Quais são as principais características da educação na sociedade do conhecimento?

X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E AS REFORMAS EDUCACIONAIS

Jos� Eust�quio de Sene
Doutorando em Geografia Humana no Depto de Geografia da Universidade de S�o Paulo


A sociedade do conhecimento e as reformas educacionais (Resumo)

A atual revolu��o tecnol�gica vem impondo mudan�as na economia, na cultura etc. � compreens�vel que imponha mudan�as tamb�m no sistema educacional, que, em quase todos os pa�ses, vive pressionado pela necessidade de adapta��o. Nesse contexto, o conhecimento ganha cada vez mais import�ncia, a ponto de muitos autores afirmarem que vivemos em uma sociedade do conhecimento. N�o por acaso, uma das justificativas mais freq�entes para as recentes reformas educacionais, recorrentes em diversos pa�ses, � a necessidade de adapta��o do sistema educativo � sociedade do conhecimento. Por isso este artigo busca compreender o significado desse conceito, estabelecendo sua genealogia e analisando-o criticamente. Enfim, vivemos numa sociedade do conhecimento ou da informa��o? Ou simplesmente subsistimos at�nitos numa confusa sociedade de dados?

Palavras-chave: revolu��o tecnol�gica, sociedade do conhecimento, mudan�as sociais, reformas educacionais.


La sociedad del conocimiento y las reformas educativas (Resumen)

La actual revoluci�n tecnol�gica ha impuesto cambios en la econom�a, en la cultura etc. Es comprensible que imponga cambios tambi�n en el sistema educativo, que en casi todos los pa�ses vive presionado por la necesidad de adaptaci�n. En ese contexto, el conocimiento gana cada vez m�s importancia, a tal punto que muchos autores han dicho que vivimos en una sociedad del conocimiento. No es por casualidad que una de las justificativas m�s frecuentes para las recientes reformas educativas ocurridas en diversos pa�ses es la necesidad de adaptaci�n del sistema educacional a la sociedad del conocimiento. Por eso, este art�culo busca comprender el significado de ese concepto, estableciendo su genealog�a y analiz�ndolo cr�ticamente. En fin, �vivimos en una sociedad del conocimiento o de la informaci�n? �O simplemente subsistimos at�nitos en una confusa sociedad de datos?

Palabras clave:Revoluci�n tecnol�gica, sociedad del conocimiento, cambios sociales, reformas educativas.


The knowledge society and educational reforms (Abstract)

The current technological revolution has promoted economical and cultural changes, among others. It�s understandable that it also makes shifts in the educational system, which in several countries has faced a lot of pressure for adaptation. In this context, the knowledge has increased its importance � that�s why a lot of authors say that we�re living in the knowledge society. It�s not fortuity that one of the most common justifications for the latest educational reforms made in several countries is the need to adapt the educational system to the knowledge society. Therefore, this paper intends to comprehend the meaning of this concept, establishing its genealogy and critically analyzing it. At last, do we actually live in the knowledge society or in the information society? Or do we perplexingly survive in a confused data society?

Key words: technological revolution, knowledge society, social changes, educational reforms.


Estamos em meio a uma nova revolu��o tecnol�gica. Alguns pesquisadores chamam-na de informacional, outros, de t�cnico-cient�fica[2], outros ainda, seguindo a tradi��o cronol�gica, de terceira revolu��o industrial[3]. Qualquer que seja o nome utilizado para defini-la, o fato � que essa nova revolu��o tecnol�gica vem impondo profundas mudan�as nas rela��es sociais, na economia, na cultura, na pol�tica e no espa�o geogr�fico. � de se esperar, portanto, que imponha mudan�as tamb�m no sistema educativo, que em quase todos os pa�ses vive premido pela necessidade de adapta��o.

A profus�o de reformas educacionais que est�o sendo discutidas e/ou implementadas em diversos pa�ses � um ind�cio da busca de adequa��o da educa��o ao sistema econ�mico atual, marcado por crescente competi��o entre empresas, lugares e na��es, na qual o conhecimento ganha cada vez maior relev�ncia. Como afirma Gimeno Sacrist�n:

A rela��o de determina��o sociedade-cultura-curr�culo-pr�tica explica que a atualidade do curr�culo se veja estimulada nos momentos de mudan�as nos sistemas educativos, como reflexo da press�o que a institui��o escolar sofre desde diversas frentes, para que adapte seus conte�dos � pr�pria evolu��o cultural e econ�mica da sociedade.[4]

Michael Apple levanta uma quest�o que tem tudo a ver com as transforma��es ocorridas na sociedade do conhecimento e suas implica��es no sistema educacional e na defini��o do curr�culo: �De quem � o conhecimento de maior valor?�.[5] Com isso, lembra-nos, com Sacrist�n, que o curr�culo expressa uma rela��o dial�tica escola-sociedade, uma sociedade, em cada pa�s, marcada por divis�o de classes e por conflitos de interesse. Portanto, o curr�culo espelha essa realidade, n�o � neutro, como a perspectiva t�cnica tenta nos convencer.

As rela��es entre o processo de produ��o do conhecimento e a educa��o s�o evidentes. Al�m disso, diversos autores t�m afirmado que entramos numa sociedade do conhecimento ou da informa��o.[6] Para compreender essas quest�es � importante antes elucidar alguns conceitos fundamentais, como dados, informa��es, conhecimentos e intelig�ncias.

Para analisar o papel do conhecimento no mundo contempor�neo e, conseq�entemente, sua inser��o nas reformas educacionais, especialmente nas curriculares, � importante verificar a mudan�a de sua natureza ao longo da hist�ria. Para tanto, vou apoiar-me na categoria �modos de desenvolvimento�.[7]

Dados, informa��es, conhecimentos...

