Durante muito tempo a brincadeira foi vista como um “divertimento sem consequências” na vida das crianças. Hoje é reconhecida como linguagem e meio para que a criança aprenda, conheça e se desenvolva. Contudo, ainda desperta dúvidas… como deve ser a participação do professor nos momentos de brincadeira? Como o contexto dialoga com o brincar? O desenvolvimento da linguagem e a brincadeira têm algo em comum? Show Tempo de Creche conversou sobre essas questões com Shelley S. Peterson, professora e pesquisadora da Universidade de Toronto e do OISE – Instituto de Estudos de Educação de Ontário – um dos expoentes da pesquisa da educação infantil. A visita da Professora Shelley ao Brasil foi promovida pelo I Colóquio Internacional Escola do Bairro, a convite da Gisela Wajskop. Tempo de Creche – Como o contexto cultural e a alfabetização se relacionam? Por que o contexto cultural é tão importante para o desenvolvimento da alfabetização de crianças pequenas? Shelley Peterson – Na minha experiência, o que é considerado alfabetização e quem é considerado alfabetizado são altamente dependentes do contexto cultural. Por exemplo, lembro-me de ouvir alguém dizer que os trabalhadores das fábricas de gás, como meu pai e a maioria dos homens que vivem na comunidade rural em que cresci, eram pouco alfabetizados porque não tinham diplomas universitários. No entanto, para trabalhar em fábricas de gás, é necessário passar em exames de admissão. Lembro-me do meu pai indo ao porão para estudar depois do trabalho. Onde eu trabalho hoje, essas alfabetizações são subvalorizadas e muitos professores da academia e da escola não associam a alfabetização aos trabalhos manuais e que envolvem força física. Os filhos destes trabalhadores, portanto, são incorretamente vistos como pessoas que crescem em lares com baixos níveis de alfabetização. Quando os professores e educadores da primeira infância posicionam as famílias das crianças dessa forma, há uma boa probabilidade de que vejam as crianças como possuidoras de condições inadequadas de alfabetização e necessitadas de apoio compensatório da escola. Meu trabalho nas comunidades rurais e indígenas do norte do Canadá pretende evidenciar a riqueza literária dos contextos culturais que foram deixados de fora das conversas sobre letramento – aquelas comunidades situadas em locais que a maioria das pessoas não sabe nem como encontrar no mapa! ☺ Shelley explica que é por meio das atividades sociais quotidianas que as crianças aprendem modos de interagir e exercitar as relações. Elas constroem novos significados a partir daqueles que estão incorporados às suas atividades sociais, indo além do familiar e aplicando novos contornos àquilo que já sabem. Tempo de Creche – O papel do professor durante a brincadeira das crianças é uma questão que divide opiniões. Como você vê a participação do professor nas brincadeiras? Shelley Peterson – Em diálogo com o que propõe Elizabeth Wood1, acredito no lado B dessa questão: a brincadeira livre e espontânea das crianças é vista como um contributo para a aprendizagem e desenvolvimento, mas os professores têm um papel na orientação dessa aprendizagem e desenvolvimento. Nesse sentido, a brincadeira é mediada por adultos. No meu projeto NOW Play (material pedagógico em que Shelley reúne uma série de práticas sistematizadas e comentadas para a formação de professores) a mediação feita pelos professores em geral se inicia com materiais propostos por eles. Os conteúdos refletem os interesses das crianças e seus ambientes/comunidades locais. Mas também foram selecionados por seu potencial para ajudar as crianças a alcançar os objetivos do currículo. Os materiais proporcionaram oportunidades para que as crianças usassem a imaginação e fornecessem bases de conhecimento para que elas pudessem interagir. Existem exemplos do que chamamos de Atividades Curriculares Colaborativas Criativas (CCCA) no nosso site do projeto. Vale a pena baixar o material e tentar traduzi-lo num site de tradução online. A professora Shelley explica que embora os professores tenham planejado e organizado as iniciativas, os temas e os cenários das práticas relatadas, em cada um deles, as crianças direcionaram seu próprio aprendizado.O que são as CCCAs – Atividades Curriculares Colaborativas Criativas? No material do projeto levantamos o significado de cada aspecto destas atividades:
