Quais as vantagens de não ter rede social?

Algumas pessoas me perguntaram isso, então resolvi contar essa história. Precisamos refletir melhor sobre o assunto.

Pois é, leitores, em janeiro de 2021 saí da última rede social que eu ainda usava. Logo depois, em agosto, cancelei também os perfis do blog. Portanto, como já deu para perceber, este post é um contraponto a outro que publiquei há alguns anos sobre a utilidade das redes sociais para cientistas.

Bom, usei praticamente todas as redes sociais que já existiram. Na verdade, cheguei a usar até as avós delas, conhecidas como BBS e mIRC, ainda no final dos anos 80 e começo dos 90. Confesso também que, em meados dos anos 90, quando a internet foi aberta ao público, gastei infinitas horas nas saudosas salas de bate-papo virtual.

Mais para frente, no começo dos anos 2000, quando as redes sociais em seu formato atual floresceram, continuei a explorar esse admirável mundo novo. Tive perfis em quase todas. Dei mais atenção a umas do que a outras. Sim, sou um nerd doido por novidades tecnológicas.

Nesses primórdios, eu não fazia distinção entre uso profissional e pessoal das redes sociais. Grave erro, que me gerou muito estresse desnecessário. O bom é que logo aprendi na base do tapa que não era uma boa ideia expor a minha vida pessoal no mundo virtual. E olha que, graças aos conselhos de amigos alemães, culturalmente avessos a toda e qualquer forma de exposição de privacidade, sempre tomei mais cuidado do que o brasileiro médio. Só que aos poucos fui notando que nem todo cuidado seria suficiente.

Isso ficou ainda mais claro a partir de 2013, quando estourou a crise política, social e econômica na qual o Brasil se afunda cada vez mais. Devido à polarização crescente não só aqui, mas no mundo todo, as pessoas começaram a perceber que as redes sociais estavam chegando rapidamente a níveis insuportáveis de toxicidade. Ok, sempre houve tretas online desde os tempos da conexão discada. Só que as tretas saíram de controle e as redes se tornaram realmente tóxicas.

“Todas as redes sociais se parecem; cada rede é tóxica à sua maneira”

Tolstoi, numa rede de paquera

Pare para pensar. Tem uma delas que é chamada de “a rede do amor”, mas fomenta um narcisismo doentio. Uma outra, conhecida como “a rede do ódio”, tornou-se uma verdadeira ferramenta de erosão das relações humanas. Não tem uma que escape!

Mas o que é essa tal toxicidade das redes sociais? Ela é parecida com a toxicidade de uma pessoa. Para você entender, ao invés de te explicar tecnicamente, vou pedir que você vasculhe os seus sentimentos, como um bom Jedi. Na maioria das vezes, após dar uma olhada nas suas redes, você se sente mais leve ou mais pesado?

Você sai dos feeds com uma sensação de ter aprendido algo ou sai estressado, atordoado, aborrecido? Seja sincero consigo mesmo: com que frequência nas redes você experimenta sentimentos como indignação, raiva, ressentimento, frustração ou inveja? Você já rompeu relacionamentos com amigos, parentes ou colegas por causa de interações tensas nas redes? E, mesmo após sentir tudo isso, você sempre volta a rolar as atualizações em loop infinito por horas a fio todo dia?

Acho que agora você está entendendo melhor do que estou falando. Um dos motivos principais para esse aumento exponencial na toxicidade das redes sociais foi uma mudança de foco do coletivo para o individual. Em um primeiro momento, a diversão era participar de comunidades temáticas sérias ou zoeiras para trocar informações ou simplesmente dar uma relaxada. Hoje, a tônica é o culto ao ego.

Cada pessoa virou uma espécie de autoridade ou celebridade de si mesma, vivendo uma triste ilusão de relevância dentro da sua bolha. Os próprios criadores das redes sociais acordaram para o problema e muitos se arrependem abertamente dos monstros que criaram. Algoritmos escritos originalmente para reter atenção demonstraram ter efeitos colaterais apocalípticos, como a desinformação e a destruição da democracia.

Sentindo essa vibe pesada se condensar no ar, em 2015, após muito estresse com um caso de “cancelamento” e discussões estúpidas envenenadas pela soberba, resolvi abandonar uma rede social famosa que ainda bombava na época. Passei a usar outras apenas para trabalho e mudei totalmente a minha forma de interagir online.

