Qual é a causa da dependência econômica dos países em desenvolvimento?

Qual é a causa da dependência econômica dos países em desenvolvimento?

O número de países que dependem da exportação de matérias-primas atingiu seu nível mais alto em 20 anos, segundo novo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) publicado nesta quarta-feira (15).

A UNCTAD define um país como dependente de commodities quando estas representam mais de 60% de suas exportações totais de mercadorias em termos de valor.

O Relatório sobre Dependência de Commodities de 2019 mostrou que os países dependentes de commodities aumentaram de 92 entre 1998 e 2002 para 102 entre 2013 e 2017.

Mais da metade dos países do mundo (102 de 189) e dois terços dos países em desenvolvimento são dependentes de commodities, indicou o relatório.

“Dado que a dependência de commodities muitas vezes afeta negativamente o desenvolvimento econômico de um país, é importante e urgente reduzi-la para progredir mais rapidamente em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, disse o secretário-geral da UNCTAD, Mukhisa Kituyi.

Países em desenvolvimento mais afetados

A dependência de commodities afeta quase exclusivamente os países em desenvolvimento, segundo o relatório. Atinge 85% dos países menos desenvolvidos, 81% dos países em desenvolvimento sem saída para o mar e 57% dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento.

Com 89% dos países dependentes de commodities, a África Subsaariana é a região mais afetada. É seguida por Oriente Médio e Norte da África, onde 65% dos países dependem de matérias-primas.

Metade dos países da América Latina e do Caribe, e metade dos países da Ásia Oriental e do Pacífico também dependem de commodities.

Problema persistente

A dependência de commodities também é persistente, de acordo com o relatório. Os grupos dominantes de produtos exportados tiveram mudanças em apenas 25% dos países entre 2013 e 2017, em parte devido a alterações nos preços das matérias-primas.

O número de países dependentes da exportação de produtos agrícolas diminuiu de 50 para 37 entre os períodos de 1998-2002 e 2013-2017.

O número de países dependentes dos minérios aumentou de 14 para 33, enquanto o número de países dependentes de hidrocarbonetos aumentou de 28 para 32.

Flutuações relativas de preços entre os diferentes grupos de commodities contribuíram para as mudanças nos grupos de produtos dominantes exportados, já que os preços de energia e minerais aumentaram muito mais do que os de produtos agrícolas e manufaturados.

Vulnerabilidade a choques de preços e volatilidade

Os países em desenvolvimento dependentes de matérias-primas são vulneráveis ​​a choques negativos e volatilidade de preços de commodities.

Os níveis médios de preços de commodities entre 2013 e 2017 ficaram substancialmente abaixo do pico entre 2008 e 2012, revelou o relatório.

Isso contribuiu para uma desaceleração econômica em 64 países dependentes de commodities, com vários deles entrando em recessão.

À medida que o crescimento desacelerou, a situação fiscal em muitos desses países se deteriorou, resultando na acumulação de dívida pública, muitas vezes como um aumento da dívida externa.

A dívida externa de 17 países em desenvolvimento dependentes de commodities aumentou em mais de 25% do PIB entre 2008 e 2017, de acordo com o relatório.

Esforços de diversificação

O relatório observou que alguns países conseguiram diversificar sua produção e exportações nas últimas duas décadas.

Por exemplo, alguns países dependentes de exportações de hidrocarbonetos, como Omã, Arábia Saudita e Trinidad e Tobago, aumentaram a participação em suas exportações de produtos do setor de downstream — atividades de transporte e distribuição de produtos da indústria do petróleo, por exemplo. Outros países dependentes de energia ou dependentes de exportações minerais, como Ruanda e Camarões, conseguiram expandir suas exportações agrícolas.

O relatório de 2019, a quarta edição da série lançada em 2012, contém 189 perfis estatísticos de países desenvolvidos e economias em transição.

Clique aqui para acessar o relatório (em inglês).

Fonte: ONU Brasil

Introdução

As discussões sobre os caminhos da economia brasileira normalmente tomaram rumos dentro da literatura econômica que abstraíram as relações de poder entre os países. Por um lado, a abordagem ortodoxa da economia elabora, a partir das vantagens comparativas ricardiana, uma interpretação do desenvolvimento como um estágio evolutivo natural, cuja única variável considerada é a temporal. Nessa apreciação, bastaria os países se especializarem na sua “vocação produtiva original”, agrícola no caso da América Latina, para obterem ganhos dentro da divisão internacional do trabalho, através da livre concorrência, e alcançarem o estágio desenvolvido.

Por outro lado, elaborações alternativas surgem na década de 1950 com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e tentam entender os processos de subdesenvolvimento da América Latina. Suas ideias são estruturadas a partir da crítica às vantagens comparativas ricardiana, o que gerou a base da teoria da deterioração dos termos de troca de Raúl Prebisch. No entanto, essas correntes de pensamento, desenvolvimentistas em essência, não rompem com o continuum da evolução em estágios do desenvolvimento econômico. Portanto, bastaria aos cepalinos atuação política adequada do Estado para, ao promover industrialização, atingir o estágio desenvolvido pleno no capitalismo.

Essa percepção tem alicerce no conceito de nação ao qual o Estado estaria submetido. Isso são construções ideológicas que, quando não elevadas abstrações das classes sociais e suas categorias mais básicas, subvertem a uma análise caótica do concreto, e não a um todo construído.

As diferentes classes sociais, expõem Marx e Engels (1998), se inserem em interesses inconciliáveis, nos quais, a classe oprimida quer deixar de ser explorada e a classe dominante quer absorver maior parte do excedente produtivo, explorando as outras classes e as submetendo aos seus interesses e à sua racionalidade.

Quando elevamos essa categoria de exploração chegamos à partilha do mundo, após a fase imperialista do capitalismo. Conseguimos observar, então, as relações de poder inseridas nos países e na ideia encoberta das relações nascidas a partir da divisão internacional do trabalho.