No senso comum e, �s vezes, mesmo nos meios cient�ficos, os conceitos de dado, informa��o e conhecimento s�o utilizados imprecisamente e, muitas vezes, de forma intercambi�vel. Num mundo em que o conhecimento cada vez mais ganha relevo e ao mesmo tempo somos inundados por uma crescente quantidade de informa��o, parece que esses conceitos t�m o mesmo significado. Entretanto, um breve levantamento de algumas conceitua��es mostra que n�o � bem assim. Manuel Castells, por exemplo, citando Porat, afirma que �informa��o s�o dados que foram organizados e comunicados�.[8] Bem... e o que s�o dados? De acordo com Simon: �Um dado � uma seq��ncia de s�mbolos, � um ente totalmente sint�tico, n�o envolve sem�ntica como na informa��o. Os dados podem ser representados com sons, imagens, textos, n�meros e estruturas.�[9] Parece evidente que para existir informa��o � necess�rio haver comunica��o. Assim, podemos afirmar que a informa��o � o dado com algum significado, com algum sentido.

O pr�ximo passo � a defini��o do conceito de conhecimento, o que, embora pare�a, n�o � trivial. Castells, na primeira edi��o de A sociedade em rede[10], diz n�o ter nada a acrescentar � defini��o dada por Daniel Bell em seu famoso livro El advenimiento de la sociedad post-industrial[11]. Ent�o, vamos ao original! O soci�logo norte-americano define o conhecimento como �un conjunto de exposiciones ordenadas de hechos e ideas, que presentan un juicio razonado o un resultado experimental, que se transmite a otros a trav�s de alg�n medio de comunicaci�n bajo una forma sistem�tica�.[12] Com isso, diz em seguida, busca diferenciar conhecimento de not�cias e entretenimentos; de informa��es, eu diria.

Observe que essa defini��o sugere que �conhecimento� � sin�nimo de �conhecimento cient�fico�, sobretudo quando fala em �julgamento ponderado ou resultado experimental�. Em outro trecho, refor�ando ainda mais essa sinon�mia, Bell prop�e uma defini��o mais restrita para fins de pol�tica social: �el conocimiento es lo que se conoce objetivamente, una propiedad intelectual, ligado a un nombre o a un grupo de nombres y certificado por el copyright o por alguna otra forma de reconocimiento social (por ejemplo, la publicaci�n)�.[13]

Perrenoud coloca-se no extremo oposto quando afirma que conhecimentos �s�o representa��es da realidade que constru�mos e armazenamos ao sabor de nossa experi�ncia e de nossa forma��o�.[14] Como cada um vivencia a realidade e a representa de forma particular, ent�o, nesse caso, o conhecimento � algo pessoal, arriscaria dizer, senso comum. Uma defini��o meio-termo entre essas duas � dada por Johnson: �Conhecimento � aquilo que consideramos como real e verdadeiro. Pode ser t�o simples e banal como dar o la�o nos sapatos ou t�o abstrato e complexo como a f�sica de part�culas.�[15]

A partir dessas defini��es � razo�vel inferir que conhecimento n�o � apenas a produ��o cient�fica, gerada de acordo com os c�nones acad�micos, mas tamb�m o conhecimento t�cito, senso comum, intuitivo e as experi�ncias individuais e coletivas que movem as pessoas em seu dia-a-dia. De fato, corroborando essa conclus�o, Sacrist�n afirma �que o conhecimento e tudo o que povoa de significados o termo teoria n�o pode reduzir-se ao conhecimento cient�fico, como pretendeu o cientificismo positivista�.[16] Entretanto, creio que � responsabilidade da escola avan�ar do senso comum ao conhecimento que se ancora nos paradigmas da ci�ncia, avan�ar do conhecimento t�cito ao expl�cito. � interessante o ponto de vista de Lefebvre quando afirma que �o conhecimento humano progride da ignor�ncia � ci�ncia�.[17] E isso se d� por meio do desvendamento, do estudo, da pesquisa. Por�m, numa perspectiva educacional, vale considerar o alerta:

As fronteiras entre a ci�ncia e as outras formas de conhecimento n�o s�o t�o n�tidas, porque, por vezes, s�o maneiras heterog�neas que apresentam continuidades e interfer�ncias. As pessoas n�o costumam guiar sua vida pela ci�ncia, mas por outras formas de conhecimento, e essa bagagem n�o pode ser depreciada quando queremos entender a educa��o e seus agentes.[18]

Ou seja, o aluno tem sempre uma bagagem de conhecimentos a priori, nunca parte da total ignor�ncia. Ao mesmo tempo, matizando a afirma��o de Lefebvre, mesmo com a ci�ncia nunca deixaremos completamente a ignor�ncia.

O fil�sofo franc�s disse tamb�m que o conhecimento � um fato, � pr�tico, � social e tem um car�ter hist�rico. Em seguida enuncia que: �Cada �poca deve esfor�ar-se por organizar, sistematizar numa �s�ntese�, o conjunto de conhecimento sobre a natureza. Mas nenhuma dessas s�nteses pode se pretender definitiva.�[19] Com isso coloca a importante quest�o de que o conhecimento � movimento, � hist�rico.

Assim, ao tentar conceituar as palavras-chave para essa discuss�o, devemos ter claro que todo conceito � hist�rico e, conseq�entemente, din�mico. Como o conceito � sempre uma tentativa de abstrair a realidade, de reconstru�-la no plano do pensamento, caso esta mude, aquele tamb�m dever� mudar. De fato: �todo pensamento � movimento�.[20]

O educador brasileiro Nilson Machado, numa tentativa de definir esses termos e, antes de tudo, organizar sua operacionaliza��o, constr�i o que chama de �pir�mide informacional�, como mostra a figura 1:

Figura 1
Pir�mide informacional

Quais são as principais características da educação na sociedade do conhecimento?

