Qual a relação existente entre o trabalho e a preservação da natureza?

A relação sociedade-natureza e a ética do cuidado desde o turista

1. Introdução

Enquanto fenômeno em movimento universal, o turismo é uma prática social complexa, influenciada pelas importantes revoluções: industrial, comercial e agrícola, e tornou-se atividade de lazer, a partir de 1960, envolvendo milhões de pessoas em todo o planeta. Transformado em fenômeno econômico, pela facilidade do deslocamento atual, é responsável por inúmeras transformações espaciais, sociais e culturais no mundo. Atualmente, identifica-se um crescente fluxo da prática do turismo em áreas ambientais protegidas e em unidades de resgate/readaptação de animais selvagens considerados em risco de extinção. Embutida em tais práticas, há a ideologia em defesa do chamado “patrimônio natural”, que nos permite repensar sobre tais práticas e questionar se, realmente, são eficientes para uma preservação e proteção, tanto do território onde as práticas são efetuadas, quanto dos seres vivos nele presentes.

Tal fenômeno, determinado pela globalização e por essa constante expansão, tem gerado análises de âmbito econômico, social e ambiental.

Nesse sentido, o presente trabalho vem, por meio da complexidade existente entre a relação “teoria e prática”: (i) analisar os reflexos gerados pelo fenômeno da globalização na relação sociedade-natureza; (ii) considerar as consequências e/ou as contribuições da prática turística no espaço dito “natural”[i]; (iii) aferir a prática do turismo voluntário, por meio do estudo de caso da Missão Volunteer Vacations Onça-pintada, realizada pela agência Volunteer Vacations no município de Corumbá de Goiás (GO), Brasil; e iv) considerar a possibilidade de construção de uma socialização da natureza e de uma ética do cuidado, a partir do turista.

Tais objetivos, melhor representados pela Figura 1, poderão contribuir para um debate sobre as influências da prática turística na relação sociedade-natureza e corroborar na reflexão teórica sobre os conceitos de classificação do turismo em espaços “naturais”.

Qual a relação existente entre o trabalho e a preservação da natureza?

Figura 1
Estrutura teórica do artigo
elaborado pelo autor.

Assim, uma das problemáticas aqui tratada, refere-se ao posicionamento do turista, enquanto sujeito responsável para a construção de uma ética do cuidado, na relação sociedade-natureza. Tal comprometimento vai de encontro a todo o processo de dominação e artificialização da natureza, o qual faz-se com que os homens alienados não visualizem os fenômenos sociais, políticos ou econômicos existentes nesse processo - o que promove uma relação com o “espaço natural” especialmente como mercadoria a ser consumida, tendo como diretriz uma imagem romantizada da preservação, que a considera como um mundo natural à parte, intocado e intocável.

Tal comprometimento, da mesma forma, deve ir além da responsabilidade do sujeito que viaja. A prática turística deve acontecer a partir da responsabilidade de um planejamento e gestão dos patrimônios natural e cultural, que contribua para a preservação do chamado “espaço natural”. Tais mecanismos deverão ser pautados no resultado da ação conjunta de todos os agentes interessados, ou seja, da comunidade local, de universidades e instituições educacionais, além de instituições públicas e privadas.

2. A globalização e a transformação da relação sociedade-natureza

Milton Santos, em sua obra Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, ao construir o debate sobre o papel da ideologia na produção, disseminação, reprodução e manutenção da globalização atual, criada por países ricos e opulentos, por meio de um discurso único, discute os novos materiais artificiais que se alimentam mutuamente e põem em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema vigente, ou seja, o capitalismo.

A globalização, conforme apresenta Santos (2010, p. 24), é criada pelo sistema capitalista, fomentada por um certo número de fantasias que envolvem “a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existência de um motor único na história, representado pela mais-valia globalizada”. A repetição dessas fantasias acaba por tornar tal ideologia algo aparentemente sólido, sustentado por uma máquina ideológica perversa: o mercado capitalista global.

O resultado de tal fenômeno se impõe de forma intensa, contribuindo para a desigualdade social. Torna-se crônico o desemprego, a pobreza aumenta, a fome e o desabrigo se generalizam, alastram-se e aprofundam-se males materiais e morais.

Com a dinâmica desse processo, todo e qualquer território se torna funcional às necessidades, usos e apetites de agente do mercado, do Estado ou da associação de ambos. Nesse sentido, acaba por influenciar, direta e indiretamente, a vida econômica, as relações interpessoais e a vida socioespacial da humanidade. Isso afeta, inclusive, a relação sociedade-natureza.

Portanto, tal processo pode ser entendido como um evento que ganha força na contemporaneidade e que se manifesta não apenas no campo econômico e político da sociedade, mas, sobretudo, no campo cultural e ambiental, através de seus aparatos técnico, científico e informacional – parafraseando Milton Santos. Contribuem para a transformação da cultura e da própria natureza, tornando-as novos gêneros de mercadoria, com fins de atender às atuais exigências do mercado globalizado.

Como resultado desse processo de globalização, por exemplo, fala-se hoje em sustentabilidade e em atividades de preservação ambiental, para se fazer crer em uma difusão instantânea de responsabilidade e cuidados para com as gerações futuras, quando na verdade, o consumismo e o fortalecimento dos reclamos das finanças e de outros grandes interesses internacionais ainda prevalecem, em detrimento dos cuidados com as populações menos favorecidas e o dito “espaço natural”.

Tais questões relacionadas à preservação ambiental podem ser identificadas atualmente como um discurso político falacioso e como uma questão de manutenção da dinâmica econômica do sistema capitalista, conforme apresenta Maria Adélia Aparecida de Souza, em seu artigo intitulado Meio ambiente e desenvolvimento sustentável – As metáforas do capitalismo.

Nesse referencial trabalho, a autora considera que, nos dias atuais, os conceitos de natureza e meio ambiente, além das questões relacionadas com o desenvolvimento e a sustentabilidade, ainda não são discutidas, suficientemente, do ponto de vista epistemológico e metodológico (teórico e conceitual). O que ocorre são processos geográficos, biológicos e geológicos que interagem entre si e devem ser cientificamente estudados, mas que ainda são tratados como discursos políticos e não como temas científicos.