A Teoria Marxista da Dependência analisa através do estágio imperialista do capitalismo para entender quais relações dialéticas estão inseridos na América Latina e qual o caráter de seu atraso. Para isso, consideram-se as categorias de Marx de valor e como esse se transfere dos países dependentes às economias centrais, o que gera a necessidade de realizar uma superexploração da classe trabalhadora nas economias periféricas.

Após o Consenso de Washington (1989), a nova cartilha ideológica proposta pelas principais instituições do capitalismo (como ONU, FMI e Banco Mundial) foram as ideias neoliberais. A proposta era redução máxima do Estado para um intervencionismo mínimo que permitisse a atuação das leis de livre mercado sobre as economias nacionais. O programa neoliberal vai aprofundar essas relações de dependência na medida em que afeta a vulnerabilidade econômica desses países, com sua manutenção ideológica de redução do Estado.

Nos países latino-americanos, e no Brasil em específico, esse movimento chega com uma tentativa de controle inflacionário pela redução das atuações do Estado sobre as políticas fiscais, monetárias e liberalização das taxas de câmbio. A elevação da taxa de juros com tentativas sucessivas de criação de superávit primário coloca o país em situação de financiar a especulação do capital financeiro estrangeiro, que começa a explorar o país com o desmonte do Estado e as privatizações.

A proposta do presente artigo é, portanto, refletir as condições e o aprofundamento da dependência brasileira, e suas características de desindustrialização e reprimarização da economia, a partir do período neoliberal. Essa análise engloba tanto a década de 1990, com os governos Collor e FHC, especialmente a partir de 1994 com o Plano Real, como também os governos do PT, com Lula e Dilma Rousseff (2002-2014), que mantiveram a agenda neoliberal. Os movimentos mais recentes da política brasileira deixaram o segundo mandato do governo Dilma Rousseff (2015-2016) inconcluso e, apesar da essência dessa estrutura não ter mudado, mantivemos de fora do escopo do artigo.

Na segunda seção, discutimos as relações de imperialismo e como afetam a formação da teoria marxista da dependência para entender as relações da América Latina e do Brasil e sua inserção de atraso periférico no mundo capitalista. Na terceira seção, analisamos como se forma a proposta neoliberal, suas ideias e conceitos e como afetam o Brasil, a partir da década de 1990 e com aprofundamento após o Plano Real. Na quarta seção refletimos sobre o governo do PT e a manutenção do programa neoliberal no Brasil, quais relações de dependência se aprofundam e como isso afetou a desindustrialização brasileira.

Imperialismo e Depêndencia

O final do século XIX e início do XX consagra a última fase da consolidação capitalismo mundial: a fase imperialista do capital (LENIN, 1991). A melhor definição para esse processo é a de “fase monopolista” cuja acentuação culmina na partilha do mundo em colônias e áreas de influência, nas quais o capital dos países mais “avançados” poderia expandir-se.

Para Lenin (1991) isso se origina da união entre capital produtivo industrial e o capital financeiro. No século XIX, a hegemônica economia inglesa começa a passar por um processo de descentralização dos setores industriais, isto é, a produção passa a ser realizada em outros países, explorando mão-de-obra de menor valor. Assim poder-se-ia aumentar as taxas de mais-valia pela exploração de outras nações mais atrasadas tecnologicamente e menos produtivas (MARX, 1974).

A Inglaterra não perderia seu controle nestes setores, pois em regra a composição deste capital ainda estaria sob controle da burguesia inglesa. Esse processo está vinculado à formação da “oligarquia financeira” que, para Lenin (1991), baseado nas conclusões de Hilferding, é a submissão do capital industrial ao capital financeiro. A ideia é que a formação de crédito e sua consequente alavancagem da economia impõe ao setor produtivo que esteja sempre submetido ao capital bancário.

Marx (1974) expõe ainda que, pressionados pela concorrência, os capitalistas, ao realizarem investimentos produtivos, aumentam a parcela do capital constante dentro da composição orgânica do capital. Quando se realiza este movimento do capital, há uma tendência a reduzir as taxas de lucro, mesmo que as taxas de mais-valia se mantenham constantes.

O movimento de expansão internacional do capital, através da divisão internacional do trabalho, não serviria para especializar as regiões e nações em determinada produção, através das vantagens comparativas ricardiana (HIRSHMAN, 1961); mas está mais relacionado, no capitalismo, a uma exportação de contra tendências à queda da taxa de lucros (BUKHARIN, 1986) e exploração de lucro extraordinário e superexploração do trabalho em economias dependentes (MARINI, 2005). Esses conceitos serão elaborados na seção seguinte sobre a dependência na América Latina.

Esse processo, todavia, insere novas economias que não estão mais no pioneirismo do movimento de formação capitalista. Quando começam a desenvolver suas estruturas pilares para a expansão do capital (e consequente expansão tecnológica necessária ao processo), economias como as da América Latina desenvolvem-se inseridas em meio a um capitalismo já consolidado e adquirem e processam suas técnicas e tecnologias em consonância com o seu atraso histórico de relações pré-capitalistas. A esse fenômeno, Trotsky (2007), nomeia de Desenvolvimento Desigual e Combinado.

Dependências na América Latina

Após a segunda guerra mundial, aprofundaram-se os estudos sobre o fenômeno do desenvolvimento econômico. A América Latina, fortemente influenciada pelo imperialismo dos Estados Unidos e da Europa, mantinha relações de atraso e subordinação ao centro capitalista. Essas características demandavam uma resposta com a finalidade de transformar essa realidade.

Nessa conjuntura, foi criada, em 1948, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) que através de seus principais teóricos, como Prebisch e Celso Furtado, influenciou fortemente os debates, procurando as raízes e o caráter do subdesenvolvimento dos países periféricos do capitalismo.

As teorias de desenvolvimento que marcavam a literatura econômica, inclusive na América Latina, construíam seus alicerces no neocolonialismo e nas ideologias da livre concorrência vinculados “[...] esquema da divisão internacional do trabalho pela adesão de suas oligarquias nacionais a esse pensamento – como bem o comprova a defesa de uma suposta vocação agrícola desses países” (BARUCO, 2015: 13). A principal contribuição teórica apresentada pela CEPAL foi romper com a ideia clássica do comércio internacional, baseada na lei das vantagens comparativas ricardiana, teoria que dava suporte à divisão internacional do trabalho como meta para o desenvolvimento.