  Fonte: Machado, 2000, p. 65

Nessa pir�mide, os dados referem-se aos elementos qualitativos e quantitativos da realidade, podem ser acumulados e, portanto, remetem � id�ia de banco. S�o os elementos mais disseminados na realidade, mas isoladamente n�o t�m interesse. De fato, s�o as pessoas que manifestam interesse por determinados dados, s�o elas que lhes atribuem significado, produzindo informa��o a partir deles. Noutras palavras, � o sujeito que produz a informa��o a partir do dado. � a pergunta apropriada para o dado que permite a extra��o da informa��o pretendida. Sobre os dados, Machado argumenta que:

Seu valor informacional depende justamente da exist�ncia de pessoas interessadas, que os organizem e lhes atribuam significado, transformando-os em informa��o. Assim, informa��es j� seriam dados analisados, processados, inicialmente articulados constituindo, ent�o, um segundo n�vel da pir�mide informacional.[21]

Entretanto, alerta para o fato de que o simples ac�mulo de informa��o n�o garante a passagem para o terceiro n�vel da pir�mide, n�o garante a produ��o de conhecimentos.

Enquanto o conceito de dado remete a banco, � id�ia de acumula��o, o de informa��o remete a ve�culo, � id�ia de comunica��o. De fato, como j� afirmou Castells, sem comunica��o n�o h� informa��o. Ali�s, sem comunica��o tamb�m n�o h� conhecimento. Quem j� n�o teve a oportunidade de tentar ler um livro numa l�ngua estrangeira incompreendida sem conseguir extrair nenhuma informa��o nem conhecimento?

O conhecimento, o terceiro n�vel da pir�mide informacional proposta por Machado, remete � id�ia de teoria, de compreens�o. Para atingi-lo, �� fundamental a capacidade de estabelecer conex�es entre elementos informacionais aparentemente desconexos, processar informa��es, analis�-las, relacion�-las, armazen�-las, avali�-las segundo crit�rios de relev�ncia, organiz�-las em sistemas�.[22] Realmente, como prop�e o fil�sofo espanhol Antonio Marina, �conhecer � compreender, quer dizer, apreender o novo com o j� conhecido�.[23] Noutras palavras, para que haja a produ��o do conhecimento cient�fico, � necess�rio inserir as informa��es num arcabou�o te�rico que permita a compreens�o da realidade. Entretanto, mesmo o conhecimento senso comum est� ancorado em �teorias�, ou seja, em cren�as que buscam explicar a realidade. Por isso estou plenamente de acordo com Marina quando diz: �N�o � poss�vel uma observa��o sem teoria, porque a quantidade de informa��es � demasiado grande, demasiado confusa, demasiado incompleta.�[24]

Machado, remetendo-se a Marina, afirma que o conhecimento � o meio para as pessoas realizarem seus projetos. Mais do que uma defini��o, � uma operacionaliza��o do conceito de conhecimento. E falar de pessoas e de projetos significa falar de valores, o que nos remete � discuss�o do conceito mais complexo da pir�mide informacional, aquele que se localiza em seu topo: a intelig�ncia. Ou melhor, as intelig�ncias.

Intelig�ncias

Quanto mais pr�ximo do topo da pir�mide informacional, mais complexo vai se tornando o conceito, e menos disseminado o objeto a ser conceituado � de fato, no mundo h� muito mais dados do que intelig�ncia �, da� que este seja o conceito mais dif�cil de ser definido. Al�m disso, n�o h� uma intelig�ncia, mas v�rias.

As primeiras tentativas de definir ou, mais especificamente, mensurar a intelig�ncia datam do in�cio do s�culo XX. Em 1905 o psic�logo franc�s Alfred Binet (1859-1911) foi instado a elaborar um teste para medir o grau de aproveitamento dos estudantes de escolas p�blicas francesas. Elaborou a base para os testes de QI (Quociente de Intelig�ncia), conhecidos como Escala Simon-Binet, que depois foi aperfei�oada e virou moda no p�s-guerra, sobretudo nos Estados Unidos.

Esses testes, embora venham sendo utilizados h� muitos anos, apresentam problemas, pois v�em a intelig�ncia como uma medida unidimensional. N�o por acaso Gardner afirma: �Numa vis�o tradicional, a intelig�ncia � definida operacionalmente como a capacidade de responder a itens em testes de intelig�ncia.�[25] Como contraponto a isso, j� como substrato de sua teoria das intelig�ncias m�ltiplas, defende que: �Uma intelig�ncia implica a capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que s�o importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural.�[26] Em outro trecho afirma que a intelig�ncia � um potencial biopsicol�gico; entretanto, ap�s definir o conceito de campo[27], cujos membros legitimam ou n�o determinadas intelig�ncias, destaca o aspecto cultural: �Na medida em que uma capacidade � valorizada numa cultura, ela pode contar como uma intelig�ncia; mas na aus�ncia desse endosso cultural ou �de campo�, a capacidade n�o seria considerada uma intelig�ncia.�[28]

Assim, o psic�logo norte-americano prop�e encarar a intelig�ncia como um espectro de compet�ncias e desenvolve sua teoria das intelig�ncias m�ltiplas. Em 1983, lan�ou o livro Frames of mind, cuja tradu��o As estruturas da mente s� saiu no Brasil em 1994, ao mesmo tempo que As intelig�ncias m�ltiplas, obra lan�ada nos Estados Unidos um ano antes. Nesses livros Gardner prop�e que h� sete intelig�ncias: a ling��stica, a l�gico-matem�tica, a corporal-cinest�sica, a espacial, a musical, a interpessoal e a intrapessoal.[29] Segundo ele, todas as pessoas t�m essas intelig�ncias, que funcionam de forma integrada, mas cada indiv�duo, por raz�es gen�ticas e ambientais, tem maior potencial para desenvolver uma ou outra. Por conta dessa sua cren�a, � contr�rio a uma educa��o uniforme, defende uma escola centrada no potencial individual, com um curr�culo flex�vel que se adapte aos diferentes perfis de intelig�ncias. No caso da manuten��o do curr�culo uniforme, advoga que pelo menos as disciplinas n�o sejam ensinadas da mesma forma para todos os alunos. Ou seja, � contr�rio a um sistema de ensino �comprensivo�.