Hoje, o processo de globalização faz com que a natureza seja vista como recurso a ser explorado, tanto no presente quanto no futuro; Souza (2009) cita como exemplo a questão da água no Brasil que, como outros recursos naturais, é tratada para se tornar um valioso recurso a ser privatizado e mercantilizado.

Assim, universidades e centros de pesquisa se apropriam dos conceitos de sustentabilidade e do ambiental, importando-os de agências financiadoras internacionais, sem uma discussão teórica prévia mais consciente. Tais conceitos são justapostos para a sustentação de discursos político-ideológicos. O que incentiva uma interpretação da sustentabilidade como forma de manipulação poderosa, semelhante ao conceito de desenvolvimento, imputando interesses maiores a respeito de tais temas, o qual os países pobres acreditam se beneficiar, mas que na verdade, tem como prioridade a preocupação com o mercado e o capital, não com a humanidade, ou seja, a vida no planeta.

A partir dessa interpretação crítica de sustentabilidade, observada como metáfora do capitalismo por Souza (2009), pode-se compreender como as técnicas utilizadas pelo mercado global fomentam o processo de internacionalização do mundo capitalista ou da globalização. É a mesma lógica observada nos debates construídos por Simone Scifoni, ao tratar do processo de construção do “patrimônio natural”, e Everaldo Costa, ao debater o conceito e o processo “patrimonialização global”.

A tese de Scifoni (2006), intitulada A construção do patrimônio natural, discute o significado da proteção do “patrimônio natural” no processo de produção do espaço geográfico, tendo como recorte o litoral norte paulista, a partir da apresentação da trajetória de construção da ideia de “patrimônio natural” e das políticas públicas para a sua proteção, em diferentes esferas (internacional, federal e regional).

A proteção da natureza no litoral norte de São Paulo, apresenta Scifoni (2006), foi instituída em um contexto de extensão do tecido urbano da metrópole, que conferiu a esse espaço um papel específico de zona de veraneio, compreendendo assim o processo de patrimonialização do “ambiente natural” como um “produto do urbano”. Este também se constitui como política de Estado, que busca garantir a continuidade dos usos do território por um turismo-veraneio com padrão de excelência. Assim, Scifoni (2006) considera que o processo de tombamento do “patrimônio natural” aparece como um produto de políticas públicas que se dão no âmbito da cultura, tornando-se importante recurso para o mercado turístico internacional, evidenciado pelos interesses político-econômicos, que estão por trás do reconhecimento do título recebido.

Torna-se claro que o processo de tombamento do “patrimônio natural” é tratado como política de desregulamentação do patrimônio, que busca, antes de tudo, flexibilizar a legislação para garantir a fluidez necessária aos interesses do capital imobiliário, no sentido de conceber novas formas de produção imobiliária. Também como estratégia do poder público local, para assimilar regras do tombamento em suas políticas territoriais. A proteção da natureza surge como produto do urbano e como condição para sua reprodução, afirma Scifoni (2006).

Ao trazer para o debate o conceito de patrimonialização global, Costa (2010; 2015), destaca a lógica global capitalista embutida no processo de reprodução das cidades e de setores territoriais, o que fragmenta o espaço social. Conforme o autor, a patrimonialização global significa:

(...) o brusco movimento universal de espetacularização e banalização pela cenarização progressiva dos lugares promovido pela dialética Estado-mercado sobre a base das técnicas, da ciência e da informação; em síntese, é um processo de ressignificação dos lugares da cultura e da natureza em escala planetária (Costa, 2015, p. 35).

Para Costa (2015), o fenômeno descrito promove uma verdadeira corrida das governanças urbanas por uma inserção de bens culturais (de médias e pequenas cidades antigas espalhadas pelo mundo) na rede internacional do turismo e dos serviços. Isso promove uma significação elevada de tais cidades junto às estratégias do mercado, ao serem contempladas com a chancela de Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Esse movimento, assegura o autor, estimula estratégias de marketing urbano, ditas de revitalização, criando posição das “novas” cidades na geopolítica espetacular da rede internacional do turismo.

Assim, Costa (2015) considera o processo de patrimonialização global como uma representação da transformação da própria história dos lugares em uma história mundial, inserida no contexto do capitalismo, onde a economia urbana é pautada na dinamização do capital financeiro e da prestação de serviços. O autor propõe ir além da simples crítica à banalização dos territórios turistificados; aponta a lógica moderna presente nas novas ações que remetem às formas de manutenção da vida cotidiana nas cidades, que se mantêm pela tentativa de elaboração de uma conscientização de seus cidadãos e de busca de caminhos alternativos ao processo de comercialização do patrimônio urbano.

Portanto, ao referenciar as abordagens aqui apresentadas, (da sustentabilidade como metáfora do capitalismo; da construção do “patrimônio natural” como instrumento do mercado global; e do processo de patrimonialização global como estratégia do mercado turístico internacional) como decorrentes de processos universalizantes, consequentes da produção econômica-material da globalização, toma-se imperativa a análise sobre as problemáticas que envolvem a relação sociedade-natureza. Quer-se contribuir para a compreensão de como se promove as interferências, diretas e indiretas, da globalização nessa relação, a fim de fornecer elementos de análise para identificar a necessidade de construção de uma ética do cuidado, a partir do turista.

3. O turismo e suas práticas no “ambiente natural”

O aprofundamento do processo de globalização fez emergir um encurtamento das distâncias por uma suposta supressão do tempo, guiada pelos progressos das técnicas e das ciências. Isso pode indicar a ascensão do turismo como atividade economicamente hegemônica ao longo do tempo.

Enquanto fenômeno em movimento global que se concretiza à sua maneira particular nos territórios, o turismo é conceituado por Susana Gastal e Marutschka Moesch como:

(...) um campo de práticas histórico-sociais que pressupõe o deslocamento dos sujeitos em tempos e espaços diferentes daqueles dos seus cotidianos. É um deslocamento coberto de subjetividade, que possibilita afastamentos concretos e simbólicos do cotidiano, implicando, portanto, novas práticas e novos comportamentos diante da busca do prazer (Gastal & Moesch, 2007, p. 11).

