A multiplicidade sobre a mesma questão jurídica de direito artigo

Plenário Virtual

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. ARTIGO 34, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA BAHIA. PREVISÃO DE TETO REMUNERATÓRIO ÚNICO. ADVENTO DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS 41/2003 E 47/2005. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

    MANIFESTAÇÃO: Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo ESTADO DA BAHIA, com arrimo na alínea a permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), assim ementado:

    “INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. CONTROVÉRSIA ACERCA DO REFERENCIAL DO TETO REMUNERATÓRIO APLICÁVEL AOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS DO PODER EXECUTIVO. ADOÇÃO, PELO ESTADO DA BAHIA, DE LIMITE ÚNICO, CONSUBSTANCIADO NO SUBSÍDIO DOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 34, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. NORMA ESTADUAL SUSPENSA TEMPORARIAMENTE PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003, QUE FIXOU COMO TETO DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL O SUBSÍDIO DE GOVERNADOR. POSTERIOR PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 47/2005, QUE FACULTOU A ADOÇÃO DE LIMITE ÚNICO PELOS ESTADOS, COM EFICÁCIA RETROATIVA À DATA DE VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003. ESTADO DA BAHIA QUE JÁ HAVIA SE UTILIZADO DESSA FACULDADE ATRAVÉS DO ART. 34, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, CUJA EFICÁCIA FOI REVALIDADA ATRAVÉS DO ART. 6º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 47/2005. PRINCÍPIO FEDERATIVO. AUTO-ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS. INAPLICABILIDADE DO ART. 2º DA LINDB. ENTRADA EM VIGOR, DURANTE A TRAMITAÇÃO DO IRDR, DA EMENDA À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL Nº 25/2018. ELIMINAÇÃO DO LIMITE ÚNICO ANTERIORMENTE PREVISTO NA NORMA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE PERDA DE OBJETO DO PRESENTE INCIDENTE. LIMITAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO À DATA EM QUE ENTROU EM VIGÊNCIA A ECE Nº 25/2018. FIXAÇÃO DA TESE JURÍDICA VINCULANTE E JULGAMENTO DO PROCESSO-PILOTO QUE ORIGINOU O INCIDENTE.

    1. O presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas cuida de controvérsia acerca do referencial do teto remuneratório aplicável aos servidores públicos estaduais do Poder Executivo, em que se visa a fixação de tese jurídica acerca da vigência ou não do art. 34, § 5º, da Constituição Estadual, a teor do quanto disposto pelas Emendas Constitucionais nº 41/2003 e nº 47/2005.

    2. Para adequar-se ao disposto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, a Constituição do Estado da Bahia foi alterada, através da Emenda nº 07/1999, que inseriu o § 5º no seu artigo 34, estabelecendo, como teto remuneratório, no âmbito estadual, o subsídio mensal, em espécie, dos Desembargadores do Tribunal de Justiça.

    3. Ocorre que, posteriormente, o inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal foi novamente alterado, através da Emenda Constitucional nº 41/2003, passando a fixar como teto remuneratório, nos Estados, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo.

    4. A despeito do aparente conflito entre regras editadas por entes federados distintos, observa-se que o artigo 34, § 5º, da Constituição do Estado da Bahia não foi revogado pela Emenda Constitucional nº 41/2003, mas tão somente teve a sua eficácia temporariamente suspensa.

    5. Assim, em 05 de julho de 2005, foi editada a Emenda Constitucional nº 47, que acrescentou o § 12 ao art. 37, facultando aos Estados, mediante emenda às suas Constituições, estabelecer como limite único o subsídio mensal, em espécie, dos Desembargadores dos respectivos Tribunais de Justiça, retroagindo expressamente os seus efeitos à data de vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003.

    6. Muito embora o § 12 do art. 37 da Constituição Federal trate-se de norma de eficácia limitada, facultando apenas ao Poder de Reforma Estadual instituir o teto único, observa-se que, no caso do Estado da Bahia, já havia sido adotada, desde a Emenda à Constituição Estadual nº 07/1999, a opção pelo limite único, sendo certo que, com a vigência da Emenda Constitucional nº 47/2005, houve a retomada dos ditames ali preceituados, trazendo à voga o teto relativo aos subsídios dos Desembargadores.

