Qual foi a principal mudança proposta por John Maynard Keynes para modificar o cenário de crise nos EUA?

INTRODUÇÃO.

No período de 1929 a 1932, ocorreu o maior acontecimento do século XX, uma Grande Depressão, que colocou em risco a própria existência do capitalismo. O epicentro dessa grande crise foi a maior economia do mundo: os Estados Unidos da América (EUA). Nesse ambiente de pânico, causado pela crise financeira, que deu originou uma Grande Depressão nunca antes presenciada, os economistas neoclássicos de viés liberal, que constituíam o pensamento mainstream da época, ficaram distantes destes conturbados acontecimentos.

1 Este artigo é dedicado aos brasileiros que foram acometidos e sobreviveram a Covid-19. Todavia, um agradecimento especial deve ser dado aos grupos sociais mais afetados e vulneráveis do Brasil, que tiveram suas vidas ceifadas pela pandemia e, principalmente, pelo discurso negacionista, obscurantista e pseudo-liberal que assola o país.

O modelo teórico neoclássico situava-se entre simplesmente negar a existência de uma crise, ou atribuir o fenômeno como um mero desvio passageiro do pleno emprego, que tão logo o mercado trataria de reestabelecer pelas livres forças de mercado. É nesse ambiente que John Maynard Keynes – notável pensador do século XX – escreveu a sua Magnum opus: “The General Theory of Employment, Interest and Money”, também conhecida pelo título: “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” ou, simplesmente, Teoria Geral (TG), no ano de 1936.

De fato, Keynes (1936, 1973) procurou antecipar o contra-ataque que viria da ortodoxia liberal, principalmente da neoclássica. Todavia, desde 1926, Keynes havia realizado uma contundente crítica ao liberalismo clássico, isto é, o capitalismo do laissez-faire, em seu artigo seminal: “The End of Laissez-faire”, traduzido como: “O Fim do Laissez-Faire”. De modo geral, o liberalismo clássico é uma doutrina econômica criada pelos economistas clássicos, em especial Adam Smith, para defender a livre iniciativa do mercado com a entrada no século XIX.

O livre mercado ficou mais conhecido na França pela expressão “laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui-même”, que significa “deixai fazer, deixai ir, deixar passar, o mundo vai por si mesmo”. Nos termos de Adam Smith, portanto, existem leis da natureza ou como foi chamado “divina providência”, um poder capaz de dirigir o comportamento das relações econômicas em harmonia com os interesses da sociedade e de seus próprios objetivos, conduzindo essas relações para uma um estado de eficiência.

Keynes (1983), porém, preocupou-se em sistematizar uma teoria que não passaria desapercebida nos principais centros econômicos do mundo. A sua abordagem embora não socialista, mas sim de cunho estadista, mostrou-se singular frente às transformações do capitalismo moderno a partir do segundo pós-guerra mundial. Keynes foi, acima de tudo, um crítico ao liberalismo vigente em sua época, e um social democrata na acepção da palavra, pois procurou mesclar em sua teoria aspectos econômicos e sociais, acima de tudo.

Tendo esses prolegômenos na devida conta, pode-se adentrar no propósito mais importante desta pesquisa: compreender o papel do Estado e da social democracia – inspirada na teoria de John Maynard Keynes –, em tempos de pandemia de Covid-19, ante a gestão liberal do Presidente brasileiro Jair Messias Bolsonaro.

A Covid-19 é uma doença infecciosa causada pelo novo Coronavírus (SAR-CoV-2), que ataca fundamentalmente as vias respiratórias, provocando sérias complicações com amplas possibilidades de levar o enfermo a óbito. De uma contaminação em nível local até a sua proliferação em escala global, os efeitos da pandemia do novo Coronavírus foram reiteradamente minimizados por diversas lideranças políticas mundiais, que adotaram retóricas negacionistas, obscurantistas e reacionários em suas análises.

No Brasil, pode-se afirmar que os efeitos da pandemia do novo Coronavírus reverberam em implicações características de uma crise econômica com grandes repercussões no âmbito social. Diante da gestão nacionalista, autoritária e liberal do atual Governo brasileiro, comandada pelo Presidente Bolsonaro, urge resgatar o verdadeiro papel do Estado – como apregoado por John Maynard Keynes – no âmbito de uma social democracia, sob pena de uma conflagração no futuro e de uma grave crise econômica no pós-coronavírus.

Para alcançar esse objetivo, metodologicamente falando, o artigo fará uso de pesquisa do tipo exploratória-qualitativa. O artigo foi estruturado em quatro (4) seções, além desta introdução e das considerações finais; na seção dois (2), pretende-se investigar a gênese do individualismo e do liberalismo para Keynes, procurando compreender os fatos históricos do passado para uma análise contemporânea em tempos de pandemia; além disso, o papel do Estado, a importância do Welfare State e os fundamentos básicos para compreensão de uma social democracia serão amplamente debatidos; na seção três (3), a pesquisa propõe uma reflexão em torno dos problemas históricos brasileiros, tais como: desigualdade de renda, pobreza e desemprego, a partir de uma conjuntura de crise decorrente da pandemia do novo Coronavírus; por último, o artigo irá demonstrar como o Brasil tornou-se o epicentro da Covid-19 na América Latina e as prováveis consequências socioeconômicas em estratificações sociais mais vulneráveis.

1. A gênese do individualismo e do liberalismo para Keynes: um entendimento dos fatos históricos para uma análise contemporâneo em tempos de pandemia

Em primeiro lugar, o que se caracteriza individualismo e liberalismo do passado, isto é, dos séculos XVII, XVIII e XIX de acordo com a percepção de Keynes (1983), são, na verdade, questões públicas que tiveram origem no anseio inglês de transformações, e que resultaram das mais variadas matizes de pensamento. Keynes (1983) sempre contestou a afirmação, difundida propositalmente durante certo tempo, de que a ortodoxia inglesa exercia grande influência nos indivíduos, onde muitos estudiosos da época que, por quase total conformidade, concordavam com estas ideias, atribuindo a isto como um “milagre”.

De fato, o pensamento liberal exerceu considerável influência na narrativa clássica, no que se refere às ideias de escolhas individuais e de liberdade político-econômica. Keynes observa que:

No fim do século XVII, o direito divino dos reis foi substituído pela liberdade natural e pelo contrato social; e o direito divino da Igreja, pelo princípio da tolerância e pelo ponto de vista de que uma igreja é “uma sociedade voluntária de homens” que se reúnem de maneira “absolutamente livre e espontânea”. (1983: 106)

No contexto daquela época, acabou por entrar em cena os cálculos de utilidade no lugar das doutrinas antiquadas e, quanto aos efeitos que deram origem ao individualismo, meio século depois, estes acabaram partindo de princípios que influenciaram autores como John Locke⁴ e David Hume³, que deram origem a este conceito.

Sobre isso, Keynes afirma:

Os direitos individuais presumidos pelo contrato social, a nova ética, que não passava de um estudo científico das consequências do amor-próprio racional, colocavam o indivíduo no centro do mundo. (...) Essas ideias convergiam para as noções práticas dos conservadores e dos advogados. Elas forneceram um fundamento intelectual satisfatório para os direitos de propriedade e para a liberdade do seu titular fazer o que desejasse con-sigo e com o que era seu. Essa foi uma das contribuições do século XVIII

(2000), porém, é recomendável.

Ainda que a liberdade individual fosse vista como objeto central da discussão, Keynes defendia que:

O objetivo de promover o indivíduo era a disposição do monarca e da igreja; o resultado [...] foi o esforço da propriedade e da posse legal. Mas não demorou para que a sociedade se levantasse novamente contra o indivíduo. Paley e Bentham aceitaram o hedonismo útil das mãos de Hume e seus predecessores, mas o ampliaram na utilidade social. Rousseau tomou o Contrato Social de Locke e dele extraiu a Vontade Geral. Em cada caso, porém, a transcrição foi realizada por meio da nova acentuação da igualdade. (1983: 107)

Naquele contexto, havia uma tendência analítica que indicava uma convergência dos pensadores às questões extrínsecas que, de certo modo, contribuíram para a formação do pensamento que os deixaram notórios. Keynes, apesar disso, adverte que “esses filósofos não reconstruíram a paridade do eu e dos outros”:

Rousseau derivava a igualdade do estado da natureza. Paley, da vontade de Deus; Bentham, de uma lei matemática de indiferença. Dessa maneira, a igualdade e o altruísmo penetraram na filosofia política, da conjugação de Rousseau e Bentham surgiram tanto a democracia como o socialismo político. (1983: 108).

Com isso, era vendida a ideia pelos filósofos, pensadores e cientistas econômicos de que, caso não houvesse impedimentos, as empresas privadas prosperariam e maximizariam os seus proveitos. Isso fez com que as empresas competissem espontaneamente, sem qualquer tipo de intervenção, logo motivando e gerando “bem-estar” para a sociedade.

Entretanto, a noção de que não poderia haver intervenção era fundamentada na ideia de que essa “influência” não partisse do Estado, e que o seu papel seria restrito as questões regulatórias e limitado de forma rigorosa. O Estado não necessitaria intervir na vida social e econômica do país, deixando-a livremente ser decidida pela “competição” entre os cidadãos individualistas com capacidade e competência, motivados pela ideia de pretensão pessoal e prosperidade individual. Nestas condições,

Keynes dizia:

Por volta da época em que a influência de Paley e seus semelhantes estava diminuindo, surgem as inovações de Darwin, com sua teoria evolutiva com base na seleção natural, abalando os fundamentos da fé e dos socialistas fabianos como um movimento político e ideológico de caráter democrático, socialista reformista e não marxista criado em 1883 na Inglaterra. (1983: 109-110)

Keynes prossegue em sua argumentação:

Nada poderia parecer mais contrário do que a antiga doutrina e a nova– a doutrina que encarava o mundo como obra do divino relojoeiro, e a doutrina que parecia extrair tudo do Acaso, do Caos e do Passado Remoto. Mas, neste ponto, as novas ideias iam ao encontro das antigas. Os economistas ensinavam que a riqueza, o comércio e a maquinaria provinham da livre competição, e que a livre competição construíra Londres. Contudo, os darwinistas puderam avançar um pouco mais – segundo eles, o próprio homem resultara da livre-concorrência. O olho humano não era mais a demonstração de um desígnio, capaz de coordenar milagrosamente e da melhor maneira todas as coisas; ele era a suprema realização do acaso, funcionando sob condições de livre concorrência e de laissez-faire (1983: 110)

Percebe-se que, de certo modo, não era verdade que os indivíduos possuíam uma liberdade natural prescrita em suas atividades econômicas dentro de suas nações. Por isso, Keynes, afirma: “Nesta hora, talvez a principal tarefa dos economistas seja novamente a de distinguir a Agenda do Governo da Não-Agenda; e a tarefa complementar da política talvez seja a de imaginar formas de governo dentro de uma democracia, que sejam capazes de realizar a Agenda (1983: 06)”.