Assim, Gastal & Moesch (2007) consideram o turismo como um fenômeno sociocultural, de valor simbólico para os sujeitos e o mercado global que o praticam. Simbólico porque se associa às práticas realizadas, aos produtos e aos serviços envolvidos, com significado mais amplo tanto pelos sujeitos (por seu valor de uso e valor afetivo), quanto pelo mercado (por seu valor de troca). As autoras ainda afirmam que, como processo humano, o turismo “necessita de ressignificações às relações impostas pelos códigos capitalistas, que determinam não só o valor venal das mercadorias, mas também os valores impostos, como bens culturais e estilo de vida”.

Everaldo Costa, em seu livro A concretude do fenômeno turismo e as cidades-patrimônio-mercadoria, também trata o turismo pela abordagem dialética e o considera um fenômeno, essencialmente, espacial e dialético, por unir lugares no planeta por meio dos fluxos e por se tornar um vetor contemporâneo hegemônico da produção do espaço. Também para o autor o turismo é prenhe de alto valor simbólico e conjuga a relação dialética entre a preservação e a mercantilização; o sagrado e o profano; o transitório e o permanente; o efêmero e o duradouro; num processo que se operacionaliza, simultaneamente, nos planos e pensamentos universal-particular-singular. Em sua fase crítica radical, Costa (2010, pp. 15-16) problematiza o turismo na ótica do “capitalismo globalitário” e observa a emergência de:

(...) um modo de produção catalisado pelo poder dos agentes hegemônicos do capital que, por meio dos novos instrumentos técnicos e informacionais, transformam os territórios na busca do lucro, da renda e da submissão do trabalho: um misto de desejo e necessidade, causa e consequência, produção e produto da sociedade do século XXI.

A atividade turística, enquanto produto moderno do capitalismo, complementa Costa (2010), se apropria da “natureza” e das cidades, por meio da estética característica original ou transformada por novas lógicas do capital. Essas apropriações promovidas pelo turismo, de uma forma ou de outra, transformam os objetos, revaloram as paisagens e redirecionam o cotidiano dos lugares. Tal processo é justificado pelo autor ao considerar o modo de produção do capital como uma “lógica histórica da vida social, com a produção de mercadorias, onde o mercado reestrutura a vida social” (Costa, 2010, pp. 35-36). Esse movimento, conforme o autor descreve, se dá através de “riquezas naturais” que são transformadas em objetos de uso e de consumo. Enquanto formas construídas, se agregam ao solo sobre o qual estão erguidas. Em função disso, os espaços passam a se diferenciar – transformados em atrativos turísticos – por características humanas e não apenas por condições naturais variáveis. Esse debate também foi realizado Scifoni (2006), na ótica do “patrimônio natural”.

As paisagens naturais e urbanas, a partir dessa análise, tornam-se matéria-prima para o turismo, que passa a depender da simultaneidade atinente ao movimento dialético do uso e da troca, presente nos processos produtivos e nas relações de produção turística. Nesse sentido, ao buscar ampliar a compreensão das práticas do turismo da contemporaneidade, associadas à natureza, encontra-se em Mário Carlos Beni um esforço de uniformização das terminologias operacionais atuantes, conforme quadro a seguir.

Quadro 1

TErminologias operacionais das práticas do turismo em ambientes naturais.

Qual a relação existente entre o trabalho e a preservação da natureza?

Beni (2002, pp. 31-34), adaptado pelo autor.

Para Beni (2002, p. 31), as próprias dimensões do território brasileiro e (ainda) a pouca comunicação entre docentes e pesquisadores do turismo, provocam o surgimento de conceitos e expressões, referentes à prática turística, que distorcem e obstaculizam sua plena compreensão. Exemplos dados pelo autor estão nas associações entre a prática do agroturismo e o turismo no meio rural; o turismo ecológico e o chamado turismo de aventura, que também se insere no turismo desportivo (como nos jogos na “natureza”). O ecoturismo, além de ser comumente confundido com o turismo ecológico, também é associado a práticas realizadas em áreas de conservação e de proteção ambientais brasileiras que ainda não dispõem de uma política integrada e de um planejamento de uso e ocupação do solo urbano.

Outro conceito que vem se desatacando no turismo em “espaços naturais” e muito divulgado nos dias de hoje é o turismo voluntário. As construções teóricas sobre esse termo surgiram por volta de 1915, impulsionadas pelas necessidades de sensibilização do indivíduo com as questões sociais e ambientais globais.

Stephen Wearing, em sua obra Volunteer Tourism: experiences that make a difference, diz que a prática do turismo voluntário proporciona àquele que se voluntaria, denominado como turista voluntário, “experiências que fazem a diferença”. Tal prática também é vista como uma forma de proporcionar benefícios, por meio da viagem, tanto

para a comunidade que acolhe, quanto para o voluntário que realiza a experiência, “(...) atraindo pessoas que estão buscando uma experiência turística que é mutuamente benéfica, mas que também contribui não só para o desenvolvimento pessoal, mas também, positivamente e diretamente, para os ambientes sociais, naturais e/ou econômicos em que participam” (Wearing, 2001, p. 3).

Entretanto, acredita-se que o termo turismo voluntário, semelhante às definições citadas acima (ver quadro 1), reforça uma ideologia preservacionista da natureza e camufla, em sua essência, verdadeiros interesses embutidos em sua prática, ou seja, o fomento do capital (como será retratado mais adiante).

Assim, as práticas do turismo de “natureza” surgem como uma proposta conservacionista, por carregar um conceito que abarca a interação e o cuidado com o meio ambiente, que valoriza as populações locais, exige qualidade de vida, hospitalidade, segurança e serviços interrelacionados. Conforme definição lógico formal do Instituto Vitae Civilis e WWF-Brasil (2003) o turismo é “uma atividade que, se bem planejada e desenvolvida, pode trazer às populações locais benefícios amplos, como oportunidades de diversificação e consolidação econômica, geração de empregos, conservação ambiental, valorização da cultura, conservação e/ou recuperação do patrimônio histórico, recuperação da auto-estima, entre outros” (Vitae Civilis & WWF-Brasil, 2003, p. 13).

No entanto, essas práticas ainda carregam e geram contradições, conflitos, paradoxos típicos da ética capitalista, burguesa e individualista que, carregada de ideologias e intenções de evitar ou mitigar os efeitos destrutivos, não eliminam as causas da depredação, extinção ou destruição da “natureza”, conforme identificado pelos resultados apresentados na pesquisa.