Prebisch (1950) identifica que, na balança das trocas de mercadorias, os produtos primários sofrem com a de deterioração dos termos de troca. Quando uma economia periférica centra sua produção em produtos primários está fadada a sofrer com a queda da demanda pela qual esses bens passam, ou seja, o preço desses produtos tenderia a cair em relação aos produtos industrializados.

Furtado (1967), junto com os cepalinos, argumentava que essa deterioração seria uma debilidade congênita dos países latino-americanos. Na divisão internacional do trabalho essa região se consolidou como exportadora de produtos primários e importadora de produtos industrializados.

Furtado e Prebisch argumentavam que a divisão internacional do trabalho teria levado à cristalização de estruturas que possibilitaram a concentração da renda em favor dos países industrializados mediante a deterioração, em longo prazo, dos termos de troca dos países especializados na exportação de produtos primários, e defendiam com vigor a industrialização, que deveria ser conduzida através de um processo de substituição de importações, ou seja, estimular-se-ia a industrialização dos países latino-americanos, de tal forma que estes passassem a produzir internamente aquilo que antes necessitavam importar. (BARUCO, 2015: 14)

Para os cepalinos, a industrialização era a chave. Sem um projeto de industrialização haveria uma pesada e contínua deterioração dos termos de troca, sem possibilidade de equalização do Balanço de Pagamentos em virtude dessa pauta exportadora de produtos primários e importadora de produtos industriais.

Dos Santos conclui que a CEPAL apresentava:

Um fundamento de análise econômica e um embasamento empírico, assim como um apoio institucional, à busca de bases autônomas de desenvolvimento [para a América Latina]. Estas se definiriam por intermédio da afirmação da industrialização como elemento aglutinador e articulador do desenvolvimento, progresso, modernidade, civilização e democracia política. (2000: 74 – tradução nossa)

Esse caráter industrializante da CEPAL como caminho ao desenvolvimento rompia com as características da literatura tradicional, mas

[...] mantém-se fiel à interpretação segundo a qual o desenvolvimento econômico é um continuum, ou seja, “medidas corretivas aplicadas ao comércio internacional” e a “implementação de uma política econômica adequada” conduziria os países subdesenvolvidos ao “desenvolvimento capitalista pleno” (BARUCO, 2015: 15).

Os teóricos da dependência, que surgem ao final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, utilizam-se de base marxiana para se opor a essa proposta cepalina de ruptura industrializante e apresentam uma caracterização da América Latina, cuja construção teórica está constituída a partir de:

Uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. A consequência da dependência não pode ser, portanto, nada mais do que maior dependência, e sua superação supõe necessariamente a supressão das relações de produção nela envolvida. (MARINI, 2005,8)

Isto significa que a relação de dependência só pode ter como consequência a intensificação de si própria. É a fórmula de Gunder Frank do desenvolvimento do subdesenvolvimento (MARINI, 2005). Não há, portanto, um processo contínuo e em escala que conduziria países do subdesenvolvimento ao estágio de desenvolvimento.

O berço desta relação remete, no entanto, à formação colonial da América Latina. Essas colônias para Marini (2005) representaram a expansão dos meios de pagamentos Europeus para sua formação industrial. Posteriormente representaram, também, a formação de matéria-prima e produtos agrícolas e mais tarde começam a sediar a própria indústria em locais específicos, mas sempre com a composição do capital dependente.

A essência do processo está na fomentação da mais-valia relativa para a indústria. Sem a América Latina, a especialização na área industrial da Europa não teria sido possível, uma vez que pode exportar a sua demanda agrícola a outros países que produzissem estes produtos.

[...] no marco da divisão internacional do trabalho, [a função da América Latina] foi a de prover os países industriais dos alimentos exigidos pelo crescimento da classe operária, em particular, e da população urbana, em geral, que ali se dava. A oferta mundial de alimentos, que a América Latina contribuiu para criar, e que alcançou seu auge na segunda metade do século 19, será um elemento decisivo para que os países industriais confiem ao comércio exterior a atenção de suas necessidade de meios de subsistência. (MARINI, 2005, 13-14)

Para Marini (2005) a importância dessa mais-valia relativa é a redução dos bens- salários. A ideia é que essa redução afete os preços das mercadorias primárias reduzindo os custos de reposição da mão-de-obra para financiar o mercado internacional alimentando a expansão industrial. Isso seria a realização da mais-valia relativa, ou seja, reduzir os custos do trabalho necessário para aumentar o trabalho excedente.

[...] é mediante o aumento de uma massa de produtos cada vez mais baratos no mercado internacional, que a América Latina não só alimenta a expansão quantitativa da produção capitalista nos países industriais, mas também contribui para que sejam superados os obstáculos que o caráter contraditório da acumulação de capital cria para essa expansão (MARINI, 2005, 15).

A tendência à queda na taxa de lucros, como citada anteriormente, gera a necessidade dos países economicamente avançados de tentarem criar formas de contra tendência à crise. O aumento da taxa de exploração, através do aumento da mais-valia relativa, explorando outros países supre essa demanda de reaver os lucros. Incrementar a mais- valia seria então, uma forma de compensar as quedas nos lucros (MARINI, 2005).

