Quais fatores podem prejudicar o desenvolvimento infantil adequado?

Fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem oral em crianças: uma revisão sistemática da literatura

INTRODUÇÃO

A linguagem se desenvolve com base na genética e em estímulos verbais que são originados no ambiente em que se está inserido(1). O desenvolvimento da linguagem é um processo evolutivo e complexo que envolve principalmente a cognição(2). A criança tem, ainda, seu desenvolvimento influenciado pela nutrição, estimulação, educação e o ambiente em que ela e sua família se encontram(3–5). As dificuldades que envolvem a linguagem referem-se a alterações no processo de desenvolvimento da expressão e recepção verbal e/ou escrita. Grande parte das queixas relatadas na clínica pediátrica, neurológica e fonoaudiológica infantil envolvem algum tipo de atraso na aquisição da linguagem ou dificuldades de aprendizagem e diferentes riscos ao desenvolvimento cognitivo(3,6).

Diversos fatores podem estar envolvidos com as alterações de linguagem, como, por exemplo, as relações sociais pobres ou deficitárias, a falta de oportunidades linguísticas no ambiente, o retardo mental, o autismo, as síndromes genéticas e cromossômicas, os déficits motores ou sensoriais, além do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade(7). Os atrasos específicos no desenvolvimento da linguagem devem ser identificados precocemente, uma vez que tais alterações podem interferir nos aspectos sociais e escolares da criança(8). Os transtornos de linguagem nas crianças são associados, na literatura, também a prejuízos psicossociais, tais como baixa autoestima, isolamento social e ansiedade. As alterações de linguagem situam-se entre os mais frequentes problemas de desenvolvimento, atingindo de 3 a 15% das crianças e podem ser classificadas em atraso, dissociação ou desvio(3).

Há períodos críticos para o desenvolvimento da linguagem, nos quais as adversidades têm maior impacto(9). Nesse sentido, a avaliação dos fatores de risco, juntamente com as observações detalhadas da fala da criança, pode ser um guia útil para a identificação precoce de crianças que possam vir a desenvolver algum tipo de distúrbio de linguagem(10). Nesse contexto, o risco refere-se a circunstâncias pessoais, ambientais ou sociais que aumentam a possibilidade de o sujeito sofrer algum dano(6,11).

Diante disso, é importante salientar que os profissionais da saúde, como pediatras, enfermeiros, fonoaudiólogos e psicólogos, e os educadores infantis muitas vezes são os responsáveis por identificar crianças que possam estar em risco para alterações no desenvolvimento da linguagem e por encaminhá-las para uma avaliação mais detalhada. No entanto, sobretudo no Brasil, ainda há uma carência de capacitação dos profssionais e de instrumentos validados para utilização na avaliação e detecção de tais alterações(12). Dentre os principais métodos utilizados pelos profissionais de atenção primária para identificálas, estão a comparação com outras crianças da mesma idade e o reconhecimento da preocupação dos pais frente ao desenvolvimento da criança(10).

OBJETIVOS

A fim de buscar informações que possam auxiliar na instrumentalização de profissionais da saúde e da educação, o presente estudo objetivou analisar sistematicamente na literatura osensaiosclínicos controlados randomizados que abordaram os fatores de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem em crianças.

ESTRATÉGIAS DE PESQUISA

Foram pesquisadas as seguintes bases de dados eletrônicas (de janeiro de 1980 até fevereiro de 2014): MEDLINE (acessado via PubMed), LILACS, Biblioteca Cochrane e SciELO. Os termos de busca utilizados foram "child language", "risk factors" e "randomized controlled trial" e seus entretermos. Não foram incluídas palavras relacionadas aos desfechos de interesse para aumentar a sensibilidade desta pesquisa. Não houve restrição de fator de risco para a linguagem.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Foram incluídos quaisquer ensaios controlados randomizados que envolvessem o estudo de algum fator de risco relacionado à linguagem de crianças. Justifica-se, neste estudo, a escolha de ensaios clínicos controlados randomizados, pois representam a evidência científica mais confiável disponível. As revisões sistemáticas, para serem efetivas, devem incluir apenas estudos controlados randomizados de alta qualidade(13). Os critérios de exclusão foram: trabalhos que incluíssem indivíduos que não estivessem entre a faixa etária de 0 a 12 anos, apresentação de uma definição não confiável do que foi considerado fator de risco e apresentação de um desenho metodológico diferente do proposto no objetivo deste estudo.

