Quanto à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica?

Anteriormente, já dispusera o art. 28 da lei 8.078/90 - "Código de Defesa do Consumidor" :- "O juiz poderá desconsiderar a pessoa jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração".

Proveniente do direito anglo-saxão, a "Disregard Doctrine" foi introduzida no direito pátrio em meados da segunda metade do século passado. Entre nós, o primeiro jurista a abordar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi RUBENS REQUIÃO, que a introduziu no encerramento de uma conferência realizada em 1969, com uma claríssima advertência:

"Quando propugnamos pela divulgação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica em nosso direito, o fazemos invocando aquelas mesmas cautelas e zelos que revestem os juízes norte-americanos, pois sua aplicação há de ser feita com extremos cuidados, e apenas em casos excepcionais, que visem impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de comunicação." -- ("Aspectos Modernos de Direito Comercial", São Paulo, Saraiva, 1997, vol. 1, págs. 83-84).

Portanto, a desconsideração deve ser sempre a exceção, não a regra.

Desta forma temos como pressuposto incontornável para a aplicação da aludida teoria a manipulação fraudulenta ou abusiva da autonomia patrimonial -- caracterizada pela não confusão da pessoa jurídica com as pessoas que a integram -- , conforme regra contida no artigo 20 do anterior Código Civil - 1916 ("As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros"). Contudo, o princípio da autonomia patrimonial não é absoluto, existindo exceções ao mesmo, justamente nas hipóteses de fraude ou abusos de direito perpetrados por meio do instituto da separação patrimonial. A disregard doctrine visa justamente coibir as fraudes e abusos, viabilizados através do mau uso da regra da separação patrimonial.

A orientação dos nossos tribunais reza no sentido convergente com o acima exposto:

"Diante de abusos de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, pode o juiz desconsiderar tal personalidade para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que nele se escondem para aqueles fins".

(Tribunal de Justiça de São Paulo, relator Des. Munhoz Soares, Jurisp. do Trib. de Justiça - LEX, vol. 147, pág. 196).

"SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - Desconsideração da personalidade jurídica - Teoria que busca atingir a responsabilidade dos sócios por atos de malícia e prejuízo - Aplicabilidade quando a sociedade acoberta a figura do sócio e torna-se instrumento de fraude. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou doutrina da penetração, busca atingir a responsabilidade dos sócios por atos de malícia ou prejuízo. A jurisprudência aplica essa teoria quando a sociedade acoberta a figura do sócio e torna-se instrumento de fraude. A fraude não se presume". [ = grifo nosso = ] (1° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, relator Dr. Octaviano Santos Lobo, RT 708/116).

Fundamentalmente, pois, há que se demonstrar e provar que os diretores da empresa objeto da desconsideração da personalidade jurídica agiram de forma abusiva ou fraudulenta. Assim, é de suma importância não confundir a eventual má gestão técnica de funcionários com os pressupostos exigidos para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (fraude ou abuso de direito).

Destarte, esta deve ser aplicada de forma cautelosa e sob caráter excepcional. O instituto em causa, ao ser aplicado, pode produzir efeitos que contradigam os valores conforme os quais se modelou e assentou a ordem jurídica, comprometendo a certeza e a segurança jurídica do direito. Caso contrário, corremos o risco de assistir a um cenário de banalização da aplicação da disregard doctrine, transformando a exceção em regra !

Se uma pessoa jurídica não foi utilizada para fins diversos ao objeto para a qual foi criada, e não foram praticados atos ilícitos, fraudulentos ou abusivos pelos seus diretores, uma eventual má gerência técnica não pode ser fundida com o cometimento de atos fraudulentos ou ilícitos, misturando duas realidades totalmente distintas, perfeitamente separadas e com consequências completamente desiguais ! Dificuldades de ordem econômico-financeira de uma empresa não evidenciam comportamento ilícito ou desvio da finalidade que possam justificar a desconsideração de sua personalidade jurídica! Confiram-se:

"Sociedade por cotas de responsabilidade limitada - Desconsideração da personalidade jurídica - Aplicação que requer cautela e zelo, sob pena de destruir o instituto da pessoa jurídica e olvidar os incontestáveis direitos da pessoa física - Necessidade que seja apoiada em fatos concretos que demonstrem o desvio da finalidade social da sociedade, com proveito ilícito dos sócios.

.... A aplicação da 'disregard doctrine', a par de ser salutar meio para evitar a fraude via utilização da personalidade jurídica, há de ser aplicada com cautela e zelo, sob pena de destruir o instituto da pessoa jurídica e olvidar os incontestáveis direitos da pessoa física. Sua aplicação terá de ser apoiada em fatos concretos que demonstrem o desvio da finalidade social da pessoa jurídica, com proveito ilícito dos sócios". -- grifo nosso -- (TAPR, 2ª Câm., Ap. 529/90, rel. Juiz Nei Carneiro Leal, RT, 673/160)
"Percalços econômico-financeiros da empresa, tão comuns na atualidade, mesmo que decorrentes da incapacidade administrativa de seus dirigentes, não se consubstanciam, por si sós, em comportamento ilícito e desvio de finalidade da entidade jurídica.

Do contrário seria banir completamente o instituto da pessoa jurídica". -- grifo nosso -- (1º TACSP, 3ª C6am., Ap. 507.880-6, rel. Juiz Ferraz Nogueira, 15-9-1992, RT, 690/103) -.-

Portanto, sem a presença dos pressupostos de fraude ou ato abusivo, com comprovação pelo devido processo legal, a regra do artigo 20 do anterior Código Civil-1916 ("As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros") deve ter vigência, não podendo o Judiciário deixar de lhe conferir plena eficácia.

In fine: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve incidir somente com total e especial fundamentação, que justifique a sua aplicação -- que deve ser sempre em caráter excepcional . Se assim não for, em muitos casos pode ocorrer o cerceamento dos direitos individuais dos representantes da pessoa jurídica alvo da desconsideração, constitucionalmente assegurados entre os incisos do artigo 5 da Carta Magna, tais como: a garantia ao contraditório, a plenitude do direito de defesa e a fundamentação das decisões judiciais. Pode-se mesmo afirmar que meros despachos, determinando a penhora de bens dos sócios -- como sói acontecer em muitos processos judiciais contra sociedades -- , importam em flagrante desobediência ao direito constitucional do devido processo legal.

Quanto à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica?
*Reinaldo Federici é advogado da Advocacia Hamilton de Oliveira.

Quando se aplica a desconsideração da personalidade jurídica?

Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

Quanto à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica?

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou doutrina da penetração, busca atingir a responsabilidade dos sócios por atos de malícia ou prejuízo. A jurisprudência aplica essa teoria quando a sociedade acoberta a figura do sócio e torna-se instrumento de fraude. A fraude não se presume".

Quais as teorias da desconsideração da personalidade jurídica?

Acerca da desconsideração da personalidade jurídica, nosso ordenamento consagra duas teorias básicas para a responsabilização dos sócios: teoria maior e teoria menor.

Quando cabe incidente de desconsideração da personalidade jurídica?

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.