É possível aplicar os preceitos constitucionais nas relações privadas a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais?

RESUMO: As relações entre os particulares, por longos anos, pairavam sobre o império exclusivo da autonomia da vontade. A dicotomia de direito público e privado existia com uma grande intensidade que se buscava impedir a aplicação de preceitos públicos nas tratativas de negócios jurídicos. A boa-fé objetiva relativizou essa concepção que já não tem mais espaço no campo do direito contemporâneo. Atualmente o Direito busca integrar as relações privadas ao direito fundamental, que, como a própria nomenclatura declara, é fundamental às pessoas, sem, entretanto, extinguir o império da vontade e a liberdade de contratar. É nesse contexto que surge a aplicação da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares.

Palavras-Chaves: Direitos Fundamentais; Eficácia Horizontal; Relações entre os Particulares.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Força Vinculante da Constituição Federal 3. Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais e o STF. 4. Conclusão. 5. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Nenhum operador do Direito tem dúvida sobre a necessidade de se observar o elemento vontade e liberdade para fundamentar os negócios jurídicos e as atividades empresariais.

Na verdade, a liberdade de contratar está estampada pelo direito civil como condição necessária para um negócio jurídico válido. Porém, a norma civilista impõe limites aos particulares, tanto é assim que o próprio Código Civil declara no artigo 113 que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

A leitura da boa-fé, esta que deve ser observada desde a tratativa, até a execução do contrato, tem que ser feita à luz dos direitos fundamentais. A boa-fé legitima o negócio jurídico impedindo que o contrato venha lesar direito constitucionalmente assegurado a cada contratante.

É de ressaltar que o artigo 187 do Código Civil deixa evidente que a inobservância ou o excesso do exercício do direito por qualquer pessoa em suas relações, comete ato ilícito.

Aplicar o direito fundamental nas relações empresariais, condominiais, nada mais é do que a aplicação horizontal dos direitos fundamentais. Chama-se de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a possibilidade de aplicar as normas constitucionais protetoras entre os particulares.

Horizontal se deve ao fato de inexistir relação superior entre os particulares. Assim, estando todos na mesma igualdade há, ainda assim, necessidade de aplicar os direitos fundamentais, para se manter o equilíbrio da relação, evitando o ilícito pelo exercício abusivo do direito.

O foco principal é reconhecer a necessidade de se garantir o contraditório e ampla defesa nas relações entre os particulares. Sabendo que essa necessidade já está positivada na Lei Civil, a exemplo do artigo que diz “a exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto”.

É dessas e outras disposições que veremos a posição do Supremo Tribunal Federal – STF em não só reconhecer a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, como também em aplica-la nos casos concretos, dando densidade normativa dos direitos constitucionais nos contratos civis.

2. FORÇA VINCULANTE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Como é cediço a Constituição é fruto da manifestação do chamado poder constituinte originário. Por meio desse poder surge a obra prima jurídica que rege toda nação não só no panorama externo, como também, nas relações internas.

Partindo da premissa da força vinculante interna da Constituição Federal percebemos que sua irradiação alcança não só os Poderes da República (art. 2º, CRFB/88), definindo os fundamentos (art. 1º, CFRB/88), objetivos fundamentais (art. 3º, CRFB/88), forma de Estado, de Governo (art. 1º, CRFB/88), regime de Governo (§ único, art. 1º, CRFB/88) e sistema de Governo (art. 84, CRFB/88), mas também, as relações entre os particulares (art. 5º, CRFB/88).

A aplicação da Constituição nas relações entre os particulares é nada mais que a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Bem verdade que ao constitucionalizar as relações privadas estamos relativizando o princípio da autonomia da vontade, essência do direito civil, ou melhor, do direito privado.

Porém, ainda que se relativize a autonomia da vontade dos particulares, a observância das normas constitucionais no dia a dia é inafastável para condensar um Estado Democrático de Direito preconizado no caput do art. 1º, CRFB/88. Transcrevo:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...)”

Não faz sentido algum ao lermos o preâmbulo de nossa Carta Cidadã de 1988 chegarmos a uma conclusão diferente, da que é um dever aplicar direitos fundamentais nas relações entre os particulares. Diz o preâmbulo constitucional que:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”.

Ora, promulgar a Carta Popular destinando-se “a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, e ao mesmo tempo negar eficácia dos direitos fundamentais constitucionais entre os administrados, entre os cidadãos, se esvai a intenção do constituinte, e não só esvazia o conteúdo constitucional como abre liberdade para práticas abusivas nas relações humanas nas suas diversas áreas: comerciais, trabalhistas, patrimoniais e etc.

Não se pode ingenuamente imaginar que preceitos constitucionais de inviolabilidades como por exemplo, do domicílio (art. 5º, XI da CRFB/88), da crença (art. 5º, VIII da CRFB/88), vida privada (art. 5º, X da CRFB/88), são comandos protetores apenas em face da atuação estatal, dando-lhes limites, impondo-lhes atos de abstenção.