Os princípios gerais do capitalismo moderno, sobre os quais de tempos em tempos o liberalismo político-econômico é fundamentado, tem como ponto de partida o indivíduo e o livre mercado. Nesse ponto, o posicionamento de Keynes é bastante esclarecedor:

Não é verdade que indivíduos possuam uma liberdade natural prescrita em suas atividades econômicas. Não há um contrato conferindo direitos perpétuos àqueles que o têm sobre àqueles que adquirem. O mundo não é governado do alto de tal forma que o interesse privado e social sempre coincide. Não é administrado aqui embaixo para que na prática elas coincidam. Não constitui uma dedução correta dos princípios da economia que o auto interesse esclarecido sempre atua em favor do interesse público. Não é verdade que o auto interesse seja geralmente esclarecido; mas, frequentemente, os indivíduos que agem separadamente na promoção de seus próprios objetivos são excessivamente ignorantes ou fracos até atingi-los. A experiência não mostra que os indivíduos, quando integram um determinado grupo social, são sempre menos esclarecidos do que quando agem separadamente. (1983: 121)

Até por este motivo, Keynes é categórico em seu ponto de vista:

Assim, a experiência prática reforçava os raciocínios a priori. Esses argumentos serviram de base para que Keynes justificasse a sua preferência não por um laissez-faire puro e excludente de qualquer manifestação do Estado, mas pela participação conjugada das duas mais importantes instituições sociais do capitalismo moderno: o Estado e o mercado. (1983: 109)

Na (sub-)seção a seguir, será discutido o papel do Estado e a importância do Welfare State na esfera de atuação capitalista, particularmente no contexto brasileiro.

1.1 O papel do Estado e a importância do Welfare State no âmbito capitalista: a contribuição de Keynes

Um dos atributos marcantes da crítica de Keynes ao liberalismo é seu apelo à razão prática, pois para ele o liberalismo está errado porque “não funciona”. Deste modo, os axiomas liberais, tais como: 1º) livre flutuação de preços e salários; 2º) auto equilíbrio do mercado; e 3º) poupança indutora de crescimento econômico, acabam sendo superados pela visão de Keynes ante os fatos

Para Fonseca: “Keynes rejeita, portanto, argumentos dedutivos, apriorísticos ou explicita mente valorativos ao arquitetar sua construção teórica, cujo desaguadouro consiste na rejeição aos princípios liberais” (2010: 427). Cabe, porém, atentarmos incialmente aos principais pressupostos do liberalismo, que costumam ser apresentados em suas duas formas: o individual e social.

Para o liberalismo individual, a liberdade é caracterizada pela inexistência de compulsão e coação de poder nas relações sociais entre os indivíduos; em contra partida, o liberalismo social representa um novo conceito criado para defender a liberdade de todos os indivíduos pertencentes a uma sociedade capitalista. Nota-se que o liberalismo social consiste na defesa dos interesses de todos os indivíduos de uma dada nação, sendo que o mesmo aparece quando há ausência de oportunidades nos negócios, emprego, educação, saúde, saneamento e lazer, o que pode ser prejudicial para a liberdade de todos os indivíduos, ou seja, o liberalismo social é uma

filosofia política que enfatiza a colaboração mútua através de instituições liberais, em oposição à utilização do poder do Estado para resolver os conflitos e controvérsias políticas.

A plataforma de atuação político-partidária dos liberais sociais envolve uma forte defesa dos direitos humanos e das liberdades civis, embora combinando esta vertente ideológica com o suporte de uma economia capitalista em que o Estado desempenha, apenas, um papel regulador e garantidor do acesso aos serviços públicos, que proporcionam direitos sociais considerados fundamentais no âmbito de uma democracia.

O seu apogeu ocorreu no início do século XX, conforme Fonseca (2010), por dentro de uma conjuntura em que predominava na elite intelectual e econômica inglesa as ideias liberais, apesar das guerras e, até mesmo, após a crise de 1929. Foi, justamente, nesse contexto que surgiu o Welfare State, popularmente conhecido como Estado de bem-estar social, Estado-providência ou Estado social.

Nesse ponto não é viável discutir o Estado de bem-estar social, sem antes passar pela obra do seu maior defensor: John Maynard Keynes. A Teoria Geral (TG) de Keynes, escrita no ano de 1936, advém de um período histórico marcado por severos conflitos não apenas do período entre guerras, mas também de cunho político, ideológico, econômico e, principalmente, de repercussões sociais decorrentes do fenômeno da grande depressão ou Crash de 29, que ocorreu nos EUA.

Contrapondo os principais economistas do mainstream, junto aos vários liberais da época, que motivados pelo período de prosperidade dos Estados Unidos, e pela insignificativa taxa de 3,2% de trabalhadores desempregados, vociferavam sobre a “mão-invisível” da economia de mercado, Keynes lidava em seus estudos com uma Grã-Bretanha que passava por uma elevada recessão e uma crise de desemprego sem precedentes socioeconômicos.

Davidson (2011) observa que muitos especialistas no campo da época do grande Crash de 29, incluindo nomes como o economista Irving Fisher, ainda invocavam o liberalismo clássico para argumentar que os altos níveis de desemprego provocados pela crise de 1929 seriam deixados para trás, desde que o Estado não interferisse no mercado. Beaud em oposição, relata:

Essa crise que, na euforia dos anos 20, os economistas americanos estavam convencidos de que não poderia sobrevir. Assim, Irving Fisher, em 1928: “Nada parecido com um crash pode acontecer”; em 1929: “pode haver uma recessão no preço das ações, mas nada da natureza de uma catástrofe”; em 1930: “para o futuro imediato, pelo menos, a perspectiva é brilhante”. E a Harvard Economic Society, em novembro de 1929: uma “crise grave como a de 1920-1921 está fora de qualquer probabilidade”; (...). (1987: 263)

Temos então a primeira contribuição da teoria econômica de Keynes, pois como Davidson (2011) defendia, o desemprego persistente não era culpa dos desempregados ou da intransigência dos trabalhadores em aceitar salários mais baixos, nem tampouco uma imperfeição do mercado, a exemplo dos sindicatos ou monopólios. A causa, no entanto, era o desejo do público por liquidez imediata, e pelas propriedades singulares, mas essenciais do dinheiro e de outros ativos líquidos que o mercado de ações estava proporcionando até então.

É neste momento que o postulado mais importante da TG de Keynes ganha espaço não só no campo econômico, mas também no campo social: o Princípio da Demanda Efetiva (PDE). Keynes, em uma formulação original, já tinha explicitada a essência do princípio da demanda efetiva nos seguintes termos:

À proposição de que a oferta cria sua própria demanda, devo substituir pela proposição de que o gasto cria o seu próprio rendimento, isto é, um rendimento suficiente apenas para atender o gasto. Isso, veremos, é uma proposição mais geral do que a precedente. Esta formulação deve ser considerada no sentido de que uma variação no custo produção agregado será compensado por igual variação no gasto agregado, a última é consistente com a desigualdade entre variações no custo de produção e variações no gasto. (1978: 80-81 apud Carvalho e Carvalho, 2018: 228)

Em uma situação de retração da demanda e eminente crise, os empresários são forçados a fechar as fábricas, ocasionando diminuição da produção industrial, da renda do trabalhador, do consumo e endividamento das famílias, além de outros malefícios de ordem social como aumento da taxa de desemprego, da desigualdade e da pobreza, sobretudo em países vulneráveis.

Para Keynes (1996) é a baixa demanda de mercado pela produção, e não os monopólios ou outras imperfeições pelo lado da oferta, que deveriam ser vistas como a causa principal do desemprego persistente. Keynes demonstrou em sua TG que esse tipo de situação não pode ser corrigida pelas livres forças de mercado orientadas pela “mão invisível”.

A solução imediata do problema econômico com consequências sociais seria o governo, ou melhor, a “mão visível” do Estado intervir assumindo o papel de provedor da demanda agregada, isto é, a totalidade da demanda por setor de uma economia. Keynes sempre foi um crítico a maneira irrealista e vazia que das argumentações dos liberais:

Os teóricos da escola clássica são comparáveis aos geômetras euclidianos em um mundo não euclidiano, os quais, descobrindo que, na realidade, as linhas aparentemente paralelas se encontram com muita frequência, as criticam por não se conservarem retas, como único recurso contra as desastrosas interseções que se produzem. Sendo está a realidade, não há, de fato, nenhuma outra solução a não ser rejeitar o axioma das paralelas e elaborar uma geometria não euclidiana. A ciência econômica reclama hoje uma medida desse gênero. Precisamos desembaraçar-nos do segundo postulado da doutrina clássica e elaborar um sistema econômico em que o desemprego involuntário seja possível no seu sentido mais estrito. (1996: 54)

Sobre a forma de pensar de Keynes, Corazza acrescenta:

O pensamento de Keynes, portanto, reflete um momento de profunda crise do sistema capitalista. Sua teoria econômica, portanto, é basicamente uma teoria monetária da produção que incorpora a ação estatal como mecanismo de estabilização de uma economia essencialmente instável, tendente ao desemprego e as crises cíclicas. A crise que atravessava o capitalismo em seu tempo representava o fim de uma visão harmônica e auto regulável de um sistema que tendia espontânea e automaticamente para o equilíbrio de pleno emprego. Para Keynes, o capitalismo de seu tempo, ao contrário da visão individualista dos economistas que o precederam, era um mecanismo complexo e instável de acumulação de capital que, entregue a si mesmo, seria vítima de suas próprias crises. O Estado assume, então uma importância vital e sua ação é preconizada por Keynes em dois sentidos: o controle monetário e a “socialização dos investimentos”. (1983: 47)

