e são ofertados no município programas voltados para a Educação no Campo como o Pacto Nacional pela Alfabetização na idade Certa, Escola Ativa e Pronacampo.

Autoridades alegam que a falta de alunos no campo tem provocado o fechamento de várias escolas no município. Além disso, como forma de evitar mais gastos, os alunos das comunidades rurais se deslocam para estudar na cidade ou em escolas que foram nucleadas, e as que ainda existem funcionam como classes multisseriadas. Além de terem sido fechadas, várias escolas da zona rural foram derrubadas, espaços esses que poderiam ser utilizados pela comunidade para reuniões ou sede de associação, encontros religiosos e festejos da comunidade.

O baixo número de estudantes na zona rural é resultado da falta de políticas públicas voltadas para a permanência daqueles que vivem no campo. Por não terem condições de sobreviver da agricultura, nem emprego e renda e nenhum tipo de incentivo por parte das autoridades municipais, muitas famílias acabam indo morar em cidades circunvizinhas ou em cidades de pólos têxteis em busca de uma vida melhor, contribuindo assim para o êxodo rural existente no município.

Neste contexto, as crianças e os jovens que ainda permanecem em sua comunidade rural são submetidos a uma educação com classes multisseriadas, ou seja, encontram-se em um mesmo ambiente escolar um único professor ensinando a diversas turmas com alunos de diferentes idades. Sendo assim, professores e alunos enfrentam várias problemáticas como a falta de infraestrutura, alimentação, formação continuada, recursos e materiais didáticos. 

A professora Maria Ilza Gomes Ferreira Silva, da Escola José Joaquim da Silva, do Sítio Dendê, afirma que é leciona nessa escola há 18 anos e que atualmente trabalha com classe multisseriada. A professora ainda relata que “é muito difícil, pois tenho que me virar nos trinta para dar atenção, explicar conteúdos, realizar atividades para alunos da creche, pré, primeiro e segundo ano. As dificuldades são muitas, porém é gratificante quando vejo que eles aprenderam aquilo que me propus a ensinar”.

De acordo com o Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (2015), a menção a oferta da educação básica para a população rural conforme a LDB 9394/96, retrata a necessidade de implementar uma educação que resgate as identidades dos sujeitos do campo, bem como olhar diferenciado para a escolha de conteúdos e metodologias que dialoguem com as vivências políticas e experiências culturais que valorizem as singularidades do campo. Embora exista uma legislação, documentos e programas que visem trabalhar a Educação do Campo de forma contextualizada, percebe-se o quanto ainda se está distante dessa condição, pois o currículo que é ensinado nas escolas do município hoje não atende e não contempla a vivência e a realidade dos estudantes.

Portanto, percebe-se o quanto é difícil ser criança e jovem no campo hoje, pois inúmeros são os desafios que estes enfrentam nas suas comunidades. Por isso, é preciso um currículo integrador que leve em consideração as necessidades e a realidade daqueles que vivem no campo, contribuindo assim para a permanência dos mesmos com dignidade e qualidade de vida.

Com a suspensão das aulas durante a pandemia da covid-19, é certo que muitos alunos tiveram dificuldades no aprendizado remoto. Na área rural, os desafios foram ainda maiores, tanto devido à má qualidade do sinal de internet para assistir às aulas quanto à falta de recursos para garantir o acesso em casa.

Uma das escolas do campo em que a dificuldade foi constatada foi o Centro Educacional (CED) Pipiripau II, localizado no núcleo rural Pipiripau, em Planaltina. Foram mais de 500 crianças e adolescentes, desde o Ensino Fundamental I até o Ensino Médio, que enfrentaram os empecilhos com a internet para acessar os conteúdos à distância e tiveram perdas no aprendizado.

