Quais seriam as fases de internalização desse hipotético tratado no ordenamento jurídico brasileiro?

1 INTRODUÇÃO

Artigo 49, I, CR/88: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I- Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (...)”

Artigo 84, VIII, CR/88: “Compete privativamente ao Presidente da República:

VIII- Celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;(...)”

Como bem se sabe, é função do Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, cabendo ao Congresso Nacional apreciá-los. Dessa forma, cumpre ressaltar, que o processo de Treaty Making Power[1] que ocorre em nossa República está convencionado por um sistema misto de atuação, em que há uma convergência do Poder Executivo com o Poder Legislativo.

Apesar de a leitura dos artigos supracitados poderem apresentar em uma primeira vista um embate entre as competências previstas, pois o texto legal não deixa explicitamente claro se é competência do Congresso Nacional autorizar a ratificação de tratados apenas quando se tratar de atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional ou se todos os tratados são submetidos à apreciação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Além disso, vale ressaltar que nem todos os tratados, após validados, adquirem a mesma força jurídica, diferindo no tipo de tratado celebrado e, no modo em que é votado pelo Congresso Nacional.


2 FASES DE CONCLUSÃO DE UM TRATADO INTERNACIONAL

Primeiramente, é necessário deixar claro quem pode representar o Estado nos atos de celebração de um Tratado. De acordo com o artigo 7º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009), pode representar o Estado quem possuir uma Carta de Plenos Poderes[2], os chefes de Estado, de Governo, os Ministros das Relações Exteriores, os chefes de missão diplomática e os representantes acreditados pelo Estado.

Dessa maneira, expostas as pessoas competentes para representar o Estado, para que o tratado tenha autoridade como tal, deverá ser elaborado em várias fases[3], que são compreendidas na negociação, assinatura do tratado, aprovação parlamentar, ratificação e registro.

A negociação compreende, conforme o próprio nome já informa, a fase em que serão negociados os conteúdos dos tratados, como objeto lícito e possível, idioma em que será realizado, entre outros. Não possui prazo determinado de duração e encerra-se com a elaboração do texto final do tratado.

A assinatura do tratado compreende o momento em que a pessoa capaz de representar o Estado aprova o texto final.

Após a assinatura é designada a fase de apreciação do legislativo (tratarei do assunto, detalhadamente no próximo tópico). Logo depois do agente plenipotenciário[4] (pessoa indicada para representar o país) assinar o tratado, ele é submetido à apreciação do Ministro das Relações Exteriores, que se caso ele concordar com o conteúdo, deverá elaborar um Projeto de Mensagem ao Congresso Nacional e, se o Presidente concordar, irá transformar o projeto em uma Mensagem ao Congresso Nacional. Se a mensagem for aprovada em ambas as casas do Congresso, o tratado seguirá novamente ao Poder Executivo, no qual haverá a sanção ou veto presidencial.[5]

Terminada a fase de aprovação do Congresso Nacional, a fase de sanção ou veto presidencial é a chamada ratificação do tratado, que a partir desse momento, o Brasil encontra-se obrigado a respeitar o que foi convencionado.

O registro não é obrigatório, visto que é apenas para dar publicidade. É realizado na ONU, perante o Secretário de Registro. Esse registro só é essencial para que as partes possam acionar a Corte Internacional de Justiça, caso elas não cumpram o que foi estipulado internacionalmente.


3 A INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Ao fim da fase de assinatura do tratado internacional, o agente plenipotenciário ou a pessoa capaz de representar o Estado internacionalmente, submete o tratado aos olhos do direito interno brasileiro, no qual será submetido à apreciação por parte do Congresso Nacional e por parte do Poder Executivo (Presidente da República).

Durante a fase de apreciação no Congresso Nacional, o tratado inicia o trâmite de aprovação na Câmara dos Deputados, em que será submetido à votação em plenário, em caráter de urgência.[6] Na maioria das vezes, o tratado é votado da mesma forma da legislação ordinária, ou seja, por maioria simples. Se a Câmara for a Casa iniciadora do Projeto de Lei Ordinária, o Senado será a Casa revisora, e vice-versa.[7] Além disso, o presidente da Casa poderá definir em quais comissões o projeto irá tramitar, mas, independentemente das comissões escolhidas, ele sempre precisará passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara ou do Senado (onde ocorre o controle de constitucionalidade dos projetos de lei que estão tramitando).[8] Aprovado o texto do Projeto de Lei Ordinária, será lançado como decreto legislativo e o mesmo seguirá para o Senado Federal.