O investimento para Keynes deveria ser tratado como grande propulsor do sistema econômico. Acontece que, por razões óbvias, ele é extremamente instável, pois depende da expectativa de lucro, e não há nada que assegure sua estabilidade. Sobre essa dinâmica na economia, Carvalho et al oferecem importante contribuição:

De início, é preciso compreender que a economia em si possui uma dinâmica própria, tanto o movimento ascendente – de expansão, crescimento, boom, portanto de prosperidade –, quanto o movimento descendente – recessão, contração, depressão, isto é, crise. Esses movimentos são de natureza cumulativa, ou seja, uma vez iniciados, não persistem indefinidamente no mesmo ciclo e acabam por trocar de lugar em algum momento. A manifestação de uma crise, quando da passagem do auge da expansão para o início da recessão, pode ser abrupta, como ocorre com a fase criticamente aguda em algumas pessoas que são surpreendidas pelo ataque de um novo vírus; enquanto a recuperação ocorre de forma não repentina e lenta em outros casos. (2020: 104)

Pela concepção de Keynes, fica perceptível que o capitalismo sem a intervenção do Estado será vítima do seu próprio ciclo de altos e baixos, em maior grau de um ciclo de crise. Nestas condições, o propalado liberalismo de mercado cedo ou tarde cairá, como tem-se observado no Brasil e a América Latina diante da crise da Covid-19. Com isto, Keynes se aproxima de uma teoria mais ampla que procura levar em consideração não só o econômico, mas também o espectro social.

De fato, tal perspectiva de abordagem sugere uma incapacidade de ajustamento de pleno emprego pelo mercado e a necessidade de adoção, sobretudo em tempos de crise, de políticas fiscais combinadas com políticas monetárias visando a estabilização, correção de falhas, diminuição da pobreza e desigualdade e, é claro, promoção do Estado de bem-estar social.

1.2 A importância do Estado no contexto social brasileiro: uma visão para além das políticas econômicas

No Brasil, desde o início da crise de saúde-sanitária, provocada pelo novo Coronavírus, o Presidente Bolsonaro tem incutido no imaginário do povo brasileiro um trade off desnecessário, que envolveu de um lado a “saúde” da economia e do outro a saúde da população. Talvez por desconhecimento, esquece o Presidente que muitas das decisões econômicas adotadas por agentes do mercado, em especial o setor empresarial, investidores e, também, os próprios trabalhadores que são, também, consumidores, estão ocorrendo em um ambiente de incerteza, instabilidade político-institucional e, principalmente, de risco de conflagração.

Carvalho demonstra que a incerteza não deve guardar qualquer tipo de associação com o conhecimento no presente ou no passado, nem com o futuro, já que no futuro, que ainda não chegou quando da decisão do agente econômico, não se tem conhecimento:

Por isso mesmo, não há sentido em tratar o significado de incerteza (ignorância em relação ao futuro) com as teorias de probabilidade objetiva ou subjetiva. De fato, quando os agentes tomam decisões, o que eles podem fazer é tratar os eventos que virão do ponto de vista das expectativas, mesmo sabendo que elas são apenas um recurso prático de pura tentativa de adivinhação quanto ao futuro. (2014: 387)

Keynes prossegue no assunto desferido contundente crítica quando diz:

(...) a teoria econômica clássica de ser em si mesma uma dessas técnicas bonitas e corteses que tentam abordar o presente abstraindo-se do fato de sabermos muito pouco sobre o futuro. [...] Todos os economistas clássicos ignoram a natureza exata da diferença que as suas abstrações fazem entre teoria e prática, bem como a natureza das falácias a que provavelmente são conduzidos. (1938: 112 apud Davidson, 2011: 06, tradução nossa)

Keynes, por sua vez, enfatiza o paradigma da incerteza e, por conseguinte, rejeita a flexibilidade de preços e salários, a liberalização dos mercados, a ideia de expectativas racionais, ou seja, a mínima atuação estatal que, inclusive, é defendida com entusiasmo pelo Ministro da Economia do Governo Bolsonaro, o Economista Paulo Guedes.

O Estado, por sua vez, continua sendo assaz importante no fornecimento de serviços públicos essenciais como educação, saúde, segurança, saneamento, transporte, dentre outros. No século passado, durante o processo de industrialização e “modernização” da economia brasileira, o Estado foi o principal responsável pelo planejamento, coordenação e investidor parceiro do setor privado e, ainda, investidor autônomo em infraestrutura de capital social básico e em empresas estatais. Mas muito pouco foi feito pela questão da redução das desigualdades sociais no país.

Logo, não parece crível estabelecer como prioritário um pseudo-liberalismo em tempos de pandemia, em especial quando se tem problemas relativos a pobreza, ao desemprego e a má distribuição de renda no país. Para Carvalho et al.:

Desemprego e pobreza contribuem para o agravamento da discriminação social de toda ordem: racial, etária, cultural e de gênero. Na ausência de um forte ataque, de forma a conduzir igual oportunidade de trabalho via programas sociais de combate à pobreza e o desemprego, uma solução, via mercado, poderá resultar em fracasso por razões óbvias. A persistência da pobreza no meio de um verdadeiro esmagamento da habilidade para produzir, constitui um problema econômico fundamental nas economias capitalistas [acometidas pelo Covid-19]. (2019, p. 04)

Por isso, é necessário a adoção de políticas públicas que possam reduzir a pobreza no Brasil em tempos de pandemia. O problema nacional recente, no entanto, trata-se de como materializar um programa social moderno para alcançar este objetivo, tendo sob orientação económica um governo de alinhamento liberal-conservador e autoritário. Para Keynes (1996), contudo, quanto maior a propensão marginal a consumir, maior será o multiplicador e, por consequência, maior distúrbio causará sobre o emprego uma variação do investimento. Isso poderá levar ao que Keynes chamou de “paradoxo da pobreza” em meio à abundância no sentido de que uma comunidade pobre, poupando apenas uma parte muito pequena de suas rendas, está muito mais exposta a flutuações violentas, como se vê na crise do Coronavírus, do que uma comunidade rica, na qual a poupança represente um volume maior da renda.

Nestes termos, Carvalho et al. defende que: “Na ausência de um bom programa social de combate à pobreza extrema não haverá solução(2019, p. 04). A pobreza social tem duas faces:

1º) a baixa renda privada das famílias; e 2º) a baixa qualidade do ambiente que empobrece mais ainda a todos”. Segundo Minsky (1975), além da baixa renda aquém do salário mínimo, o desemprego é, per si, uma fonte de pobreza. Uma maior participação do Estado brasileiro pode ser confirmada através da melhoria no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), sobretudo no período que se seguiu ao fim da ditadura militar conhecido como Nova República em 1985. O IDH é um indicador multidimensional que capta as mudanças sociais e econômicas de um território a nível nacional e subnacional. Logo, o desenvolvimento humano é o fim e o crescimento com distribuição de renda é o meio. O IDH é um índice sintético resultante da média simples de três sub-índices referentes às di-

Qual foi a principal mudança proposta por John Maynard Keynes para modificar o cenário de crise nos EUA?

A política fiscal se apresenta como instrumento fundamental na redução das desigualdades de renda, o que é medido pelo índice de Gini. Embora o sistema tributário brasileiro tenda para um certo retrocesso gerador de desigualdades, a história mostra que no período 2003-2009 a atuação do Estado brasileiro, via política fiscal, atenuou esse cenário. Silveira e Ferreira (2011) reforçam essa condição ao demonstrar a importância da progressividade do gasto social no Brasil, notadamente aqueles com educação, saúde pública e as despesas previdenciárias e assistenciais. Neste caso, o redirecionamento do gasto social para os extratos de renda mais pobres foi decisivo para a diminuição do Índice de Gini no Brasil.

No início do século XXI, conjugaram-se no país importantes avanços na redução da desigualdade. Isso deriva sobretudo de transferências e gastos sociais que impactaram diretamente na distribuição de renda e consequente expansão do consumo das classes mais pobres, majoritariamente na gestão do (ex-)Presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre 2004 e 2008.

Na realidade, o ganho proporcionalmente maior dos mais pobres, conforme ressaltou Giambiagi et al.: “(...) está relacionado aos programas sociais, com destaque para o Programa Bolsa Família (PBF), que foi criado em 2004 e concebido como um programa “focado” nas famílias de menor renda”. O referido autor vai além:

[...] o fato é que milhares de brasileiros ingressaram na “Classe C”, tendo está se tornado o maior grupo social, representando mais de 50% da população total. Para isso contribuiu o aumento da massa salarial e a democratização do acesso ao crédito, associado, no caso das classes mais baixas, a políticas públicas como a do “Crédito Consignado”. A ampliação do crédito popularizou o acesso aos bens, sendo essa também uma forma de aferir a redução da desigualdade. (2011: 230)

A Tabela 3(A) e 3(B) atesta essa tendência da redução da pobreza e da extrema pobreza nos estados das nove regiões metropolitanas do Brasil, no período 2005-2009, como resultado

imediato das ações de maior envolvimento do Estado na esfera econômica e social.

A Tabela 3(A) e 3(B) demonstra que os estados brasileiros do Ceará (15,54%), Paraná (13,16%) e da Bahia (12,86%) foram os que apresentaram as melhores taxas de redução da pobreza entre 2005 e 2009; já os estados das regiões metropolitanas de Pernambuco (7,84%), Bahia (7,34%) e do Pará (4,65) constituíram os estados que mais reduziram a taxa de extrema pobreza, de acordo com os percentuais entre parêntesis. É importante notar o efeito das transferências públicas na queda da desigualdade da renda no Brasil, o que tem proporcionado a redução da pobreza e da extrema pobreza no Brasil, como defendido por Hoffmann (2007) e Barros et al. (2007).