Quanto ao papel do professor durante as atividades de jogo dramático, encontramos uma lista de ações que ilustram o que a Shelley descobriu com suas pesquisas:
De acordo com o material, as propostas são divididas em três momentos, assim como defendemos aqui no Tempo de Creche:
Tempo de Creche – Como os professores podem incluir experiências com a escrita em contextos de brincadeira? Shelley indica um artigo que escreveu com a pesquisadora Janice Greenberg, sobre experiências práticas que apoiam e ampliam o uso da linguagem e do letramento durante a atividade de faz de conta. Encontramos uma iniciativa observada em uma pré-escola do norte do Canadá que pode esclarecer e inspirar nossos professores:
Como responder a essa provocação? A professora desafiou as crianças fazendo-as pensar além daquilo que já estava estabelecido. Ao analisar a atitude da professora, Shelley destacou as ações utilizadas para ampliar o uso da linguagem e promover aprendizagens2:
A pesquisadora também sugeriu cenários e objetos que favorecem o desenvolvimento da linguagem em brincadeiras de faz de conta:
Por fim, Shelley conclui nossa conversa dizendo que no jogo dramático a criança assume papeis enquanto interage com outras crianças. Criar situações no faz de conta e assumir papeis envolve o mesmo tipo de pensamento simbólico mobilizado na escrita – quando as letras adquirem significados além de suas marcas e formam palavras que representam objetos e ideias. ♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦ PARA SABER MAIS… A Dra. Shelley participará do I Colóquio Internacional Escola do Bairro. Dia 2 de novembro de 2019, das 9h às 13h. Inscrições: [email protected] → Dra. Shelley Stagg Peterson é Professora no Departamento de Currículo, Ensino e Aprendizagem na OISE/UT (Instituto de Estudos de Educação de Ontário, Canadá). Os focos de sua pesquisa são apoiar e avaliar a comunicação multimodal de crianças pequenas em ambientes lúdicos; pesquisa de ação colaborativa; educação rural e indígena do norte do Canadá; avaliação e ensino da escrita e literatura infantil. → Leia mais sobre os momentos de uma atividade na postagem Organização de propostas: garantia de brincadeira e aprendizado *1- Elizabeth Wood é professora de Educação e Diretora de Pesquisa na Faculdade de Educação da Universidade de Sheffield, Inglaterra. *2- Referências citadas: Weitzman & Greenberg, 2002, 2009, 2010; Moll, Amanti, Neff, & Gonzalez, 1992; Weitzman & Greenberg, 2009; Damhuis & DeBlauw, 2008. Qual o papel do professor na mediação das brincadeiras?Quando o professor passa a estruturar a brincadeira, organizando os espaços para o brincar e apresentando os materiais e brinquedos em que a criança é estimulada a usar está assumindo um papel-chave nesse processo ao estimular, desafiar e possibilitar às crianças o brincar de forma mais desenvolvida, ou seja, além de ...
Qual é o papel do professor como sujeito mediador da atividade lúdica na infância?1 Professor: um promotor e mediador nas brincadeiras
Através da organização do espaço, da disponibilização de objetos para a criança e materiais que possam enriquecer o espaço da sala de aula e torná-lo um ambiente lúdico e de aprendizagem por meio também de brincadeiras.
Qual o papel do professor na atividade lúdica?O professor deve ter uma relação mediadora nesse processo de atividades lúdicas e a prática pedagógica, para que ocorra uma aprendizagem significativa e não seja somente uma forma de diversão da criança.
Qual é a função mediadora do papel do professor ao proporcionar brincadeiras do FazE essa função simbólica, principalmente o seu emprego nas brincadeiras, faz com que a criança consiga a cada momento que se passa separar ainda mais o sujeito e a ação, ou seja, ao usar o símbolo como intermediário na ação, a criança consegue identificar o significante e o significado.
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