4. A socialização da natureza e construção de uma ética do cuidado

Como já apresentado, a natureza vem sendo tratada como uma simples referência espacial, ou como cenário para o desenvolvimento de práticas sociais e/ou turísticas, que carregam em suas construções teóricas a ideologia de preservação ambiental, à esteira do capitalismo.

Muitas formas de ocupação predatória do “espaço natural”, por práticas econômicas, além do turismo, têm deixado marcas profundas de degradação socioambiental. É bom lembrar que o turismo, tendo se expandido após as revoluções agrícolas, comercial e industrial, já encontrou territórios arrasados por essas outras atividades. Entretanto, as práticas turísticas também causam impactos ao consumir a “natureza”, como se pode observar pelas pesquisas relacionadas a “turismo e meio ambiente”, que se preocupam e sugerem práticas e estudos ligados à identificação e à mensuração dos impactos ambientais, da análise da capacidade de carga e/ou do zoneamento funcional das áreas “naturais”.

Diante dos problemas ambientais que se têm avolumado nas últimas décadas, considera-se essencial a possibilidade de uma socialização consciente da natureza e da construção de uma ética do cuidado, a partir dos turistas; esta pode ser uma alternativa, talvez, para a melhoria da qualidade de vida de diversificados grupos sociais e como um caminho para vislumbrar um turismo no “espaço natural durável”.

Ao buscar elementos que auxiliem na identificação de uma possível construção da ética do cuidado pelo turista, pode-se considerar navegar por conceitos que englobam o “cuidado” e a “ética” na conexão humana com a “natureza”, o que é detalhado por Leonardo Boff.

Ao promover uma análise fenomenológica sobre o termo “cuidado”, Boff (2007) afirma que se torna um fenômeno para a consciência do ser humano, se mostra na experiência e se molda na prática. Trata-se de pensar e falar a partir do cuidado como é vivido e estruturado no íntimo do ser humano. E ainda completa que o “cuidado” está intrínseco no indivíduo, possui uma dimensão ontológica que faz parte da constituição do ser.

Alguns estudiosos derivam o termo do latim cura, que se escrevia coera e era usado em um contexto de relações de amor e amizade. O termo expressava também a atitude de cuidar, de desvelo, de preocupação e de inquietação por outra pessoa ou por um objeto de estima, conforme Boff (2007). Dessa forma, o “cuidado” surge quando há uma relação de importância entre os seres, relação essa que permeia a empatia, a dedicação, o desvelo, a preocupação e a participação na vida do outro, ou por meio da atenção pela própria vida do indivíduo, o cuidado de si mesmo, o que pode ser ampliado ao dito “espaço natural”. É o oposto do descuido e do descaso.

A ética também é analisada como parte da natureza humana, presente em cada indivíduo. Conforme o autor, para viver como humanos, torna-se necessário a “criação de certos consensos, coordenar certas ações, coibir certas práticas e elaborar expectativas e projetos coletivos” (Boff, 2003, p. 27).

Presente na construção do processo evolutivo humano, a ética é originada do termo grego ethos, que significa: a morada, o abrigo permanente, seja de animais ou seres humanos. Os embasamentos de Boff (2003), a respeito de tal conceito, apresentam que: a “morada” para o ser humano representa o “enraizamento da realidade”, dá-lhe segurança e permite sentir-se bem no mundo. “É uma realidade da ordem dos fins: viver bem, morar bem. Ética tem a ver com fins fundamentais, com valores imprescindíveis, com princípios fundadores de ações” (Boff, 2003, p. 28).

Associando os dois termos à natureza, pode-se também destacar o posicionamento de Boff (2007, p. 36) que trata a natureza como um “conjunto articulado de todas as energias cósmicas em processo de materialização ou desmaterialização” a qual o ser humano possui nela um lugar singular. Merece destaque, para aprofundar a análise, o trecho a seguir:

O ser humano possui nela (natureza) um lugar singular. Ele desempenha uma dupla função. Por um lado, está dentro, é parte da natureza, inserido no imenso processo de evolução natural e cibiôntica. Por outro, está de frente, é um vis-à-vis à natureza. Por sua consciência e por seu saber técnico, intervém nela, fazendo-se seu plasmador. Nem por isso deixa de ser parte da biosfera e geologicamente um objeto bem concreto. O ser humano é sempre parte da natureza e interventor da natureza. A relação ser humano-natureza é dialética, quer dizer, ambos se encontram indissoluvelmente intrincados um no outro, de tal forma que o destino de um se transforma no destino do outro (Boff, 2007, p. 36-37).

Nesse contexto, o ser humano se encontra enraizado na natureza e se posiciona como parte integrante da mesma, como um “ser-no-mundo”, que interage com outros seres, por meio da convivência, com capacidade de exteriorizar o movimento do cuidado, da responsabilidade por sua vida e pela vida dos demais, além de construir o seu próprio futuro.

Edward O. Wilson, em sua obra a respeito da diversidade da vida, apresenta que o progresso humano não é apenas determinado pela razão, mas também pelas emoções características de sua espécie: seres humanos. O autor ainda esclarece que o homem não tem a plena compreensão do verdadeiro significado de sua natureza humana, pela inerente complexidade e subjetividade. O “saber” se relaciona com o “ambiente natural” e vice-versa, promovendo uma clareza na interpretação da vida e na forma de sentir-se parte integrante da natureza. Observar-se como parte integrante de sua natureza humana é essencial. Para Wilson (2012, p. 437):

A humanidade é parte da natureza, uma espécie que evoluiu ao lado de outras espécies. Quanto mais nos identificarmos com o restante da vida, mais rapidamente seremos capazes de descobrir as origens da sensibilidade humana e de adquirir o conhecimento sobre o qual fundamentar uma ética durável, um verdadeiro senso de direção.

O imperativo para a construção de uma ética do cuidado, portanto, deve ser orientada com a devida prudência, acima de tudo. Deve-se levar em consideração toda espécie viva hoje no planeta, cada partícula da biodiversidade existente, como esclarece Wilson (2012).