Tais direitos acima exemplificados alargam os direitos individuais, na medida que garantem maior liberdade ao indivíduo dando-lhes segurança jurídica (art. 5º, caput da CRFB/88), de que o por mais poder que tenha o Estado, este, há de ser limitado pelos direitos constitucionais invioláveis.

Nessa esteira que classificamos tais inviolabilidades constitucionais como direitos de primeira geração ou dimensão, conhecidos também como direitos negativos devido a tese de abstenção. Enfim, tais inviolabilidades englobam os chamados direitos civis, mínimos à pessoa humana (art. 1º, III da CRFB/88).

Em outras palavras, as inviolabilidades constitucionais traçam liberdades fundamentais, pois na medida que impõem a obrigação de “não fazer”, ato de abstenção, o particular tem maior liberdade na sua própria intimidade, honra e liberdade.

3. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O STF

Não se pode enganosamente imaginar que os limites protetores constitucionais são normas dirigidas apenas ao Estado. Jamais. Os direitos fundamentais, pela própria essência de seu surgimento – proteção – impõem limites tanto ao Estado como ao particular.

Assim, ao ditar a Constituição Federal que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador”, o conceito de inviolabilidade e ninguém alcança norma de proibição ao Poder Público e ao particular. Pensamento idêntico deve ser feito na leitura do inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, ambos do art. 5º da CRFB/88.

Essa força compulsória da Constituição entre os particulares se transmuda para teoria, doutrina, jurisprudência e legislação.

Quanto à legislação, temos que o ordenamento infraconstitucional sedimenta a tesa da eficácia constitucional nas relações privadas autônomas, quando considera ilícito o abuso de direito, conforme leitura tranquila do artigo 187 do Código Civil:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

No art. 1.228, § 2º do Código Civil quando diz que “São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”, encontramos mais uma aplicação da força compulsória da Constituição nas relações entre os particulares dada a limitação que tal preceito legal impõe no direito de propriedade, impedindo a utilização da mesma de forma abusiva, prejudicial.

Vejamos que tal previsão materializa, consubstancia nada mais que o princípio da função social da propriedade prevista no art. 5º, inciso XXIII da CRFB/88: “A propriedade atenderá a sua função social”.

No que cerne à aplicação do tema pelo Poder Judiciário, temos o Supremo Tribunal Federal - STF.

O Corte Suprema se manifestou expressamente sobre a irradiação dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares, precisamente, entre os condôminos.

O caso decorreu da necessidade de interpretar o art. 1.337 e § único do Código Civil à luz da Constituição Federal. Prediz o referido artigo e parágrafo que:

 Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.

A grande indagação que se fez no caso concreto que gerou posicionamento do STF foi se há necessidade ou não de garantir o contraditório e à ampla defesa na aplicação de multa ao condômino que tem comportamento antissocial.

Deveras, a sanção prevista para o comportamento antissocial reiterado de condômino não pode ser aplicada sem que antes lhe seja conferido o direito de defesa. É justamente o que chamamos de "eficácia horizontal dos direitos fundamentais".

O STF afirmou que "o espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais." (STF. 2ª Turma. RE 201819, Relator p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/10/2005).

Não há dúvida que aplicar penalidade ao condômino antissocial, sem que lhe seja garantida ampla defesa, contraditório ou devido processo legal fere de morte não só o direito fundamental constitucional, como aniquila a possibilidade de o punido demonstrar que seu comportamento não era antijurídico nem afetou ao direito de vizinhança com os demais condôminos.

O STF também conferiu vida ao tema quando aplicou a necessidade do contraditório e à ampla defesa na exclusão de sócio da sociedade civil. Vejamos nas palavras do Supremo:

EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (RE 201819, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821)

Incontestável a encampação da tese da aplicação horizontal dos direitos fundamentais pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal.

Na doutrina contemporânea, podemos perceber que há muito se vem pregando a tese horizontal dos direitos fundamentais. O próprio Enunciado 92 do Conselho da Justiça Federal, decorrente da I Jornada de Direito Civil declara que “as garantias constitucionais também devem incidir nas relações condominiais, devendo ser assegurados, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório”. Destaque nosso.

O Enunciado em questão trata mais uma vez do artigo 1.337 e § único do Código Civil. Tanto o STF como a doutrina especializada vêm entendendo que negar o direito de contraditório e ampla defesa ao condômino acaba por restringir o direito de propriedade.

Como já dito alhures, impedir o condômino de provar que sua conduta não se enquadra no conceito objetivo de conduta antissocial acaba relativizando seu próprio bem, vez que lhe impõe sanção pelo uso irregular de sua propriedade sem chance de defesa.

No caso do artigo supra, a doutrina não se contenta em discutir a aplicação dos direitos fundamentais entre os condôminos, ou seja, entre os particulares, mas também na consequência da reincidência do comportamento antissocial.

A solução encontrada está estampada no Enunciado 508-CJF. Transcrevo:

“Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal”.

A leitura do Enunciado em questão abriga o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que negar direito ao contraditório e ampla defesa ao condômino considerado antissocial, restringe sua liberdade de propriedade, vez que, lhe pode ser imposto a pena máxima de exclusão.

