O que costuma reduzir a competitividade brasileira no comércio internacional?

"O Brasil não é para amadores." Essa frase, e suas variações, são constantemente utilizadas por advogados e consultores de comércio exterior ao se referirem aos desafios e custos inerentes às atividades relacionadas à importação e à exportação em território nacional.

O que costuma reduzir a competitividade brasileira no comércio internacional?
Boa parte das dificuldades são comumente tratadas como "custo Brasil", expressão voltada ao conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que obstaculizam o crescimento do país, influenciam negativamente no ambiente de negócios, encarecem os preços e custos relativos à produção e contribuem para uma excessiva carga tributária [1].

No que concerne às exportações, cuja competitividade e incremento são interesses governamentais diretos, visto seu impacto sobre a balança comercial e o desempenho econômico, várias são as ferramentas criadas e mantidas pelo governo para tentar reduzir o custo Brasil. De largada, tem-se a desoneração fiscal prevista em nível constitucional, cujo texto dispõe não apenas sobre a não incidência tributária sobre as exportações, como garante o direito ao crédito sobre os tributos incidentes na aquisição nacional dos insumos empregados nos produtos exportados, como forma de garantir que tais valores não venham a compor o preço do produto final [2].

Para além disso, tem-se benefícios como o Reintegra [3] — programa que visa reintegrar, na forma de créditos, valores referentes a custos tributários federais residuais existentes nas cadeias de produção dos bens manufaturados exportados — e os regimes aduaneiros especiais — que igualmente buscam desonerar as operações de comércio exterior e/ou simplificar seus procedimentos como forma de conferir vantagens financeiras e competitivas aos usuários.

Dentre os regimes aduaneiros especiais, o drawback é, sem sombra de dúvidas, o mais popular entre os exportadores. Isso se deve a uma série de motivos: (1) trata-se de regime relativamente simples e amplamente difundido, cuja vigência no Brasil remonta à década de 1930 [4]; (2) possui baixo custo de habilitação e manutenção; (3) é passível de utilização por empresas dos mais diversos tamanhos, setores e atividades; e (4) seus requisitos de habilitação são relativamente simples.

De acordo com os dados oficiais, estima-se que o drawback responda por aproximadamente 30% de todo o benefício fiscal concedido pelo governo federal nos últimos 4 anos e por mais de 20% do total exportado pelo Brasil, com mais de 3.000 empresas habilitadas [5].

Não obstante, verifica-se que tanto o creditamento dos valores incorridos a título de custos tributários federais residuais, como no caso do Reintegra, quanto a comprovação de cumprimento do regime de drawback após o fim do ato concessório são situações mais desafiadoras do que se imagina. Prova disso é a quantidade significativa de processos administrativos que chegam ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) todos os meses e versam sobre esses temas.

Ora, mas se o creditamento sobre produtos exportados e/ou o uso de drawback nem sempre se apresentam como as melhores alternativas à redução do custo Brasil e aumento de competitividade do exportador, qual seria a alternativa?

O que o presente artigo pretende é chamar atenção para o Regime Aduaneiro Especial de Entreposto Industrial sob Controle Aduaneiro Informatizado (Recof) como ferramenta estratégica ao ganho de competitividade das empresas brasileiras que atuam na exportação, cujos benefícios produzem vantagens que vão além dos créditos e isenções tributárias tradicionais.

O Recof, criado originalmente por meio do Decreto nº 2.412/97, e posteriormente aperfeiçoado por meio de diversas normas, tem como principal benefício a suspensão de tributos federais incidentes na importação (II, IPI, Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins) com sua decorrente isenção mediante exportação.

A principal diferença entre o drawback e o Recof reside no fato de que este último, além de estender a suspensão ao Adicional ao Frete da Marinha Mercante (AFRMM), garante que as suspensões dos tributos não se apliquem apenas às importações destinadas a atividade de industrialização para exportação, mas a todas as operações da empresa habilitada, o que representa um expressivo benefício em termos de fluxo de caixa, gestão de estoque e custos de produção.