ANÁLISE DOS DADOS

Títulos e resumos de todos os artigos identificados pela estratégia de busca foram avaliados pelos investigadores. Todos os resumos que não forneceram informações suficientes em relação aos critérios de inclusão e exclusão foram selecionados para avaliação do texto integral. No estágio do texto integral, dois revisores independentes avaliaram os artigos completos e realizaram suas seleções de acordo com os critérios de elegibilidade. Dois revisores independentes realizaram a coleta de dados no que diz respeito às características metodológicas, intervenções e desfechos dos estudos utilizando formulários padronizados. Em todas as etapas do estudo, as discordâncias foram resolvidas por consenso. O dado principal coletado foi quanto aos fatores de risco relacionados ao desenvolvimento da linguagem oral de crianças.

RESULTADOS

Como resultado de uma busca inicial, foram identifcados 1.367 resumos, a partir dos quais nove estudos atendiam aos critérios de inclusão e foram considerados como potencialmente relevantes para análise posterior detalhada. A Figura 1 apresenta o diagrama de seleção dos estudos em todas as suas etapas. Os artigos não aceitos para esta revisão tiveram como razões para sua exclusão os seguintes fatores: analisaram exclusivamente outros aspectos (como, por exemplo, fator de risco relacionado apenas ao desenvolvimento geral), eram revisões da literatura ou não eram ensaios clínicos controlados randomizados. Após a seleção dos artigos, dois avaliadores independentes procederam à análise e extração das informações, as quais foram armazenadas em planilhas previamente formatadas para esse objetivo.

Quais fatores podem prejudicar o desenvolvimento infantil adequado?

Figura 1 Diagrama do processo de seleção dos artigos 

Ao todo, foram encontrados nove estudos que preencheram os critérios de inclusão. Os fatores de risco encontrados nos estudos incluídos foram: dinâmica familiar, interação com os pais, ambiente social imediato, estímulo dado à criança nos primeiros anos de vida, lesão cerebral, otite média persistente, cirurgia cardíaca, tipo de dieta, obesidade, tipo de alimentação e aconselhamento parental sobre linguagem. A idade das crianças incluídas variou de 0 (recém-nascidos) a 12 anos. As características principais dos estudos incluídos encontram-se na Tabela 1, como autores, ano de publicação, periódico publicado e fator de impacto, principal fator de risco mencionado no estudo, número amostral, idade e sexo dos participantes.

Tabela 1 Características dos estudos incluídos 

Autores e anoLíngua originalPeriódico (fator de impacto)Principal fator de risco descritonGênero da amostra
Mendelsohn et al., 2011(14) Inglês Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine (5.184) Família e ambiente 410 famílias (idades variadas) Entre 45,3 e 54% (F)
Nair et al., 2003(15) Inglês Child Abuse & Neglect (nc) Família e ambiente 265 mães (27,5 anos em média) e seus filhos Mães: 265 (F) e 0 (M) Filhos: nc
Lowell et al., 2 011 (16) Inglês Child Development (nc) Família e ambiente 157 (6 a 36 meses) Entre 57,7 e 54,4% (F); entre 42,3 e 45,6% (M)
Landry et al., 2008(17) Inglês Developmental Psychology (nc) Família e ambiente 264 RN (28 meses) 167 (F) e 97 (M)
Luu et al., 2009(18) Inglês Pediatrics (5.930) Prematuridade 375 crianças (12 anos) 37,75% (F) e 62,25% (M)
Paradise et al., 2003(19) Inglês The Pediatric Infectious Disease Journal (3.486) Otite 429 crianças (2 meses de vida) nc
Bellinger et al., 1997(20) Inglês Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics (2.578) Cirurgia cardíaca 171 crianças (2 anos e meio) 23,5% (F) e 76,5% (M)
Rask-Nissilä et al., 2000(21) Inglês Journal of the American Medical Association (29.273) Dieta 1.062 (7 meses aos 5 anos) nc
Aboud e Akhter, 2011(22) Inglês Pediatrics (5.930) Dieta 302 (8 a 20 meses) Entre 50 e 57 (F)

Legenda: F = feminino; M = masculino; nc = não consta; RN = recém-nascidos

Conforme apresentado anteriormente, são poucos os ensaios clínicos controlados randomizados disponíveis na literature que tratam sobre fatores de risco para o desenvolvimento da linguagem em crianças. Dois estudos(14,15) verificaram o efeito do ambiente social imediato da criança, da dinâmica familiar e aspectos da história dos pais como sendo potenciais fatores de risco para o desenvolvimento da linguagem da criança. Um deles(14) destacou que cuidados pediátricos precoces representam uma oportunidade significativa para o reforço no desenvolvimento de crianças. Esse estudo ressalta que a pobreza está relacionada a dificuldades no desenvolvimento da criança e na sua preparação para o início da alfabetização. Isso porque as interações verbais entre os pais e a criança são importantes para o desenvolvimento adequado da linguagem oral e leitura da criança e tendem a ser reduzidas quando as famílias são consideradas de baixo nível socioeconômico.