Na Casa revisora, que também por maioria de votos simples, irá aprovar o projeto ou não. Poderá rejeitar o projeto, aprová-lo com emendas ou aprová-lo sem emendas. Emendas, de acordo com Bernardo Gonçalves Fernandes, são “proposições apresentadas com exclusividade por parlamentares (deputados ou senadores) como acessórias de uma proposição principal”.[9] Assim, poderão ser apresentadas emendas aditivas, supressivas, aglutinadas, modificadas, substitutivas ou de redação.

Após aprovação do Congresso Nacional, o decreto legislativo passa pelas mãos do Presidente da República para que ele seja ratificado. Cumpre ressaltar que o Presidente possui autonomia para não ratificá-lo e, feito dessa forma, ele pode apresentar novo projeto ao Congresso Nacional. Se o Presidente ratificá-lo, será publicado no Diário Oficial da União e no Diário do Congresso Nacional.[10]


4 FORÇA JURÍDICA DOS TRATADOS

Há três possibilidades: o tratado pode obter uma força legal, supralegal e constitucional.

Em regra, os tratados são votados como lei ordinária, portanto, possuem força jurídica legal. Todavia, os tratados de Direitos Humanos terão sempre os valores supralegais ou constitucionais. De acordo com o artigo 5º, §3º, CR/88: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Esse parágrafo terceiro do artigo quinto da Constituição de 1988 foi acrescido à redação devido à Emenda Constitucional nº 45, pois se entende que, de acordo com Valério Mazzuoli, em se tratando de normas jurídicas que dizem respeito aos direitos humanos, os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro deveriam ser colocados em um patamar de norma constitucional, não podendo ser revogados por lei ordinária posterior.[11]

O tratado de direitos humanos adquire força supralegal quando não é aprovado por forma de Emenda Constitucional, mas é aprovado por qualquer outra forma. Sendo assim, mesmo ele sendo aprovado em forma de lei ordinária, que configuraria a ele uma força legal, ele terá força supralegal.

Cumpre ressaltar, que o tratado internacional de direitos humanos, atuará com força constitucional, quando aprovado de acordo com o artigo 5º supracitado acima, ou seja, quando for aprovado, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.

A ideia de uma força supralegal é uma invenção de Gilmar Mendes[12], portanto, não está explicitado na Constituição brasileira. Há uma crítica por parte disso, pois, a força de um tratado será estabelecida pela forma com que é votado e não pelo conteúdo do mesmo.


5 CONCLUSÃO

Após explanar as pessoas que possuem competência para celebrar um tratado internacional em nome do Estado, as fases de conclusão do mesmo, a apreciação legislativa interna e diferir as diferentes formas que um tratado obtém força jurídica, é possível concluir que o Poder Executivo e Legislativo andam juntos nesse quesito de ato internacional.

O Presidente da República, como cargo chefe do Poder Executivo brasileiro, necessita da aprovação, no que tange aos tratados internacionais, dos representantes do povo (os deputados federais) e dos representantes dos Estados-membros e Distrito Federal (os senadores)[13] , demonstrando, claramente, que o ato de governar é exercido em conjunto.

Tecnicamente, era digno de se esperar que o Congresso Nacional, por unanimidade, defendesse o interesse daqueles que eles representam, ou seja, a população brasileira. Porém, é sabido que nem sempre ocorre dessa maneira. O mesmo é de se esperar que o Presidente da República haja de acordo com os interesses nacionais. Assim, ao menos em matéria internacional, referente aos tratados internacionais, esses poderes podem servir de freios e contrapesos um ao outro. Sendo assim, portanto, caso o Congresso Nacional faça uma emenda no projeto de lei ordinária, que fira os interesses da população nacional, o Presidente possui discricionariedade para não sancioná-la e apresentar outro projeto às Casas. Da mesma maneira, se de acordo com o entendimento do Congresso Nacional, referido tratado que foi submetido à apreciação, não está de acordo com os interesses dos brasileiros, a Câmara e o Senado podem não aprová-los e não emitir decreto legislativo para apreciação do Poder Executivo.

Fica claro que o Brasil adota uma postura de exaltação aos tratados internacionais em matéria que versa sobre os Direitos Humanos. Não é atoa que nossa atual Constituição é apelidada de “Constituição Cidadã”, focando na dignidade da pessoa humana como principal objetivo a ser almejado e alcançado.