Diante do exposto, o turista, nessa proposta, é também o responsável pela promoção de uma ética do cuidado, ao se relacionar à natureza pela prática do lazer. O termo turista significa aquele indivíduo que vai para um país estrangeiro ou algum outro lugar, com intuito de visitação ou permanência por período de tempo, sem a intenção de fixar residência ou de trabalhar. Gasta seu dinheiro no lugar de destino, motivado por prazer, por razões familiares, saúde, reunião de interesse científico, administrativo, diplomático, desportista, religioso ou por negócios.

Moesch (2002, pp. 129-130) amplia o conceito e afirma que o sujeito do turismo não é só “economicus e político”, mas subjetivo, afetivo e lúdico, dimensões essenciais de sua existência. Ele é multidimensional, não de maneira harmoniosa, complementar, realizada, passível de classificação, mas em conflito, na contradição, no jogo de papéis, de máscaras que o turismo possa lhe estabelecer. Ao observa-lo, não como público alvo do turismo, mas como parte integrante e importante do processo de se “fazer-turismo”, na relação sociedade-natureza, o turista deveria incorporar, então, um papel de sujeito ativo-responsável, por reinventar novas relações benevolentes e sinergéticas com a “natureza” e de maior colaboração entre os vários povos, culturas e religiões.

Tal posicionamento a ser incorporado pelo turista é tratado por Jost Krippendorf, em sua obra Sociologia do Turismo, que propõe uma “humanização do turismo” e aponta novas possibilidades de lazer e viagens turísticas, com foco no sujeito que viaja. Krippendorf (2009, p. 181) esclarece que alguns turistas, geralmente, buscam tirar “férias longe do eu” ao invés de tirarem “férias em direção do eu”. Tal posicionamento induz a um distanciamento da responsabilidade durante o ato de viajar. Nesse sentido, deve-se levar em consideração a responsabilidade que o turista tem ao planejar a viagem.

Para o autor, a primeira questão a ser considerada é o posicionamento do próprio sujeito que viaja em aceitar sua condição de “turista”. Ou seja, aquele que está em movimento, está em outro lugar e entra em contato com outras culturas, outras realidades, outros sujeitos. Essa atitude, para (Krippendorf, 2009), torna-se exigência indispensável para uma atitude mais consciente durante as práticas turísticas. Chega-se ao ponto de partida para um comportamento mais aberto, mais tolerante, mais modesto e mais sociável do turista. Tal posicionamento de aceitação da condição de “turista responsável”, tem como referência uma postura de humildade e simplicidade perante a ação de relacionar-se com o próximo e com o “ambiente natural” visitado. Para tal, o indivíduo precisa agir conforme as características pontuadas a seguir:

(...) demonstra uma atitude crítica não apenas no que se refere à vida cotidiana, mas também quanto à escolha da viagem. Ele se mostra crítico tanto em relação às diversas ofertas quanto em relação a si mesmo. Ele estuda, compara e vai ao âmago das coisas antes de fazer a escolha. Tenta ver além das promessas mirabolantes. Escolhe a região para onde vai com todo conhecimento de causa. Rebela-se contra a prática do mercantilismo turístico, em que os preços são mais importantes que o país receptor. Medita sobre as consequências que suas compras e seu comportamento poderiam causar e pergunta-se a quem beneficia e a quem prejudica a viagem. Não se deixa, necessariamente, seduzir pelo preço mais baixo, não procura pagar ainda menos em todas as ocasiões e pechinchar ainda mais, pois sabe que esses preços favoráveis só são obtidos pela exploração de outras pessoas. (...) escolhe de propósito formas de viagem que respeitem as populações e as culturas dos países visitados tanto quanto possível e lhes propiciem um lucro mais elevado. Consagra sistematicamente o dinheiro à compra de produtos e serviços dos quais conhece a origem e sabe que as receitas serão creditadas, isto é, sustentarão, antes de tudo, a população local. Age de acordo com esses princípios o tempo todo, quando escolhe o alojamento e o restaurante, o meio de transporte, quando participa de manifestações locais e quando compra suvenires. Ele fica o maior tempo possível em cada lugar visitado, para poder realmente aprender alguma coisa (Krippendorf, 2009, p. 184).

Além disso, Krippendorf (2009, p. 185) distingue que: “um turista responsável rebela-se contra o mercantilismo irrefletido e o nivelamento, praticados pela maioria dos métodos do turismo. A essa enorme maquinaria montada, ele opõe a própria atitude, visando não à exploração, mas à ação responsável”. É bom dizer que a atuação responsável e ética do turista em viagem impetra a este o retorno à sua essência, como elemento integrante de um todo universal – que também inclui o lugar visitado – realizando, dessa forma, as viagens em direção ao “eu” interior.

Entretanto, a responsabilidade para se construir uma ética do cuidado voltada à natureza não está apenas para com os sujeitos que viajam. Necessário se faz que se tenha uma integração de todos os envolvidos na prática turística. Torna-se importante que a proposta seja ampla, no sentido de abarcar as várias iniciativas (das comunidades beneficiadas, universidades e institutos educacionais, instituições públicas e privadas) que atuem com o turismo, para que possam ter responsabilidades quanto à formação das pessoas e que essas se proponham a colaborar não somente a partir do econômico, mas também, do social e do ecológico.

A participação das comunidades envolvidas deverá, ainda, representar para elas uma esperança no sentido de melhoria da qualidade de vida dos sujeitos, levando-as a se organizarem e a se sentirem responsáveis pelos lugares onde moram, estudam, trabalham e passam a sua vida, incluindo os “espaços naturais” utilizados.

A ética do cuidado torna-se, portanto, uma prática ou atitude emergencial, que deve envolver mecanismos psicológicos (afetivo, racional, comportamental) e de gestão, que promovam concordâncias e contradições sociais, as quais permeiam a esfera da identidade, do ser como indivíduo social, da cultura, do “ambiente natural”, e que contribua para a melhoria da qualidade de vida dos envolvidos e para uma preservação e socialização do “patrimônio natural”. Enquanto se constrói a ética do cuidado, deve-se buscar a compreensão, o aprendizado e a forma mais segura de utilização da natureza para a própria subsistência humana.