Como metodologia(14), foram avaliadas as interações entre os pais e os filhos de 410 famílias, por meio da aplicação do questionário StimQ-Infant(23), que se caracteriza como uma entrevista estruturada para avaliar as interações entre os pais e os filhos e o desenvolvimento das crianças na primeira infância. Nesse estudo, foi utilizado também um diário de anotação das atividades de leitura das mães para os filhos em casa. As famílias foram divididas em dois grupos. O primeiro, além de material didático ilustrativo, recebeu apoio e orientações de um especialista sobre interações verbais num contexto lúdico, leituras compartilhadas e rotinas diárias. O segundo recebeu apenas o material didático ilustrativo. O primeiro grupo obteve escores mais elevados no StimQ-Infant e presença de mais atividades de leitura em casa. Houve, mesmo assim, em ambos os grupos, aumento na interação entre os pais e os filhos, verificando-se a importância das orientações aos pais por meio de material didático ilustrativo e das consultas aos profissionais da saúde especializados.

O outro estudo(15) avaliou a relação entre os riscos ambientais e a intervenção precoce sobre as atitudes parentais. Incluíram, nesse estudo, crianças cujas mães apresentavam histórico atual ou pregresso de abuso de substâncias. Foram avaliadas 161 mães e seus filhos, por 18 meses. O grupo de intervenção recebeu visitas semanais nos seis primeiros meses e quinzenalmente entre os 6 e 18 meses. A linguagem foi avaliada por meio da Receptive-Expressive Emergent Language Scale (REEL)(24). Dez fatores de risco para o desenvolvimento e a linguagem foram avaliados: depressão materna, violência doméstica, tamanho da família, violência não doméstica, encarceramento, ausência de namorado ou marido, eventos de vida negativos, statuspsicológico e problemas psiquiátricos, falta de moradia e uso materno de drogas. Observou-se que mulheres com mais de cinco fatores de risco apresentaram, com maior frequência, comportamentos abusivos e negligentes, colocando seus filhos em maior risco para o desenvolvimento infantil geral e da linguagem.

Outros dois estudos(16,17) também avaliaram os fatores de risco relacionados ao ambiente social da criança, propondo estratégias para minimizá-los. Um deles(16) utilizou oChild First, um programa de intervenção domiciliar desenvolvido para investigar efeitos negativos da exposição a riscos psicossociais cumulativos no desenvolvimento emocional e cognitivo de crianças. Documentaram a eficácia de uma intervenção baseada na interação entre pais e filhos e psicoterapia. Aos 12 meses de seguimento, as crianças apresentaram melhora no funcionamento socioemocional e no desenvolvimento da linguagem. A linguagem foi avaliada por meio do Infant-Toddler Developmental Assessment(25). Os autores apontam a saúde mental dos pais, o abuso e a negligência como os principais fatores de risco para o desenvolvimento da linguagem infantil. Afirmam que o risco ambiental cumulativo é fortemente associado ao aumento da incidência de problemas comportamentais, socioemocionais e de linguagem.

O outro estudo(16) examinou o momento ideal para intervenção sobre os comportamentos sociais maternos e infantis e sobre habilidades de comunicação para crianças com risco biológico. Utilizou oPlaying and Learning Strategies – toddler – preschool phase (PALS II), um programa de intervenção infantil cujo foco está no comportamento materno e nas necessidades da criança. A intervenção durante a infância, por meio de jogo e estratégias de aprendizagem, mostra fortes mudanças nos comportamentos maternos afetivo-emocionais e no desenvolvimento da criança. A linguagem das crianças incluídas nesse estudo foi avaliada por meio dos seguintes testes: The Peabody Picture Vocabulary Test – Third Edition, na versão inglesa (PPVT-III)(26), versão espanhola(27) e Preschool Language Scale – 3rdEdition(28), que avalia habilidades sintáticas e semânticas. Os autores apontam a prematuridade, maus-tratos, moradia em orfanato, depressão materna, baixo nível socioeconômico e qualidade da estimulação verbal como fatores de risco para a linguagem. O estudo revela que, em geral, crianças com necessidades especiais têm pais menos responsivos e realizam interações inadequadas, tendo, portanto, sua situação agravada pela presença de mais esses fatores de risco. Os estudos apresentados até aqui concordam com a literatura em geral, que afirma que quanto mais precoces e adequadas forem as relações familiares e a interação social da criança, mais benefícios serão obtidos a curto prazo, tendo em vista o desenvolvimento da linguagem e a aprendizagem. Mais especificamente, a fala materna tem sido apontada como destaque para a facilitação do desenvolvimento da linguagem das crianças(29,30).