De acordo com o diretor da unidade educacional, Orlei Rofino de Oliveira, a solução encontrada para impasses com a conectividade foi o envio de atividades impressas para os estudantes. “Só que nessas condições o ensino nunca é como deveria ser”, destacou o educador. “O aluno acaba ficando muito prejudicado. Se em uma escola urbana as dificuldades foram imensas, imagina na escola do campo”, disse.

“O prejuízo do ponto de vista das aprendizagens foi muito grande. Vamos demorar anos para recuperar. […] Esses quase dois anos de pandemia foram bem prejudiciais aos alunos. Aqui [na área rural] não tem internet de qualidade e muitas famílias tiveram muitas dificuldades [financeiras]”, segundo o diretor.

Quando a família não conseguia pegar o material, a equipe pedagógica levava o material às casas e depois ou os buscava para a correção ou dava um tempo maior para que devolvessem. Em outros casos em que a questão era financeira, muitos professores chegaram a custear os dados móveis para os alunos.

Neste período, a equipe da escola elaborou o “CED Pipiripau Solidário”, que consistiu tanto na arrecadação de cestas básicas para as famílias quanto na arrecadação de eletrônicos para que os alunos pudessem participar do ensino remoto. Foram celulares e tablets recebidos de doações do DF inteiro.

“Mas o problema é a conectividade. Não adiantava o aluno ganhar um aparelho e não ter condições de acessar as aulas [por qualidade de sinal ou condições financeiras de arcar com os custos de uma internet]”, comentou o vice-diretor, Eduardo Barcelos de Oliveira, que reforçou o obstáculo do sinal para as atividades on-line.

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O retorno do ano letivo presencial na rede pública de ensino do DF marca, portanto, além de uma retomada definitiva das aulas nas escolas, a garantia de um aprendizado mais próximo dos professores, e, portanto, mais atencioso. No Distrito Federal, são mais de 24,4 mil alunos que estudam no campo, espalhados em 80 unidades de ensino, sendo cerca de 10 mil estudantes nos anos iniciais da educação básica. Os dados são da Secretaria de Estado de Educação (SEE-DF).

Quais as dificuldades enfrentadas pelos alunos que vivem na área rural?
Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Foi diante de tantas dificuldades como estas que o pequeno Vitor Gabriel, de 6 anos, estudante do 1º ano, teve um atraso na alfabetização escolar, e ainda não sabe ler e escrever bem. No caso dele, foi necessário fazer as atividades impressas enviadas pela escola por não haver uma boa internet para que acessasse as aulas, segundo a mãe, Ana Walkili, de 33 anos.

Moradores do Capão, região rural em Planaltina do Goiás, ela matriculou o filho no CED Pipiripau por ser a escola mais próxima da chácara que possui, onde produz verduras para a venda a uma cooperativa. Desde a retomada do ensino presencial, Ana sai de casa antes das 6h para trabalhar na unidade escolar, onde é funcionária da limpeza há sete anos.

Vitor, por outro lado, estuda no período vespertino e segue para a escola ou com o pai ou com caronas de famílias da mesma região do Capão, que têm os filhos matriculados no CED Pipiripau II. As crianças são deixadas e esperam com os responsáveis pelo ônibus escolar em um dos pontos por onde o transporte passa. De acordo com Ana, Vítor perdeu bastante com o ensino à distância.

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Além disso, a saúde do garoto também atrapalhou o aprendizado remoto. Vitor Gabriel possui uma enfermidade ainda não completamente diagnosticada pelos médicos, mas que o torna mais insensível à dor. Enquanto as aulas não retornavam, o pequeno teve duas fraturas na perna esquerda e precisou paralisar os estudos para se recuperar no hospital, sendo internado.

Quais as dificuldades enfrentadas pelos alunos que vivem na área rural?
Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Em outubro do ano passado, durante o sistema híbrido, o menino fraturou a perna novamente sem perceber – provavelmente na escola em alguma atividade, segundo Ana – e ficou outro período se recuperando, sem ir à escola para não forçar o membro e se machucar ainda mais sem perceber. Ele está em acompanhamento pela Rede Sarah.