5. O turismo voluntário e a Missão Volunteer Vacations Onça-pintada no município de Corumbá de Goiás, Estado de Goiás, Brasil

No trabalho Patrimônio natural e turismo voluntário: ética do cuidado na relação sociedade-natureza, defendido como dissertação de mestrado, no Programa de Pós-graduação do Centro de Excelência em Turismo, da Universidade de Brasília (Alves, 2016), fundamentamos o debate sobre o turismo voluntário, para um entendimento da relação turismo e atividade voluntária, na preservação do “patrimônio natural”, por meio do estudo de caso da Missão Volunteer Vacations Onça-pintada.

Por meio dessa pesquisa, foi possível (i) avaliar a percepção dos turistas sobre a prática do turismo voluntário, promovida pela Missão VV Onça-pintada, (ii) identificar a existência de uma pseudoconcreticidade embutida na prática e (iii) aferir a possibilidade de construção de uma relação sociedade-natureza e de uma ética do cuidado, a partir da conscientização do sujeito, por sentir ser/fazer parte integrante da natureza (senti-la como totalidade, consciente de que suas ações e reações interferem diretamente a si próprio e ao meio ao qual está inserido).

A Missão VV Onça-pintada foi realizada no município de Corumbá de Goiás (GO), durante o ano de 2015, e surgiu da agência Volunteer Vacations, uma empresa de viagens com sede em São Paulo, em parceria com a Organização Não governamental No Extinction – NEX –, localizada no município de Corumbá de Goiás (GO). Tida como uma prática turística pela agência (Figura 2), a Missão tinha o intuito de preservar e proteger a fauna silvestre do cerrado brasileiro e promover a educação ambiental. Além de possibilitar, aos turistas que se voluntariavam, conhecer melhor como vivem as onças-pintadas e outros felinos, suas reações, suas histórias e suas características biológicas, a Missão também permitia um contato diferenciado com a natureza local e com os moradores do entorno da sede da ONG NEX.

Qual a relação existente entre o trabalho e a preservação da natureza?

Figura 2
Página da Missão Volunteer Vacations Onça-Pintada no Facebook.
Sítio eletrônico www.facebook.com/volunteervacations (Acessado: 19 nov. 2015).

A ONG NEX, ainda em funcionamento, resgata, abriga e trata de grandes felinos da fauna brasileira, como a onça-pintada, até que estes estejam prontos a serem reintroduzidos ao seu habitat “natural”.

As atividades da Missão eram estruturadas em um período de seis dias, incluindo hospedagem na cidade de Corumbá de Goiás (GO) e atividades de trabalho voluntário voltadas para a interação e cuidados para com os animais da ONG. As atividades eram variadas, como: cuidar, alimentar e interagir com os animais, além de auxiliar na construção e reforma dos espaços de adaptação das onças.

Os turistas voluntários pagavam para a agência taxas referentes à inscrição da atividade, ao apoio constante da equipe VV aos turistas, às acomodações na ONG para a atividade voluntária, três refeições por dia durante o período do programa, transfer de ida e volta do aeroporto de Goiânia para a ONG, custos de administração, de comunicação com os voluntários, marketing do programa e country manager da agência. Os turistas voluntários ainda recebiam um Book da VV em formato de guia, com informações do país onde a agência atuava, além de receberem uma camisa da Missão. Não estavam incluídos custos de passagens aéreas e seguro saúde, um item obrigatório para a realização da atividade.

A Missão ocorreu apenas duas vezes, durante o ano de 2015. A primeira versão, ocorrida nos dias 17 a 21 de maio, contou com a participação de cinco turistas voluntários. Já na segunda edição, ocorrida nos dias 25 a 30 de julho, a prática levou seis turistas voluntários a ter contato com os felinos. Novas versões da Missão não puderam mais acontecer devido uma instrução normativa, lançada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA – no dia 30 de abril de 2015.

A Instrução Normativa do IBAMA, Nº 7/2015 de 30 de abril de 2015, surge com a finalidade de regulamentar e instituir as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro e define os procedimentos autorizativos para as categorias estabelecidas, “visando atender as finalidades socioculturais, de pesquisa científica, de conservação, de exposição, de manutenção, de criação, de reprodução, de comercialização, de abate e de beneficiamento de produtos e subprodutos”, constantes dos Cadastros Técnicos Federais (IBAMA, 2016).

Merece destaque, para o embasamento dessa análise, o artigo de nº 32 e o parágrafo único subsequente, da instrução normativa citada, que apresenta mudanças nas visitas monitoradas dos centros de reabilitação e dos criadouros para fins de preservação da fauna silvestre, regulamentadas pelo IBAMA, conforme descrito a seguir.

Art.32. Os criadouros científicos para fins de conservação e mantenedouros somente poderão ser objeto de visitas monitoradas de caráter técnico, didático ou para atender programas de educação ambiental da rede de ensino formal, e desde que não mantenham espécimes dos grupos elencados no artigo anterior (I – felinos do gênero Panthera; II – espécimes da família Ursidae; III – primatas das famílias Pongidae e Cercopithecidae; IV – espécimes da família Hippopotamidae; e V – espécimes da ordem Proboscidae).

Parágrafo único. As visitas monitoradas deverão ser objeto de aprovação junto ao órgão ambiental competente mediante apresentação de projeto de visitação, sendo vedada a cobrança de qualquer taxa aos visitantes (IBAMA, 2015).

O trecho destacado da normatização atinge diretamente a prática da Missão VV Onça-pintada e a parceria da agência com a ONG, por ser a ONG NEX uma organização não governamental, legalmente constituída como associação civil sem fins lucrativos, de natureza jurídica denominada “Instituto de Preservação e Defesa dos Felídeos da Fauna Silvestre do Brasil em Processo de Extinção” e de registro no IBAMA como Criadouro Conservacionista de nº 232423. Além da espécie onça-pintada se destacar por fazer parte do item I, do tipo felinos do gênero Panthera.

A partir de então, não foi possível a realização de outras versões da Missão na ONG NEX, devido a proibição legal formalizada pela Instrução Normativa IBAMA Nº 7, de 30 de abril de 2015. Como citado, em instituições e espaços que recebem ou tratam animais em risco de extinção, só poderão ser realizadas visitas monitoradas de caráter técnico, didático ou que visem atender programas de educação ambiental da rede de ensino formal.