Outros estudos enfatizavam questões orgânicas individuais da criança como tendo influência sobre o desenvolvimento da linguagem. É o caso de um estudo(31) que pretendeu comparar aspectos cognitivos, de linguagem, comportamentais e educacionais de crianças prematuras, comparando com um grupo controle de crianças nascidas a termo. Avaliaram o impacto da lesão cerebral neonatal e dos riscos ambientais na função intelectual antes de as crianças completarem 12 anos de idade. Um total de 375 crianças nascidas entre 1989 e 1992 com hemorragia intraventricular e 111 crianças de um grupo controle foram avaliadas. Foram aplicados testes psicométricos, neurológicos e entrevistas sobre as necessidades educativas. Na Escala Weschler de Inteligência para crianças, a coorte de prematuros obteve de seis a 14 pontos a menos nos escores se comparadas com o grupo controle, mesmo após o ajuste dos fatores sociodemográficos. No testeClinical Evaluation of Language Fundamentals (teste de habilidades linguísticas), 22 a 24% das crianças prematuras ficaram na faixa anormal, enquanto os controles apresentaram de 2 a 4% com resultado abaixo do esperado.

Foram ainda aplicados diversos outros testes que complementam a avaliação global e da linguagem da criança, como o Peabody Picture Vocabulary Test(31),Comprehensive Test of Phonological Processing (CTOPP)(32), Test of Word Reading Eficiency (TOWRE)(32) eGray Silent Reading Test (GSRT)(33). Crianças prematuras com e sem lesão cerebral exigiram mais serviços escolares, mais apoio na leitura, escrita e matemática, bem como mais problemas de comportamento. Observou-se que crianças prematuras, especialmente aquelas com lesão cerebral grave, demonstram déficits graves em seus perfis neuropsicológicos, que se traduz em aumento do uso de serviços de apoio escolar ainda aos 12 anos. De fato, a literatura afrma que as crianças nascidas prematuras podem vir a apresentar problemas de linguagem geral(34) e fluência(35). Embora alguns estudos apontem que, aparentemente, aos 2 anos, as crianças prematuras não apresentem prejuízos consideráveis em seu desempenho em linguagem, apenas a idade gestacional não é suficiente para prejudicar esse desenvolvimento. Os fatores familiares podem produzir interferência na linguagem e não se pode descartar a possibilidade de riscos relacionados ao futuro(36).

Ainda considerando os riscos orgânicos, um estudo pretendeu verificar(19) se a inserção imediata de tubos de ventilação em crianças com otite média persistente minimizaria o desenvolvimento de deficiências subsequentes. Um total de 429 crianças com três anos de idade foram randomizadas e divididas em dois grupos, sendo que, no segundo, o tubo de ventilação era colocado nove meses mais tarde. As crianças foram avaliadas por meio dos testes: McCarthy Scales of Children’s Abilities(37), Peabody Picture Vocabulary Test: Revised (PPVT-R)(31),Form M Number of Different Words (NDW)(38), Percentage of Consonants Correct: Revised (PCC-R)(39) e Child Behavior Checklist (CBCL)(40). Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos de tratamento, relacionadas à fala, linguagem, cognição ou desenvolvimento psicossocial.

Durante os três primeiros anos de vida, a inserção imediata ou não de tubos de ventilação não infuenciou nos resultados de instrumentos de avaliação do desenvolvimento, independentemente de a otite ser contínua ou não, unilateral ou bilateral, acompanhada ou não de perda auditiva leve a moderada. Os primeiros anos de vida são considerados os mais importantes para o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem, pois nesse período ocorre a maturação do sistema nervoso, com maior crescimento cerebral e formação de novas conexões neuronais(41). O objetivo da inserção de tubos de ventilação é restaurar os níveis normais da audição e evitar problemas de desenvolvimento(42). O efeito funcional da falta de uso dos tubos inclui deficiências de fala, linguagem e desenvolvimento cognitivo, apesar de esse efeito ainda não ser bem claro na literatura.