A única restrição imposta pelo regime é de que a empresa acreditada deve exportar ao menos 50% do que foi importado. Nesses casos, os tributos suspensos na importação serão posteriormente isentos de tributação federal, ao passo que as importações cuja aplicação se dê sobre produtos a serem destinados ao mercado interno ou que sejam nele revendidas deverão ter os tributos suspensos recolhidos até o mês subsequente ao da destinação, sem incidência de juros ou multas.

Desta feita, o Recof se apresenta como um regime de benefícios mais substanciais e com impacto sobre todo o processo produtivo da empresa, não atingindo apenas o braço exportador.

Apesar disso, o número de empresas habilitadas ao regime ainda é bastante reduzido. Até 2017, havia cerca de 20 empresas habilitadas, número que ascendeu para 102 em 2022. Apesar do aumento nos últimos anos, verifica-se que o Recof ainda é um regime subutilizado, considerando seu potencial e benefícios oferecidos. Segundo estudos realizados por consultorias privadas e pela própria RFB, existem mais de 1.500 empresas brasileiras com perfil para credenciamento junto ao programa.

A baixa adesão ao regime pode ser atribuída a uma série de exigências existentes no passado e que, apesar de não estarem mais em vigor, contribuíram para que o Recof fosse visto pelo mercado como um programa seletivo e destinado apenas às grandes empresas exportadoras brasileiras. Dentre essas exigências, destacam-se: (1) restrição de fruição a alguns setores da economia como informática e telecomunicações (até 2002) e automotivo e aeronáutico (até 2012); (2) obrigação de que o usuário fosse habilitado no programa Linha Azul (vigente até 2015); (3) obrigação de exportação de valor mínimo anual equivalente a US$ 10 milhões (vigente até 2015) e posteriormente a US$ 5 milhões (até 2019) e a US$ 500 mil (até 2021); e (4) obrigação de manutenção de patrimônio líquido mínimo de R$ 25 milhões (até 2012) e de R$ 10 milhões (até 2019).

Além disso, o Recof tradicional, modalidade regida pela IN RFB nº 1.291/2012, exige que o usuário mantenha sistema informatizado para controle de entrada, estoque e saída de mercadorias e de registro e apuração de créditos tributários devidos, extintos ou com pagamento suspenso, o qual deve ser integrado aos sistemas corporativos da empresa e permitir livre e permanente acesso da RFB. Tal requisito, por si só, sempre foi visto pela maioria das empresas interessadas como um entrave, visto sua complexidade e alto custo de implementação.

Apesar de tal exigência continuar em vigor, foi criada, a partir de 2016, por meio da IN RFB nº 1.612, uma modalidade alternativa, o Recof-SPED, que exime as empresas de manter esse tipo de sistema, desde que se utilizem o "Bloco K" do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), que corresponde ao Registro de Controle da Produção e do Estoque. Trata-se, portanto, de uma adequação que barateou e simplificou a entrada no regime para novas empresas interessadas, principalmente se considerado que a utilização do Sped já é uma obrigação a boa parte das empresas que atuam no comércio exterior.

Assim, considerando as recentes simplificações do regime, o que se verifica é que a baixa adesão decorre da falta de conhecimento das empresas sobre o tema, visto que subsiste o antigo estigma de que se trata de um programa elitizado e voltado para um pequeno grupo empresarial. Além disso, pesquisas realizadas pela própria RFB revelam que a maior parte das empresas exportadoras, antes de se habilitarem a regimes especiais, costumam buscar ajuda especializada, de forma que uma maior popularização do Recof passa, necessariamente, pela familiarização de advogados e consultores com os atuais requisitos e benefícios do programa.

A nosso ver, o único entrave real a uma maior adesão ao Recof nos dias de hoje, seja na modalidade tradicional, seja no Recof-SPED, dá-se pela falta de uniformização sobre o ICMS na importação. Isso porque, diferente ao que ocorre no drawback — que, pela popularização, teve a suspensão regulamentada no âmbito do CONFAZ[6] —, no Recof o ICMS-importação continua exigível, com exceção das operações realizadas nos estados de São Paulo [7] e Paraná [8] e das operações do setor aeronáutico no estado do Rio de Janeiro [9].

Não obstante, tudo indica que a falta de uniformidade e de um tratamento adequado ao ICMS-importação em âmbito nacional decorra justamente da baixa adesão ao Recof pelas empresas brasileiras, de forma que, caso haja um maior número de operações, parece inevitável que a questão seja levada ao Confaz e que medidas sejam tomadas para sua adequação, tal qual ocorreu com outros regimes no passado.

Por fim, verifica-se que o Recof, para além das vantagens de fluxo de caixa, otimização de custos e flexibilização no planejamento tributário, traz em sua filosofia uma visão de compliance aduaneiro muito mais moderna e atual que os demais regimes especiais, visto que o acreditamento prévio junto à RFB e a utilização de sistemas informatizados e integrados para sua administração garantem a integridade dos dados na gestão das obrigações aduaneiras e tributárias, evitando interações manuais e garantindo a gestão de risco em todas as operações. Prova disso é que, não coincidentemente, grande parte dos usuários do Recof já são certificados dentro do Programa Operador Econômico Autorizado (OEA), ainda que se tratem de procedimentos autônomos, não vinculados entre si.

Dito isso, o que se pode concluir é que, a despeito da relevância de programas e regimes como o Reintegra e o drawback, existem outras opções para que as empresas brasileiras ganhem competitividade e consigam ultrapassar as muitas e complexas barreiras burocráticas e tributárias do Brasil. Não obstante, para que o ambiente de negócios possa ser aprimorado, os profissionais envolvidos devem estar atualizados e munidos das informações necessárias ao assessoramento das empresas para melhores tomadas de decisão.

 


[2] Arts. 149, §2º, I; 153, §3º, III e 155, §2º, X, "a" da Constituição Federal.

[3] Decreto nº 8.415/2015.

[4] Rosaldo Trevisan, em brilhante declaração de voto realizada no âmbito do CARF, traz importantes contribuições sobre a história do drawback no Brasil, cuja origem reside no Decreto nº 994/36, sendo definido como "uma restituição, ou, na terminologia usada no decreto, uma devolução dos direitos pagos (integralmente) na importação (a norma usa ainda o termo 'remissão')" Segundo seus relatos, a Lei n. 3.244/57 manteve o drawback como “remissão”, de forma que ganhou a nomenclatura atualmente utilizada apenas com o advento do Regulamento Aduaneiro do Decreto no 50.485/61. Ver Carf. Declaração de Voto anexa ao Acórdão nº 3.403.­003.146, Processo nº 10831.005884/2008-­25, cons. relator Antônio Carlos Atulim. Dj 19/8/2014.

[6] Convênio ICMS nº 27/90 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

[7] Decreto nº 48.957/2004 (SP)

[8] Decreto nº 7.871, de 29/9/2017 (PR)

[9] Decreto nº 37.888/2005 (RJ)

Fernanda Kotzias é doutora em Direito do Comércio Internacional, advogada, consultora especializada em Comércio Internacional e Direito Aduaneiro, professora de pós-graduação e conselheira titular no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) do Ministério da Economia.

Quais são os maiores obstáculos para o avanço do comércio exterior brasileiro?

Confira os fatores que impedem o País de ser maior no comércio internacional..
Custo do Transporte. ... .
Encargos, Taxas e Tarifas nos Portos e Aeroportos. ... .
Burocracia Alfandegária e Aduaneira. ... .
Legislação complexa, pouco efetiva, dispersa e com múltiplas interpretações. ... .
Acesso a mercados externos. ... .
Tributação das Exportações..

O que favorece a competitividade no mercado internacional?

Entre os fatores ligados à competitividade internacional, os insumos ou fatores de produção ocupam papel relevante. Se eles oscilam, como conseqüência também a produção variará. Uma produção variável tende a ser um empecilho à competitividade da empresa, como se depreende da análise feita por Porter (1998).

É fator determinante para o custo Brasil que torna nossas empresas menos competitivas no cenário internacional?

Alta carga tributária e logística ultrapassada tornam o Brasil menos competitivo, com apenas 1,2% das exportações globais.

O que as empresas brasileiras devem fazer para serem mais competitivas dentro do comércio internacional?

5 dicas para exportar mais e ser competitivo no exterior.
1_ Inclua a exportação no planejamento estratégico. ... .
2_ Saiba com quais países o Brasil possui acordos de comércio internacional. ... .
3_ Controle e gestão de informação para tomada de decisão. ... .
4_ Conheça os regimes aduaneiros especiais..