Finalmente, a intelig�ncia pode ser encarada como a intera��o entre projetos e valores, como prop�e Marina:

Intelig�ncia �, evidentemente, a capacidade de resolver equa��es diferenciais, mas acima de tudo � a aptid�o para organizar comportamentos, descobrir valores, inventar projetos e mant�-los, ser capaz de libertar-se do determinismo da situa��o, solucionar problemas, analis�-los.[30]

Por isso Machado afirma que a intelig�ncia est� associada �s pessoas, remete � id�ia de projetos: �Em uma palavra, a intelig�ncia encontra-se diretamente associada � capacidade de ter projetos; a partir deles, dados, informa��es, conhecimentos s�o mobilizados ou produzidos.�[31]

Por enquanto, cabe destacar que o que de fato interessa, o fim a ser atingido, � a realiza��o dos projetos das pessoas e tamb�m da comunidade em que vivem. Evidentemente, tais projetos devem estar ancorados em um conjunto de valores socialmente acordados. Sendo assim, os dados, as informa��es e especialmente os conhecimentos passam a ser meios para a realiza��o dos projetos pessoais e/ou coletivos. Ou seja, est�o a servi�o da intelig�ncia humana, que � plural e n�o pode ser encerrada num teste de papel e l�pis. Por mais que vejamos sua associa��o com coisas � pr�dios inteligentes[32], linhas a�reas inteligentes[33], intelig�ncia artificial etc. �, a intelig�ncia � um atributo essencialmente humano. Assim, s� pode ser associada �s pessoas.

Andr� Gorz vai al�m. Numa formula��o pol�mica afirma que o conhecimento n�o pertence �s pessoas, apenas a intelig�ncia, a imagina��o e o saber; juntos, constituem o �capital humano�. Para ele:

Os conhecimentos, com efeito, s�o fundamentalmente diferentes dos saberes e da intelig�ncia. Eles se referem aos conte�dos formalizados, objetivados, que, por defini��o, n�o podem pertencer �s pessoas. Conhecer as regras gramaticais � uma coisa; saber falar uma l�ngua � outra, fundamentalmente diferente. Para saber falar, � preciso abandonar completamente a rela��o cognitiva com a l�ngua. O saber � feito de experi�ncias e de pr�ticas tornadas evid�ncias intuitivas, h�bitos; e a intelig�ncia cobre todo o leque das capacidades que v�o do julgamento e do discernimento � abertura de esp�rito, � aptid�o de assimilar novos conhecimentos e de combin�-los com os saberes.[34]

Ent�o, pode-se dizer que o saber � um saber-fazer, � pr�tico. Sabemos algo quando j� esquecemos como o aprendemos. Nesse sentido, � poss�vel saber falar uma l�ngua sem conhec�-la, ou seja, sem conhecer suas regras gramaticais, que � um conhecimento codificado. O saber est� mais ligado ao dia-a-dia, � vida cotidiana, � uma capacidade pr�tica que n�o implica necessariamente o dom�nio de conhecimentos formaliz�veis.

Os conhecimentos formalizados, codificados, por outro lado, est�o em tese dispon�veis a todos. Entretanto, uma pessoa que busca acumular conhecimentos sem projetos, sem valores, sem pensar na emancipa��o humana, pode conhecer e at� desenvolver saberes, mas dificilmente poder� ser considerada uma pessoa inteligente. Na Hist�ria h� v�rios exemplos de pessoas que mobilizaram conhecimentos e saberes para objetivos pouco nobres, desprovidos de valores �ticos, humanit�rios.

Isso coloca uma quest�o fundamental para a educa��o: a defini��o e a operacionaliza��o do conceito de intelig�ncia de forma plural e includente abre grandes possibilidades para a produ��o do conhecimento, sua democratiza��o e mobiliza��o, enfim, para a emancipa��o do ser humano.

O advento da sociedade do conhecimento

Informa��o e conhecimento sempre fizeram parte da qualquer sociedade ou sistema econ�mico, em qualquer momento da Hist�ria. Por isso, em princ�pio, designa��es como era ou sociedade da informa��o, sociedade ou economia do conhecimento n�o seriam apropriadas para apreender a especificidade do momento presente, do atual per�odo hist�rico. Como nos alerta Postman: �Nada pode ser mais enganador do que a afirma��o de que a tecnologia do computador introduziu a era da informa��o.�[35] Para ele, foi a prensa tipogr�fica de Gutenberg que iniciou a era da informa��o no in�cio do s�culo XVI. Assim, embora a produ��o de informa��o tenha sido ampliada exponencialmente pelo computador, ela � anterior a ele.

Castells chama a aten��o para isso na primeira edi��o de Sociedade em rede, o primeiro volume da trilogia A era da informa��o: economia, sociedade e cultura. Na tentativa de apreender as especificidades do momento presente, prop�e denomin�-lo �era informacional� ou �sociedade informacional�.[36] Apesar disso, mant�m �era da informa��o� no t�tulo da cole��o com a justificativa de que t�tulos s�o dispositivos que devem ser suficientemente claros e abrangentes para chamar a aten��o do leitor para o tema tratado. Argumenta que todos fazem uma id�ia do que seria �era da informa��o�.

De fato, como mostra o quadro 1, em textos e documentos dispon�veis em portugu�s na internet, o termo �era da informa��o� � bem mais utilizado do que �era informacional�, o mesmo ocorre com os termos correspondentes em espanhol e em ingl�s. Entretanto, o termo mais utilizado na rede, em portugu�s, � �sociedade da informa��o�, em espanhol, �sociedad de la informaci�n� e, em ingl�s, �information society�. A quantidade de ocorr�ncias na internet expressa a maior ou menor utiliza��o de um termo. Independentemente de sua precis�o, � uma busca de operacionaliza��o conceitual e pode ser um ind�cio de qual conceito ser� dominante.