Outro estudo(20) observou o desenvolvimento de crianças que realizaram cirurgia de transposição de grandes artérias. Incluíram 171 crianças que haviam apresentado parada circulatória total ou circulação extracorpórea, com baixo fluxo predominante. Foram avaliadas por meio da Child Behavior Checklist for ages 2–3(43), Minnesota Child Development Inventory(44) eMacArthur Communicative Development Inventory/Words and Sentences(45). Os pais responderam a questionários quando as crianças tinham 2 anos e meio. Observou-se que as crianças com parada circulatória, especialmente aquelas com deficiência no septo ventricular, manifestaram linguagem expressiva mais pobre e problemas de comportamento. O uso de parada circulatória para proteger órgãos vitais durante a cirurgia cardíaca pode ser, portanto, segundo este estudo(20), um risco para o adequado desenvolvimento das habilidades motoras e de linguagem.

Outro estudo(21) demonstrou que a dieta e o tipo de alimentação também são fatores de risco para a linguagem. Utilizou-se o aconselhamento parental objetivando manter as dietas de crianças com teores reduzidos de gordura saturada e colesterol. Verificou-se a influência dessa prática sobre o neurodesenvolvimento durante os primeiros cinco anos de vida. Um grupo de 496 crianças, com 5 anos de idade, foram aleatoriamente distribuídas para receberem orientação individualizada de um profissional. Objetivava-se reduzir a ingestão de gordura em 30 a 35%. As crianças foram analisadas por meio do Extended 5-year neurological testing of children(46). O risco relativo para as crianças obterem resultados abaixo do esperado para sua idade nos teste de fala e linguagem, funcionamento motor, percepção e habilidades motoras-visuais foi de 0,95. O estudo indicou que o aconselhamento em relação à dieta das crianças durante os cinco primeiros anos de vida é relacionado com o desenvolvimento adequado desses indivíduos.

Outro estudo(22) considerou a má alimentação como um fator de risco para o desenvolvimento adequado da linguagem. Os autores apontaram que a intervenção na alimentação das crianças, por meio de orientação às mães, melhorou o desenvolvimento das mesmas em aspectos da linguagem e nutricionais propriamente ditos. Este ensaio randomizado foi realizado com 302 crianças de 8 a 20 meses e suas mães em Bangladesh. As mães do grupo controle receberam 12 sessões informativas sobre saúde e nutrição. Um grupo de intervenção recebeu um adicional de seis sessões. Um segundo grupo de intervenção recebeu, junto com as sessões, alimento em pó fortificado com vitaminas e minerais. As crianças tiveram suas competências linguísticas receptivas e expressivas avaliadas por meio de 11 itens da EscalaBayley, como repetição de palavras, pronúncia de palavras e frases, reconhecimento e nomeação de objetos. As crianças receberam pontos conforme o número de palavras que eram repetidas, compreendidas ou faladas. Concluiu-se que as crianças do grupo intervenção apresentaram melhor desempenho nas competências linguísticas em comparação com os controles. Ainda, o estudo fornece evidências para os planejadores políticos em relação à importância da alimentação complementar, estimulação das crianças e da orientação às mães.

Quanto aos instrumentos padronizados que foram utilizados nos nove artigos incluídos na presente pesquisa, incluiu-se como testes específicos de avaliação de parâmetros de linguagem: The Peabody Picture Vocabulary Test – Third Edition (PPVT-III; versão inglesa(26) e versão espanhola(27)),Preschool Language Scale – 3rd Edition(28), Escala Weschler de Inteligência para crianças(47), Comprehensive Test of Phonological Processing (CTOPP)(32), Test of Word Reading Eficiency(TOWRE)(32), Gray Silent Reading Test (GSRT)(33),Percentage of Consonants Correct: Revised (PCC-R)(39), MacArthur Communicative Development Inventory/Words and Sentences(45), Receptive-Expressive Emergent Language Scale (REEL)(24),Form M Number of Different Words (NDW)(38).

Observa-se que alguns dos trabalhos incluídos nesta revisão(14–17) envolveram a participação de indivíduos em programas de intervenção para redução de fatores de risco. Geralmente, esses programas tinham por objetivo a mudança do comportamento dos pais e eram eficazes na redução das complicações ao longo do desenvolvimento de crianças que apresentavam fatores de risco relacionados à linguagem. Apesar de a literatura(10,48,49) afirmar que ser do sexo masculino é um fator de risco para o desenvolvimento de alterações de linguagem, os estudos incluídos nesta revisão têm, em sua maioria, amostras com crianças do sexo feminino.

