A Constituição Federal não admite a perda ou suspensão de direitos políticos no caso de

1 Conceituação

1 O capítulo da Constituição sobre Direitos Políticos (Capítulo IV do Título II) trata de temas como exercício da soberania popular pelo sufrágio e pelo voto, alistabilidade eleitoral, elegibilidade e impugnação de mandato eletivo. Essa variedade temática fornece os elementos para uma compreensão do que sejam os Direitos Políticos ou Direitos de Cidadania: o conjunto dos direitos atribuídos ao cidadão, que lhe permite, através do voto, do exercício de cargos públicos ou da utilização de outros instrumentos constitucionais e legais, ter efetiva participação e influência nas atividades de governo. Dir-se-á que esta conceituação abrangente envolve não apenas os direitos políticos propriamente ditos, mas também outros direitos dos quais os direitos políticos constituem simplesmente pressuposto. É verdade. Entretanto, a se tentar purificar o conceito, chegar-se-ia a uma definição restritíssima, segundo a qual direito político seria apenas o direito de ser eleitor. Com efeito, o próprio direito de ser candidato, ou seja, a elegibilidade, já tem como pressuposto o pleno exercício dos direitos políticos (Constituição Federal, art. 14, § 3°, II). Preferível, assim, e na esteira da boa doutrina, a conceituação em sentido amplo1.

2 Estar no gozo dos direitos políticos significa, pois, estar habilitado a alistar-se eleitoralmente, habilitar-se a candidaturas para cargos eletivos ou a nomeações para certos cargos públicos não eletivos (Constituição Federal, art. 87; 89, VII; 101; 131, § 1°), participar de sufrágios, votar em eleições, plebiscitos e referendos, apresentar projetos de lei pela via da iniciativa popular (Constituição Federal, arts. 61, § 2° e 29, XI) e propor ação popular (Constituição Federal, art. 5°, inc. LXXIII). Quem não está no gozo dos direitos políticos não poderá filiar-se a partido político (Lei n. 5.682, de 21.07.71, art. 62) e nem investir-se em qualquer cargo público, mesmo não eletivo (Lei n. 8.112, de 11.12.90, art. 5°, II). Não pode, também, ser diretor ou redator-chefe de jornal ou periódico (Lei n. 5.250, de 09.02.67, art. 7°, § 1°) e nem exercer cargo em entidade sindical (Consolidação das leis do trabalho, art. 530, V).

3 Nem todas as pessoas gozam de direitos políticos plenamente. Há as que só estão habilitadas para algumas de suas faculdades e outras há que não se investem em qualquer delas. São pressupostos para aquisição da capacidade política (a) capacidade civil e (b) nacionalidade. Por isso, não têm direitos políticos os estrangeiros e os menores de 16 anos. Têm direitos políticos, porém não todos, os inelegíveis, tais como os menores de 18 anos e os analfabetos (Constituição Federal, art. 14, § 4°). A inelegibilidade, ou seja, a restrição ao direito político de candidatar-se, decorre, ademais, de outras circunstâncias: da irreelegibilidade para certos cargos (Constituição Federal, art. 14, § 5°), da inelegibilidade em razão de vínculos pessoais com titulares de certos cargos (§ 7°) e das demais hipóteses previstas na Lei Complementar n. 64, de 18.05.90, editada segundo a previsão do § 9°, do art. 14, da Constituição Federal. Para certos cargos eletivos a elegibilidade está condicionada a limite mínimo de idade: 35 anos para Presidente, Vice-Presidente e Senador; 30, para Governador e Vice-Governador; 21, para Deputado, Prefeito e Vice-Prefeito (Constituição Federal, art. 14, § 3°, VI). Assim, sob este aspecto, antes de atingir 35 anos de idade, ninguém, a rigor, pode se dizer na plenitude dos direitos políticos2.

4 Não se pode confundir cidadania com nacionalidade. Ser cidadão é ter direitos políticos. Ter nacionalidade significa ser brasileiro, nato ou naturalizado (Constituição Federal, art. 12). A nacionalidade é pressuposto da cidadania. Porém, nem todo o nacional é cidadão, porque nem todos têm direitos políticos, como se viu3.