A prop�sito, Nilson Machado questiona a precis�o conceitual do debate atual quando, de forma ir�nica, dispara: ��s vezes, a sociedade em que vivemos � rotulada de �sociedade do conhecimento�; outras vezes, de �sociedade da informa��o�. Mas, em grande medida, ela n�o passa de uma �sociedade dos bancos de dados�.�[37] J� Andr� Gorz vai ao extremo oposto e prop�e denomin�-la �sociedade da intelig�ncia�[38], porque, para ele, � a intelig�ncia que de fato conta.

Quadro 1
Resultados da busca de termos na op��o �a web� do Google, em 12/3/2008

Termos pesquisados[39]

Portugu�s

Espanhol

Ingl�s

�Sociedade da informa��o�

344.000

3.700.000

3.780.000

�Sociedade do conhecimento�

236.000

507.000

634.000

�Sociedade da intelig�ncia�

6.330

80.700

47.700

�Sociedade informacional�

6.680

14.100

22.300

�Era da informa��o�

295.000

293.000

116.000

�Era do conhecimento�

176.000

113.000

57.700

�Era informacional�

2.530[40]

2.530

2.160

�Economia do conhecimento�

84.800

314.000

1.190.000

�Economia da informa��o�

52.800

228.000

955.000

�Economia informacional�

1.980[41]

6.250

9.810

Fonte: Google Brasil. [On-line]. S�o Paulo: Google Brasil Internet Ltda, 2008. <http://www.google.com.br>. [12 de mar�o de 2008].

Buscando dar uma explica��o historicamente conseq�ente para a mudan�a no papel da informa��o e do conhecimento, Castells utiliza a categoria �modo de desenvolvimento�. De acordo com o soci�logo espanhol �os modos de desenvolvimento s�o os procedimentos mediante os quais os trabalhadores atuam sobre a mat�ria para gerar o produto, em �ltima an�lise, determinando o n�vel e a qualidade do excedente�.[42] Assim, a hist�ria humana foi marcada por diferentes modos de desenvolvimento: o agr�rio, o industrial e o informacional. O que os diferencia � basicamente o fator de produ��o mais importante, o que est� atrelado ao grau de desenvolvimento tecnol�gico vigente em cada um deles e ao n�vel de produtividade.

No modo de desenvolvimento agr�rio, vigente desde o neol�tico, o fator de produ��o mais importante era a terra. O trabalhador atuava sobre ela com o objetivo de produzir os meios de subsist�ncia, como os alimentos. Por s�culos, diferen�as de produtividade estiveram mais ligadas � variabilidade de fertilidade natural dos solos do que aos avan�os tecnol�gicos.

Com o advento das revolu��es industriais, a humanidade adentrou no modo de desenvolvimento industrial. A partir da era industrial, os fatores de produ��o mais importantes passaram a ser as mat�rias-primas e as fontes de energia. Da perspectiva da Geografia houve uma crescente tecnifica��o do territ�rio, uma enorme expans�o do que Milton Santos chama de meio t�cnico[43]. A partir da�, todas as sociedades industrializadas passaram gradativamente a funcionar segundo a l�gica do industrialismo: a produ��o e circula��o de bens maquinofaturados; a agricultura, com a crescente mecaniza��o; e at� a cultura, como nos mostraram Adorno e Horkheimer ao criarem o conceito de �ind�stria cultural�.[44]

Segundo a caracteriza��o de Castells, hoje estar�amos vivendo em pleno modo de desenvolvimento informacional. Deixamos de ser agr�rios e industriais? A terra, as mat�rias-primas e as fontes de energia deixaram de ser importantes? Nem � preciso dizer que continuamos a nos alimentar, logo nossa esp�cie continua sendo agr�ria. A quantidade crescente de produtos maquinofaturados dispon�veis tamb�m n�o deixa d�vidas de que continuamos sendo industriais. O que ocorre � que, como aconteceu antes com o industrialismo, a l�gica do informacionalismo comanda todos os setores das sociedades contempor�neas, pelo menos das tecnologicamente mais avan�adas.

Com o termo �informacional�, Castells busca apreender o fato de que o conhecimento transformou-se no principal fator de produ��o no mundo atual. Em suas palavras:

No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de gera��o de conhecimentos, de processamento de informa��o e de comunica��o de s�mbolos. Na verdade, conhecimentos e informa��o s�o elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhecimento e no processamento da informa��o. Contudo, o que � espec�fico ao modo informacional de desenvolvimento � a a��o de conhecimentos sobre os pr�prios conhecimentos como principal fonte de produtividade.[45]

Embora as id�ias defendidas por Castells tenham tido grande divulga��o e aceita��o, elas n�o s�o originais. O pioneiro nessa senda anal�tica, como vimos, foi Bell, em The coming of the post-industrial society. Nesse livro, em que criou o termo �sociedade do conhecimento�, j� afirmava que a economia estava saindo de uma era industrial, na qual a maioria das pessoas estava envolvida na produ��o de coisas, para uma era p�s-industrial, na qual o trabalho estava cada vez mais envolvido com a produ��o de conhecimentos. De acordo com ele:

La sociedad industrial se caracteriza por la coordinaci�n de m�quinas y hombres para la producci�n de bienes. La sociedad post-industrial se organiza en torno al conocimiento para lograr el control social y la direcci�n de la innovaci�n y el cambio, y esto a su vez da lugar a nuevas relaciones sociales y nuevas estructuras que tienen que ser dirigidas pol�ticamente.[46]

Depois da constata��o quanto � mudan�a do papel do conhecimento, Bell afirma quase a mesma coisa que Castells afirmara acima: �Ahora bien, el conocimiento ha sido siempre necesario para el funcionamiento de cualquier sociedad. Lo que caracteriza a la sociedad post-industrial es el cambio en el car�cter del conocimiento mismo.�[47]

Outro autor que tamb�m defendeu essas id�ias antes do soci�logo espanhol foi o economista antimarxista norte-americano Peter Drucker:

