INTRODUÇÃOAs Constituições escritas são características do Estado Moderno, podendo ser conceituadas como o conjunto de regras que disciplinam a criação de normas essenciais do Estado, em especial, as concernentes à organização dos entes estatais e ao procedimento legislativo. Nas palavras de José Afonso da Silva[1], a constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado. Show
Sendo assim, qualquer norma dentro do ordenamento jurídico do Estado deve estar de acordo ao preceituado na Constituição. Como assinala Jorge Miranda, citado por Gilmar Ferreira Mendes[2], constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação, isto é, a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido. Não se cuida, porém, de uma relação lógica ou intelectiva, adverte o mestre português, mas de uma relação de caráter normativo e valorativo. Para garantir a compatibilidade dos atos normativos com a Constituição, os Estados desenvolveram o controle de constitucionalidade, que pode ser definido, em síntese, como o conjunto de mecanismos jurisdicionais e/ou políticos empregados para garantir a supremacia da Constituição. Fala-se em controle de constitucionalidade político, também denominado de modelo de controle francês, quando o controle de constitucionalidade é efetivado por órgão político e não jurisdicional, como no caso da atividade de controle de constitucionalidade realizada pelas Casas Legislativas, bem como no veto oposto pelo Executivo a projeto de lei, com fundamento em inconstitucionalidade da proposição legislativa (art. 66, § 1º, CF). Por sua vez, o sistema de controle jurisdicional dos atos normativos é efetuado por órgão integrante do poder judiciário ou por Corte Constitucional, por meio de um único órgão jurisdicional ou de uma Corte Constitucional (no caso brasileiro, pelo Supremo Tribunal Federal), ou por qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um caso concreto. No primeiro caso, o controle é denominado concentrado (ou austríaco) e no segundo, difuso (ou americano). Deve-se ter em mente, porém, que nem sempre esses sistemas são excludentes, havendo sistemas em que há combinações de elementos de ambos, dando origem aos chamados sistemas mistos, como, por exemplo, o brasileiro e o português. Nas diversas conformações, os sistemas de controle de constitucionalidade estão presentes em inúmeros países, porquanto a existência de controle está intrinsecamente ligada à idéia de Constituição como fundamento interpretativo e legitimador do ordenamento.[3] O objeto de estudo do presente trabalho é o controle de constitucionalidade jurisdicional concentrado, especificamente o que se refere à legitimidade ativa para propor ações de controle de constitucionalidade. Inicialmente será feito um breve histórico do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade e posteriormente o estudo da legitimidade ativa das diversas ações previstas como mecanismos de controle. 1 BREVE HISTÓRICO:O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro jurisdicional teve início já com a Constituição de 1891, sob a influência do constitucionalismo norte-americano, que previa o controle difuso, o qual foi mantido nas constituições sucessivas até a atual. Nas constituições posteriores foram sendo acrescentadas inovações que fizeram com que o sistema se afastasse do puro critério difuso, adotando características do método concentrado. A Constituição de 1934, sem excluir a previsão do critério difuso, passou a prever a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 7º, I, a e b). Além disso, trouxe a regra de que somente por maioria absoluta de votos dos seus membros os tribunais poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público (art. 179). Ademais, o Senado Federal passou a ter competência para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato declarado inconstitucional em decisão definitiva. Na vigência da Constituição de 1946, por meio da Emenda Constitucional nº 16, de 6.12.65, foi criada uma nova modalidade de ação direta de inconstitucionalidade, de caráter genérico ao atribuir ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, apresentada pelo Procurador-Geral da República (art. 2º, k). Além dessa novidade, foi previsto que a lei poderia estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato municipal, contrários à constituição estadual (art. 19). Apesar dessa última inovação não ter prosperado como previsto, a Constituição de 1969 instituiu a ação direta interventiva para a defesa de princípios da constituição estadual, promovida pelo Chefe do Ministério Público do Estado e de competência do Tribunal de Justiça (art. 15, § 3º, d). Com a Constituição de 1988 foram introduzidas duas inovações importantes: a primeira foi a inconstitucionalidade por omissão e a segunda foi o ampliação dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou por omissão. O que antes se restringia ao Procurador-Geral da República, passou a caber também ao Presidente da República, às Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembléias Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ao governador de Estado e do Distrito Federal, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Ainda na vigência da Constituição de 1988, com a Emenda Constitucional nº 3, de 17.3.93, foi criada a ação declaratória de constitucionalidade. Destarte, com a significativa ampliação da legitimação para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103 CF), permitindo que importantes questões sobre a constitucionalidade sejam apreciadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, foi reduzido o significado do controle de constitucionalidade difuso. 2 LEGITIMIDADE ATIVA NAS AÇÕES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE2.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIConforme dispõe o art. 103 da Constituição Federal de 1988, possuem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Governador do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional. Como já apontado, a Constituição de 1988 ampliou sobremaneira o rol de legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, fortalecendo esse tipo de controle de constitucionalidade abstrato de normas. Cabe ressaltar que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, os legitimados acima expostos estão divididos em universais, com legitimidade ampla e em especiais com legitimidade vinculada à pertinência temática, a qual consiste na relação de causalidade entre a norma questionada na ação direta de inconstitucionalidade e os interesses juridicamente defendidos. Neste sentido vale a pena verificar a decisão do STF:
Assim sendo, devem apresentar pertinência temática: o Governador de Estado ou do Distrito Federal, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional e as Mesas da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Note-se que os demais são considerados legitimados universais. Nesse ponto, verifica-se que o STF restringiu a legitimidade dos chamados legitimados especiais, condicionando-a à pertinência temática, sem que a Constituição Federal tenha feito qualquer menção a essa restrição. Ainda em relação à legitimação para a propositura da ADI, cumpre observar a discussão acerca da legitimação das confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional, tendo em vista as questões suscitadas na jurisprudência da Suprema Corte brasileira. Observa-se que o STF entende que o constituinte decidiu por uma legitimidade limitada, não se permitindo que se convertesse o direito de propositura dessas organizações de classe em autêntica ação popular.[4] O Supremo Tribunal Federal infere que o conceito de entidade de classe de âmbito nacional não se resume em uma definição simplista que possa ser aplicada a todas as associações representativas de interesses de classes, mas sim que é necessário aferir em cada caso concreto a real qualificação de eventual confederação ou entidade de classe de âmbito nacional que esteja propondo uma ADI. Neste sentido, oportuno se faz o exame da decisão da Ministra Ellen Gracie a seguir:
Nota-se que na decisão acima o STF deixou assente que para os efeitos do referido art. 103, IX, somente se considera entidade de classe aquela que reúne membros que se dedicam a uma só e mesma atividade profissional ou econômica. Além disso, a legitimidade ativa ad causam de uma confederação ou entidade de classe de âmbito nacional depende, ainda, da comprovação de seu caráter nacional, que não se pressupõe de mera declaração formal, consubstanciada em seus estatutos ou atos constitutivos, decorrendo essa particular característica de índole espacial, além da atuação transregional da instituição, a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação. Do mesmo modo, não são admitidas como habilitadas constitucionalmente para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade organizações que não representam associados de uma mesma categoria, e sim entidades de natureza heterogênea[5]. No entendimento firmado pelo STF não se admite a legitimidade de pessoas jurídicas de direito privado que reúnam, como membros integrantes, associações de natureza civil e organismos de caráter sindical, por se entender que o conceito de instituições de classe devem ser constituídas pelos próprios integrantes de determinada categoria, e não apenas das entidades privadas constituídas para representá-los[6]. No mesmo sentido, não é reconhecida natureza de entidade de classe às organizações que se apresentam como associações de associações, porquanto pessoas jurídicas, ainda que coletivamente, não formam classe alguma. A ADI 79/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello sintetiza o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se a sua ementa:
Ressalte-se que essa orientação sofreu alteração no julgamento ADI-AgRg 3.153/DF, de relatoria também do Ministro Celso de Mello (o qual foi voto vencido), quando o Supremo reconheceu a qualidade de entidade de classe a uma federação composta por associações estaduais por vislumbrar caracterizada a defesa de interesse de categoria social. Atente-se para a ementa do referido julgado:
Nota-se que não há um critério constitucional (nem mesmo legal) para definir os conceitos de entidade de classe de âmbito nacional e confederação sindical. Assim, o STF utilizou-se do parâmetro estabelecido pela lei dos partidos políticos, que fixa a necessidade de existência de membros em pelo menos nove estados da federação. Trata-se de utilização de critério analógico para fixação do conceito de entidade de classe de âmbito nacional e confederação sindical. Importa indagar sobre a exatidão da utilização desse critério fixado pelo STF no exercício de sua atividade jurisdicional. Pode-se indagar, inclusive, se não seria uma restrição indevida da legitimação para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade do Governador de Estado e Mesa da Assembléia Legislativa Conforme já mencionado, o STF tem entendido que para que o Governador de Estado e a Mesa de uma Assembléia Legislativa possam propor uma ADI, devem demonstrar pertinência temática da pretensão formulada com os interesses que representam. Afigura-se, como já anotado, uma restrição da legitimação não prevista constitucionalmente. Cumpre assinalar que, por se tratar de um processo objetivo, não existe razão para essa limitação imposta pelo STF. Além da pertinência temática, importa assinalar, ainda, que com relação ao Governador de Estado, o Supremo tem entendido que essa autoridade possui capacidade postulatória própria, decorrente de seu cargo, independentemente de advogado ou Procurador-Geral do Estado. Por entender que o direito de propositura é do Governador de Estado, uma ADI proposta pelo Procurador-Geral do Estado, sem a participação do Governador, não seria conhecida por ilegitimidade ativa[7]. Legitimidade ativa dos partidos políticos A Constituição Federal de 1988 atribuiu legitimação ativa para propositura de ADI aos partidos políticos que possuam representação no Congresso Nacional. Note-se que essa representação pode ser de apenas um parlamentar, o que pode representar a defesa da minoria no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro. Saliente-se, nesse ponto, que a aferição da legitimação é realizada no momento da propositura da ação, sendo que a perda de representação congressual não acarreta prejuízo para a ação, porquanto tratar-se de ação de natureza objetiva. Esse é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento das ADIs nº 2.159 e 2.618, de relatoria do Ministro Carlos Velloso. 3.2 Ação declaratória de constitucionalidade - ADCO artigo 103, § 4º da Constituição Federal de 1988 estabelecia que poderiam propor a ação declaratória de constitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa as Câmara dos Deputados ou o Procurador-Geral da República. Com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 houve extensão da legitimidade para a propositura da ADC a todos os legitimados da ação direta de inconstitucionalidade. 2.3 Argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPFA legitimidade ativa para a propositura da ADPF é a mesma da ADI e da ADC, conforme determina a Lei nº 9.882/1999. Cumpre ressaltar nesse ponto que a versão aprovada pelo Congresso Nacional admitia a legitimidade ativa a qualquer cidadão. Entretanto, tal dispositivo foi vetado pelo chefe do Poder Executivo. Entende-se que tal veto foi contrário aos princípios do Estado Democrático de Direito, tendo em vista que a defesa de preceito fundamental confunde-se com a defesa de direitos e garantias individuais. Verifica-se que a Corte Constitucional preocupa-se com a grande demanda perante o STF que a legitimidade ativa conferida ao cidadão poderia acarretar e tal fato realmente seria prejudicial aos trabalhos daquela Corte, entretanto tal restrição à defesa dos direitos e garantias individuais não se afigura a solução mais adequada. Existem doutrinadores que propõem soluções para contornar o veto presidencial ao inciso I, do artigo 2º da lei nº 9.882/199. André Ramos Tavares[8] aponta a existência de duas modalidades de ADPF: autônoma (proposta perante o STF) e incidental (no curso de uma demanda originária). Dessa maneira, a despeito do veto presidencial, permaneceria a possibilidade de qualquer interessado, desde que no curso de uma ação, apresentar perante a Corte Suprema a questão constitucional relativa a um preceito fundamental, discutida em seu processo). Vejam-se decisões proferidas pelo STF em sede de ADPF a esse respeito:
Observa-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal tem feito uma interpretação literal do art. 2º da Lei nº 9.882/199, o qual, como já se disse, prevê para a ADPF os mesmos legitimados ativos da ADI e da ADC. Vale ressaltar que no § 1º do mesmo art. 2º da referida lei, existe a previsão da possibilidade de qualquer interessado fazer uma representação perante o Procurador-Geral da República para que proponha a argüição de descumprimento de preceito fundamental. Sublinhe-se, ainda, que o Supremo Tribunal entende que também para a ADPF vale a distinção entre legitimados especiais (os previstos nos incisos IV, V e IX da CF, quais sejam, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional) e universais (os demais previstos no artigo 103 da CF), tal qual aplicado à ADI e à ADC. Dessa maneira, os legitimados especiais devem demonstrar que, além de previstos no art. 2º, inciso I, da Lei nº 9.882/199, o direito defendido na ADPF tem pertinência temática com os direitos que defendem institucionalmente[9]. Destarte, para a ADPF valem as mesmas críticas anteriormente feitas sobre a restrição da legitimidade para a propositura da ADI e da ADC, agregando-se o fato de que tal restrição da legitimidade no âmbito da ADPF mostra-se como uma lesão ainda maior ao caráter democrático do sistema constitucional brasileiro, tendo em vista que a ampla legitimidade garantida constitucionalmente para a propositura de ações de controle de constitucionalidade, especificamente para a ADPF, visa a assegurar uma melhor capacidade de fiscalização dos atos do Poder Público no sentido da garantia do cumprimento dos preceitos fundamentais. Quem pode propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade?Podem propor ADI e ADC: (i) o Presidente da República; (ii) a Mesa do Senado Federal; (iii) a Mesa da Câmara dos Deputados; (iv) a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (v) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (vi) o Procurador-Geral da República; (vii) o Conselho ...
Quem tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade?Pode ser proposta pelo presidente da República, pelos presidentes do Senado, da Câmara ou de assembleia legislativa, pela Ordem dos Advogados do Brasil, pelo procurador-geral da República, por partido político e por entidade sindical de âmbito nacional.
Quem não possui legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade?A Mesa da Assembleia legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal não possui legitimidade para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade.
Qual a diferença entre ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade?Assim: na ação direta de inconstitucionalidade, julgado improcedente o pedido, há declaração de constitucionalidade da norma; na ação declaratória de constitucionalidade, a improcedência do pedido acarreta a declaração de inconstitucionalidade da norma.
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