“O Vitor teve dificuldade para aprender a ler. Comparando com outros meninos da sala dele, ele está um pouco mais atrás. Mas quando começaram as aulas dele [em 2020], deu um mês e começou a pandemia. Teve que estudar tudo remoto, e isso prejudicou bastante”, destacou a Ana.

Apesar do pouco tempo dentro de sala de aula, Vítor estava ansioso para voltar a encontrar os amigos na escola, segundo Ana. “Acho que é porque os professores e coordenadores são muito receptivos e tratam as crianças muito bem”, ressaltou. “Mas [ao ensino remoto] ele não se adaptou bem”, complementou.

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Quanto aos riscos da contaminação pela covid-19 neste novo retorno, Ana fica apreensiva por esta nova onda de infecções que o DF tem registrado há mais de um mês. “Sempre fico apreensiva porque é uma doença complicada. Muitas pessoas já perderam tantos parentes, fico com medo. Não se sabe tanto dela assim.”

A insegurança neste retorno também é um dos sentimentos de Mara de Souza, 32, que voltou para o Núcleo Rural Pipiripau com os filhos João Vitor, 13, e Matheus, 7, há aproximadamente um ano. Ela veio da Bahia em 2019, mas retornou para o estado de origem quando a pandemia começou e as aulas foram suspensas, em 2020. Em fevereiro de 2021, a família veio para o DF novamente.

“Estou feliz que eles vão voltar às aulas, mas com um pouquinho de medo por causa do vírus. Estou conversando com eles direitinho, pedindo para usar máscara, não ficar muito perto dos coleguinhas e manter o distanciamento”, destacou.

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Durante o período sem aulas presenciais, os dois estudantes também não se desenvolveram bem – ficaram a maior parte do tempo sem aulas, mesmo as remotas. Matheus é um dos mais velhos da turma do 1º ano, onde os estudantes normalmente têm 6 anos. Já João Vitor irá para o 3º ano, estando ao menos três anos atrasado nos estudos, principalmente pelo déficit de atenção.

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Ônibus rural

Quais as dificuldades enfrentadas pelos alunos que vivem na área rural?
Fotos: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

A ida à escola para as aulas presenciais no campo se dá de maneira diferente. Como as chácaras e fazendas são muito distantes umas das outras, e para muitas crianças não há outro tipo de transporte, o caminho é feito com um ônibus escolar fornecido pela unidade de ensino. Neste caso, o veículo sai do CED Pipiripau II e percorre a estrada de chão até chegar nas entradas das chácaras.


Quais as dificuldades enfrentadas pelos alunos do campo?

As dificuldades encontradas pela escola do campo Classe Sonhém de Cima não parecem ser exclusivas dessa unidade, visto que as condições de locomoção, infraestrutura e acesso à internet se repetem, ou são até piores, pelo Brasil afora, colocando outras comunidades escolares em situações similares.

Como é o ensino nas escolas rurais?

"Na zona rural, os estudantes têm menos acompanhamento da família e menos oportunidades de acesso à cultura e à leitura, tanto na sala de aula, com o professor que tem formação precária, quanto em casa", avalia o diretor do MEC. Quando se analisa a infra-estrutura, as escolas rurais também ficam para trás.

O que precisa melhorar na educação do campo?

“Uma das principais estratégias para fortalecer a educação no campo é a formação de professores”, destaca Rita Gomes, do MEC. Segundo ela, um educador que atua no campo deve compreender que a sua atuação docente ocorre em um contexto não homogêneo, em escolas pequenas e com turmas multisseriadas.

Qual a realidade da educação do campo?

“A Educação do Campo se origina dos movimentos sociais, das lutas dos trabalhadores do campo. Diferente da Educação Rural, que é um projeto do sistema capitalista, para manter a hegemonia da Educação numa perspectiva dualista, que é de classe do campo que se reverbera por meio do agronegócio”, contextualiza.