Para realizar essa transferência de valor dos países da periferia para o centro, uma parte da mais valia produzida pela economia dependente não pode ser realizada ou apropriada na própria economia dependente, mas o será na economia central. As formas que Marini aponta para esse processo são pelas seguintes vias:

i) a concorrência opera mecanismos de transferência de valor internos a uma esfera de produção. Isto ocorreria porque, como as mercadorias tendem a ser vendidas pelo seu valor de mercado, que corresponde àquele referente às condições médias de produção da mercadoria (produtividade média), e os países dependentes possuem produtividade média inferior aos centrais, há uma transferência de valor excedente (mais-valia extra) da periferia para o centro; (ii) a concorrência opera o mecanismo de transferência de valor entre distintas esferas de produção a depender das taxas de lucros vigentes nessas esferas, sendo que neste movimento concorrencial, como analisado por Marx (1988, v. 4, cap. IX), setores com maior produtividade do que a média se apropriariam (preço de produção) de um valor maior do que o produzido, e setores com menor produtividade do que a média se apropriariam de um valor menor do que o produzido, em função da tendência à igualação das taxas de lucros vigentes nessas diferentes esferas. (BARUCO, 2015: 22)

A partir dessas relações surge o conceito central de superexploração do trabalho na América Latina. Para compensar a perda da mais-valia, transferida ao exterior, o país subordinado à dependência tende a aumentar a exploração sobre o trabalhador. Marini (2005) aponta três formas de como é aplicado na prática: 1) Prorrogação da jornada de trabalho, como forma de aumento da mais-valia absoluta; 2) Aumento da intensidade do trabalho, como forma de aumento da mais-valia relativa; 3) Reduzir o consumo do operário além do seu limite normal, isto é, reduzindo o necessário à reprodução daquela força de trabalho, isto garante que haja um aumento do trabalho excedente.

Aunque buena parte sea transferido, el crecimiento del plusvalor en la economía dependiente puede crear una dinámica interna de acumulación ¿Cómo se eleva la producción del plusvalor en el capitalismo (dependiente)? El capitalismo tiene varias formas de hacerlo, pero la más característica (en las economías dependientes) es la superexplotación de la fuerza de trabajo que, entre otras características, implica que los salarios que se pagan están por debajo del valor de la fuerza de trabajo. (CARCANHOLO, 2015: 270).

Ao contrário da indústria, na qual o aumento do trabalho poderia resultar um aumento de custos de matéria-prima, no setor extrativo ou na agricultura esse limite produtivo é menos sensível isto significa que a simples ação do homem na natureza aumenta a riqueza produzida. Não há uma grande preocupação com os limites físicos do trabalhador, pelas três formas citadas acima, é possível remunerar o trabalho abaixo de seu valor, o que implica a superexploração do trabalho.

Em outras palavras, a inserção da América Latina serviu para desenvolver o modo de produção capitalista (MARINI, 2005). Essa relação mantém o Brasil a cumprir um papel fundamental tanto de exportação de produtos primários quanto de organização e expansão da exploração do Capital imperialista na América do Sul. A manutenção dessas relações só tende a ampliar a dependência, a debilidade e o atraso.

Dessa maneira, para Marini (1992) a CEPAL compreende a questão da deterioração dos termos de troca, com a ideia de que o aumento de produtividade beneficia, em verdade, os países que compram os produtos primários, pela queda em seus preços.

Trata-se do fato suficientemente conhecido de que o aumento da oferta mundial de alimentos e matérias primas tem sido acompanhado da queda dos preços desses produtos, relativamente ao preço alcançado pelas manufaturas. Como o preço dos produtos industriais se mantém relativamente estável, e em alguns momentos caí lentamente, a deterioração dos termos de troca está refletindo de fato a depreciação dos bens primários. (MARINI, 2005, 16)

Ainda assim, não é explicado em Prebisch (1950), nem nos cepalinos, o porquê de, apesar da deterioração, os países se manterem na condição dependente da produção de produtos primários e não realizarem sua industrialização. Marini (2005) inverte a relação da ideia de que os abusos a que eram submetidas essas nações que as impediram de industrializar-se, ou o fato de produzirem além do necessário que sua posição comercial se deteriorou, mas foi porque essas economias eram débeis que se abusou delas e justamente por terem deteriorado sua posição comercial que as força a produzir em maior escala de forma a compensar. Isto é, rompe com a ideia de que poderia ter sido diferente se se houvesse escolhido políticas econômicas diferentes, foi justamente pelo fato da deterioração comercial que obrigou esses países a produzirem ainda mais produtos primários em uma retroalimentação da dependência.

Em outras palavras, enquanto tanto a teoria ortodoxa tradicional quanto a CEPAL entendem a economia como blocos de economias autônomas: “os países se enfrentam para obter benefícios”; não conseguem compreender, em seu método, a natureza da totalidade na qual esses países se inserem: um capitalismo cuja dinâmica mundial impõe a construção e reprodução das zonas periféricas e centrais (Caputo & Pizarro, 1970).

Neoliberalismo e plano real

A partir da década de 1990 o Brasil começa a passar por uma série de reformas que tomou conta de toda América Latina. Trata-se de um movimento ideológico-político-econômico que tenta afastar mais o Estado da vida econômica caracterizado como neoliberalismo.

O neoliberalismo caracteriza-se por um movimento ideológico que nasce a partir da II Guerra Mundial que tem como característica central a tentativa de reduzir o tamanho e a influência do Estado na economia e contra as políticas de Bem-Estar social (ANDERSON, 1995).

O Consenso de Washington, em 1989, as mudanças institucionais introduzidas pelos tratados de investimento e livre comércio e as imposições do Banco Central e dos Estados Unidos estabelecem novo modelo político econômico de acumulação para a América Latina: o neoliberalismo. Para Elías (2015) a ofensiva do capital, que emergiu nos anos 1970, com as ditaduras na América Latina, expressa uma segunda fase na conjuntura neoliberal.

Un modelo económico con fundamentos neoclásicos, que expresa una clara orientación de mercado con apertura externa, asumiendo la teoría de las ventajas comparativas por la cual el libre mercado llevaría a la convergencia de las economías.

En lo relativo a la inserción internacional, se impulsa una apertura de la economía sosteniendo que el único crecimiento viable es el crecimiento hacia afuera, propone una tasa de crecimiento en las exportaciones capaz de permitir que la economía crezca. (ELÍAS, 2015: 46).

Assim, impõe-se que a América Latina adote política no seguinte sentido:

En esa misma dirección, plantea la importancia de captar inversión extranjera directa como aporte de capitales, conocimiento y tecnología, a la vez que propone la liberalización fnanciera con tasas de interés determinadas por el mercado, rechazando que se trate a las tasas de interés reales como una variable de política. Propone mejorar el funcionamiento del mercado a través de la desregulación y del respeto a los derechos de propiedad que “constituyen un prerrequisito básico para la operación efciente de un sistema capitalista” (ELÍAS, 2015: 47).