2 Perda dos direitos políticos

5 A Constituição Federal veda a cassação dos direitos políticos, mas admite sua perda ou suspensão nas hipóteses previstas no art. 15, a saber: (I) cancelamento da naturalização, (II) incapacidade civil absoluta, (III) condenação criminal transitada em julgado, (IV) recusa de cumprimento de obrigação a todos imposta ou da prestação alternativa e (V) improbidade administrativa.

Inobstante rezar o dispositivo constitucional que a perda ou suspensão dos direitos políticos "só se dará nos casos..." elencados no art. 15, é certo que pelos menos um caso não está ali compreendido: o de perda de nacionalidade, de que trata o art. 12, § 4°, II, da Constituição. O cidadão brasileiro que adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária perderá a nacionalidade brasileira e, conseqüentemente, seus direitos de cidadania4.

6 A rigor, são apenas duas as hipóteses de perda dos direitos políticos: o cancelamento da naturalização e a perda da nacionalidade brasileira. Todas as demais são hipóteses de suspensão, pois de efeitos temporários: perduram enquanto perdurarem as causas determinantes, nos casos de incapacidade civil absoluta, de condenação criminal e de recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa5; no caso de improbidade administrativa, o tempo de suspensão dos direitos políticos é o estabelecido na lei regulamentadora do art. 37, § 4°, da Constituição Federal, ou seja, a Lei n. 8.429, de 02 de junho de 1992.

2.1 Perda da nacionalidade

7 Em casos de aquisição, por cidadão brasileiro, de outra nacionalidade, por naturalização voluntária, a perda dos direitos políticos decorrerá, ipso iure, do ato que declarar a perda da nacionalidade (art. 12, § 4°, da Constituição Federal), independentemente de qualquer outro ato administrativo ou sentença. É que a nacionalidade é pressuposto essencial da cidadania: sem aquela impossível esta.

2.2 Cancelamento da naturalização

8 A perda dos direitos políticos por cancelamento de naturalização decorre, também ipso iure, do trânsito em julgado da sentença que decretar o cancelamento. É o que dispõe, de modo expresso, o inc. I, do art. 15 da Constituição Federal. Ou seja, independentemente de qualquer específica menção, na sentença, à perda dos direitos políticos, esta se operará automaticamente ante o cancelamento do seu pressuposto essencial, a nacionalidade. Exige-se, no entanto, que o cancelamento decorra de sentença, ou seja, de ato do Poder Judiciário. Não está recepcionado pela nova Constituição, destarte, o § 3°, do art. 112, da Lei n. 6.815, de 19.08.80, que prevê hipótese de declaração de nulidade do ato de naturalização mediante processo administrativo do Ministério da Justiça.

9 São da competência da Justiça Federal."... as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização", conforme dispõe o inc. X, do art. 109 da Constituição Federal.

3 Suspensão dos direitos políticos

3.1 Recusa de cumprimento de obrigação

10 Em regimes constitucionais anteriores a 1988, a recusa de cumprimento de obrigação a todos imposta acarretava a perda dos direitos políticos6. Não foi por outra razão que o Código de processo penal estabeleceu, em seu art. 435, que "a recusa do serviço do júri, motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, importará a perda dos direitos políticos" (Constituição, art. 119, alínea "b"). A Constituição de 1988 não distinguiu expressamente os casos de perda dos de suspensão. Porém, ao regulamentar "a prestação de Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório", como manda o art. 143, §§ 1° e 2° da atual Constituição, a Lei n. 8.239, de 04.10.91, estabeleceu que a recusa ao atendimento de serviços nela previstos importará suspensão dos direitos políticos (art. 4°, § 2°). Realmente, a sanção política de perda dos direitos, pela sua perpetuidade, não parece adequada à natureza da falta, sempre passível de regularização, como reconhece a citada Lei n. 8.239, de 1991 (§ 2° do art. 4°). A suspensão dos direitos políticos, nestes casos, não poderá dispensar o devido processo legal, a teor do que dispõe o art. 5°, LlV e LV, da Constituição Federal/88, assegurados ao acusado os mais amplos meios de defesa.