O recurso econ�mico b�sico � �os meios de produ��o�, para usar uma express�o dos economistas � n�o � mais o capital, nem os recursos naturais (a �terra� dos economistas), nem a �m�o-de-obra�. Ele � e ser� o conhecimento. As atividades centrais de cria��o de riqueza n�o ser�o nem a aloca��o de capital para usos produtivos, nem a �m�o-de-obra� � os dois p�los da teoria econ�mica dos s�culos dezenove e vinte, quer ela seja cl�ssica, marxista, keynesiana ou neocl�ssica. Hoje o valor � criado pela �produtividade� e pela �inova��o�, que s�o aplica��es do conhecimento ao trabalho.[48]

Drucker defende que nos prim�rdios da industrializa��o o conhecimento era aplicado �s ferramentas, aos processos e aos produtos, o que caracterizou a Revolu��o Industrial. Em sua segunda fase, iniciada no final do s�culo XIX e culminando com a Segunda Guerra, o conhecimento passou a ser aplicado ao trabalho, caracterizando o que chama de �Revolu��o da Produtividade�, que al�ou os trabalhadores � condi��o de classe m�dia e freou �a guerra de classes e o comunismo�. Para ele, atualmente estamos vivendo uma �Revolu��o Gerencial�: �Hoje em dia, o conhecimento est� sendo aplicado ao pr�prio conhecimento. [...] O conhecimento est� rapidamente se transformando no �nico fator de produ��o, deixando de lado capital e m�o-de-obra.�[49] Embora exagere quando diz que o conhecimento ser� o ��nico� fator de produ��o, s�o palavras muito semelhantes �s proferidas por Castells. Apesar de seu otimismo de futurologista, afirma ser temer�rio chamar o mundo em que vivemos de �sociedade do conhecimento�: �Pode ser prematuro (e certamente presun�oso) chamar nossa sociedade de �sociedade do conhecimento�; por enquanto, temos somente uma economia do conhecimento.�[50] Nesse ponto, estou de pleno acordo com ele.

Andr� Gorz tamb�m encara o conhecimento como a principal for�a produtiva do sistema econ�mico atual e tamb�m fala em �economia do conhecimento� em vez de �sociedade do conhecimento�.

Se n�o for uma met�fora, a express�o �economia do conhecimento� significa transtornos importantes para o sistema econ�mico. Ela indica que o conhecimento se tornou a principal for�a produtiva, e que, conseq�entemente, os produtos da atividade social n�o s�o mais, principalmente, produtos do trabalho cristalizado, mas sim do conhecimento cristalizado. Indica tamb�m que o valor de troca das mercadorias, sejam ou n�o materiais, n�o mais � determinado em �ltima an�lise pela quantidade de trabalho social geral que elas cont�m, mas, principalmente, pelo seu conte�do de conhecimentos, informa��es, de intelig�ncias gerais.[51]

Com isso p�e em cheque a hist�rica no��o de mais-valia[52], j� que cada vez mais o que valoriza as mercadorias � o conhecimento e n�o o trabalho. Entretanto, n�o desprezemos t�o prontamente o trabalho.

Formula��es como as que pregam que �o conhecimento age sobre o pr�prio conhecimento� ou que �o conhecimento substitui a m�o-de-obra� tamb�m podem ser situadas como exemplos de reifica��o, de fetichismo. Tais afirma��es mascaram o fato de que o conhecimento n�o tem vida pr�pria e, mais ainda, de que s� pode se manifestar na pessoa, no sujeito, no trabalhador. N�o � por acaso que o capital exige cada vez mais qualifica��o da m�o-de-obra e que os trabalhadores mais bem preparados sejam t�o valorizados no mercado laboral. Isso tem implica��es importantes para a educa��o e est� na base de todos os discursos reformistas. A prop�sito, � interessante o paralelo que se pode estabelecer entre o problema da distribui��o, de que fala Enguita no trecho a seguir, e os �modos de desenvolvimento� propostos por Castells. No modo de desenvolvimento informacional o problema crucial � o da distribui��o do conhecimento:

En una econom�a agraria, de hogares en gran medida autosuficientes, el problema distributivo era ante todo, aunque no s�lo, el de la distribuci�n de la tierra (y el gran ideal de justicia: la tierra para el que la trabaja); en una econom�a industrial, cuyo nervio y paradigma es la f�brica, el problema es la distribuci�n de la propiedad del capital (y, el ideal, da socializaci�n de los medios de producci�n); en una econom�a post-industrial, de la informaci�n, el problema es la distribuci�n del conocimiento (y, el ideal, la igualdad o las oportunidades educativas para todos).[53]

Dessas afirma��es pode-se depreender que a chamada sociedade do conhecimento � marcada pela crescente instrumentaliza��o desse importante ativo pelo capital e isso fica mais evidente quando se fala em �economia do conhecimento�. Como nos lembra Gorz, isso teve in�cio j� final do s�culo XIX, na Alemanha, quando Karl Duisberg, por volta de 1880, pela primeira vez industrializou o trabalho de pesquisa na ind�stria qu�mica Bayer.[54] No laborat�rio, a produ��o de conhecimento foi submetida � mesma l�gica da divis�o e hierarquiza��o do trabalho existente na ind�stria. Hoje em dia, isso foi levado �s �ltimas conseq��ncias nos Estados Unidos, o pa�s l�der em termos tecnol�gicos. Talvez por isso o uso do termo �economia do conhecimento� � bem maior em ingl�s do que em portugu�s e em espanhol.

Nos prim�rdios dessa instrumentaliza��o, o conhecimento em si n�o era valor de troca, mas as mercadorias, os produtos qu�micos que o incorporavam e que ele valorizava, sim. De l� para c� isso tomou um vulto enorme e hoje em dia o conhecimento em si tem se transformado no principal fator de produ��o, na principal fonte de valor e de lucro. Como diz Hargreaves:

Uma economia do conhecimento n�o funciona a partir da for�a das m�quinas, mas a partir da for�a do c�rebro, do poder de pensar, aprender e inovar. As economias industriais precisam de trabalhadores para as m�quinas; a economia do conhecimento precisa de trabalhadores para o conhecimento.[55]

O conhecimento como valor de troca em si tem uma peculiaridade: sua raridade tem de ser definida artificialmente, da� as restri��es de circula��o estabelecidas por patentes, direitos autorais, licen�as etc. Isso vale especialmente para produtos que, como os programas de computadores, custam muito para serem desenvolvidos e muito pouco para serem reproduzidos. A pirataria � uma tentativa de burlar isso.