Os capitalismos dependentes possuem uma “restricción para una dinámica interna de acumulación, porque si una parte del valor producido por ellos es transferido, se crea una imposibilidad estructural de acumular internamente ese valor” (CARCANHOLO, 2015: 270). O que o neoliberalismo faz é aprofundar os mecanismos estruturais do capitalismo dependente, através da transferência de uma maior e crescente parte desse valor produzido. Para superar essa parcela transferida, a forma mais comum do capitalismo dependente, é aumentar ainda mais a exploração dos trabalhadores através dos mecanismos de superexploração.

Na década de 1980, o Brasil atravessa um momento de crise histórica. A falta de estabilidade política e econômica, a falta de confiança na moeda, em virtude de seus processos hiperinflacionários, e taxas de crescimento negativas. Esse período ficou conhecido tanto para o Brasil, quanto para a América Latina, de década perdida (CARCANHOLO, 2015).

Maciel (2011) aponta que apesar de políticas de cunho neoliberal já poderem ter sido observadas antes, apenas no Governo Collor, em 1990, o projeto neoliberal emerge como alternativa brasileira às crises enfrentadas na década de 1980. O que se implementou foi abertura comercial, especialmente na redução e privatização de empresas estatais. Para isso, realizou-se intenso discurso de combate à inflação, “herança dos anos 1970-1980”.

A inflação brasileira era entendida em três vias que precisavam ser combatidas: monetária, fiscal e inercial (SIMOSEN, 1985). As duas primeiras relacionam-se com a redução do Estado. A primeira observa a necessidade de limitar a expansão dos meios de pagamentos, cujo déficit comercial, da via fiscal, costuma representar o principal foco da expansão monetária. A via inercial era, no entanto, uma característica específica da economia brasileira ligada à indexação da economia e, portanto, à inflação de aumento de custos.

Enquanto o Brasil passara por uma série de planos na década de 1980, com aspectos mais ortodoxos, apenas quando se identifica a problemática e importância da inflação inercial para a economia brasileira consegue-se sugerir uma medida eficaz de combate inflacionário. Em 1994 o governo brasileiro propõe o Plano Real como medida de combate a inflação.

Esse plano propunha, através da Unidade Real de Valor (URV), uma metodologia de cálculo inflacionário, que considerava os índices do IPC, IPCA e o IGP-M, para coordenação prévia dos preços relativos. Assim, instituíram-se tabelas que relacionavam a moeda antiga, com a nova moeda criada, o Real, que possuía equivalência de um para um com o Dólar. Com isso poder-se-ia encerrar a capacidade dos agentes econômicos de indexarem, formal ou informalmente, seus preços e repassarem automaticamente seus aumentos de custos para os preços, desindexando a economia.

Apesar da forte abertura de mercado promovida desde o começo da década de 1990, as principais medidas do pacote neoliberal são implementadas somente a partir da idealização do Plano Real. A caracterização era de que a inflação era o principal problema a ser combatido na economia, e que os esforços do Banco Central e o Estado brasileiro deveriam estar centrados em gerar estabilidade, o que atrairia investimentos.

O Plano Real foi eficaz no combate à inflação, mas suas políticas precisam ser analisadas em sua totalidade e o que representaram para a classe trabalhadora brasileira. Para Ouriques (2013) o plano representava um pacto de classes, no qual setores do empresariado, nacional e estrangeiro e proprietários de terra juntos com sindicatos mais fortes do país organizados em torno da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A ideia vem de uma larga campanha ideológica para convencer os trabalhadores de que a inflação é de natureza ruim por si só.

A inflação é a princípio, em essência, uma estratégia de transferir riqueza das classes populares para a classe dominante (OURIQUES, 1997). Considerado por economistas como resultado de conflito distributivo, de fato a inflação gera instabilidade e desconforto para a burguesia mais consolidada que pretende resguardar sua própria renda.

Ouriques aponta ainda que:

Contudo, isto não nos impede de afirmar que em períodos de inflação alta os trabalhadores podem perder menos do que em períodos de inflação baixa, e é assim que podemos destacar o caráter mitológico do combate à inflação que, em nome de diminuir as perdas das classes subalternas, não faz mais que aprofundar sua exploração. (1997: 132)

O Problema da inflação não é necessariamente corroer parte da renda, apenas o faz se o poder de barganha sindical foi baixo. Exemplo são os trabalhadores industriais de São Paulo que tiveram aumento salarial real de 15% em 1992 e de 11,1% em 1993 como indicam a tabela I.

Tabela I

Taxa Aumento Salarial Real Anual dos Trabalhadores da Indústria de São Paulo comparada com aumento da inflação (1980-2005)

Ano Variação do aumento Salarial Real Taxa de Variação da Inflação
1980 4,5 99,25
1981 9,0 95,62
1982 11,5 104,79
1983 -4,8 164,01
1984 3,2 215,26
1985 13,4 242,23
1986 14,2 79,66
1987 -7,2 363,41
1988 8,5 980,21
1989 7,5 1972,91
1990 -12,0 1620,97
1991 -4,3 472,70
1992 15,9 1119,10
1993 11,1 2477,15
1994 9,5 916,46
1995 8,7 22,41
1996 5,5 9,56
1997 5,5 5,22
1998 4,6 1,65
1999 -1,6 8,94
2000 2,7 5,97
2001 -0,7 7,67
2002 1,3 12,53
2003 -3,8 9,30
2004 4,0 7,60
2005 0,1 5,69

Elaboração do autor com fonte no IPEADATA

Não há uma relação direta simples entre inflação e perda de renda por parte da classe trabalhadora organizada sindicalmente. O que há em períodos de grande inflação é uma redistribuição da renda, o que preocupa aqueles que estão mais centrados na estabilização do modelo, ou seja, a grande burguesia. A consequência negativa real para os trabalhadores em hiperinflação está menos relacionada, quanto mais organizados forem sindicalmente. O problema negativo são os pacotes de medidas que o governo poderá adotar para conter o processo inflacionário.