3.2 Perda da capacidade civil

11 A capacidade civil é condição para aquisição e manutenção da capacidade política. Verificando-se hipótese de incapacidade civil absoluta dentre as previstas na lei civil7, suspensa ficará a cidadania enquanto perdurar aquela. A suspensão dos direitos políticos é efeito natural do trânsito em julgado da sentença que decretar a interdição e a sua reaquisição se dará, também automaticamente, pelo ato que determinar a retomada da capacidade civil.

3.3 Condenação criminal

12 Suspendem-se os direitos políticos por "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos", diz o inc. III do art. 15 da Constituição Federal. A Constituição anterior tinha dispositivo semelhante no § 2°, alínea "c", do art. 149, cuja aplicabilidade a jurisprudência e a doutrina condicionaram à edição da Lei Complementar referida no § 3° daquele artigo, a saber: "Lei Complementar disporá sobre a especificação dos direitos políticos, o gozo, o exercício, a perda ou suspensão de todos ou de qualquer deles e os casos e as condições de sua reaquisição"8. Dita Lei jamais chegou a ser editada. A Constituição de 1988, no entanto, não refere exigência de norma regulamentadora. A eficácia plena e a aplicabilidade imediata do seu inc. III do art. 15, é, destarte, inquestionável, e assim pensa a doutrina e decidem os Tribunais9.

13 A suspensão dos direitos políticos não é pena acessória, e sim conseqüência da condenação criminal: opera-se automaticamente, independentemente de qualquer referência na sentença.

14 O art. 1°, I, "e", da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990) deu ensejo a se pensar que a suspensão dos direitos políticos não se daria em todos os casos de condenação, mas apenas e tão-somente nos ali elencados. Não é correto o entendimento. O que o dispositivo da Lei Complementar disciplina é hipótese de inelegibilidade, "pelo prazo de três anos após o cumprimento da pena", em relação aos que "forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais"10. Vale dizer: em tais casos; ainda que retomados os demais direitos políticos por exauridos os efeitos da condenação, persistirá a inelegibilidade enquanto não transcorrido o prazo de três anos. A elegibilidade, como já se acentuou, constitui apenas um dos direitos políticos ou uma das prerrogativas inerentes aos direitos políticos e, com estes, portanto, não se confunde.

15 O Constituinte não fez exceção alguma: em qualquer hipótese de condenação criminal haverá suspensão dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da sentença. Trata-se de preceito extremamente rigoroso, porque não distingue crimes dolosos dos culposos, nem condenações a penas privativas de liberdade de condenações a simples penas pecuniárias. Também não distingue crimes de maior ou menor potencial ofensivo ou danoso. A condenação por contravenção, que também é crime, acarreta, assim, o efeito constitucional11.

16 A suspensão dos direitos políticos perdura enquanto perdurarem os efeitos da condenação. Duas correntes se formaram a respeito do que se há de entender por "duração dos efeitos". Uma, partindo do pressuposto de que -por "efeitos da condenação" - devem ser entendidos os previstos na lei penal, neles incluídos, portanto, também os efeitos secundários, como o de "tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado à vítima", previsto no art. 91, I, do Código Penal. Vale dizer: enquanto não atendida esta obrigação, perdurará o efeito da condenação e, portanto, a suspensão dos direitos políticos. Outra orientação, mais restrita, é no sentido de que os efeitos da condenação se esgotam com o cumprimento da pena imposta pela sentença condenatória, ainda que persistam os efeitos secundários de que trata a lei penal. O sentido ético que inspira e subjaz asanção política prevista no art. 15, III, da Constituição12, dá abono à primeira interpretação, aliás adotada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul13. É a segunda, no entanto, a que tem o aval do Tribunal Superior Eleitoral14. Qualquer que seja o entendimento, é certo que durante o prazo do sursis a sanção política persistirá, porque ainda persistem os efeitos da condenação.

17 Por outro lado, sejam quais sejam os efeitos a que se refere o Constituinte, não há dúvida de que, uma vez esgotados, opera-se a reaquisição dos direitos políticos, independentemente da reabilitação criminal. Exigir-se, para tal fim, a conclusão do processo formal de reabilitação seria prolongar o tempo de suspensão da cidadania e sujeitá-la a imposições não previstas na Constituição. Com efeito, a reabilitação, que tem efeito meramente declaratório, só pode ser requerida após dois anos "do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar a execução..." e desde que atendidos outros requisitos elencados no art. 94 do Código Penal. Exigir-se a reabilitação significaria prolongar a suspensão por mais dois anos além do prazo previsto pelo Constituinte.