 Dessa forma, a interdisciplinaridade entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional Público demonstram como as áreas do Direito estão interligadas. Não só esses dois ramos, mas vários outros se conectam em uma moldura mais ampla. É interessante ressaltar que no âmbito jurídico internacional, regido pelo Direito Internacional Público, há uma convergência de ações, por meio de acordos, tratados, protocolos, concordatas, estatutos, entre outros, que necessitam como base do direito interno do país para ser colocado em prática. Da mesma maneira que, um tratado internacional aprovado e ratificado pelo Brasil, dependendo da força jurídica que possuir, revoga as legislações anteriores a ele, como no caso, novamente, dos tratados de matéria de direitos humanos.


Notas

[1] REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 15ª ed. Saraiva, 2014. Página 41.

[2] BRASIL. Decreto nº 7030, 14 de dezembro de 2009. Artigo 2º, c, “plenos poderes” significa um documento expedido pela autoridade competente de um Estado e pelo qual são designadas uma ou várias pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de um tratado, para manifestar consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer ato relativo a um tratado.

[3] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 76.

[4] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 124 -127.

[5] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 125.

[6] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 126.

BRASIL. Regimento Interno da Câmara. Artigo 151, I, j.

[7] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora JusPodivm. Página 853.

[8] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora JusPodivm. Página 854.

[9] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora JusPodivm. Página 855.

[10] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 127.

[11] SILVA, Luiz Roberto. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2008. Página 108.

[12] RE 466.343-SP e HC 87.585-TO, em 03 de dezembro de 2008.

[13] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora JusPodivm. Página 778.


6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p.

BRASIL. Decreto nº 7.030, 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 466.343-1. São Paulo. Processual. Prisão civil do depositário infiel. Decretação em execução fiscal. Pacto de São José da Costa Rica. Mudança da orientação jurisprudencial do STF. Inadmissibilidade. Concessão da ordem.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso de Habeas Corpus. Habeas Corpus 87.585-8- Tocantins. DEPOSITÁRIO INFIEL – PRISÃO. A subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel.

FERNANDES. Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Editora JusPodivm: Belo Horizonte, 2014.

SILVA. Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey: Belo Horizonte, 2007.

REZEK. Francisco. Direito Internacional Público, Curso Elementar. 15ª ed. Editora Saraiva, 2014.


[1] REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 15ª ed. Saraiva, 2014. Página 41.

[2] BRASIL. Decreto nº 7030, 14 de dezembro de 2009. Artigo 2º, c, “plenos poderes” significa um documento expedido pela autoridade competente de um Estado e pelo qual são designadas uma ou várias pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de um tratado, para manifestar consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer ato relativo a um tratado.

[3] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 76.

[4] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 124 -127.

[5] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 125.

[6] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 126.

BRASIL. Regimento Interno da Câmara. Artigo 151, I, j.

[7] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora JusPodivm. Página 853.

[8] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora JusPodivm. Página 854.

[9] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora JusPodivm. Página 855.

[10] SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2007. Página 127.

[11] SILVA, Luiz Roberto. Direito Internacional Público. 3ª ed. Editora Del Rey, 2008. Página 108.

[12] RE 466.343-SP e HC 87.585-TO, em 03 de dezembro de 2008.

[13] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6ª edição. Editora JusPodivm. Página 778.

Quais são as etapas do processo de internalização dos tratados no Direito interno brasileiro?

O procedimento para incorporação de tratados internacionais pelo Brasil pode ser esquematizado em quatro fases: fase da assinatura; fase da aprovação congressual ou do decreto legislativo; fase da ratificação; fase do decreto presidencial ou do decreto de promulgação[7].

Como ocorre a internalização dos tratados em nosso ordenamento jurídico?

No caso do Brasil, há dois tipos de procedimentos para viabilizar a incorporação de um tratado internacional, o procedimento simplificado que dispensa a aprovação do Poder Legislativo, e o procedimento padrão multifásico, em que o tratado deve passar pela aprovação do Congresso Nacional.

Quais são as cinco fases de elaboração dos tratados internacionais?

O processo de formação dos tratados solenes até a sua conclusão, passa por quatro fases, a saber: a) negociações preliminares e assinatura do tratado; b) aprovação parlamentar (referendum) por parte de cada estado interessado em se tornar parte no tratado; c) ratificação ou adesão ao texto convencional, com a troca ou ...

Quais são as fases de elaboração dos tratados?

São quatro as fases pelas quais têm de passar os tratados solenes até sua conclusão: a) a das negociações preliminares; b) a da assinatura ou adoção, pelo Executivo; c) a da aprovação parlamentar ( referendum ) por parte de cada Estado interessado em se tornar parte no tratado; e, por fim, d) a da ratificação ou adesão ...