Em entrevista com o técnico responsável pelo departamento que acompanha e fiscaliza o que determina a Instrução Normativa do IBAMA, pode-se destacar:

A legislação para essas espécies de animais é rigorosa e precisa ser mantida para beneficiar a preservação. A instrução só permite a visitação gratuita e monitorada, com fins de pesquisa. Sendo assim, eles (ONG NEX) só podem receber visitação pública com esse intuito: pesquisa e fins científicos. Caso eles desejem ampliar a visitação, eles podem mudar de categoria, ou seja, poderiam realizar a cobrança de ingresso e ser caracterizado como zoológicos. Eles desejam mudar de categoria? Essa mudança para zoológico, conforme artigo nº 10 da Lei Nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983, exigirá a obrigatoriedade de assistência profissional permanente de, no mínimo, um médico-veterinário e um biologista, o que encareceria os custos ainda mais para o estabelecimento. Manter um veterinário e um biólogo durante 40 horas semanais, na maior parte do tempo sem atividade, para atender as exigências da legislação ficaria muito custoso. E acredito não ser esse o objetivo da ONG (PTI apud Alves, 2016, p. 95).

(...)

Particularmente, eu acredito também que o excesso da presença humana pode gerar uma domesticação do animal. Isso é ruim para os animais que já estão livres na natureza quanto para os que serão readaptados, como é o caso da ONG NEX, que propõe a readaptação dos animais capturados. Você já deve ter ouvido falar do ataque de onças que ocorrem no Pantanal, não? As imagens são chocantes. Mas por que isso acontece? Há uma hipótese de que os organizadores que recebem turistas matam jacarés para colocar a carne na beira dos rios, atraindo as onças para mais próximo dos turistas. Isso é uma alimentação artificial do animal. As onças então acabam se acostumando com a presença humana e indo para os vilarejos em busca de comida. Será que o turismo então pode prejudicar? Não sei afirmar. É preciso muito estudo a respeito. Essa domesticação do animal pelo turismo pode ser prejudicial (PTI apud Alves, 2016, pp. 94-95, Grifos do autor).

Importar imagen Importar tabla Diante do exposto, questiona-se as consequências de uma prática como o turismo voluntário em um ambiente como o da ONG NEX, que tem como proposta o cuidado e a readaptação de uma espécie em extinção, como a onça-pintada aqui analisada. Questiona-se também:

§ Será que tal prática realmente contribui para a proteção e preservação do animal ou reforça a lógica do capitalismo (de se apropriar de um “patrimônio natural” e manipulá-lo como mercadoria), de domesticação do animal selvagem, com marcante significação mercadológica?

§ O turismo voluntário poderia, então, ser considerado, nesse contexto, como uma modalidade do turismo, motivado pela descoberta de que a natureza é um recurso “natural”, que pode ser transformado em recurso turístico, ou em objeto de consumo?

§ Seria uma forma a mais de consumo do turismo e, desta vez, mais perigosa, porque invade as entranhas da natureza, que deveriam ser preservadas, e promove em um animal selvagem, como a onça-pintada, um processo de domesticação?

§ Ou seria uma forma de valorização da natureza, uma forma de conservá-la? Seria uma prática que incentiva o encontro do homem com a natureza da qual faz parte, para uma reintegração? É uma tentativa de inserir o turismo no modelo do “desenvolvimento sustentável”?

Com intuito de responder tais questões, o pesquisador entrou em contato com alguns participantes que participaram da prática analisada.

Quando em entrevista com esses participantes e em pesquisa nos endereços eletrônicos de divulgação da Missão, o autor (Alves, 2016) encontrou alguns elementos contraditórios que contribuíram para responder o questionamento apresentado.

Foi identificado pelas entrevistas que existe um discurso com evidente preocupação a respeito da preservação do “patrimônio natural”, em relação à onça-pintada. Porém, ao mesmo tempo, em registros fotográficos identificados nas páginas de divulgação da Missão, encontra-se uma postura contrária enquanto prática, conforme pode-se observar nas figuras a seguir.

Na primeira imagem (Figura 3), encontrada no sítio eletrônico de divulgação da Missão VV Onça-pintada, observa-se que um dos turistas voluntários coloca o pé na grade de proteção onde o animal vive. Tal imagem releva uma falta de cuidado e respeito para com o felino em cativeiro. Mesmo tendo uma grade de proteção, o gesto de se colocar o pé na grade, vai além do cuidado. Demonstra uma grande aproximação do animal selvagem com o ser humano, não considerando a ética na relação sociedade-natureza.

Qual a relação existente entre o trabalho e a preservação da natureza?

Figura 3
Imagem de divulgação da Missão VV Onça-pintada no endereço eletrônico da agência.
http://vonlunteervacations.com.br/destinos/brasil/ (Acessado: 19 nov. 2015.

A segunda imagem (Figura 4), encontrada na mídia social da própria agência, na mídia social Facebook, revela outro turista voluntário inserindo uma mangueira de água azul para dentro do espaço de guarda da onça-pintada, atravessando a grade de proteção. A mangueira chega a tocar a boca do animal.

Qual a relação existente entre o trabalho e a preservação da natureza?

Figura 4
Imagem de divulgaão da Missão VV Onça-pintada na mídia social Facebook.
Disponível em: http://www.facebook.com/volunteervacations/photos/pb.638325852854326.-2207520000.1467852910./9793748387494424/?type=3cteather (Acessado em: 19 nov. 2015)

Ao analisar as duas imagens, pode-se identificar uma contradição do discurso de proteção e preservação da onça-pintada com as atitudes registradas dos turistas voluntários [o que dialoga com o debate crítico de autores mencionados nos itens anteriores]. O que seria um incentivo à preservação, aparece como desrespeito e descuido ao “patrimônio natural”. Tais imagens não refletem, realmente, uma preocupação em cuidar do animal em extinção. A onça-pintada, nesses casos, é tratada como uma concepção cartesiana, que a define como “algo exótico” a ser visitado e consumido. A percepção do animal é carregada com os olhos do sistema manufatureiro, camuflado pela prática de um turismo voluntário, apontando, dessa forma, para a relação dialética de valor e troca, conforme já citada anteriormente.