A política do Plano Real que tratou de gerar o caos em cima da propaganda contra a inflação e que, quaisquer medidas que o governo tomasse seriam melhores do que a inflação. O Estado brasileiro propõe uma série de medidas que aprofundam a dependência e aumentam a superexploração do trabalho.

O método da criação da URV serviu como um mecanismo de supervalorização cambial. Para Ouriques (2013) a tentativa de estabilizar a moeda através deste mecanismo mostra- se eficaz no curto prazo no controle da inflação, porque:

Para isso, elevam-se as taxas de juros como medida para atrair capitais, construindo um colchão de reservas necessário à estabilização, como também para equilibrar a conta de capitais. Para tornar mais atrativa esta entrada de recursos, afirma-se que a venda das estatais faz com que os capitais adquiram a forma de investimento produtivo e não apenas uma valorização financeira derivada das altas taxas de juros. Mata-se, portanto, “dois coelhos com uma cajadada”. Contudo, este “equilíbrio” permitido pela via das altas taxas de juros atua ao mesmo tempo contra a produção, com duplo efeito. O primeiro consiste em reforçar o processo denominado por alguns economistas de “financeirização da riqueza”, tornando sempre mais atrativo o investimento em ativos financeiros em relação à produção; o segundo, é que as altas taxas de juros comprometem a saúde financeira das empresas, em particular as pequenas e médias em primeiro momento, e finalmente, as grandes no médio e longo prazos. (OURIQUES, 1997: 133)

A ideia é tentar usar o capital externo como alavanca para tentar sair do processo inflacionário, no entanto os benefícios acabaram por se tornar do capital financeiro. Somado há essa política de controle inflacionário via aumento da dependência do capital financeiro externo, o discurso abordava, ainda, a redução da máquina pública.

A manutenção do Plano Real nos anos subsequentes vem com políticas de “ajuste fiscal”. A ideia da redução do déficit tanto na balança de pagamentos quanto o déficit público. O aumento das exportações era incentivado para aumentar o superávit na balança comercial diminuindo o impacto negativo na conta corrente (OURIQUES, 2013).

Do lado do déficit público, a proposta era cortar gastos sociais e do funcionalismo público principalmente através das privatizações de empresas estatais. “[...] umas das razões da inflação – quando não a mais importante – é o déficit público (OURIQUES, 1997: 135)”.

Para Biondi (2003) as privatizações contemplaram um verdadeiro desmonte do Estado, pois não contribuíram para reduzir o “rombo” e as dívidas do Tesouro. Chega-se ao final de 1999 com pagamento de juros na casa dos 130 bilhões. Além disso, Ouriques (1997) aponta ainda que as privatizações são realizadas muitas vezes com “moedas podres”, ou seja, títulos do próprio governo com valor de mercado rebaixado. O resultado é que ao contrário de reduzir, o processo aumenta ainda mais o déficit público a dívida pública se multiplica muitas vezes com o avanço das políticas neoliberais do Plano Real.

Os governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) promoveram um desmonte do Estado, mas não apenas isso, vincularam a uma abertura econômica que promoveu um aumento gigantesco da dívida externa. Nessa ligação, o aumento do déficit na balança de rendas que configura a dependência externa, em especial do capital financeiro especulativo. Paulani aponta:

A piora estrutural das contas externas do Brasil é certamente uma das mais perversas heranças legadas pelo governo FHC. A abertura externa estabanada, além de elevar a dependência externa do país em setores estratégicos como os de insumos básicos e bens de capital, produziu um substantivo estoque de capital privado nacional bom e barato que foi parar nas mãos do capital estrangeiro. [...], a balança de serviços é hoje muito mais pesada, por conta do aumento do déficit na balança de rendas, resultado inescapável da duplicação do passivo externo líquido do país. (2003: 64)

Nesse período, o déficit na balança de rendas (lucros, dividendos e juros) que era de US$ 11 bilhões em 1980, passa a ser de US$ 15 bilhões entre 1990-96 e de US$ 19 bilhões após 1997. Soma-se isso à necessidade de recorrer ao FMI em 2001 e 2002 para tentar reequilibrar as contas externas e temos um aumento da vulnerabilidade econômica (PAULANI, 2003). Aumenta-se a necessidade de exportar produtos primários em conjunto com a superexploração.

Governo PT e a manutenção do sistema

A expectativa dos trabalhadores num projeto que representasse uma mudança real na dependência brasileira e no desenvolvimento do país que fosse transmitido em ganhos reais à classe trabalhadora foi a eleição, em 2002, do primeiro governo que se propunha a lutar pelos seus interesses e que tinha afrente um operário. O Partido dos Trabalhadores (PT) surge como essa nova esperança, capaz de romper com o velho e promover vitórias e avanços sociais.

No entanto, Paulani (2003) caracteriza o governo do PT, em suas políticas econômicas, como TINA (There Is No Alternative – não há alternativa). A política econômica seja de direita, de esquerda ou de centro é fundamentada numa base técnica; neutra, como se houvesse apenas uma dicotomia entra a política certa e a política errada, irresponsável, utópica ou populista. Portanto, bastariam ajustes na esfera macroeconômica:

O spread bancário é alto? Mexa-se na lei de falências; a renda é mal distribuída? Basta “focar” os programas sociais e aumentar sua eficiência; e assim por diante. São intocáveis o ajuste fiscal “duro”, o juro real elevado, a política monetária contracionista, o câmbio flutuante, a livre movimentação dos capitais. (PAULANI, 2003: 59)

A única maneira de fazer política econômica seria realizar as políticas sugeridas pela via neoliberal, isto é, política monetária atrelada a metas inflacionárias, política fiscal aos superávits e a cambial é comandada pelo próprio mercado. A ideologia do discurso por trás dessa política econômica é a manutenção da “credibilidade”.

Paulani (2003) afirma que isso seria um engano, uma vez que atingida a pretensa “credibilidade” não se chegaria nunca o momento de se fazer uma política indutora do crescimento e do emprego. Nada mudou nas políticas fiscal e monetária. E aqueles que acreditaram que as políticas liberais do governo PT seriam temporárias e estratégicas, dada “a herança maldita” do governo FHC, estavam miseravelmente enganados.