    7. Registre-se que, durante a tramitação do presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, sobreveio a Emenda à Constituição Estadual nº 25, de 19 de dezembro de 2018, que, alterando o § 5º do artigo 34 da Constituição do Estado da Bahia, eliminou o limite único anteriormente previsto na norma estadual.

    8. Ante o exposto, resta aprovada a seguinte tese jurídica vinculante: ‘O teto remuneratório dos servidores públicos do Poder Executivo do Estado da Bahia, até a entrada em vigência da Emenda à Constituição Estadual nº 25, de 19 de dezembro de 2018, era o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, conforme o disposto no artigo 34, § 5º, da Constituição do Estado da Bahia, com redação dada pela Emenda à Constituição Estadual nº 07/1999’

    9. Na apreciação do processo paradigma, devem ser julgados prejudicados os Embargos de Declaração do Estado, rejeitada a preliminar de irregularidade de representação e, no mérito, concedida parcialmente a segurança para reconhecer o direito líquido e certo dos associados da Impetrante de terem como teto remuneratório o subsídio mensal dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, até o advento da Emenda à Constituição Estadual nº 25/2018, condenando-se o Estado da Bahia ao pagamento das diferenças havidas desde a data da impetração do mandamus até a data da entrada em vigor da ECE nº 25/2018, devidamente corrigidas pelo IPCA-E e com juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança.” (Doc. 24, p. 1-4)

    Não foram opostos embargos de declaração.

    Nas razões do apelo extremo, a parte recorrente sustenta preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 37, XI e §§ 11 e 12, da Constituição Federal (Doc. 28). Em relação à repercussão geral, aduz que “a identificação da prevalência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal revogando o art. 34, § 5º, da Constituição Estadual, conforme afirma o Estado da Bahia, ou a sua repristinação com o advento da Emenda Constitucional nº 47/2005, por força do seu art. 6º e tendo em vista a redação conferida aos §§ 11 e 12 do art. 37, consoante a tese adotada pelo acórdão recorrido, é questão que transcende o interesse individual, apresentando repercussão e transcendência jurídica e econômica, à vista do impacto que sofrerá o erário público em se mantendo o entendimento firmado pelo acórdão em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”.

    Quanto ao mérito, argumenta que “a revogação ou não-recepção se opera de pleno direito, não sendo afetada por qualquer previsão de ato normativo com eficácia retroativa, posto que a eficácia revogadora da redação dada ao art. 37, inciso XI, pela Emenda Constitucional nº 41/2003 sobre o art. 34, § 5º, da Constituição Estadual já se perfez e se exauriu. Sendo assim, não é possível interpretar e considerar que a eficácia retroativa conferida pelo seu art. 6º à Emenda Constitucional nº 47/2005 e nem o § 12 do art. 37 teriam ocasionado a restauração da eficácia ou repristinação da disposição constante do art. 34, § 5º, da Constituição Estadual, de modo a se considerar que o teto de remuneração no Poder Executivo Estadual seria, desde 2003 até o advento da Emenda Constitucional nº 25/2018, correspondente a teto de Desembargador”.

    Assevera que “é impossível sustentar que norma constitucional superveniente incompatível com norma infraconstitucional pretérita suspenda a sua eficácia. É caso típico e induvidoso de revogação ou não-recepção. Não existe a suposta eficácia suspensiva”.

    Sustenta que “a retroação dos efeitos da Emenda Constitucional nº 47/2005 à data de vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 não pode sustar, cancelar ou prejudicar a eficácia revogadora da redação dada ao art. 37, inciso XI, sobre o art. 34, § 5º, da Constituição Estadual, pois a eficácia revogadora se exaure em si mesma”.

    Em contrarrazões, a parte recorrida postula o não conhecimento do recurso extraordinário em razão da inexistência de repercussão geral, da incidência do óbice da Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal e da ausência de impugnação de todos os fundamentos do acórdão recorrido. Caso conhecido, pede que seja negado provimento ao recurso (Doc. 32).