Os turistas que participaram da prática, até apresentam um discurso voltado à preocupação de se preservar a natureza e o próprio animal, conforme o registro, destacado a seguir, de uma das participantes entrevistada. Porém, as imagens representam outra postura.

Com toda certeza contribui, pois, a partir do momento que percebemos a importância da preservação, não nos contentamos mais em ficar imparciais diante da realidade de hoje. E voltamos para casa querendo mudar o mundo e passamos a preservar mais a natureza ao nosso redor. Disseminamos todas as informações aprendidas aos nossos vizinhos e familiares. Não vejo nenhuma desvantagem, a experiência nos desenvolve valores e faz com que sejamos pessoas melhores.

(...)

Além de o local ser lindo e amar os animais, queria ter a experiência de atuar em prol de uma causa especial (TV1 apud Alves, 2016, pp. 103-104).

Como observado, o turista voluntário acredita que, ao participar da Missão, já está contribuindo para a preservação da onça-pintada, pois retornam da atividade “querendo mudar o mundo”, não mais “imparciais diante da realidade de hoje”. Entretanto, a partir da análise dos registros imagéticos, observou-se uma postura diferenciada, ou seja, uma falta de cuidado para com o felino, não compatível com o discurso sobre a preservação.

Identificou-se ao final da pesquisa que a relação existente entre o turismo e a atividade voluntária, aqui analisada com o termo “turismo voluntário” (divulgado pela Missão VV Onça-pintada), ainda mantém um viés ideológico de um discurso de preservação ambiental, que na verdade não se realiza em sua prática e fortalece a crítica de Souza (2009) sobre a sustentabilidade e o meio ambiente como metáforas do capitalismo; também reforça a lógica paradoxal da patrimonialização global debatida por Costa (2015) e da construção do “patrimônio natural” defendida por Scifoni (2006). A prática do turismo voluntário, então, se apropria da onça-pintada como um atrativo para que os turistas deem lucro à instituição organizadora e o próprio animal tratado como recurso-mercadoria. Mantem o felino próximo ao homem, faz-se uma domesticação do animal selvagem, a fim de gerar outras oportunidades de se ofertar atividades semelhantes a essa analisada. Tratar do animal como um produto para o mercado do turismo, reduz simbolicamente o seu valor para apenas um objeto a ser visto e fotografado por turistas.

Diante do exposto, reforça-se a hipótese de que se torna emergencial a promoção de uma outra socialização da natureza e da construção, necessária, de uma ética do cuidado para com o “patrimônio natural”, a partir dos turistas. Assim, como iniciativa propositiva para a sociedade, pensamos na construção de uma cartilha educativa que aborde a valorização do “patrimônio natural” e a importância de uma ética do cuidado, a fim de ser empregada e distribuída gratuitamente em palestras e atividades educativas nas escolas públicas do Distrito Federal brasileiro, podendo também ser utilizada por todos que dela se apropriarem.

Espera-se, assim, contribuir, de maneira significativa, para uma discussão sobre os efeitos da globalização na prática do turismo em “espaços da natureza”, acreditando em uma possível ética do cuidado, a partir do sujeito que se voluntaria ou participa da prática turística, como caminho para a tomada de consciência ambiental coletiva e menos predatória.

6. Considerações Finais

O sujeito que escolhe atuar no turismo voluntário, aqui analisado de forma prática por meio da Missão VV Onça-pintada, permanece arraigado aos interesses capitalistas, os quais promovem uma ressignificação da natureza em atrativo a ser consumido. Nessa inserção, o mesmo se posiciona na prática turista de forma alienada e repete padrões de comportamento predatórios, referenciados ao modelo mercadológico do sistema capitalista globalizado.

Assim, nada mais justificável que tentar reverter esse modelo, definido pelo capital, com uma centralização no ser humano, ou seja, partindo do próprio sujeito/turista, para propor uma socialização da natureza e a construção de uma ética do cuidado.

É importante lembrar a complementaridade econômica que o turismo pode favorecer para algumas comunidades, passando a ser, inclusive, a principal fonte de renda e recurso para a gestão e preservação ambiental. Entretanto, rever o posicionamento e a postura do turista voluntário (junto ao debate acadêmico e da gestão sobre o turismo) torna-se essencial para uma transformação do modo de se fazer turismo, a fim de influenciar e modificar epistemologicamente o conceito “turismo”, enquanto campo do saber e como fenômeno social. O turista também precisa exercer um papel ativo, interativo e relevante durante a prática do turismo voluntário no espaço visitando, a fim de promover um “religar” aos valores simples e profundos do homem como parte integrante da natureza.

Ao se adotar esse novo sentido, transformador para o turismo voluntário, poderá, então, ser possível contribuir para a elaboração de novas crenças e novas práticas, amparadas na solidariedade, para um processo de tomada de consciência do sujeito que viaja, integrando-o à natureza, por meio da construção de uma ética do cuidado.

Qual a relação existente entre o trabalho e a preservação da natureza?

Na lógica da dinâmica capitalista, a natureza parece ter funções bem específicas, como gerar e provisionar todos os materiais utilizados no processo produtivo, e ainda, após o seu uso, absorver os resíduos, que retornam ao ecossistema em forma de contaminantes.

Qual a relação entre meio ambiente de trabalho e meio ambiente?

Dessa forma, meio ambiente e segurança do trabalho estão relacionados pela necessidade da preocupação com segurança para os trabalhadores e com a manutenção dos recursos e preservação da natureza. Neste texto, explicaremos essa relação, falando um pouco sobre os procedimentos necessários para isso.

Qual é a relação com a natureza e sua preservação?

Importância da preservação ambiental Preservar o meio ambiente é preservar a vida, não apenas dos seres humanos, mas de todas as espécies existentes. Afinal, se os recursos naturais não forem utilizados de maneira sustentável, as próximas gerações são colocadas em risco.

Qual a importância da relação entre segurança do trabalho e meio ambiente?

Qual a relação entre segurança do trabalho e meio ambiente? Como mencionamos, a segurança do trabalho não se limita apenas à proteção a vida dos colaboradores e prevenção de acidentes. O SST tem tudo a ver com o meio ambiente, e quando falamos nesse termo, não nos limitamos apenas ao ecossistema.