Contrariando esse fenômeno, o país avançou para uma retração dos gastos públicos desde 2015 frente à crise econômica⁴, desaceleração do crescimento e posterior aprovação do “teto de gastos”. Após transitar pela Câmara dos Deputados (PEC 241) e pelo Senado Federal (PEC 55), a Lei que estipula um teto para os gastos públicos foi aprovada e transformado em Emenda Constitucional 95.

Para Rossi e Dweck (2016), dois aspectos abrangem os resultados da Emenda 95: o impacto macroeconômico, considerando o fato de que o novo Regime Fiscal implicou uma situação de austeridade fiscal para os próximos vinte anos; e o impacto da medida nos gastos com educação e saúde do Governo Federal. Nessa análise, os referidos autores entendem que a Emenda Constitucional 95 não gera o tão mencionado crescimento econômico, mas em todo caso reduz substancialmente os gastos com saúde e educação.

Na atual conjuntura, a reforma fiscal proposta pelo Governo não consiste em um plano de estabilização fiscal, mas um projeto de redução drástica do tamanho do Estado. No aspecto macroeconômico, a reforma é uma barreira no que tange ao crescimento econômico, pois automatiza um ajuste fiscal permanente.

No Brasil da crise atual do novo Coronavírus, desde abril de 2020 o Decreto nº 10.316 alterou a guinada de austeridade que o país vinha seguindo, e regulamentou o uso e distribuição do “auxílio emergencial”. O auxílio emergencial consiste em um benefício mensal de R$ 600,00 para as famílias de baixa renda cadastradas em programas sociais do governo, trabalhadores informais e intermitentes, autônomos, microempreendedores individuais e desempregados.

O Estado brasileiro tem feito uso desse mecanismo para (tentar) movimentar a economia e, por conseguinte, criar uma espécie de “colchão de proteção social” em virtude da grave crise social que o Brasil enfrenta. Nestas circunstâncias, o Governo Federal resolveu prorroga-lo até dezembro. Os dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram uma retomada, embora heterogênea setorialmente e regionalmente, com efeitos significativos para o conjunto da economia brasileira. Nela, aproximadamente 43,9% dos domicílios brasileiros receberam o auxílio emergencial até agosto de 2020, sendo a média dos rendimentos no valor de R$ 901.

Este cenário, por sinal, foi suficiente para o país reduzir a extrema pobreza. Isso mostra o quão importante é a presença do Estado, e que o mesmo deve compensar as falhas do liberalismo de mercado através de políticas fiscais anticíclicas, como forma de mitigar os problemas econômicos que estão corroendo o tecido social.

O fato é que as implicações políticas, sociais e econômicas da teoria de Keynes proporciona ram o que hoje é conhecido como Estado de bem-estar social. É, definitivamente, uma alternativa capaz de moldar e transformar o capitalismo no Brasil, e prepará-lo para o enfrentamento em tempos de crise do novo Coronavírus.

Qual foi a principal mudança proposta por John Maynard Keynes para modificar o cenário de crise nos EUA?

Qual foi a principal mudança proposta por John Maynard Keynes para modificar o cenário de crise nos EUA?

1.3. Fundamentos básicos para a compreensão da social democracia em Keynes: elementos teóricos para o enfrentamento da ideologia liberal

Definitivamente, Keynes foi um intelectual preocupado com a questão social durante toda a sua vida. Ele foi, por assim dizer, um animal político, e exigia para a sua filiação partidária que o partido tivesse forte comprometimento social, com programa e filosofia política simpática e capaz de satisfazer os instintos gregários, práticos e intelectuais de uma maneira agradável, como deve ser um partido com perspectiva democrata, isto é, que não fique com a ideia de extrema esquerda de natureza revolucionária, ou de extrema direita com posicionamento conservador, com o intuito exclusivo de manter o status quo.

Em uma passagem do “Essays in Persuasion”, que trata a respeito de “Liberalism and La bour”, Keynes (1926) procurou demonstrar as razões pelas quais a economia não deveria ficar sob a tutela de um governo conservador durante muito tempo. Entretanto, também não acre ditava que o partido dos trabalhadores viesse a ser hegemônico no parlamento inglês. Para Fonseca, a marca emblemática do antiliberalismo de Keynes se deu pela não rejeição ao capitalismo:

(...) em várias passagens de sua obra, [Keynes] ressalta o papel do investidor, a importância da propriedade privada e da livre iniciativa como essenciais para uma sociedade mais justa e eficiente. Todavia, seu argumento é complexo, pois critica o especulador e, reiteradamente, propõe aquilo que os empresários mais repelem: controle do Estado em seus negócios, regulamentação e limites. (2010: 426)

De certo modo, Keynes (1983) considerava-se um homem de esquerda, não apenas por sua preocupação com a questão moral envolvendo distribuição de renda e equidade social, mas também por sua preocupação quanto ao futuro dos trabalhadores assalariados. Todas essas questões pesavam em sua análise em torno do papel do Estado e do mercado.

Indo além, o Estado regulador de Keynes (1983) pressupõe os partidos sociais democratas nas nações capitalistas com a presença de um Estado democrático. Persson lembra que:

Inspirado pelo plano do Presidente Roosevelt (New Deal) na grande crise do capitalismo – quando o valor da produção caiu pela metade e um quarto da força de trabalho do mundo ficou desempregada – Keynes já preconizava um Estado regulador da atividade econômica. (2010: 98)

Os sociais democratas, embora defendam a liberdade individual, não acreditam que uma liberdade real possa ser atingida sem que haja uma profunda transformação da própria natureza do Estado capitalista. Os verdadeiros sociais democratas rejeitam o marxismo bolchevista, pois pretendem alcançar os seus objetivos de crescimento econômico, distribuição de renda e redução da pobreza através da livre concorrência, sobretudo pelo processo político democrático assegurado constitucionalmente pelo voto universal nos Estados-nações livres.

Desta forma, a social democracia defende que o capitalismo necessita ser regulado pelo Estado para assim beneficiar a sociedade como um todo. A defesa de uma sociedade comunitária conduz à defesa de uma sociedade capitalista mais igualitária do que a pretendida pelos liberais individualistas. Na visão de Przeworski:

O fato é que os social-democratas logo descobriram nas ideias de Keynes, particularmente após o aparecimento de sua Teoria Geral, algo que necessitavam urgentemente: uma política distinta para a administração da economia capitalista. A revolução Keynesiana e isto é o que foi muniu os social-democratas com uma meta e consequentemente com a justificativa do seu papel governamental, e ao mesmo tempo transformou o significado ideológico das políticas distributivas que favoreciam a classe trabalhadora. (1988: 70)

No entanto, por trás do termo social democracia é possível identificar uma trajetória histórica e institucional que, inicialmente nas economias europeias, foi construído a partir de uma sucessão de processos políticos e econômicos próprios à sua história, e que foi influenciada por um tipo de intervenção pública iniciado na virada do século XIX para o século XX.

Com isso, ao traçar uma análise das experiências por meio das quais esse movimento na história foi estruturado, é possível afirmar que a primeira tentativa de unificação e construção de um Estado nacional foi liderado por Otto von Bismarck, na Alemanha; a segunda, seguiu-se ao prolongado esforço de revisão crítica das leis dos pobres e da reconstrução nacional do pós-guerra britânico, cuja a mudança pode ser observada através de diversas tentativas que, em alguma medida, pretendiam trazer uma atuação estatal mais firme. Algumas medidas citadas por Kerstenetzky marcaram esse momento:

O modelo alemão se enraíza no contrato de trabalho. Ele inaugura o seguro nacional compulsório, organizado por categorias profissionais, contra o risco de perda da capacidade de gerar renda por acidente, doença, invalidez ou idade. O seguro é financiado por contribuições de empregados, empregadores e, marginalmente, pelo próprio Estado. Já o modelo inglês se funda no status de cidadania e estabelece o direito a um padrão de vida mínimo para todos, financiado com recursos tributários, que se convencionou chamar seguridade social. (2012: 05)

Os dois modelos nascentes de proteção estatal foram fundamentais, estabelecendo o conceito de contrato de trabalho e uma primeira aproximação da cidadania. No entanto, relembra Belluzzo (1995), os acontecimentos que demonstram o início da “era keynesiana” foram motivados por turbulências e instabilidades nas décadas de vinte e trinta. É no pós-guerra que observa-se o desenvolvimento de novos paradigmas estatais como o componente social contido no New Deal dos Estados Unidos (1935) e na Red-Green Alliance da Dinamarca (1933), que abrangeram de forma mais extensa o contingente populacional de estratificações sociais mais vulneráveis.

Pierson (2006), a título de exemplo, sistematiza três (3) fatores que demarcam o surgimento do Welfare State, isto é, do Estado de bem-estar social. O primeiro deles ocorre pelo ingresso da seguridade social no país. Tal fato, assim como os demais, se deu prioritariamente nos países da Europa, e assinala o Estado de bem-estar social, já que representa o momento no qual o Estado firma um compromisso legal com a garantia e a cidadania de todos; o segundo é o sufrágio universal, permitindo o acesso à representatividade política e, sobretudo, a cidadania; o terceiro fator é o momento em que o gasto social público alcança o patamar de 3% do produto, o que marca a contrapartida da responsabilidade da gestão pública para com o seu povo.

O pós-guerra como período de sistematização do Estado de bem-estar foi, também, de vital importância frente à doutrina liberal que regia anteriormente as ações públicas. Para Kerstenetzky:

Sabe-se que esse modelo de intervenção se replicou em vários países da Europa e nos Estados Unidos. No entanto, a intervenção era em geral coercitiva, manifestando-se por meio de repressão à mendicância e compulsão ao trabalho dos fisicamente capazes, e de seletividade e condicionalidades na provisão de assistência pública aos incapacitados, então denominados “pobres meritórios”. (2012: 07)

É fato que as greves e constantes lutas coletivas, motivadas por uma nova onda de proteção social, contribuíram para uma expansão de direitos e justa proteção ao trabalhador. Os anos que se seguiram à segunda Guerra Mundial, entre 1945 e meados dos anos 1970 – de acordo com uma quase unanimidade da literatura especializada sobre o assunto – são conhecidos como os Golden Years, quer dizer, os anos dourados do capitalismo que evidenciaram, na época, um crescimento duradouro sustentado por um modelo de intervenção estatal que contrapôs a diminuição do gasto público, a livre iniciativa dos mercados, e o próprio modelo

liberal-conservador.