O conhecimento � respons�vel pela valoriza��o dos produtos, dos processos produtivos, dos servi�os e tamb�m do territ�rio, constituindo o que Milton Santos chama de meio t�cnico-cient�fico-informacional[56], a base territorial da sociedade do conhecimento.

O conjunto da humanidade � cada vez mais industrial, � crescente a oferta de bens de consumo, e a agricultura bate recordes de produtividade. O que mudou hoje � que, como vimos, a agricultura e a ind�stria funcionam sob a l�gica do informacionalismo. O modo de desenvolvimento informacional, na proposi��o de Castells, encampou os setores que eram t�picos dos modos de desenvolvimento precedentes.

Enquanto as duas precedentes foram revolu��es de energia � a primeira movida a carv�o, a segunda a petr�leo e a eletricidade �, a terceira revolu��o industrial, a atual, � movida a conhecimento. N�o que a energia tenha deixado de ser importante. Um computador, produto informacional por excel�ncia, n�o funciona sem eletricidade, mas essa fonte de energia � origin�ria da segunda revolu��o industrial. N�o h� uma fonte de energia nova que movimente a terceira revolu��o industrial; a base energ�tica atual vem das duas anteriores, sobretudo da segunda. Mas, sem d�vida, o conhecimento �, para o bem e para o mal, o grande motor da era informacional. Assim, concordo inteiramente com Hargreaves quando diz que �uma economia do conhecimento n�o funciona a partir da for�a das m�quinas, mas a partir da for�a do c�rebro�.[57]

A sociedade do conhecimento e as reformas educacionais

A informa��o e o conhecimento se transformaram numa quest�o estrat�gica no mundo de hoje. O conhecimento � o principal ativo da sociedade informacional e por isso � motivo de embates na defini��o de quais conte�dos culturais ser�o ensinados nas escolas, donde emerge a import�ncia do curr�culo. Isso, entretanto, n�o � novidade. Neil Postman afirma que em 1480, antes da explos�o da informa��o p�s-Gutenberg, havia 34 escolas em toda a Inglaterra e por volta de 1660 j� havia 444.[58] Credita esse crescimento, entre outros fatores, especialmente � necessidade de dar respostas �s ansiedades e confus�es causadas pela informa��o desenfreada:

A inven��o do que � chamado de curr�culo foi o passo l�gico para organizar, limitar e discriminar as fontes de informa��o dispon�vel. As escolas tornaram-se as primeiras burocracias seculares da tecnocracia, estruturas para legitimar algumas partes do fluxo de informa��es e para desacreditar outras.[59]

Esse papel do curr�culo n�o mudou hoje em dia; ao contr�rio, s� se acentuou. Ao elaborar a resposta para a pergunta �de quem � o conhecimento de maior valor?�, Michael Apple chama a aten��o para o fato de que h� �uma imensa press�o para que o sistema educacional de muitos pa�ses torne os objetivos da �rea de neg�cios e da ind�stria seus pr�prios objetivos fundamentais ou �nicos�.[60] Gaud�ncio Frigotto, no pref�cio do livro A pedagogia das compet�ncias: autonomia ou adapta��o?, depois de criticar a ado��o da perspectiva da pedagogia das compet�ncias na reforma do ensino m�dio brasileiro, afirma:

Cada indiv�duo ter� de agora em diante, ent�o, de adquirir um banco ou pacote de compet�ncias desejadas pelos homens de neg�cio no mercado empresarial, permanentemente renov�veis, cuja certifica��o lhe promete empregabilidade.[61]

Enfim, esses autores nos alertam para a crescente instrumentaliza��o do curr�culo escolar pelo sistema produtivo. Sacrist�n nos lembra que o curr�culo � uma op��o cultural, � cultura-conte�do do sistema educativo. Ele define o curr�culo como �o projeto seletivo de cultura, cultural, social, pol�tica e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condi��es da escola tal como se acha configurada�.[62]

Assim, podemos encarar as reformas curriculares como projetos eminentemente ideol�gicos[63] que t�m por objetivo referendar determinados conhecimentos (e n�o outros) no sistema educativo, visando a estabelecer rela��es de poder na sociedade informacional. Para Apple, a educa��o �deve ser vista como uma sele��o e organiza��o de todo o conhecimento social dispon�vel em uma determinada �poca�.[64] Depois de afirmar isso, chama a aten��o para o fato de que o conhecimento curricular n�o � neutro. Aqui comete um pequeno deslize l�gico: se o curr�culo � uma sele��o de conhecimentos, logo n�o pode ser de �todo� o conhecimento social dispon�vel: h� inclus�es e exclus�es. A quest�o �: o que entra e o que n�o entra? Voltamos para a quest�o do conhecimento de maior valor, da qual se desdobra uma outra: �maior valor� para quem? O que nos remete de novo para o curr�culo como uma sele��o cultural � e ideol�gica � de conhecimentos. Em outras palavras, o curr�culo nunca � neutro.

Aqui o conceito de comunidade epist�mica[65] pode ser �til para estabelecer a rela��o entre poder e conhecimento, para compreender como � feita a sele��o dos aspectos da cultura que entrar�o curr�culo. Esse conceito permite compreender as influ�ncias exercidas sobre o Estado por grupos de especialistas, n�o apenas cientistas, mas tamb�m pol�ticos, empres�rios, banqueiros etc.