As autoridades econômicas deixaram muito claro, desde o início da gestão Lula, que seria esse o modelo a ser seguido e que, portanto, a recuperação da economia do país, a retomada do crescimento e a redução do desemprego teriam que se encaixar dentro dessas regras ou então não se efetivariam. (PAULANI, 2003: 60)

Mas a quem serviria essa “credibilidade”, uma vez que qualquer política contrária a ela (como a promoção do emprego e do desenvolvimento) estaria fadada a ameaça-la? A “credibilidade” pela qual são exigidos pesados sacrifícios é necessária para manter a vulnerabilidade do país, não a sua estabilidade (PAULANI, 2003).

Gonçalves (2011) aponta que não houve no governo Lula nem grandes transformações, nem reversão de tendências estruturais e nem predominância de visão desenvolvimentista nas políticas de governo. Pelo contrário, apresenta uma estrutura de desindustrialização e dessubistituição de importações.

O que sugere que o governo Lula não só não rompeu com o modelo de “credibilidade” com foco nas metas de inflação e na política de criação de superávits, como aprofundou as relações de vulnerabilidade e dependência. Houve, para Gonçalves (2011) uma reprimarização da economia nas pautas de exportação, a necessidade de exportar a todo custo promoveu um aumento do setor primário e uma redução da produção de manufaturados no valor das exportações.

Tabela II

Reprimarização das exportações: Indicadores, 2002-10

Produtos segundo o fator agregado
Ano Básicos Semimanufaturados Manufaturados Total
2002 25,5 15,3 56,8 100
2003 26,6 14,9 56,1 100
2004 28,2 14,5 55,1 100
2005 29 14,3 54,7 100
2006 29,3 14,1 54,7 100
2007 30,1 13,8 54,2 100
2008 31,9 13,7 52,1 100
2009 34,7 13,7 49,4 100
2010 38,5 13,7 45,6 100

(Distribuição % do valor das exportações)

Gonçalves, 2011: 4.

Além disso, Gonçalves (2011) aponta ainda que há um aumento da dependência tecnológica. O déficit tecnológico, quando medido a diferença entre o valor das importações de bens altamente intensivos em tecnologia e de maior valor agregado, esse déficit passou de US$ 19 bilhões em 2002 para US$ 60,7 bilhões em 2010.

A essência desse movimento de desindustrialização e reprimarização, típicos no período neoliberal brasileiro, não se alteraram no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff (2011-2014). Espósito (2017) aponta que, apesar da diminuição relativa da indústria na composição do PIB brasileiro ter começado após o auge da década de 1980, os governos do PT não reverteram essa conjuntura, mas aprofundaram-na; e ressalva que ainda que a desindustrialização tenha ocorrido como um processo global, no Brasil essa relação ocorre de maneira mais intensa. Se comparada à produção industrial mundial: “Em 1980, o Brasil possuía 2,8% da produção mundial industrial, valor que decaiu para 2,0% em 1990, e depois para 1,7% nos anos 2000 – mantendo essa porcentagem, em 2010.” (ESPÓSITO, 2017: 126).

Para ter uma dimensão desta queda, a participação industrial, em 2013, era de 13,13%, enquanto em 1985, ano em que a o setor industrial atingiu a maior participação relativa, era de 35,88% do total. A participação industrial na atualidade encontra-se menor, inclusive, do que em relação a 1947, ano em que se iniciaram as pesquisas, quando essa taxa era de 19,89%. Isso significa que, na atualidade, a participação do setor manufatureiro apresenta-se quase 35% inferior ao que se observava antes da fase de maior impulsão do desenvolvimento industrial brasileiro. (ESPÓSITO, 2017: 126).

Essa queda, ainda segundo Espósito (2017), foi puxado pela principalmente pela indústria de transformação, o que é significativo, pois esta apresenta maior capacidade de agregação de valor e de desenvolvimento tecnológico. Os destaques negativos estão na indústria de veículos automotores que perdeu participação na indústria total brasileira de 11,36%, em 2011, para apenas 8,58% em 2014; e setores produtores de máquinas e equipamentos, em especial produtor de equipamentos de informática, caracterizados pela alta complexidade tecnológica.

A parcela do valor efetivamente adicionado pela indústria de transformação apresentou queda significativa no período analisado, saindo de 46,06% em 1996 para 41,70% em 2014. Quando se analisa a evolução pelas categorias de uso, observa- se que este movimento deu-se nos três grupos destacados [setores produtores de bens de consumo predominantemente não duráveis (GI), setores produtores de bens de consumo predominantemente intermediários (GII) e setores produtores de bens de consumo predominantemente duráveis e de capital (GIII)]. Contudo a queda ocorreu de modo mais intenso no GIII – saiu de 45,5% em 1996 para 38,7% em 2013 (ESPÓSITO, 2017: 130).

Qual a característica, portanto, do neoliberalismo para manter a estabilidade macroeconômica e garantir o crescimento? Isso deverá se concretizar com políticas ortodoxas ou heterodoxas; governos de direita ou de esquerda? Para Carcanholo (2015) a resposta é pouco importa, isso depende do ambiente conjuntural. O importante é manter as políticas em essência, as características de:

Todas las reformas estructurales del neoliberalismo, de su corazón, de su núcleo, las privatizaciones, los procesos de apertura comercial y fnanciera, los procesos de desregulación de los mercados principales, de trabajo, financiero, todo el paquete de reformas estructurales neoliberales, profundiza, aumenta los mecanismos estructurales de transferencia del valor producido en el capitalismo dependiente hacia las economías del centro capitalista mundial. Esto quiere decir que el neoliberalismo profundiza la característica estructural de las economías dependientes. (CARCANHOLO, 2015: 266)

É isso a que se propõem os governos do PT desde o primeiro governo, quando se assume que o principal papel do Estado seria, mantendo as políticas neoliberais do governo anterior, a economia focava apenas na manutenção das políticas monetária e fiscal restritivas de combate à inflação e com objetivo de obter superávits primários para garantir o pagamento dos serviços da dívida pública, aliados com fraca regulamentação cambial. Isso leva Carcanholo (2015: 279) a concluir que: “Dilma no hace un gobierno de izquierda porque esa nunca fue su propuesta. Y esa nunca fue su propuesta porque no está de acuerdo con la estrategia de desarrollo de los gobiernos del PT desde 2003, cuando asume la presidencia Luiz Inácio Lula da Silva.”

O que mudou foi apenas a conjuntura econômica mundial. Nos primeiros governos do PT, as maiores taxas de crescimento, sem pressões inflacionárias, junto com políticas sociais compensatórias se apresentam, mesmo sem modificar a estratégia política e econômica, porque o cenário entre 2001-2007 extremamente favorável. Esse cenário muda a partir da crise de 2008 e a resposta foi:

[...] el gobierno intenta contener los impactos de la crisis con la reducción de impuestos para algunos sectores productivos, la expansión del crédito para fnanciar el consumo de las familias y, con eso, garantizar mercados para la producción que buscaba mantenerse. Se trató de una tímida política económica anti-cíclica, no ortodoxa, pero aún dentro de la misma estrategia neoliberal de desarrollo (CARCANHOLO, 2015: 281).

Carcaholo argumenta, ainda, que

(i) la economía brasileña creció más que en periodos anteriores, pero comparada con las otras economías de América Latina y El Caribe, solo creció más que la economía haitiana; (ii) por la profundización de las reformas neoliberales (hechas durante todos los gobiernos del Partido de los Trabajadores), los problemas estructurales de la economía brasileña se agravaron (reprimarización de sus exportaciones, relativa desindustrialización y fuerte crecimiento del pasivo externo). De esa forma, cualquier reversión en el escenario externo coyuntural y los problemas estructurales crecientes, se manifestarían de forma agravada. (2015: 280-281)

Em suma, os governos petistas seguem a linha neoliberal, imposta à economia brasileira desde a década de 1990, aprofundam as relações do Plano Real e, ainda que com um discurso alternativo, de esquerda, representaram o agravamento das condições de dependência brasileira. Após a crise de 2008, quando a situação favorável da conjuntura mundial se reverte, e o capital exige aumentos na superexploração nos países dependentes, o Brasil, com o a manutenção do programa neoliberal, encontra-se vulnerável, com a economia em franca desindustrialização.

Conclusão

Os estudos que se afastaram da análise de classe dentro da sociedade acabaram por se manter na totalidade caótica. Quando as correntes desenvolvimentistas e cepalinas propuseram uma saída nacional e industrializante para a deterioração dos termos de troca, não entendem os motivos de, diante das relações de poder internacionais e dos organismos e instituições de pressão, ser impossível uma saída que não seja uma ruptura radical com o modelo apresentado.

O Estado brasileiro não representava um espaço de disputa entre estratos sociais, mas uma instituição de interesses das classes dominantes. A aliança que essas classes realizam com os projetos do imperialismo representam a chave da aplicabilidade do neoliberalismo na América Latina. No Brasil, em nome de uma “credibilidade” que atraísse capitais, reduziu-se o papel do Estado ao controle inflacionário.

A consequência foi um intenso processo de desindustrialização e reprimarização da economia a partir do neoliberalismo, na década de 1990. Esse processo que se iniciou com o governo Collor, foi aprofundado no Plano Real e nos governos FHC, e mantido, em essência, nos governos petistas.

A caracterização do Estado brasileiro, a partir de 2002, pode apresentar diferenças pontuais, porque houve esgotamento, nas relações com os trabalhadores, dos modelos privatizantes e de desmonte do Estado a partir das crises em 1999-2001.

A retórica do discurso do Partido dos Trabalhadores apresentava-se como alternativa de esquerda ao neoliberalismo. Mas suas diferenças foram pouco claras com os governos anteriores, uma vez mantida a estrutura geral dos pilares econômicos do tripé: das políticas fiscais, monetária e cambial. Em outras palavras, o discurso não impediu o governo de continuar o desmonte do Estado, as privatizações e o foco no controle inflacionário.

Quando as condições externas foram favoráveis, mesmo que se houvesse mantido a essência dessa política econômica neoliberal, foi possível crescimento econômico, ainda que limitado. Houve aumento de consumo via expansão do crédito, isto é, do capital fictício. Em conjunto com controle dos principais aparatos sindicais e movimentos populares, permitiu governabilidade aos governos petistas, ainda que com as políticas neoliberais.

Quando as condições externas mudam, com a crise de 2008, a situação de manutenção dessa política se esgota. Como houve aprofundamento do desmantelamento do Estado, e consequentemente a desindustrialização da economia; o Brasil tornou-se mais dependente e vulnerável às políticas e planos externos. Nesse caso, para tentar recuperar o crescimento, a economia dependente tende, ao exportar cada vez mais produtos primários, intensificar da superexploração do trabalho para compensar a deterioração dos termos de troca, isto é, a maior transferência de valor da economia periférica aos países centrais do capitalismo.

Qual a causa dos países serem dependentes?

Dependência econômica e tecnológica: isso é resultado da forte influência exercida pelas empresas multinacionais que são os principais centros produtivos nos países subdesenvolvidos, exemplo disso são as indústrias automobilísticas que são quase na totalidade estrangeira, em suma as economias dos países em questão ...

O que e dependência econômica de um país?

É o ato pelo qual uma pessoa declara ser responsável financeiramente por outra, sua dependente econômica.

Como e a economia dos países em desenvolvimento?

Países em desenvolvimento são aqueles que apresentam significativo crescimento econômico e social, industrialização recente e crescente, além de aumento expressivo no valor monetário dos bens produzidos (PIB).

Como podemos explicar a dependência dos países subdesenvolvidos em relação aos países desenvolvidos?

Os países subdesenvolvidos são caracterizados por apresentarem baixo desenvolvimento econômico e baixo nível de industrialização. Isso significa que esses países são economicamente dependentes em relação aos países desenvolvidos.