Kerstenetzky afirma: “(...) esse período pode ser caracterizado como a fase universalista, em contraste com a precedente ênfase nos trabalhadores e nos pobres”. Na prática, constatou-se um aprofundamento vertical de atuação estatal com cobertura e tamanho de benefícios públicos; e de vertente horizontal através de políticas públicas e benefícios econômicos(2012: 19).

Para Fonseca:

Coube a Keynes, discípulo de Marshall e formado na ortodoxia de Cambridge, ser o porta-voz da nova época, desapegar-se do passado e apontar para o novo. Sua construção teórica foi fortemente condicionada por este contexto conservador, saudoso dos tempos áureos do Império Britânico e, por isso, para alguns ela pareça “moderada”, muitas vezes “conivente” com o capitalismo e com base em argumentos excessivamente pragmáticos. Talvez com essa retórica perdesse em ênfase, mas ganhava em adesão e convencimento. De fato, seu pensamento difundir-se-á mais do que qualquer outro após a Segunda Guerra. A partir dessa, iniciou-se um período de forte crescimento sustentado, com interveniência estatal e relativa distribuição de renda: a “era keynesiana” ou “de ouro” consagrou a influência de seu pensamento, contrariando seus críticos cujo esforço consistia em restringi-lo a um teórico da crise ou intérprete da Grande Depressão. (2010: 428)

Na atual conjuntura brasileira, que atravessa um momento de dificuldade ímpar em sua história decorrente da pandemia do novo Coronavírus, e que o Estado precisa fornecer amparo socioeconômico adequado às pessoas mais vulneráveis, os pagamentos de transferências de renda, tais como auxílio emergencial, bolsa família e outras formas de seguridade social, precisam ser vistos pelos formuladores e gestores de políticas públicas – diga-se de passagem, grande parte deles ligados ao Poder Executivo –, como estabilizadores automáticos de auxílio de uma política fiscal de uso anticíclico, defende Carvalho et al. (2020).

No entanto, ao olhar para a história do Brasil, fica nítido que o ocorrido no tempo pretérito demonstra, de forma fidedigna, o desajuste do mercado e da ideologia liberal no tempo presente, sobretudo pelo impacto que a Covid-19 provocou nas maiores economias capitalistas do mundo. Mazzei reforça essa tese ao lembrar que:

O liberalismo clássico, o laissez-faire, teve o seu fim decretado pela grande recessão econômica ocorrida no final da década de 20, (século XX), em que a partir daí, admitiu-se a interferência moderada do Estado nas economias liberais (keynesianismo). (2008: 28)

Dillard corrobora essa tese ao dizer:

Por conseguinte, ao passo que a ampliação das funções estatais, implícita na tarefa de ajustar a propensão a consumir ao incentivo a investir, pareceria a um publicista do século XIX ou a um financista norte-americano contemporâneo um esbulho espantoso ao individualismo, eu a defendo, ao contrário, não só como o único meio praticável de evitar a destruição total das formas econômicas existentes, em seu conjunto, mas também como a condição do funcionamento satisfatório da iniciativa individual. (1982: 268 apud Mazzei, 2008: 28-29)

No século XXI, considerado o século das grandes crises do capitalismo contemporâneo, a tentativa vã de afastamento do papel do Estado mostrou-se falha, sendo a Covid-19 responsável direta por desnudar isso. É possível depreender que o caos socioeconômico instaurado no Brasil e nos Estados Unidos, citados como exemplos, só reforça a tese de que o liberalismo “tropeçou em suas próprias pernas”, e que o protagonismo do Estado precisa ser revisto.

Assim, para promoção de uma verdadeira social democracia é condição sine quan non ter um Estado forte. Esses elementos devem constituir um ponto de ruptura em tempos de discursos antidemocráticos, antiestadistas e majoritariamente pró mercado, como se tem observado no Brasil.

2. Lidando com problemas históricos em tempos de pandemia: desigualdade, pobreza e desemprego no Brasil

Para entender o quadro atual do novo Coronavírus e suas implicações socioeconômicas na sociedade brasileira é preciso, prioritariamente, resgatar fatos históricos para compreender que o fenômeno da desigualdade, da pobreza e como consequência o desemprego, são máculas históricas na construção do país.

O problema da desigualdade de renda e da pobreza remonta a história do período colonial, entre os séculos XVI e XIX. Para Carvalho et al. (2019), o fato do Brasil ter sido um dos últimos países escravagistas a colocar fim na escravidão, já revela a origem histórica da pobreza social do país. Além disso, a abolição da escravatura no Brasil, em 13 de maio de 1888, não foi acompanhada de uma reforma agrária capaz de distribuir terras para todos aqueles trabalhadores sem terras com potencial para serem agricultores.

Muito pelo contrário, não houve um esforço concentrado do Estado voltado para investimentos em áreas chaves, como educação (ou em distribuição de renda) em todos os níveis, também. Contudo, a tomada de consciência social da desigualdade de renda nos anos de 1970, período de crescimento econômico com elevadas taxas do Produto Interno Bruto (PIB), levou a constituição de vários estudos sobre a pobreza e a desigualdade de renda no Brasil.

Ainda que o crescimento econômico seja assaz importante para a geração da riqueza e a redistribuição de novas oportunidades de emprego e, consequentemente, de aumento da renda de uma determinada população, ele, por si só, não é suficiente para mudar a estrutura concentrada da renda na direção da redução das desigualdades de renda e, também, de equidade social. Nestas condições, a população que vive em estado de extrema pobreza geralmente não é assistida pelo crescimento do produto, mesmo quando este é caracterizado por altas taxas de PIB, como ocorreu no período do “milagre econômico” do Brasil.

Isso porque, muito embora a taxa de crescimento econômica tenha sido alta, na época do “milagre econômico”, não houve distribuição de renda, tão pouco redução da pobreza, já que os principais segmentos sociais beneficiados foram as elites, a classe média industrial, o agronegócio e o alto escalão da burocracia estatal. No período do regime militar – 1964-1985 –, a tese atribuída ao Ministro da Fazenda, o economista Antônio Delfim Netto, era de que o governo federal tinha de “fazer crescer o bolo para depois distribuí-lo”.

Esta tese, contudo, logo foi questionada pelos economistas desenvolvimentistas, capitaneada por Celso Furtado, Rômulo de Almeida e Américo Barbosa de Oliveira, que discordavam de que o crescimento econômico por si só conduziria a redução das desigualdades sociais. Consideravam que a participação de empresas estatais era fundamental para a industrialização e o desenvolvimento de projetos prioritários, tais como os de mineração, petróleo, energia, transportes, telecomunicações e indústrias básicas. Bielschowsky lembra:

Teoricamente estavam ligados, como os desenvolvimentistas do setor privado, a um ecletismo keynesiano e às teses cepalinas. Defendiam a industrialização por substituição de importações e contavam com a ampla participação do Estado na correção de desequilíbrios estruturais e na eliminação dos pontos de estrangulamentos do crescimento. (1988: 284)

Depois do longo período das “duas décadas perdidas”, como ficaram conhecidas as décadas de 1980 e 1990, as questões sobre o crescimento econômico, distribuição de renda e a erradicação da pobreza extrema voltaram a serem discutidas. Mesmo com o fim do regime militar no ano de 1985, houve pouco avanço na discussão dos problemas sociais nos primeiros anos da Nova República, pelo menos até 1994, ano do Plano Real, as políticas macroeconômicas foram direcionadas, tão somente, para o combate à inflação e dívida externa.

Essa relação, embora pertinente economicamente, deixou de levar em consideração o que é tão importante quanto: a questão da pobreza social brasileira. Isso porque a pobreza no sistema capitalista deve ser compreendida como problema social e, consequentemente, combatida por intermédio de políticas sociais. A pobreza social, que conduz ao pauperismo uma parcela da população de uma nação, torna-se dramática e visível na ausência de políticas públicas, por isso a pobreza tem duas fontes: o desemprego e a desigualdade de renda.

Na prática, o combate à desigualdade social e a pobreza devem integrar parte da agenda de qualquer governo preocupado com a dignidade humana e o Estado de bem-estar social dos seus cidadãos, como instituído pela Constituição de 1988. É evidente que o crescimento econômico de uma nação deve ser perseguido de forma permanente e incessante, em especial quando o crescimento econômico é acompanhado pari passu de distribuição da renda e redução da pobreza.

O desenvolvimento econômico requer, além do crescimento econômico do produto da economia, mudanças estruturais que promovam a geração de emprego, a distribuição de renda e a erradicação da pobreza. Conforme visto em Neri: “(...) o desenvolvimento deve estar associado não só com a geração de empregos e a distribuição da renda, mas também com a melhoria da qualidade de vida dos membros da sociedade e de liberdades substantivas dos seus cidadãos” (2005: 319).

O desenho das políticas de redistribuição de renda e de combate à pobreza no Brasil não é nada trivial. Isso porque a pobreza e a desigualdade, apesar de serem confundidas em alguns momentos do debate social, são dimensões que merecem tratamento e soluções diferentes. O problema da pobreza no Brasil não é só de carência de recursos públicos para a população humilde, mas de gestão e controle para que os recursos públicos dos programas de combate à pobreza cheguem às camadas mais humildes. Assim sendo, a questão dos gastos sociais para a população brasileira que vive em estado de extrema pobreza deve assumir um papel central na formulação, monitoramento e avaliação dos programas sociais, ainda mais em tempos de pandemia.

2.1. O Brasil como epicentro do novo Coronavírus na América Latina: implicações socioeconômicas em estratificações sociais mais vulneráveis

Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) representava uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a Covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia, ou seja, uma enfermidade epidêmica amplamente disseminada no mundo.

O novo Coronavírus (SARs-CoV-2) possui essa terminologia devido a sua aparência microscópica guardar grande semelhança com uma coroa. Ele apresenta um quadro clínico que varia desde infecções assintomáticas leves e moderadas, até quadros graves envolvendo problemas respiratórios, que podem evoluir para um óbito na falta de tratamento.

Segundo a OMS (2020), aproximadamente 80% dos pacientes com Covid-19 são assintomáticos, ou seja, são pessoas portadores da doença ou infecção, mas não demonstram sintomas; cerca de 20% dos casos podem requerer atendimento hospitalar, por terem apresentado dificuldades respiratórias, bem como podem necessitar de suporte ao tratamento de insuficiencia respiratória aguda ou crônica agudizada (suporte ventilatório ou ventilação mecânica).

De acordo com a OMS (2020), o diagnóstico da COVID-19 deve ser feito, basicamente, por profissional de saúde da área médica, que deve avaliar os seguintes critérios clínicos: 1º) Pessoa com quadro respiratório agudo, caracterizado por sensação febril ou febre, que

pode ou não estar presente na hora da consulta médica (podendo ser relatada ao profissional de saúde); 2º) Pessoa acompanhada de tosse ou de dor de garganta, ou coriza, ou dificuldade respiratória – o que é chamado de “Síndrome Gripal”; e 3º) Pessoa que apresentar desconforto respiratório e dificuldade para respirar, ou pressão persistente no tórax, ou saturação de oxigênio menor do que 95% em ar ambiente, ou coloração azulada dos lábios ou do rosto, o que caracteriza a “Síndrome Respiratória Aguda Grave” (SRAG).

Nesse contexto, está em curso uma variedade de medidas de combate e controle do processo de difusão do novo Coronavírus, seja em termos globais, ou no caso do Brasil em nível federal, estadual ou municipal. No limite, impõem-se restrições severas sobre mobilidade intra e inter países para que interações sociais sejam minimizadas, sob o risco de propagação do vírus.

Em tempos de pandemia, a OMS tem recomendado o distanciamento e o isolamento social como medidas no combate à disseminação da Covid-19. São ações que sob um olhar epidemiológico precisam ser seguidas, especialmente pelo grupamento de maior risco e incidência de mortalidade os idosos com mais de sessenta (60) anos, como confirma os dados acumulados do Boletim Epidemiológico Especial, Semana Epidemiológica (SE) 39, de 20 a 26/09/2020, disponível na Figura 1.

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O Boletim Epidemiológico Especial mostra que:

Entre os 138.608 óbitos de SRAG por Covid-19 notificados entre as Semana Epidemiológica (SE 08 e 39, 88.820 (64,0%) apresentavam pelo menos uma comorbidade ou fator de risco para a doença. Cardiopatia e diabetes foram as condições mais frequentes, sendo que a maior parte destes indivíduos, que evoluiu a óbito e apresentava alguma comorbidade, possuía 60 anos ou mais de idade. (2020: 35)

Na ordem, tem-se pacientes: 1º) Cardiopatas; 2º) Diabéticos; 3º) Doença renal; 4º) Doença neurológica; 5º) Pneumopatias; 6º) Imunodepressão; 7º) Obesidade; e 8º) Asma; 9º) Doença hepática e 10º) Doença hematológica. A Figura 1 confirma a relação dos grupos de risco para pacientes com mais de sessenta (60) anos e, também, adultos com menos de sessenta (60) anos.

No Brasil, essas restrições ocuparam a agenda de discussão dos três poderes: o poder executivo, legislativo e judiciário. Ao invés de atuar como representante do Estado guiando a nação para a confrontação adequado da pandemia, o chefe do Executivo, o Presidente Bolsonaro, resolveu criar um clima beligerante em tempos de pandemia. Merece destaque:

1º) O descredenciamento/desmobilização das medidas de isolamento e distanciamento social através de uma retórica reacionário e, acima de tudo, negacionista; 2º) Promoção de uma disputa política desnecessária e inoportuna com os demais representantes do Executivo, em especial Governadores e Prefeitos das Unidades Federativas mais afetadas (Estado do Amazonas, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo); e 3º) Tratamento das questões sobre a Covid-19 de forma polarizada ideologicamente, o que gerou um clima de instabilidade na pasta da saúda, resultando na demissão do Ministro Luiz Henrique Mandetta, e, recentemente, do seu substituto Nelson Luiz Teich⁶; e, por fim, 4º) Ausência de um “gabinete de crise” no momento que o país transformou-se no epicentro da Covid-19 na América Latina.

Há, porém, um forte clima de desacordo com o rumo das decisões da Gestão Bolsonaro. Cabe mencionar a nota pública do Conselho Nacional de Saúde, CNS (2020), ilustrando de forma visceral o preocupante estado das “coisas” na saúde pública brasileira quando diz:

(...) Saúde é uma política de Estado, não uma política de governo onde o(a) gestor(a) muitas vezes executa aquilo que deseja conforme seus interesses políticos, econômicos ou pessoais. Reafirmamos a defesa do SUS público, estatal, com financiamento suficiente e adequado às necessidades sociais, com participação social e garantia à proteção da população brasileira não só em momento de pandemia, mas em qualquer período da história.

A Figura 2 retrata esse cenário de falta de gestão, planejamento e transparência dos dados sobre a batalha contra a COVID-19. Os resultados encontrados, por data de notificação de 26/02 até 13/10, revelam que os meses de maio e junho fizeram com que o país entrasse na zona crítica de contaminação pelo novo Coronavírus. O ápice, porém, veio no mês de julho em Importar imagen decorrência do expressivo aumento do número de novos casos pelos estados do Brasil.

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A Figura 3 mostra os Óbidos de Covid-19 por data de notificação para o período de 26/02 a

Contabilizando os óbitos notificados de SRAG por covid-19 por mês de ocorrência, no mês de março ocorreram 690 óbitos, em abril 12.565, em maio 32.486, em junho 27.817, em julho 28.473, em agosto 23.296, e em setembro, até o dia 28, ocorreram 12.774 óbitos. O dia 22 de maio foi o com o maior número de óbitos confirmados por Covid-19 no Brasil até o momento, com um total de 1.157 óbitos ocorridos nesta data. (2020: 35)

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São resultados que demonstram a necessidade de ter Estado participativo e do mínimo de governabilidade democrática, elementos imprescindíveis para romper o status quo dos problemas atuais. Além disso, o populismo secular que tem sido empregado no Brasil para escamotear os problemas sociais, agora com muita mais ênfase pelo Governo Federal, precisa ser questionado pela sociedade civil organizada. Nas palavras de Carvalho et al.:

Diante de um quadro de muita desinformação, é importante esclarecer que a crise socioeconômica pela qual passa o Brasil, como consequência da COVID-19, nesse primeiro semestre de 2020, irá não só aumentar o desemprego, como também aumentar a desigualdade social e diminuir o crescimento econômico, bem como comprometer os esforços de recuperação econômica para o ano de 2021. (2020: 107)

A Figura 4 detalha o número de novas mortes em decorrência da Covid-19 – por 100 mil habitantes – nos países mais afetados do mundo⁷. Na América Latina, a título de exemplo, o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking geral. Tal situação reflete – em parte – a falta de percepção democrática do Poder Executivo, em especial do Presidente brasileiro para lidar com a pandemia.

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Contudo, um olhar mais atento ratifica o Brasil não só na liderança de registros de mortes por Covid-19, como também com o maior número de casos registrados (acumulado) em toda a América Latina (e o terceiro no mundo), como assegura a reportagem elaborada pela BBC Brasil, a partir da fonte de dados científicos da Universidade Johns Hopkins:

Se considerarmos os números absolutos de mortes registradas em cada país (até 02/10), a lista é bem diferente. Os Estados Unidos estariam no topo, com 207 mil óbitos, seguidos por Brasil (144.680), Índia (99.773), México (78.078), Reino Unido (42.292), Itália (35.918), Peru (32.463), França (32.034), Espanha (31.973) e Irã (26.567). (...) E os países com maior número de casos registrados são Estados Unidos (7.279.065), Índia (6.394.068), Brasil (4.847.092), Rússia (1.188.928), Colômbia (835.339), Peru (814.829), Espanha (778.607), Argentina (765.002), México (748.315) e África do Sul (676.084). (BBC Brasil, 02/10/2020).Os dados mais recentes⁸ da Universidade Johns Hopkins assinalam que na América Latina e Caribe houveram mais de dez (10) milhões de casos do novo Coronavírus com mais de 372,193 mil mortes. O destaque negativo, não obstante, vai para o Brasil na liderança com mais de 150.998 mortes; seguido por México com 84.420; Peru com 33. 419; Colômbia com 28.141 mortes; e Argentina com 24.572⁹. O mapa contido na Figura 5 revela a real dimensão do Brasil como epicentro do novo Coronavírus na América Latinar ao liderar, também, o número de casos registrados de Covid-19 com 5.113.628 infectados, acompanhado da Argentina com 917. 035, Colômbia com 924.098, Peru com 853.974 e, por último, México com 825.340.

Qual foi a principal mudança proposta por John Maynard Keynes para modificar o cenário de crise nos EUA?

Universidade Johns Hopkins, agências nacionais de saúde públicas, 2020.

Nesse contexto, ao recuperar a contribuição teórico-histórica das seções anteriores, pode-se constatar que a ausência de capital social básico e infraestrutura socioeconômica do passado, agora cobra o seu preço ao revelar velhas anomalias no presente como, por exemplo, a inexistência de estrutura médica nas capitais e interiores do país; ou hospitais públicos e particulares quase entrando em colapso por excesso de pacientes, falta de leitos e medicação, entre outros problemas.

Como visto, a falta de percepção democrática por parte do staff do Governo Federal, em particular do próprio Presidente Bolsonaro, reflete um negacionismo desnecessário com implicações negativas até hoje. Na realidade, o problema da busca por uma explicação plausível para a crise atual é muito mais importante do que aquela associada tão somente à crítica dos erros cometidos pelos “policy makers”, que esqueceram-se das lições do passado, os quais defendiam a ideologia de eficiência dos mercados e do Estado mínimo.

De fato, essa pandemia vai muito além nos seus efeitos e consequências por caracterizar-se como sendo uma crise de cunho social, que não escolhe classe, mas reverbera com muito mais intensidade na camada mais humilde, pobre e vulnerável de um Brasil historicamente desigual. Ao leitor despercebido, é preciso incluir nesta lista de pessoas desfavorecidas outros grupos que estão sendo duramente castigados pela Covid-19 no Brasil, tais como: indígenas, povos da floresta, comunidades ribeirinhas, quilombolas, entre outros que são notoriamente excluídos, seja no meio urbano ou rural, por questões de gênero e raça.

Hordge-Freeman e Chagas trazem à baila uma necessária reflexão em torno dessa desigualdade ao comparar a situação da população negra no Brasil e nos Estados Unidos10:

O Brasil é o maior e mais populoso país da América do Sul, com uma população de aproximadamente 210 milhões. A população negra constitui a maioria dos habitantes do país, representando 51,1% da população total. Por outro lado, os Estados Unidos possuem uma população total de 328,2 milhões, sendo que a parcela negra representa apenas 12,1%. Uma comparação entre esses países pode, inicialmente, parecer incomum, especialmente porque historicamente esses países foram retratados como modelos contrastantes de raça e racismo. Por exemplo, um sistema de classificação racial e as leis de Jim Crow nos EUA, muitas vezes, foram justapostas ao contexto de mistura de raças, e as manifestações veladas e sofisticadas do racismo no Brasil. No entanto, o impacto contínuo da pandemia de COVID-19 no Brasil e nos EUA sugere que, embora existam diferenças, as comunidades negras em ambos países apresentam condições sociais semelhantes, tornando-as muito mais vulneráveis ao vírus do que suas congêneres nacionais. (2020: 01)

No Brasil, a desigualdade racial – manifestada no racismo estrutural foi agravada pela pandemia do novo Coronavírus. A pesquisa realizada pela “Agência Pública” com base nos boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde, que possuem informações de raça e cor de internações e mortes por coronavírus, identificou que o número de óbitos em decorrência do novo Coronavírus cresceu cinco (5) vezes mais entre negros do que entre brancos, para o período de 11 a 26 de Abril de 2020.

A Figura 6 apresenta os resultados de uma pesquisa desenvolvida por quatorze (14) pesqui-

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Para Batista et al., idealizadores desse estudo científico:

O percentual de pacientes pretos e pardos que vieram à óbito (54.78%) foi maior do que os brancos (37.93%). Estes números levantam uma série de questões que buscam explicar essa diferença, incluindo desigualdades sociais, diferenças de pirâmide etária e distribuição geográfica11.(2020:04)

Hordge-Freeman e Chagas, (2020: 01) acreditam que: “No Brasil, o vírus tem sido desproporcionalmente mais letal para a população negra”. Este cenário revela a necessidade do Estado fornecer um amparo maior para estes brasileiros em situação de vulnerabilidade social. Nas palavras de Hordge-Freeman e Chagas:

Essas disparidades raciais não são coincidências, estando, entretanto, relacionadas com as condições sociais e econômicas semelhantes, enraizadas no racismo. Por exemplo, uma proporção significativa da população negra do Brasil vive em comunidades empobrecidas (favelas), áreas residenciais densamente povoadas e marcadas por altos índices de vulnerabilidades. Nos Estados Unidos, os negros americanos também têm muito mais probabilidade de residir em áreas densamente povoadas e caracterizadas por pobreza (resultado direto da segregação residencial e práticas racistas de moradia). [O fato é que] Nos dois países, a vulnerabilidade

Qual foi a principal mudança proposta por John Maynard Keynes para modificar o cenário de crise nos EUA?

Diante da progressiva e inevitável deterioração das relações humanas nos mais variados grupamentos sociais deste país, a forma institucional de tratar a relação mercado e Estado deve, por hora, superar a velha dicotomia que os coloca em campo contrário, pois como enfatiza Carvalho et al. (2020: 117): “(...) preservar a saúde e a vida do povo [brasileiro] sempre será mais importante que qualquer resultado econômico, qualquer trade off, ainda que a pandemia esteja afetando a psique humana”.

Em virtude da desigualdade social, que assola o Brasil nesse período de pandemia, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), como consta na reportagem de Stevanim (2020: 10), publicou uma série de importantes notas técnicas recomendando às autoridades brasileiras: “(...) a necessidade de proteger contra os impactos da covid-19 principalmente os grupos em situação de vulnerabilidade ou em risco, como pessoas em situação de rua, com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, com deficiência, vivendo com HIV/aids, LGBTI+, população indígena, negra e ribeirinha e trabalhadores do mercado informal, como catadores de lixo, artesãos, camelôs e prostitutas”.

O Editorial da revista Radis, vinculada à Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz, Rocha vai ao encontro do posicionamento da CNS quando afirma:

A expansão da pandemia de Covid-19 pelas favelas, periferias e interiores do Brasil escancarou a perversa desigualdade social e econômica entre as classes sociais, naturalizada e aceita por grande parte da sociedade e das instituições do Estado, o que representa uma barreira às recomendações de higiene básica, distanciamento físico e permanência em casa. (...) A violência crônica nas periferias é uma epidemia adicional no interior do país. Em 2019, aumentaram em 22% as ameaças de morte e 14 % os assassinatos de trabalhadores do campo, indígenas, quilombolas. O terror acompanha o desmatamento que cresceu 51% nos últimos meses. Nas áreas indígenas, a invasão por garimpeiros e madeireiros e a incursão de missionários representam a propagação de doenças. As populações indígenas em todo o Brasil estão entre as mais vulneráveis na pandemia. “Ficar nas aldeias” será seguro se a sociedade e o Estado garantirem o direito dos povos originários à sua terra. Ainda assim, o desmonte do subsistema de indígena de saúde os deixam desassistidos. (2020: 03)

O reflexo deste descaso às populações indígenas do Brasil é confirmado através da Figura 7. No período de 30/03 a 12/10 de 2020, houve um aumento expressivo do número de indígenas mortos pela Covid-19.

Qual foi a principal mudança proposta por John Maynard Keynes para modificar o cenário de crise nos EUA?

As informações obtidas através das Organizações Indígenas de base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), frentes de enfrentamento à Covid-19, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, e do Ministério Público Federal, mostram que até 21/10/2020 foram computados: 37.349 casos confirmados de Covid-19 em terras indígenas; deste montante houveram 857 óbitos indígenas; e 158 povos afetados.

O debate central acerca da relação entre renda, trabalho e provimento estatal, perpassa em verificar os últimos dados sobre o mercado de trabalho brasileiro, que já vinha sofrendo com uma forte recessão econômica. A Figura 8 procurou monitorar as transformações ocorridas no mercado de trabalho brasileiro durante a pandemia. Os resultados revelam uma profunda heterogeneidade estrutural entre os estados brasileiros.

Embora a menor taxa entre os estados seja acima de 8%, o que indica uma generalização do desemprego no país, a pandemia impôs principalmente aos estados do Norte e Nordeste os choques derivados de seus efeitos. A Figura 8 indica que a maior taxa de desocupação do mês de agosto de 2020 ficou concentrada nos estados da Bahia (18,1%) e Maranhão (18,1%), ambos no Nordeste, seguido dos estados do Amazonas (17,9%) e Amapá (17,1%) na região Norte. Ao passo que Sul e Centro-oeste apresentam as menores taxas, como o Estado de Santa Catarina (8,2%).

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Os resultados da Figura 9 mostram que o rendimento médio real apresentou-se menor na região Norte e Nordeste. Neste caso, uma parte expressiva dos estados brasileiros apresentaram rendimentos médios do trabalho abaixo dos R$ 1.800,00, como o Distrito federal (R$ 3.846), São Paulo (R$ 2.639), Rio de Janeiro (R$ 2.504) e Rio grande do Sul (R$ 2.257), que posicio- naram o eixo centro-sul em um cenário desigual em relação ao Maranhão (R$ 1.327), Alagoas (R$ 1.412) e Pará (R$ 1.593), que foram muito afetados pelos problemas de pouca estrutura na saúde.

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Isso resultou em uma mudança significativa no rendimento, segundo os dados da PNAD Covid-19 do mês de agosto, embora 69,6% da população não percebeu alteração em seus rendimentos, 27,0% das pessoas ocupadas tiveram rendimento menor do que o normalmente recebido e apenas 3,4% teve rendimento maior do que o normalmente recebido, que significa que um total, 1,6 milhões de pessoas ocupadas e afastadas deixaram de receber remuneração.Isso ocorreu sobretudo pelo afastamento do trabalho, que mais uma vez, não advém de um possível trade-off entre saúde da economia e saúde da população, como confirma o Gráfico 1.

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Dessa forma, a taxa de desocupação (Desocupados/Força de Trabalho) divulgada pelo IBGE (2020), saltou de 10,5% no período de 03/05 a 09/05, atingindo o máximo de 14,4% de 13/09 a 19/09. Nota-se que, ainda que não seja competência única e exclusiva do Executivo, cabe ao Estado brasileiro, de forma geral, atuar como emprestador de última instância para atenuar os efeitos da pandemia do novo Coronavírus, sobretudo para induzir um processo de recuperação socioeconômica na fase pós-pandemia. Hervé Théry – geógrafo político francês radicado no Brasil – tem estudado com profundidade o processo de expansão da Covid-19 no Brasil.

Em seu artigo publicado recentemente, Théry resolveu apresentar uma perspectiva diferente de diagnóstico da difusão do novo Coronavírus pelo Brasil, por intermédio de uma anamorfose geográfica que representa, nas palavras de Théry (2020: 01, tradução nossa): “um mapa onde os territórios são distorcidos de acordo com uma característica estatística”. Ver Figura 10.

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Segundo Théry, a partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confere a seguinte análise para a Figura 8, tomado emprestado do seu artigo para efeito de pesquisa, à saber:

(...). Este mapa é usado aqui para apresentar o número de casos confirmados e mortes. Apresenta três áreas críticas, o Nordeste, o Sudeste (principalmente Rio de Janeiro e São Paulo) e o estado do Amazonas. As duas primeiras também são as regiões mais populosas, por isso há alguma lógica de que elas são as mais afetadas. A alta contaminação no estado do Amazonas, especialmente em Manaus, talvez esteja relacionada à presença da zona livre onde muitas empresas asiáticas estão localizadas, as viagens de retorno de seus expatriados podem ter importado o vírus. (2020: 01-02, tradução nossa)

Théry continua:

A análise de mapeamento parece, portanto, propor à seguinte con- clusão: além do caso do Amazonas, provavelmente explicada pelas re- lações econômicas com a Ásia, dois fatores parecem correlacionar-se fortemente com a distribuição de casos e óbitos no Brasil, por um lado condições sociais e pobreza, por outro a importância das igrejas evan- gélicas. É compreensível como a pobreza é um fator no agravamento da crise, especialmente porque esse fator desempenha um papel na maioria dos países, tanto na América Latina quanto na América do Norte. Mas por que uma alta proporção de evangélicos é um fator para piorar o contágio? Porque muitos deles negam a gravidade da epidemia, continuam a man- ter seus cultos pensando que a proteção divina será suficiente para evitar que eles adoeçam (2020: 05, tradução nossa)

Neste caso, é preciso levar em consideração algumas máculas históricas no país, já discutidas nas seções anteriores, envolvendo falta de educação, violência, racismo estrutural, aumento do desemprego, pobreza, miséria, além de outros componentes econômicos, políticos e sociais. Existe, ainda, uma situação muito mais grave: a falta de oportunidades, sobretudo nos rincões mais afastados do Brasil – região Norte – que historicamente lidam com as consequências da desigualdade social, sem perspectiva de melhoria e ausência (quase) por completa do Estado.Um dos problemas centrais da constituição socioeconômica de determinados países pelo mundo – e o Brasil não é diferente – foi determinar o que o Estado deveria tomar a si para dirigir – se pela sabedoria pública, e o que o Estado deveria deixar, com interferência mínima, ao exercício dos indivíduos. Keynes defendia o seguinte posicionamento:

Creio que, em muitos casos, o tamanho ideal de unidade de controle e organização esteja em algum ponto entre o indivíduo e o Estado moderno. Sugiro, portanto, que o progresso reside no desenvolvimento e reconhecimento de entidades semiautônomas dentro do Estado – entidades cujo critério de ação em seus próprios campos seja unicamente o bem público, tal como elas o compreendem; e de cujas deliberações estejam excluídos os motivos das vantagens particulares, embora ainda possa ser preciso deixar-lhes algum lugar até que se amplie o âmbito de altruísmo dos homens, para o proveito isolado de grupos, classes ou congregações específicas –, entidades que, no curso habitual da vida social, são basicamente autônomas dentro das limitações que lhes são prescritas, sendo porém su- jeitas, em última instância, à soberania da democracia expressa através do Parlamento. (1983: 120-121, grifo nosso)

Como se vê, a desigualdade social brasileira criou um entrave adicional neste contexto de pandemia: como dar o suporte necessário para pessoas que são, historicamente, excluídas do sistema.

Nesse contexto, observa que:

A perversidade da sociedade liberal poderia ser encontrada no momento em que a seleção natural de Darwin colocou em voga a competição. Somente os mais eficientes produtores e comerciantes conseguiram se satisfazer de seu amor ao lucro. No entanto, Keynes distinguiu que a conclusão à qual os indivíduos que agem de maneira independente para o seu próprio bem produzem maior volume de riqueza depende de uma série de pressupostos irreais, com relação a inorganicidade dos processos de produção e consumo, à existência de oportunidades adequadas para obter

esse conhecimento prévio (Silva, 2019: 60)

Assim, para Keynes: “(...) ainda esperar que essa conduta darwinista e laissez-faireana tragam felicidade para todos é um equívoco (...)”, por isso:

Se levarmos a sério o bem-estar das girafas, não devemos menosprezar o sofrimento das de pescoços mais curtos, que morrem de fome, ou as folhas doces que caem no chão e são pisadas na luta, ou na super alimentação das de pescoços compridos, ou o mau – olhado de angústia ou cobiça agressiva que anuvia os semblantes suaves da multidão. (1983: 118 apud, Silva, 2019: 60)

Consideraçoes finais

De início, é preciso destacar que o objetivo do artigo: compreender o papel do Estado e da social democracia – inspirada na teoria de John Maynard Keynes – em tempos de novo Coronavírus, perante a gestão liberal do Presidente Bolsonaro, logrou êxito em sua empreitada. A estrutura metodológica da pesquisa, interligando um resgate histórico ao passado com fatos contemporâneo relevantes no presente, possibilitou demonstrar o alcance da teoria de econômica de Keynes com alto comprometimento social, não só econômico.

Pode-se constatar a importância da teoria de Keynes no âmbito de uma social democracia, para uma sociedade capitalista, que possui um Estado regulador da economia por meio de políticas socioeconômicas. As principais conclusões dizem respeito à importância histórica e os significados teóricos do fim do laissez-faire e da importância do Estado de bem-estar. A análise crítica do liberalismo social e individual permite chegar à conclusão de que os indivíduos não possuem uma prescritiva liberdade natural das atividades econômicas.

Isso porque certos problemas no sistema capitalista, como o que está em voga decorrente da crise do novo Coronavírus são típicos do capitalismo. Keynes (1996) defendia que o fenômeno da crise é uma das características particulares de um ciclo econômico, admitindo-se que este é inerente ao próprio capitalismo em escala mundial.

Infere-se que uma crise acontece, precisamente, no momento da transição da fase de prosperidade (boom) para a fase de recessão (crise). Após ser consolidada, a crise, inicia-se então o período de recessão rumo à depressão com chances de a economia estagnar, ou se recuperar, movendo-se novamente para um (novo) ciclo de expansão em direção ao auge, outra vez de prosperidade econômica.

A pesquisa pode constatar a transformação do Brasil em epicentro da Covid-19 na América Latina, o que ocasionou múltiplos impactos socioeconômicos nas estratificações mais vulneráveis. Segundo dados do IBGE (2020), a pandemia decorrente do novo Coronavírus resultou em 154.888 brasileiros mortos12, e fechamento de mais de 7,8 milhões de postos de trabalho no Brasil no primeiro semestre de 2020, o que por tabela aumentou o endividamento das famílias e diminuição significativa da renda.

O resultado em termos econômicos é que o Brasil está em recessão com amplas possibilidades de vivenciar uma depressão no futuro, se mantiver esse comportamento pouco democrático e de ações liberais. Essa má condução da crise acaba reverberando no espectro social mais pobre do país, até porque o negaciosnimo do Governo Bolsonaro tem ampliado os impactos da crise, em especial nos grupos sociais de minorias raciais, étnicas e de gênero que são, de fato, os mais atingidos devido à situação de pobreza e desigualdade.

Foi visto que a social democracia defende que o capitalismo precisa ser regulado pelo Estado, como uma forma de beneficiar a sociedade como um todo. Na concepção de Keynes, os maiores males econômicos do capitalismo contemporâneo são frutos do risco, da incerteza e da ignorância. No geral, indivíduos específicos, afortunados em situação ou aptidões, são capazes de se aproveitar da incerteza e da ignorância, e também porque, por igual razão, os grandes negócios constituem frequentemente uma loteria, que surgem as grandes desigualdades de riqueza e de renda; e estes mesmos fatores são a causa do desemprego dos trabalhadores, ou mesmo da decepção das expectativas razoáveis do empresariado, e da redução da eficiência e da produção. Fica evidente que o papel do Estado numa economia é o de orientar determinadas ações que conduzam não só o lucro privado, mas que também proporcione geração de emprego, distribuição de renda e redução das desigualdades, de forma a evitar o aumento da pobreza no país.

A revolução de Keynes foi uma terceira alternativa de política entre o projeto de revolução marxista e o projeto conservador liberal. É possível afirmar que a concepção de liberalismo dos neoclássicos é mais radical do que a dos clássicos que a formularam originalmente, assim o mercado seria tão eficiente que pouco restaria para ao Estado fazer. Não obstante, tanto o projeto político liberal quanto a própria teoria econômica, que lhe dá sustentação, são inúteis como meios de intervenção sobre a realidade quando esta se apresenta na forma de uma crise econômica ou financeira do capitalismo.

Desta forma, restou à teoria neoclássica ser apenas o suporte de um liberalismo utópico, isto é, mera ideologia. Não servindo para aprimorar o sistema econômico, a economia neoclássica e seu projeto político liberal servem apenas de instrumento de suporte ao poder econômico representado pelas empresas capitalistas.

De fato, a tentativa neoliberal de afastar o Estado das funções que lhe são devidas na complexa economia capitalista, por meio de várias restrições institucionais, inclusive pela forma como ocorreram diversas privatizações de patrimônios estatais importantes pelo mundo, produziram crescimento pífio, aumento da desigualdade e, fundamentalmente, da miséria.

A realidade dos fatos se encarregou de provar a ineficiência da teoria neoclássica para o mundo econômico real em que vivemos. É neste sentido que John Maynard Keynes procurou contribuir com os seus valiosos ensinamentos para um capitalismo de bases sociais democratas. A guinada keynesiana de vários países em tempos de pandemia de Covid-19 confirma isso.

O primeiro passo para reverter a situação crítica que a economia brasileira tem enfrentado, é diminuir as elevadas taxas de desemprego no país com o intuito de assegurar o mínimo de renda ao povo mais carente. O Governo Federal precisa antecipar-se e realizar novos investimentos públicos com prováveis repercussões no âmbito macrossocial, logo o Estado precisa realizar uma ampla socialização dos investimentos como único meio factível para superar a crise atual.

Qual era a proposta de John Maynard Keynes para superar a crise?

A doutrina Keynesiana ficou conhecida como uma “revisão da teoria liberal”. Nesta teoria, o Estado deveria intervir na economia sempre que fosse necessário, afim de evitar a retração econômica e garantir o pleno emprego.

Qual era a proposta de John Keynes para reanimar a economia norte

O programa pretendia ampliar a intervenção do estado na economia, ao regular as transações econômicas e a produção, como também realizar obras públicas para estimular a criação de empregos.

O que defendia Keynes para superar os efeitos da crise de 1929?

Estado e novo papel na economia Para que uma situação de crise fosse evitada, o keynesianismo defende a necessidade do Estado em buscar formas de conter o desequilíbrio da economia.

Quais eram as ideias de John Maynard Keynes?

Keynes defendeu uma política económica de estado intervencionista, através da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos - recessão, depressão e booms.