As redes sociais ainda continuam tendo vantagens? Sim, só que, nos últimos anos, o lado negativo delas sobrepujou em muito o seu lado positivo. Hoje penso que o saldo não vale mais a pena. Permaneço usando apenas uma única rede estritamente acadêmica, cujo formato não chega a ser tóxico (na verdade, muitos a consideram chata por isso, rs).

Compartilhando agora a minha vivência, quero te conscientizar sobre o “dilema das redes“, discutido por cada vez mais gente. Que tal então refletirmos sobre alguns pontos?

1. As redes sociais te expõem demais, mesmo que você seja cuidadoso.

Não tem para onde correr, pois isso é da natureza dos algoritmos e do modelo de negócios delas. Por exemplo, gente que nem está entre os seus contatos acaba vendo os seus posts, stories, reels, views, likes, dislikes, shares e comments. Até mesmo a dois, três ou mais graus de separação. Ou seja, você acha que está falando só com o seu círculo íntimo, mas na verdade está falando com o mundo todo. Por isso, fique ligado nas ferramentas de controle da privacidade das redes que você usa, mas não confie cegamente nelas, pois elas são alteradas toda hora sem aviso prévio.

2. As redes sociais expõem também os seus contatos virtuais e reais.

Da mesma forma que você não consegue se proteger, tampouco consegue proteger as pessoas que ama. Todos acabam tendo acesso amplo e irrestrito à intimidade dos seus parentes, amigos e colegas, até mesmo os que permanecem offline. Algo fundamental, como proteger a privacidade dos seus filhos menores de idade, hoje é complicado por causa das redes sociais. Sempre tem um parente sem noção que posta as fotos do almoço de domingo sem a sua permissão.

3. Mesmo postando pouco, depois de alguns anos você acumula uma quantidade brutal de informações.

Sério, você cria voluntariamente um arquivo público sobre as suas preferências alimentares, políticas, profissionais, sociais, religiosas e sexuais. Elas são reveladas não apenas através das coisas que você escreve ou com as quais interage, mas também através das suas preferências de consumo. Usando técnicas de big data, algumas redes sociais sabem mais sobre você do que você mesmo. Você quer mesmo que esse tipo de informação fique disponível como um produto, ao alcance de algumas empresas para lá de mal-intencionadas?

4. A vida em sociedade se torna impossível, se você puder olhar dentro da mente das pessoas.

Todos nós somos tolos, loucos ou monstros em algum grau ou por alguma perspectiva. Ainda mais em tempos de cultura do cancelamento e justiçamento social. Vivemos em uma era de hipocrisia e ressentimento, então é melhor expressar os seus sentimentos apenas em particular e para pessoas em quem você confia. Ao contrário do que muita gente “do bem” prega por aí, rede social não substitui papo de boteco ou terapia.

5. As redes sociais te dominam pela vaidade.

Graças à vaidade potencializada por poderosas ferramentas de reforço positivo, as pessoas tendem a se viciar nas redes e a superestimar a própria importância para a humanidade. Também superestimam a própria erudição e sabedoria. Tornam-se escravos que pensam que são senhores, não abandonando as redes sociais porque “precisam continuar nelas para salvar o mundo”.

6. Ninguém precisa saber o que você comeu no almoço de hoje.

Pior do que achar que ter uma conta em uma rede social te torna melhor do que um jornalista profissional é você agir como jornalista de si mesmo, relatando ao mundo os detalhes mais irrelevantes da vida. Esse egocentrismo online cresceu tão assustadoramente, que culminou na moda do “não me representa”. Ou a pessoa se enxerga 100% no outro, ou imediatamente o julga irrelevante ou ilegítimo.

7. As redes sociais aceleraram o processo de degradação da sociedade.

Já vínhamos caminhando rumo a um mundo líquido desde os anos 70, mas as redes encurtaram o caminho em pouquíssimo tempo. Elas estão destruindo as nossas relações interpessoais e também a nossa saúde mental. Não à toa, antes da pandemia de Covid-19 já enfrentávamos uma pandemia de depressão e ansiedade. Um outro sintoma preocupante é a ressignificação da palavra “radical”, que, após malabarismos semânticos, hoje virou sinalização de virtude nas redes sociais.

8. As redes sociais corrompem até mesmo pessoas bem-intencionadas.

Infelizmente, muitos cientistas entram nas redes para divulgar conhecimento, mas acabam divulgando o próprio ego. Compare o comportamento de algum divulgador que você curte no canal dele e numa rede social da qual ele participa. Parecem duas pessoas diferentes, não? Isso acontece porque, no fundo, as redes não são um ecossistema livre, mas uma realidade paralela onde as nossas emoções são manipuladas por megacorporações. A essência das redes é estimular o narcisismo, o imediatismo e a superficialidade. Isso, fora a censura pesada imposta pela própria comunidade a quem não apresenta alinhamento pleno à última modinha cultural da semana. Portanto, fora as redes trazerem à tona o pior de cada pessoa, a liberdade nelas é uma ilusão.

9. Em tempos de pandemia, as redes sociais se tornaram ainda mais perigosas

Ao contrário do que muitos pensam, as redes são iguais à mídia tradicional em muitos aspectos, especialmente no que se refere à negatividade. Preste atenção ao que bomba nelas. Notícias ruins, fofoca, conspirações, boatos e tretas recebem muito mais atenção do que notícias boas ou descobertas científicas, por exemplo. Ainda mais agora, vivendo sob alta pressão no coronamundo, você tem certeza mesmo de que está forte e estável o suficiente para consumir todas as notícias alarmantes sobre a Covid-19, sejam elas verdadeiras ou falsas, que saem a cada segundo?

Há todo um universo de ferramentas online muito úteis tanto para a sua vida pessoal, quanto para a sua vida profissional, que não implicam em se expor à toxicidade das redes. Então não siga a manada e decida cuidadosamente quais ferramentas usar ou evitar. Não deixe a hype decidir por você.

E aí?

Outra pergunta que as pessoas têm me feito é: “e aí, Marco, como você está sentindo depois de abandonar as redes?” Não tenho uma resposta dramática para isso, pois fui deixando as redes de lado aos poucos, como contei aqui. Além de ir mudando a forma como interagia online, sempre cortei redes e e-mail nas férias, feriados e finais de semana. O que posso dizer, neste momento, é que bloquear a negatividade das redes tem me feito muito bem em tempos de Covid-19. Especialmente agora, na reta final, com tanta gente jogando a tolha, fingindo que a pandemia acabou e forçando uma volta prematura à normalidade.

Conselhos finais

Se você for um divulgador de ciência e quiser mesmo continuar usando as redes sociais, sugiro que foque em produzir conteúdo em plataformas que permitam fazer isso com calma, rigor e profundidade. Use as redes apenas para espalhar esse conteúdo, sem interagir com o público nelas. Converse com os seus leitores, ouvintes e expectadores apenas nas plataformas sérias onde produziu cada conteúdo. Além disso, se você quiser ser um cidadão bem informado e independente, gaste o seu tempo com livros e não posts. Hoje, a maior forma de rebeldia política é ficar offline e não dar opinião sobre tudo.

Para saber mais

Por fim, deixo algumas sugestões de conteúdo para quem deseja se aprofundar nesse dilema:

Quais as vantagens de não ter rede social?
Veja neste livro um mea culpa feito por um dos pais das redes sociais.

Antes de comprar o livro mencionado acima, assista a uma ótima resenha dele.

Sim, as redes sociais prejudicam o seu cérebro!

A censura imposta pela própria comunidade nas redes sociais faz mal à sua saúde!

Quer saber o que as redes sociais têm a ver com Alice e o espelho?

Quais as vantagens de não ter rede social?
Este documentário discute os argumentos apresentados pelo Lanier e traz novas evidências sobre o mal que as redes estão fazendo à sociedade.

Assista a uma excelente entrevista com um psicólogo que estuda o efeito das redes sociais sobre a democracia.

Quais as vantagens de não ter rede social?
Por fim, descubra como as redes sociais estão sendo usadas para manipular os sentimentos das pessoas, enviesar eleições e destruir nossa confiança nas instituições democráticas.

* Este post é uma versão atualizada de um thread que publiquei em uma rede social em 2015.

(Fonte da imagem destacada)

Porque devo excluir minhas redes sociais?

Evitar excesso de informações. Evitar o excesso de informações também é um benefício de apagar as contas nas redes sociais. Ao desconectarmo-nos delas, evitamos entrar contato com o excesso de informações que as redes despejam em nossas mentes a cada visita.

É necessário ter rede social?

É uma necessidade. Quase uma obrigação para qualquer empresa. Não apenas porque grande parte da população está online, acessando redes sociais. Mas também pela facilidade e o baixo custo de implantação de estratégias em mídias digitais.

Como é não ter redes sociais?

Elas estão destruindo as nossas relações interpessoais e também a nossa saúde mental. Não à toa, antes da pandemia de Covid-19 já enfrentávamos uma pandemia de depressão e ansiedade.