3.4 Improbidade administrativa

18. A suspensão dos direitos políticos por motivo de improbidade administrativa é hipótese nova no direito brasileiro, introduzida pela Constituição Federal/88. À improbidade, tradicionalmente, cominavam-se sanções de natureza penal, ainda que com efeitos políticos. Mas, sempre em ação penal. Agora, a sanção não é penal. É civil ou, melhor dizendo, político-civil. Leia-se, com efeito, a Constituição Federal, no § 4° do art. 37: "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível". Ora, essa circunstância - natureza não criminal da sanção - inova substancialmente na ordem jurídica, o que fica evidenciado no exame da Lei n. 8.429, de 02.06.92, que, regulamentando o texto constitucional, dispôs sobre "as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou funcional".

19 Autor e lesado por improbidade têm conceito amplíssimo na lei, conforme se vê nos seus arts. 1° e 2°. Agente público, eventual sujeito ativo do ilícito, é considerado "todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior" (art. 2°). Como vítimas figuram, além das entidades da administração direta, indireta e funcional, as empresas incorporadas ao patrimônio público ou aquelas entidades para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com parcela superior a cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita (art. 1°) e, ainda, as entidades que recebem subvenção, beneficio ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgãos públicos (parágrafo único do art. 1°).

20 Os atos de improbidade foram divididos em três grandes grupos: os "que importam enriquecimento ilícito" (art. 9°), os "que causam prejuízos ao erário" (art. 10) e os "que atentam contra os princípios da administração pública" (art. 11 ). No que diz respeito à cominação de suspensão dos direitos políticos ora em estudo -que é aplicável cumulativamente com outras previstas na lei, como a perda do cargo público, o ressarcimento dos danos, a perda dos acréscimos patrimoniais ilicitamente obtidos etc. -fixou a lei, no art. 12, a seguinte gradação: suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, para os atos da improbidade do primeiro grupo (art. 9°); de cinco a oito anos, para os atos do segundo grupo (art. 10); e de três a cinco anos, para os demais (art. 11 ). "Na fixação das penas", diz a lei, "... o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim, como o proveito patrimonial obtido pelo agente" (art. 12, parágrafo único).

21 Muito embora a penalidade seja a suspensão dos direitos políticos e a perda do cargo eletivo, se for o caso, a ação não é da competência da Justiça Eleitoral, já que a matéria não tem natureza eleitoral. Em voto no TRE/RS sustentamos que "o controle dos direitos políticos dos cidadãos, em princípio, refoge à competência eleitoral. Só o será se, no curso do processo eleitoral e em função dele, houver necessidade de, incidentalmente, conhecer de matéria relacionada com inelegibilidade. É o que ocorre quando do pedido de registro de candidaturas ou de diplomação de eleitos, onde a elegibilidade (e, portanto, se for o caso, a existência dos direitos políticos) deve ser examinada. Nesses casos, porém, a existência dos direitos políticos é fundamento para a decisão, jamais seu objeto. É que a elegibilidade, ou seja, a aptidão para ser votado, é apenas um dos atributos dos direitos políticos, já que, a este, outros atributos e faculdades são inerentes, e não apenas os relacionados com eleições (direito de votar e ser votado), e sim os que dizem respeito ao status civitatis no seu mais amplo sentido. Portanto, a perda ou suspensão dos direitos políticos traz aos cidadãos atingidos conseqüências muito mais abrangentes que as relacionadas com eventual e episódica participação em determinado pleito eleitoral"15. Portanto, a ação de , que trata a Lei n. 8.429/92 será processada e julgada perante a Justiça Comum. Se a lesão afetar direito ou interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, a competência será da Justiça Comum Federal, já que, nestes casos, figurando a lesada no pólo ativo da relação processual, ou como autora (art. 17) ou como litisconsorte (art. 17, § 3°), aplica-se a regra de competência do art. 109, I, da Constituição. Nos demais casos, a competência será de Justiça Comum dos Estados.