O que distingue as comunidades epist�micas de outros agentes sociais � o fato de serem constitu�das por uma rede de profissionais com per�cia e compet�ncia reconhecidas em um dom�nio particular, ao mesmo tempo que reivindicam uma autoridade pol�tica relevante em fun��o do dom�nio que exercem em sua �rea espec�fica de conhecimento.[66]

Uma comunidade epist�mica pode ter uma influ�ncia internacional, como, por exemplo, a equipe que elaborou o Relat�rio para a Unesco[67], ou nacional, como � o caso dos elaboradores dos Par�metros Curriculares Nacionais do Ensino M�dio (PCNEM)[68].

Karsten Kr�ger, ao discutir o conceito de �sociedade do conhecimento�, ap�s argumentar que se trata de um termo com grande destaque na discuss�o atual das ci�ncias sociais e na pol�tica europ�ia, afirma:

Se trata de un concepto que aparentemente resume las transformaciones sociales que se est�n produciendo en la sociedad moderna y sirve para el an�lisis de estas transformaciones. Al mismo tiempo, ofrece una visi�n del futuro para guiar normativamente las acciones pol�ticas.[69]

De fato, a lei que orienta a atual reforma espanhola � Ley Org�nica de Educaci�n (LOE) � menciona em seu pre�mbulo a necessidade de adequa��o para se viver na nova �sociedad del conocimiento�.[70] O PCNEM brasileiro fala em adapta��o �s mudan�as provocadas pela �revolu��o da inform�tica�[71], variante pouco usada para revolu��o da informa��o ou sociedade da informa��o.

Ou seja, as comunidades epist�micas encarregadas de elaborar os documentos das reformas educacionais em cada pa�s, para justific�-las, lan�am m�o do conceito de �sociedade do conhecimento�. Esse conceito apreende muito da mudan�a social e de suas novas demandas, mas tamb�m tem muito de prescri��o ideol�gica.

Notas

[11] Do original em ingl�s The coming of the post-industrial society, publicado em 1973.

[27] Para a defini��o do conceito de �campo� antes � preciso definir o que � �dom�nio�. Gardner define �o dom�nio como a disciplina ou of�cio praticados numa sociedade; e o campo, o conjunto de institui��es e ju�zes que determinam quais s�o os produtos dentro de um dom�nio que merecem m�rito�. (1995, p. 39, grifo do autor).

[29] Mais tarde ele passa a considerar a possibilidade de haver mais uma ou duas intelig�ncias: a naturalista e a existencial (Gardner, 2006).

[32] Na Torre Mayor, na cidade do M�xico, considerado um dos primeiros �edif�cios inteligentes� do pa�s, nas informa��es sobre o sistema anti-sismo consta que �o edif�cio sabe quando vai haver um terremoto�. Esse � um bom exemplo de reifica��o que atribui vida pr�pria e, portanto, intelig�ncia ao pr�dio, obscurecendo o fato de que ele � uma coisa, uma constru��o humana.

[33] Esse � o slogan de uma companhia a�rea brasileira � GOL Transportes A�reos S.A. �, tamb�m um exemplo de reifica��o da intelig�ncia.

[37] Machado, 2004, p. 123. Na pesquisa feita no Google Brasil em 12/3/2008: �sociedade de dados� obteve 97.200 resultados; �sociedad de datos�, 187.000; e �data society�, 21.900.

[39] Os termos correlatos pesquisados em espanhol e ingl�s foram, respectivamente: �Sociedad de la informaci�n�, �Information society�; �Sociedad del conocimiento�, �Knowledge society�; �Sociedad de la inteligencia�, �Intelligence society�; �Sociedad informacional�, �Informational society�; �Era de la informaci�n�, �Information era�; �Era del conocimiento�, �Knowledge era�; �Era informacional�, �Informational era�; �Econom�a del conocimiento�, �Knowledge economy�; �Econom�a de la informaci�n�, �Information economy�; �Econom�a informacional�, �Informational economy�.

[40] A pesquisa em �p�ginas em portugu�s� do Google Brasil obteve 1.220 resultados; em �p�ginas en espa�ol� do Google Espa�a, 1.130.

[41] A pesquisa em �p�ginas em portugu�s� do Google Brasil obteve 1.760 resultados, em �p�ginas en espa�ol� do Google Espa�a, 13.800.

[52] Conceito central da economia pol�tica marxista, define o valor do trabalho n�o pago ao oper�rio e apropriado pelo capitalista. Para Marx: �A taxa de mais-valia depender�, se todas as outras circunst�ncias permanecerem invari�veis, da propor��o existente entre a parte da jornada que o oper�rio tem que trabalhar para reproduzir o valor da for�a de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o capitalista.� (1978, p. 83, grifo do autor).

[60] Apple, 2006, p. 21. Aqui, evidentemente, ele est� pensando em valor no sentido econ�mico.

[63] Ideologia aqui � definida como a busca de atribui��o de sentido a formas simb�licas na cria��o e sustenta��o de rela��es de domina��o (Thompson, 2000).

[71] Brasil, 2002.

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Quais as principais características de uma sociedade do conhecimento?

A sociedade do conhecimento, conceito que define um tipo de sociedade já não baseada na produção agrícola ou industrial, mas na capacidade de pesquisar, inovar e produzir informação, é o tema do relatório lançado em novembro pela Unesco, braço da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Como deve ser a educação na sociedade do conhecimento?

Se reconhecermos que a sociedade do conhecimento é uma sociedade de aprendizagem (HARGREAVES, 2003), a escolarização como direito de todos está em permanente reconstrução e aprofundamento. Com isso, os profissionais de educação devem ser valorizados e altamente capacitados.

Qual o papel da escola na sociedade do conhecimento?

O papel da escola na sociedade é socializar o conhecimento, seu dever é atuar na formação moral dos alunos, é essa soma de esforço que promove o pleno desenvolvimento o indivíduo como cidadão.

Qual a importância da sociedade do conhecimento?

Defende a importância da informação, como um bem social, discordando do modo com a atual Sociedade da Informação a considera: como matéria-prima para o desenvolvimento da livre concorrência econômica, sem atribuir a devida importância ao desenvolvimento cultural e social da humanidade.