    O 2º Vice-Presidente do Tribunal de origem proferiu juízo positivo de admissibilidade do recurso, nos termos seguintes:

    “Em que pese não se desconhecer o entendimento pacificado pelo Pretório Excelso no Tema 81 de Repercussão Geral, bem assim a existência de julgados da Egrégia Corte Suprema afirmando o caráter infraconstitucional da controvérsia alusiva ao teto remuneratório de servidores dos Estados da Federação, a exemplo do ARE 834690 AgR, Relator: Min. Dias Toffoli; e AG. REG. NO RE COM AGRAVO 830.149; Relatora: Min. Carmen Lúcia), colhe-se, em pesquisa realizada no âmbito do STF, julgados que, quanto à validade de normas infraconstitucionais que venham a se tornar incompatíveis com a Carta Magna por força de nova ordem constitucional instituída por modificações na Constituição Federal, amparam a tese esposada pelo recorrente no sentido de possível revogação – e não mera suspensão de eficácia - da norma estadual anterior, no caso, o art. 34, § 5º, da Constituição do Estado da Bahia, ao sobrevir a sua incompatibilidade com o quanto disposto no art. 37, XI, da CF/88, com a redação que lhe foi dada pela EC nº 43/2003.

    Nesse panorama, afigura-se recomendável que a controvérsia seja submetida à Corte Constitucional, a fim de que se perquira quanto ao restabelecimento ou não da higidez do art. 34, § 5º da Constituição do Estado da Bahia em face do disposto no art. 6º, da EC nº 45/2005, emenda essa que, ao facultar aos Entes Federados o estabelecimento do subsídio de Desembargador do Tribunal de Justiça Estadual como parâmetro para a fixação do teto remuneratório do funcionalismo, por meio da inserção do § 12 no art. 37 da Constituição Federal, dispôs que os seus efeitos retroagiriam até a entrada em vigor da EC nº 43/2003.

    Ademais, por se tratar de recurso interposto em incidente de resolução de demandas repetitivas julgado por esta Corte Estadual, torna-se evidente o caráter múltiplo do processo sub judice, encontrando-se no sistema informatizado do NUGEPNAC o quantitativo de 127 processos sobrestados em que se discute a referida temática.

    Ante o exposto, admito o recurso extraordinário interposto em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), atribuindo-lhe efeito suspensivo, ex vi do art. 987, § 1º, do CPC (...)” (Doc. 33, p. 3-4)

    É o relatório. Passo a me manifestar.

    Ab initio, cumpre delimitar a questão controvertida nos autos, qual seja: vigência do artigo 34, § 5º, da Constituição do Estado da Bahia, o qual previa como teto remuneratório único dos servidores estaduais o subsídio mensal, em espécie, dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, considerando-se o advento das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005.

    Com efeito, a matéria aqui suscitada possui densidade constitucional suficiente para o reconhecimento da existência de repercussão geral, competindo a esta Suprema Corte definir os efeitos da Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005 sobre norma de Constituição Estadual editada na vigência da Emenda Constitucional 19/1998, que previa como limite de remuneração para todo o funcionalismo estadual o subsídio mensal, em espécie, dos Desembargadores do Tribunal de Justiça respectivo.

    Importante ressaltar a relevância do caso sub examine também sob o aspecto processual, em virtude de sua tramitação qualificada na origem por meio do IRDR, ferramenta processual brasileira, conciliada com ideias mundiais, que insere os juízes de primeira instância e os tribunais de segunda instância na participação efetiva da formação de precedentes vinculantes nesta Suprema Corte e no Superior Tribunal de Justiça. Saliente-se que, conforme relatado no juízo de admissibilidade, só na origem há pelo menos 127 (cento e vinte e sete) processos sobrestados nos quais se discute a presente controvérsia.