22 Por outro lado, não se tratando de ação penal, não se aplicam, à hipótese, as regras que estabelecem foro especial por prerrogativa de função, tais como as dos arts. 29, VIII; 102, I, "b" e "c"; 105, I, "a" e 108, I, "a", da Constituição. Independentemente do grau hierárquico do agente público que tenha praticado o ato de improbidade, a ação será proposta perante o Juízo de primeira instância, como aliás ocorre quando se trata de ação popular. Saliente-se que, a teor do art. 20 da Lei em comento, a suspensão dos direitos políticos somente se efetivará com o trânsito em julgado da sentença, o que importa dizer que todos os recursos que vierem a ser interpostos terão efeito suspensivo.

4 Direitos políticos e cargo público

23 Questão importante é a de saber se a perda ou suspensão dos direitos políticos acarreta a perda do cargo público. Para respondê-la é mister distinguir-se e precisar-se a condição daquele que exerce cargo de Governo (o agente político) e daquele que exerce cargo de administração (o servidor público, propriamente dito). Governo, diz Hely Lopes MEIRELES, "é atividade política e discricionária; administração é atividade neutra, normalmente vinculada à lei ou à norma técnica. Governo é conduta independente; administração é conduta hierarquizada. O Governo comanda com responsabilidade constitucional e política, mas sem responsabilidade profissional pela execução; a Administração executa sem responsabilidade constitucional ou política, mas com responsabilidade técnica e legal pela execução. A Administração é o instrumental de que dispõe o Estado para por em prática as opções políticas do Governo. Isto não quer dizer que a Administração não tenha poder de decisão. Tem. Mas o tem somente na área de suas atribuições e nos limites legais de sua competência executiva, só podendo opinar e decidir sobre assuntos jurídicos, técnicos, financeiros, ou de conveniência e oportunidade administrativas, sem qualquer faculdade de opção política sobre a matéria"16. Daí a fundamental distinção antes referida entre os agentes políticos, ocupantes de cargos de Governo, dos servidores públicos, ocupantes de cargos de administração. lê-se na doutrina de Celso Antônio Bandeira de MELLO que "Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado", enquanto que "a designação de servidores públicos abarca todos aqueles que entretêm com o Estado e entidades de sua administração indireta ou fundacional relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vinculo de dependência"17.

4.1 Agentes políticos

24 O gozo dos direitos políticos é condição indispensável à elegibilidade, como faz expresso o art. 14, § 3°,II, da Constituição Federal. É, igualmente, requisito para o exercício de cargos não eletivos de natureza política, tais como os de Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais (Constituição Federal, art. 87). Não teria sentido, que a estes agentes políticos -"titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ...ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder", encarregados de formar a vontade superior da sociedade política - fosse dado exercer o cargo mesmo quando privados dos direitos de cidadania. Seria um verdadeiro contra-senso, já que "o vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um munus público. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e por isto candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade"18. Aos agentes políticos -titulares de cargos eletivos ou não -exige-se, portanto, o pleno gozo dos direitos políticos, não apenas para habilitar-se ou investir-se no cargo, mas, igualmente, para nele permanecer. Assim, a superveniente perda ou suspensão dos direitos de cidadania implicará, automaticamente, a perda do cargo. Há, porém, uma exceção: a do parlamentar que sofrer condenação criminal. O trânsito em julgado da condenação acarreta, como já se viu, a suspensão, ipso iure, dos direitos políticos (Constituição Federal, art. 15, III), mas não extingue, necessariamente, o mandato eletivo. Ao contrário das demais hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos, que geram automática perda do mandato (art. 55, IV, da Constituição Federal), perda que "será declarada pela Mesa da Casa respectiva..." (art. 55, § 3°), em caso de condenação criminal a perda do mandato (art. 55, VI) "... será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta..." (Constituição Federal, art. 55, § 2°). Ou seja: não havendo cassação do mandato pela Casa a que pertencer o parlamentar, haverá aí hipótese de exercício do mandato eletivo por quem não está no gozo dos direitos de cidadania. Esta estranha exceção poderá representar, quem sabe, um mecanismo de defesa contra o exacerbado rigor do art. 15,III, do texto constitucional, mas é curioso que assim seja, dado que a condenação do parlamentar só se tornou viável ante a prévia licença dos seus pares para a instauração da ação penal (Constituição Federal, art. 53, § 1°).