O principal fator de risco apontado em estudos com desenho clínico controlado randomizado, incluídos nesta revisão, foi a dinâmica familiar. Em seguida, pode-se considerar a interação com os pais, o ambiente social imediato e o estímulo dado à criança nos primeiros anos de vida. Observou-se também que o acompanhamento de profissionais especializados por meio de orientações sobre o desenvolvimento da criança tende a reduzir o efeito dos fatores de risco. Com menor frequência nos estudos, apareceram os riscos orgânicos, como lesão cerebral, otite média persistente e cirurgia cardíaca. Por fim, a dieta, o tipo de alimentação e o aconselhamento parental acerca desse assunto foram considerados como fatores de risco. Os estudos incluídos na presente revisão concordam com a literatura(10), identificando como fatores de risco mais significantes: ser do sexo masculino, ter problemas de audição e temperamento reativo. Como fator de proteção para o desenvolvimento de linguagem, observou-se o temperamento persistente e sociável e boa saúde mental materna. Confirma-se que os fatores de risco e de proteção, juntamente com observações da fala da criança e dos marcos do desenvolvimento de linguagem infantil, podem ser um importante guia para os profissionais da atenção primária que visam à identificação precoce de crianças com dificuldades.

Salienta-se que os profissionais geralmente acabam usando a comparação com crianças da mesma idade, as queixas dos pais, e listas com os principais marcos no desenvolvimento infantil como métodos de diagnóstico de alterações(11). Ainda não foi desenvolvida nem validada uma lista de fatores de risco para o desenvolvimento da linguagem que esteja disponível aos profissionais da saúde. Isso porque os fatores biológicos, sociais, psicológicos e individuais estão relacionados de maneira complexa com outros fatores, como histórico familiar, status socioeconômico, informações pré-natais, condições de saúde, ordem de nascimento, número de irmãos, hábitos orais e demais variabilidades individuais.

Como limitação da presente revisão aponta-se que diversos estudos relevantes podem não ter sido incluídos mediante a restrição de delineamento imposta nesta revisão. Sugere-se a realização de mais ensaios clínicos controlados randomizados envolvendo também indivíduos do sexo masculino e a verificação mais detalhada dos fatores de proteção para a aquisição e o desenvolvimento da linguagem em crianças, a fim de instrumentalizar os profissionais da saúde e da educação para a detecção precoce dessas dificuldades.

CONCLUSÃO

Nesta revisão, observou-se a inexistência de algum tipo de lista padronizada de fatores de risco para a linguagem e que esteja disponível aos profissionais da saúde. Os profissionais diretamente envolvidos com a criança acabam apresentando dificuldades no diagnóstico e usando outras técnicas, como a comparação com outras crianças como parâmetro para diagnosticar alterações envolvendo aspectos da linguagem infantil. Apesar da inexistência de listas descritas na literatura, o principal fator de risco apontado nesta revisão foi a dinâmica familiar, seguido da interação com os pais e do aconselhamento parental, do ambiente social imediato e do estímulo dado à criança nos primeiros anos de vida. Os riscos orgânicos como lesão cerebral e otite média, além da alimentação, também foram mencionados. Sugere-se a realização de mais ensaios clínicos controlados randomizados envolvendo a verificação dos fatores de risco para a linguagem em crianças, dada a importância desse assunto, e a criação de mais estudos envolvendo crianças acima dos 6 anos de idade e do sexo masculino, a fim de comprovar a influência da variável sexo para o desenvolvimento da linguagem infantil.

REFERÊNCIAS

1. Castaño J. Bases neurobiológicas del lenguaje y sus alteraciones. R Neurol. 2003;36(8):781-5.

2. Dias F. O desenvolvimento cognitivo no processo de aquisição de linguagem. Letrônica. 2010;3(2):107-19.

3. Schimer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. J Pediatr (Rio J). 2004;80(2):95-103.

4. Scopel RR, Souza VC, Lemos SMA. A influência do ambiente familiar e escolar na aquisição e no desenvolvimento da linguagem: revisão de literatura. Rev CEFAC. 2012;14(4):732-41.

5. Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLR, Mazza VA. Vulnerabilidade da criança diante de situações adversas ao seu desenvolvimento: proposta de matriz analítica. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(6):1397-402.

6. Reppold CT, Hutz C. Effects of history of the adoption in emotional adjustment of adopted adolescents. Spanish J Psychol. 2009;12:454-61.

7. Puyuelo M, Rondal JA. Manual de desenvolvimento e alterações da linguagem na criança e no adulto. Porto Alegre: Artmed; 2007.

8. Hage SRV, Joaquim RSS, Carvalho KG, Padovani CR, Guerreiro MM. Diagnóstico de crianças com alteraçóes específicas de linguagem por meio de escala de desenvolvimento. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62(3):649-53.

9. Haggerty RJ, Sherrod LR, Gamezy N, Rutter M. Stress, risk and resilience in children and adolescents: process, mechanisms and interventions. New York: Cambridge University Press; 2000.

10. Harrison LJ, McLeod S. Risk and protective factors associated with speech and language impairment in a nationally representative sample of 4- to 5-year-old children. J Speech Lang Hear Res. 2010;53(2):508-29.

11. Hillesheim B, Cruz LR. Risco, vulnerabilidade e infância: algumas aproximaçoes. Psicol Soc. 2008;20(2):192-9.

12. Gurgel LG, Joly MCRA, Plentz RDM, Reppold CT. Instrumentos de Avaliação da compreensão da linguagem oral em crianças e adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Neuropsicologia Latinoamericana. 2010;2(1):1-10.

13. Maluf-Filho F. A contribuição da Medicina Baseada em Evidências para a introdução de novo conhecimento na prática clínica. Arq Gastroenterol. 2006;46(2):87-9.

14. Mendelsohn AL, Huberman HS, Berkule SB, Brockmeyer CA, Morrow LM, Dreyer BP. Primary care strategies for promoting parent-child interactions and school readiness in at-risk families. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011;165(1):33-41.

15. Nair P, Schuler ME, Black MM, Kettinger L, Harrington D. Cumulative environmental risk in substance abusing women: early intervention, parenting stress, child abuse potential and child development. Child Abuse Negl. 2003;27(9):997-1017.

16. Lowel DI, Carter AS, Godoy L, Paulicin B, Briggs-Gowan MJ. A Randomized Controlled Trial of Child FIRST: a comprehensive home- based intervention translating research into early childhood practice. Child Develop. 2011;82(1):193-208.

17. Landry SH, Smith KE, Swank PR, Guttentag C. A responsive parenting intervention: the optimal timing across early childhood for impacting maternal behaviors and child outcomes. Dev Psychol. 2008;44(5):1335-53.

18. Luu TM, Ment LR, Schneider KC. Lasting effects of preterm birth and neonatal brain hemorrhage at 12 years of age. Pediatrics. 2009;123(3): 1037-44.

19. Paradise JL, Feldman HM, Campbell TF, Dollaghan CA, Colborn DK, Bernard BS, et al. Early versus delayed insertion of tympanostomy tubes for persistent otitis media: developmental outcomes at the age of three years in relation to prerandomization illness patterns and hearing levels. Pediatr Infect Dis J. 2003;22(4):309-14.

20. Bellinger DC, Rappaport LA, Wipij D, Wernovsky G, Newburger JW. Patterns of Developmental Dysfunction after surgery during infancy to correct transposition of the great arteries. J Develop Behavioral Pediatr. 1997;18(2):75-83.

21. Rask-Nissilä L, Jokinen E, Terho P, Tammi A, Lapinleimu H, Rönnemaa T, et al. Neurological development of 5-year-old children receiving a low–saturated fat, low-cholesterol diet since infancy. A randomized controlled trial. JAMA. 2000;284(8):993-1000.

22. Aboud FE, Akhter S. A cluster-randomized evaluation of a responsive stimulation and feeding intervention in Bangladesh. Pediatrics. 2011;127(5):e1191-7.

23. Dreyer BP, Mendelsohn AL, Tamis-LeMonda CS. StimQ - The cognitive home environment [cited 2011 Mar 28]. Available from: http://pediatrics.med.nyu.edu/patient-care/for-healthcare-providers/stimq-cognitive- home-environment

24. Bzoch KR, League R. Assessing language skills in infancy: a handbook for the multidimensional analysis of emergent language. Gainesville: The Tree of Life Press; 1971.

25. Provence S, Erickson J, Vater S, Palmieri S. Infant-Toddler Developmental Assessment, Administration manual. Itaska: Riverside; 1995.

26. Dunn LM, Dunn LM. Examiner's manual for de Peabody Picture Vocabulary Test. 3rd edition. Circle Pines, MN: American Guidance Service; 1997.

27. Dunn LM, Padilla ER, Lugo DE, Dunn LM. Manual del examinador para el Test de Vocabulário en Imágenes Peabody. Circle Pines: American Guidance Service; 1986.

28. Zimmerman IL, Steiner VG, Pond RE. PLS-3: Preschool Language Scale-3. San Antonio, TX: The Psychological Corporation; 1992.

29. Borges LC, Salomão NMR. Aquisição da linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Psicol Reflex Crit. 2003;16(2):327-36.

30. Conti-Ramsden G. Maternal recasts and other contingent replies to language-impaired children. J Speech Hear Disord. 1990; 55:262-74

31. Dunn LM, Dunn LM. Peabody Picture Vocabulary Test – Revised. Circle Pines: American; 1981.

32. Wagner RK, Torgesen JK, Rashotte CA. Test of Word Reading Efficiency. Austin: Pro-Ed.; 1999.

33. Wiederholt JL, Blalock G. Gray Silent Reading Tests. Austin: Pro-Ed.; 2000.

34. Rugolo LM. Crescimento e desenvolvimento a longo prazo do prematuro extremo. J Pediatr (Rio J). 2005;81(1):S101-10.

35. Souza R, Andrade CRF. O perfil da fluência de fala e linguagem de crianças nascidas pré-termo. Pediatria (São Paulo). 2004;26(2):90-6.

36. Guedes ZCF. A prematuridade e o desenvolvimento de linguagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(1):97-8.

37. McCarthy D. McCarthy Scales of Children's Abilities. San Antonio: The Psychological Corp; 1972.

38. Miller JF. Quantifying productive language disorders. In: Miller J, editor. Research on child language disorders: a decade of progress. Austin, TX: Pro-Ed.; 1991. p. 211-20.

39. Shriberg LD. Four new speech and prosody-voice measures for genetics research and other studies in developmental phonological disorders. J Speech Hear Res. 1993;36:105-40.

40. Achenbach TM. Manual for the Child Behavior Checklist/2- and 1992 profile. Burlington, VT: University of Vermont, Department of Psychiatry; 1992.

41. Santos JN, Lemos SMA, Rates SPM, Lamounier JA. Habilidades auditivas e desenvolvimento de linguagem em crianças. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(4):255-60.

42. Rovers MM, Black N, Browning GG, Maw R, Zielhuis GA, Haggard MP. Grommets in otitis media with effusion: an individual patient data meta-analysis. Arch Dis Child. 2005;90:480-5.

43. Achembach T, Edelbrock C, Howell C. Empirically based assessment of the behavioral/emotional problems of 2-and 3-year-old-children. J Abnorm Child Psychol. 1987;15:629-50.

44. Ireton H, Thwing E. Minnesota Child Development Inventory. Minneapolis: Behavior Science Systems; 1994.

45. Fenson L, Marchman V, Thal D, Dale P, Reznick S, Bates E. MacArthur Communicative Development Inventories: User's Guide and Technical Manual. San Diego: Singular Publishing Group; 1993.

46. Liuksila PR. Extended 5-year neurological testing of children. Health Care Publications from the City of Turku. 1993;8:1-42.

47. Wechsler D. Wechsler Scale of Intelligence for Children. 3rd edition. Psychological Corp.: New York; 1991.

48. Choudhury N, Benasich AA. A family aggregation study: the influence of family history and other risk factors on language development. J Speech Lang Hear Res. 2003;46(2):261-72.

49. Lima BPS, Guimarães JATL, Rocha MCG. Características epidemiológicas das alterações de linguagem em um centro fonoaudiológico do primeiro setor. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):376-80.

Quais os fatores que interferem no desenvolvimento infantil?

Fatores extrinsecos e intrínsecos podem influenciar no desenvolvimento infantil, tais como: condições nutricionais, ambientais, a estimulação familiar, o padrão cultural, o nível educacional e socioeconômico da família.

Quais são os principais fatores que interferem no desenvolvimento humano?

Os fatores que influenciam o desenvolvimento humano são: hereditariedade, crescimento orgânico, maturação neurofisiológica e meio.

O que pode prejudicar o crescimento de uma criança?

“Várias alterações podem atrapalhar o crescimento de uma criança. Distúrbios metabólicos, alterações hormonais, desnutrição, atividades físicas inadequadas, lesões das cartilagens de crescimento pós trauma ou infecções são algumas delas”, explica.