Não se pode olvidar que para aplicação da sanção tão grave ao condômino reincidente ou desmensurado, deverá ser garantido o direito de defesa, o contra-argumento de que tais imputações podem ser tão somente imaginárias, desproporcionais, posto que, pode existir algum fundamento, uma razão justificante para todos os atos por ele praticados.

Bom registrar que não há previsão de um procedimento na lei para a garantia desse direito. Na verdade, não se exige formalidades rigorosas semelhantes ao processo judicial, nem mesmo de um administrativo.

Basta que seja assegurado o mínimo de oportunidade para que o condômino possa se defender e contraditar a imputação que lhe é feita. Como explica a Min. Isabel Galloti:

"(...) não há de ser uma notificação com os rigores de um processo cível ou criminal, mas apenas que se dê ciência ao condômino de que estará em votação em assembléia da qual deva ser ele cientificado e de cujo edital conste essa imputação passível de aplicação de penalidade." (REsp 1.365.279-SP).

A razão principal para tal conclusão emana não só da doutrina, da legislação infraconstitucional, ou da jurisprudência, mas principalmente da interpretação da aplicação do parágrafo 1º do art. 5º da CRFB/88:

“§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

A aplicabilidade imediata reclamada pela Constituição Federal gera a indistinção entre Poder Público e o particular. Nas palavras do STF:

 “As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm campo de incidência em qualquer relação jurídica, seja ela pública, mista ou privada, donde os direitos fundamentais assegurados pela Carta Política vinculam não apenas os poderes públicos, alcançando também as relações privadas” AgRg no ARE 1.008.25, rel. min. Luiz Fux, DJe 19/4/2017.

Desta feita, é incontestável a aplicação dos direitos fundamentais nas relações praticadas pelos particulares. Ou seja, o respeito ao direito constitucional não se limita em uma vertente vertical (Estado – particular), mas também em um prisma horizontal (particular – particular).

4. CONCLUSÃO

É compulsório e vinculante as normas fundamentais da Constituição Federal nas relações entre os particulares.

Não se quer dizer com isso que não há autonomia privada, nem, tampouco, constitucionalizar o direito civil ao ponto de negar-lhe aplicação ou suprimir por completo a liberdade de contratar ou a liberdade privada.

O que se impõe do exposto é que os princípios de direitos fundamentais por serem inerentes à dignidade da pessoa humana, alcançam sem distinção as relações entre os particulares (relação horizontal), da mesma forma que tal fundamento constitucional se manifesta nas relações entre o Estado com os particulares (relação vertical)

Sendo assim, é inegável a aplicação e adoção da teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais no sistema jurídico brasileiro.

A sociedade contemporânea reclama dos aplicadores e intérpretes do Direito a efetiva concretização dos direitos fundamentais, reduzindo não só as desigualdades sociais como declarado no art. 3º da CRFB/88, como também as desigualdades jurídicas, contratuais, trabalhistas existentes entre as relações simples e complexas dos particulares.

O Direito moderno dá vida aos valores fundamentais e constitucionais, determinando a aplicação da ponderação dos interesses, utilizando como parâmetro os princípios constitucionais que têm aplicabilidade direta e imediata às relações privadas.

Portanto, a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais deve ser aplicada todas as vezes que houver desiquilíbrio nas relações entre os particulares, já que o expõe à uma vulnerabilidade não agraciada pelos direitos constitucionais individuais e fundamentais positivados na atual Constituição Federal.   

REFERÊNCIAS

Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 de outubro. 2019.

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002. < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 de outubro. 2019.

Direito Civil - Vol. 1 - Lei de Introdução e Parte Geral - 7ª edição - Flávio Tartuce - Editora Método

MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. P.35.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp >. Acesso em: 10 de outubro. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Jurisprud%C3%AAncia/Pesquisas>. Acesso em: 10 de outubro. 2019.

Como funciona a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas?

A incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas é mais conhecida na doutrina como eficácia horizontal dos direitos funda- mentais. Entretanto, esse termo talvez não seja o mais apropriado, pois a horizontalidade passa a ideia de igualdade, equilíbrio de condições entre as partes.

O que é a eficácia horizontal dos direitos fundamentais?

Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais refere-se a aplicação desses direitos na esfera jurídico-privada, ou seja, no âmbito das relações jurídicas entre particulares.

É possível aplicar diretamente os direitos humanos nas relações jurídico privadas?

Nos termos da proposta da teoria da eficácia direta ou imediata, como o próprio nome sugere, alguns direitos fundamentais podem ser aplicados diretamente às relações privadas, ou seja, sem a necessidade da intervenção legislativa.

O que é horizontalidade dos direitos fundamentais?

Responsável pela nova leitura das relações entre particulares, tal teoria confere aplicabilidade aos direitos fundamentais entre os particulares, deixando de restringir tal construção de garantias constitucionais apenas ao plano vertical, mormente expresso pela relação entre Estado e indivíduo.