25 A essa altura cumpre referir o art. 92, I, do Código Penal, que prevê como "efeitos da condenação: I - a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública quando a pena aplicada for superior a quatro anos;" ... À luz da Constituição passada, entendia-se que não era legítimo o dispositivo no que se referia a mandato eletivo, já que, implicando suspensão de direito político, a pena não poderia ser criada senão em lei complementar, como exigia o § 3° do art. 149, da Constituição Federal/6919. Pois bem, no regime constitucional vigente, com mais razão a disposição é inaplicável: o mandato eletivo ou se extingue automaticamente pela suspensão dos direitos políticos, acarretada pela sentença penal condenatória transitada em julgado, ou, no caso de mandato parlamentar, dependerá de decisão da respectiva Casa Legislativa, como antes se viu.

4.2 Servidores públicos

26 No que se refere aos servidores públicos, o tratamento é diferente. É certo que a lei exige o gozo dos direitos políticos como requisito para investidura em cargo público (Lei n. 8.112/90, art. 5°, II). Porém, dada a natureza profissional, e não política, do cargo que exercem, e o caráter permanente, e não transitório, do seu exercício, só a perda dos direitos políticos é que poderá atingí-lo. E atingi-lo-á, não pela perda dos direitos políticos em si, mas pela perda da nacionalidade, causa da perda daqueles direitos. Em casos de suspensão, que é sempre temporária, dos direitos de cidadania, a perda do cargo não será, pois, decorrência necessária, mas dependerá de cominação aplicada autonomamente, mediante o devido processo legal, nos casos que a lei estabelecer. Em outras palavras: o exercício de cargo público de natureza profissional, diferentemente do que ocorre com os cargos de natureza política, não se interrompe por suspensão dos direitos políticos. Perda do cargo poderá haver se o fato determinante da suspensão dos direitos políticos constituir também infração sancionável com dita penalidade, o que se verificará, se for o caso, em processo próprio, administrativo-disciplinar (Lei n. 8.112/90), jurisdicional-civil (Lei n. 8.429, de 1992, art. 12) ou jurisdicional-penal (Código Penal, art. 92, I).

5 Considerações finais

27 Parece certo concluir-se, destas observações, que o controle dos direitos políticos resultou superlativamente valorizado pela constituição de 1988, notadamente por dois aspectos: primeiro, pela autoaplicabilidade do dispositivo que prevê a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado, o que importa valorização dos padrões éticos da cidadania; segundo, pela criação da pena política para as hipóteses de improbidade administrativa, o que representa instrumento importante -hoje inteiramente regulamentado e apto a ser utilizado -para a moralização da atividade pública e dos seus serviços, exigência impostergável de uma sociedade que, impaciente e esperançosa, anseia ver afastados da vida pública os que, por ímprobos, não merecem os direitos de cidadania.

Notas

1 Esta definição de direitos políticos em sentido amplo tem o aval abalizado dos nossos constitucionalistas, como se pode ver em Pinto FERREIRA, Comentários à Constituição brasileira, Saraiva, 1989, v. 1, p. 288: "Os direitos políticos são aquelas prerrogativas que permitem ao cidadão participar na formação e no comando do governo". Na definição clássica de Pimenta BUENO, os direitos políticos são "as prerrogativas, os atributos, faculdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo do seu país, intervenção direta ou só indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade de gozo desses direitos" (Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, Ministério da Justiça, Serviço de Documentação, 1958, p. 458, citado por Pinto FERREIRA, op. cit.). Pontes de MIRANDA sintetiza: "Direito político é o direito de participar da organização e funcionamento do Estado" (Comentários à Constituição de 1967, Rio de Janeiro, Forense, 1987, v. 4, p. 573).

2 É por isso que se diz que, no direito brasileiro, a cidadania tem graduação mínima, média e máxima, conforme a maior ou menor gama de direitos políticos atribuídos ao cidadão (Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, Curso de direito constitucional, Saraiva, 5. ed., 1975, p. 260).

3 Ver, a propósito, Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, op. cit., p. 259.

4 Anoto opinião em outro sentido de José Afonso da SILVA, que dá a entender que a perda da nacionalidade, hoje, não importa perda dos direitos políticos (Curso de direito constitucional positivo, RT, 7. ed., p. 331).