    Como já tive oportunidade de me manifestar no RE 1.293.453 (Tema 1.130 da Repercussão Geral), o instituto jurídico do incidente de resolução de demandas repetitivas se apresenta em um contexto maior da evolução da sociedade, em que a resolução coletivizada de processos judiciais se tornou algo inseparável da jurisdição contemporânea. Assim, a massificação dos interesses sociais, em momento histórico em que se ampliou o número de pessoas sujeitos e conscientes de direitos, aliada à ampla (e necessária) abertura do Poder Judiciário, exigiu a atualização das técnicas processuais a fim de permitir ferramentas modernas e eficientes para a resolução tempestiva das questões controvertidas submetidas ao Poder Judiciário. É a tutela coletiva dos direitos na definição de Teori Zavascki (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais. 6ª Ed. 2014), em que o Poder Judiciário é provocado para, de forma eficiente e efetiva, resolver pretensões relacionadas a direitos individuais homogêneos. Com isso, prima-se pela atuação célere do Poder Judiciário não sob o aspecto individualizado dos julgamentos, mas sim da solução de questões que impactam a resolução de diversas ações judiciais.

    Essa evolução da técnica processual brasileira acompanha uma tendência mundial, a qual influi num conceito básico de atuação do Poder Judiciário, em que se evita o julgamento repetido de mesma questão jurídica tão somente pela alteração das partes processuais. Essa característica, apontada por Marinoni, Mitidiero e Arenhart como uma anomalia do sistema processual (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: Volume 2 : Tutela dos Direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015), possui reflexos perniciosos ao sistema processual, pois a constância de julgamentos durante o tempo transmite uma falsa impressão à sociedade de que a questão jurídica ainda não foi definitivamente decidida pelo Poder Judiciário.

    É preciso, portanto, identificar a mudança salutar e normal da prática processual brasileira, que passou, de forma gradativa durante os anos ainda da vigência do Código de Processo Civil de 1973, a estabelecer formas mais racionais de julgamento de questões repetidas, principalmente com a regulamentação da repercussão geral e dos recursos repetitivos.

    Nessa toada, o Código de Processo Civil de 2015, em boa hora, fortaleceu esses institutos de julgamento por amostragem (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, vol. V, 14ª Ed. 2009) e instrumentalizou o Poder Judiciário com ferramentas eficientes que dispensam a atuação repetitiva e muitas vezes desnecessárias em centenas ou milhares de processos. Com o devido destaque, foi igualmente importante a opção de ampliar os julgamentos por amostragem para os tribunais de segunda instância, com a inserção no ordenamento processual do incidente de resolução de demandas repetitivas, cuja técnica é identificada em outros países que se destacam pela centralização e racionalidade das atividades jurisdicionais de instrução processual e decisória. Refiro-me, especialmente, às técnicas existentes no direito alemão (Musterverfahren), inglês (Group Litigation Order – GLO) e americano (Multidistrict Litigation – MDL).

    Essas ferramentas processuais são essenciais para o nosso modelo devido à forte centralização decisória adotada pela Constituição Federal de 1988, em que a decisão final de questões jurídicas ocorrem, efetivamente, com a apreciação da matéria pelo Supremo Tribunal Federal - quando a questão envolver a interpretação da Constituição Federal -, pelo Superior Tribunal de Justiça - na hipótese de se veicular questão infraconstitucional federal - e pelos tribunais de justiça, em questões locais com interpretações de leis municipais e estaduais.

    Feitas essas digressões, no mérito, pontuo inicialmente que não se olvida do julgamento do Recurso Extraordinário 576.336, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 6/6/2008 (Tema 81 da Repercussão Geral), o qual teve por escopo impugnar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia que entendera ilegal o estorno realizado nas remunerações dos auditores fiscais estaduais com base no subsídio do Governador, considerando-se o teor da Emenda Constitucional 47/2005 e da Emenda Constitucional estadual 36/2003, que previa como teto único do funcionalismo estadual o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça. Naquela oportunidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu pela ausência de repercussão geral, em acórdão assim ementado:

    “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. AUDITOR FISCAL. ESTORNO NA REMUNERAÇÃO. SUBSÍDIO DO GOVERNADOR. EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003. SUPERVENIÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 47/2005. SUBSÍDIO DO DESEMBARGADOR. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. Questão restrita ao interesse regional e das partes.”

    In casu, no entanto, verifico que o Tribunal a quo consignou, em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas, que “o artigo 34, § 5º, da Constituição do Estado da Bahia não foi revogado pela Emenda Constitucional nº 41/2003, mas tão somente teve a sua eficácia temporariamente suspensa” (grifei).

    Concluiu que a Emenda Constitucional 47/2005 entrou em vigor, nos termos do seu artigo 6º, com efeitos retroativos à data de vigência da Emenda Constitucional 41/2003 e facultou aos Estados e ao Distrito Federal a fixação de teto remuneratório único limitado ao subsídio mensal de Desembargador do Tribunal de Justiça respectivo (artigo 37, § 12, da Constituição Federal), de modo que referida faculdade já teria sido anteriormente exercida, no âmbito do Estado da Bahia, pelo § 5º do artigo 34 da Constituição Estadual, inserido pela Emenda à Constituição Estadual 7/1999.

    Por seu turno, o Plenário desta Corte, no julgamento do Recurso Extraordinário 609.381, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 11/12/2014 (Tema 480 da Repercussão Geral), concluiu que a Emenda Constitucional 41/2003 tem eficácia imediata, em julgado cuja ementa transcrevo, in verbis:

    “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TETO DE RETRIBUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 41/03. EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXIMOS NELA FIXADOS. EXCESSOS. PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE.

    1. O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior.

    2. A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Os valores que ultrapassam os limites pré-estabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos.

    3. A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional.

    4. Recurso extraordinário provido.” (grifei)

    Ademais, o Plenário do Supremo Tribunal Federal apreciou, recentemente, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3.855 e 3.872, Relator o Ministro Gilmar Mendes, e reconheceu a constitucionalidade do artigo 37, XI, da Constituição Federal, com a alteração da Emenda Constitucional 41/2003. Em seu voto, o relator entendeu que as diferenças estabelecidas entre os subtetos seriam compatíveis com o princípio da igualdade, pois reconheceriam a existência de singularidades nas diversas esferas do poder público, de modo que o dispositivo prestigiaria a autonomia administrativa e financeira local. Referido acórdão porta a seguinte ementa:

    “Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Legitimidade ativa da ADEPOL. 3. Art. 1º da Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, que alterou o art. 37, XI, da CF/88. 4. Trecho ‘o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo’. 5. A possibilidade da instituição de subtetos após a vigência da EC 41/03 encoraja os entes federativos a proceder de forma particular quanto à limitação da remuneração do serviço público, buscando soluções compatíveis com as respectivas realidades financeiras. 6. Ausência de violação aos princípios da isonomia e da razoabilidade. 7. Ação conhecida e não provida.” (ADI 3.855, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe de 3/12/2021, grifei)

    É certo que a vexata quaestio veicula tema constitucional, que transcende os limites subjetivos da causa, especialmente em razão da multiplicidade de recursos extraordinários a versarem idêntica controvérsia. Não se pode negar que os efeitos das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005 são objeto de constantes análises deste Tribunal, a demonstrar a relevância e a repercussão jurídica da matéria.

    Demais disso, observo que o presente feito contém abrangente argumentação e discussão a respeito da questão constitucional, o que contribui para um julgamento que venha conferir estabilidade aos pronunciamentos desta Corte e, mediante a sistemática de precedentes qualificados, garantir aplicação uniforme da Constituição Federal, com segurança e previsibilidade para os jurisdicionados.

    Configura-se, assim, a relevância da matéria sob as perspectivas econômica, social e jurídica (artigo 1.035, § 1º, do Código de Processo Civil), bem como a transcendência da questão cuja repercussão geral ora se submete ao escrutínio desta Suprema Corte. Nesse sentido, tenho que a controvérsia constitucional em apreço ultrapassa os interesses das partes, avultando-se relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico.

    Ex positis, nos termos do artigo 1.035 do Código de Processo Civil de 2015 e artigo 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, manifesto-me pela EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO SUSCITADA e submeto o tema à apreciação dos demais Ministros da Corte.

    Brasília, 17 de fevereiro de 2022.

Ministro LUIZ FUX

Presidente

Documento assinado digitalmente