5 O cumprimento de prestação alternativa ao serviço militar obrigatório está disciplinado na Lei n. 8.239, de 04.10.91, que, no art. 4°, § 2°, refere-se à suspensão dos direitos políticos decorrente da recusa.

6 Constituição de 1969, art. 149, § 1°, "b"; Constituição de 1946, art. 135, § 2°, II; Constituição de 1937, art. 119, "b".

7 Código Civil, art. 5°; Decreto n. 24.559, de 03.07.34, art. 26.

8 Na ação penal n. 225-RJ, Rel. Min. Xavier de ALBUQUERQUE, julgada em 18.07.77, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, "declarar que a presente condenação, por isso que suspensa a execução de pena privativa da liberdade, não importa na suspensão dos direitos políticos, face à inexistência da Lei Complementar a que se refere o art. 149, § 3°, da Constituição" (RTJ 82/647).

9 " A norma do artigo 15, III, da Constituição Federal é auto-aplicável", diz o prejulgado n. 1, de 1992, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul.

10 Com razão se questiona a rigidez constitucional da letra "e", do inc. I do art. 1° da LC 64/90. A autorização constitucional para criação, por Lei Complementar, de novas hipóteses de inelegibilidade, só poderia ser utilizada com o "fim de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta" (Constituição Federal, art. 14, § 9°). Ora, é questionável a compatibilidade do disposto na letra "e", referida, com a finalidade expressa na Constituição, como bem observou Antônio Carlos MENDES, Fascículos de ciências penais, V.S., n.2, p. 38, abr/jun. 1992.

11 Anoto opinião em sentido contrário de Antônio Carlos MENDES, op. cít., que admite a possibilidade de "concluir-se que os crimes culposos são insuscetíveis de suspensão dos direitos políticos".

12 "No tocante ao fundamento da medida, diz Pontes de Miranda ser ético, já que o criminoso não é idôneo para participar dos negócios públicos" (Celso Ribeiro BASTOS, Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, vol. 2, p. 595).

13 Acórdão n. 50/92, de 25.03.92, Rel. Juiz Armindo José Lima da ROSA, entre outros.

14 Acórdão n. 12.931, de 01.10.92, Rel. Min. Torquato JARDIM, entre outros.

15 Processo Classe XVII, Acórdão n. 179/93, de 04.08.93, votação unânime, com a seguinte ementa: "Representação: suspensão de direitos políticos por improbidade administrativa. Matéria que refoge à competência da Justiça Eleitoral. Declinação de competência e remessa dos autos ao juízo de direito da comarca de origem do feito".

16 Direito administrativo Brasileiro, RT, 14. ed., p. 56.

17 Curso de direito administrativo, Malheiros, 4. ed., 1993, p. 123.

18 Celso Antônio Bandeira de MELLO, op. e loc. cit.

19 A propósito: Celso DELMANTO, Código penal comentado, Renovar, 2. ed., p. 155.

Juiz do TRF - 4ª Região e do TRE/RS e Professor de Processo Civil na UFRGS.

* Texto básico de palestra proferida na Escola Superior da Magistratura da AJURIS, em 29.10.93.

Publicado na RESENHA ELEITORAL - Nova Série, v. 2, Edição Especial (mar. 1995).

Quando ocorre a perda dos direitos políticos?

A suspensão de direitos políticos ocorre, nos termos do art. 15, III, da CF/88, após o trânsito em julgado de condenação criminal e persiste enquanto durarem seus efeitos. Abrange a capacidade eleitoral ativa e passiva do condenado, impedindo-o de votar, filiar-se a partido e candidatar-se a cargo eletivo.

É permitida a cassação de direitos políticos no caso de condenação?

A cassação é expressamente vedada pela Constituição Federal, proibição estampada em seu Art. 15. Art.

É vedada a cassação de direitos políticos cuja perda ou suspensão se dará nas hipóteses abaixo salvo no caso de?

É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensãose dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos ...

É vedada a cassação de direitos políticos cuja perda ou suspensão só se dará quando houver cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado?

Não é admissível a cassação dos direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta; condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou ...